Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 76
Confronto


Notas iniciais do capítulo

Mais um capítulo longo para vocês. E se preparem para odiar Matti Nieminen ainda mais!
Boa leitura!



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Estava caindo uma garoa fina e insistente, então acabei por abrir a minha sombrinha, e antes mesmo que eu atravessasse a rua, vi Alex abrir um sorriso interessante.

— Oi você! – Cumprimentei-o.

— Está parecendo a Mary Poppins com essa sombrinha vermelha. Mas eu gostei, combinou com você. – Ele falou assim que tomou a sombrinha de minha mão e me estendeu o braço para que eu passasse o meu no dele, assim nós dois caminharíamos juntos e sem nos molhar, apesar de que ele já estava bem molhado.

— Não julgue a minha sombrinha. Poderia ser pior, tenho uma roxa com bolinhas rosa, e você ficaria lindo debaixo dela!

— Eu aposto que tem uma coleção de sombrinhas em algum lugar da sua casa, porém, não vamos falar disso agora! Por que me mandou aquela mensagem?

— Posso começar do começo? Tem muita informação em quatro horas de reunião.

— Sou todo ouvidos, mas, antes, quem era a Duquesa que entrou naquele Jaguar com motorista?

— A Presidente do Conselho Administrativo da empresa. E ela tem um papel muito importante no que eu vou te contar... – E comecei a contar para Alex como foi a manhã no escritório, enquanto o guiava pelas ruas molhadas de Londres até um dos meus restaurantes favoritos.

— Espera! – Alex me pediu para parar meu relato, já estávamos no restaurante, um típico restaurante londrino que vendia o melhor fish and chips de toda a Inglaterra. – Querem você para gerir o escritório daqui e foi a tal da Grissom quem deu a ideia?

— Sim. Exatamente isso. E tem mais. Ao que parece a história do meu casamento arranjado espalhou igual a fogo na pólvora e todo mundo já está sabendo, Camila, inclusive, comentou sobre isso, sem entrar em detalhes.

Alex parou de beber a cerveja preta e me encarou com a sobrancelha levantada.

— E você? Como está lidando com isso?

Eu deduzi que essa pergunta, carregada de preocupação, era consequência da conversa que ele teve com meu pai.

— Melhor do que eu imaginava. Não quis matar ninguém. Na verdade, me sinto indiferente por esse assunto ter se espalhado. Achei que poderia me incomodar, afinal não foi fácil, porém, não ligo. Não ligo porque não me afeta mais. Tudo o que aconteceu parece só um casamento que acabou por conta de traição e o ex casal teve que conviver por um tempo. Como eu segui em frente, passou a ser uma página da história da minha vida, no melhor estilo, “é, aconteceu, foi isso, mas quem se importa, acabou. Passado é passado e ninguém vive dele!”. – Conclui.

— Tem certeza, Kat?

— O que meu pai te contou, te assustou muito, não foi? – Entramos no assunto que eu não queria, mas em virtude do que aconteceu nesta manhã e ainda aconteceria, era estritamente necessário.

Alex fez uma cara de paisagem, tentando esconder a verdade de mim, não para me enganar, para me poupar, acontece que eu já sabia lê-lo por inteiro, e não adiantou nada.

— Quando você me contou, enquanto subíamos o Letreiro de Hollywood, que tinha ficado mal, eu não sabia que isso quase tinha te consumido por inteiro, Kat. Não fazia ideia que você quase ... – Ele parou e engoliu em seco, desviando os olhos de mim. – Então não fique com raiva de mim se eu ficar um tanto superprotetor com você durante essa semana.

Um tanto? Acho que isso você já é! – Brinquei para aliviar o clima, não era uma boa lembrança essa que meu pai plantou na cabeça de Alex.

Ele me olhou. Sério. Dizendo com o olhar que não era uma brincadeira.

— Eu entendi, Alexander. De verdade. Meu pai não devia ter sido tão específico com você, mas ele foi, e eu te agradeço por se preocupar comigo. E eu te garanto, eu estou bem. De verdade. Todos estes comentários não me afetam em mais nada. Se fossem há cinco, seis meses atrás, eu teria uma recaída, eu teria sim, sucumbido à humilhação de pensar naquilo tudo. Não hoje.

Por todo o tempo em que eu falei, Alex me olhou atentamente, procurando algum sinal ou algum tique que entregasse uma mentira ou hesitação. E eu estava certa, não havia nenhum, porque o que eu disse era verdade, eu não ligava para a fofoca, porque hoje não me afetava, não me fazia ficar mal, daqueles dias dolorosos só sobrou a lição de que eu sou mais forte do que imaginava. E, claro, meses mais tarde, veio a recompensa. Veio Alexander.

— Confia nas palavras que digo? – Perguntei a ele, já que ficou em silêncio.

— Confio. Confio sim, Kat.

— Ótimo! – Dei um sorriso para ele. E Alex me pediu para que continuasse o relato da manhã.

Acabamos de comer, dividimos a conta, o que deixou o garçom um tanto desorientado, mas somente Dottie entende a nossa mania de pagar a comanda trocada, e depois voltamos devagar para o prédio, já não chovia mais e agora Alex reclamava que minha sombrinha chamava atenção até fechada.

— Por Deus! Eu vou pegar a da Penelope Charmosa de Elena emprestada se você continuar a reclamar! – Chiei. – É pior do que criança!

— E você é uma péssima guia turística. - Ele me cutucou na costelas. - Não está me contando nada desse lugar. – Por esse lugar, Alex comentava da Tower Bridge.

— Está vendo aquela pessoa com colete ali? – Apontei para um homem que usava um colete e um crachá típicos dos que trabalhavam na informação turística. – Pergunte a ele.

— Não! Eu fui seu guia turístico em Los Angeles. Eu te contei em detalhes o que nós víamos. Você deveria fazer a mesma coisa aqui!

— Estranho. Não me lembro de nada disso.

— Deveria estar dormindo, então. – Alex deu de ombros na maior cara de pau.

— A única coisa de que me lembro é você dirigindo como um lunático pelas ruas de Los Angeles, sem me dar a chance de ver nada.

— Eu te mostrei onde é a realizada a festa da Vanity Fair.

— Só falou desse lugar porque tem uma péssima lembrança daquela noite, já que passou fome! – Retruquei.

— Tá vendo, fui um excelente guia, você se lembra da história! – Ele me lançou aquele sorrisinho.

— Você não tem jeito mesmo, hein? Será que pode parar de ser convencido? – Reclamei, bati nele com a sombrinha e andei mais rápido, abrindo uma distância dele. A essa altura já estávamos bem perto do prédio.

— Sou seu convencido preferido. – Ele disse e, com três passadas, me pegou em um abraço e começou a andar ainda abraçado a mim.

— Mudando de assunto, porque eu estou vendo que qualquer coisa que eu disser você vai virar ao seu favor, vai fazer o que agora de tarde?

Alex conferiu o relógio, eram 12:35.

— Não sei...

— Quer ir para casa? Te passo o carro.

— Mas não vamos pegar a Elena? Prometemos para ela.

— Você pode ir para casa, descansar um pouco, colocar uma roupa seca, e depois vem me pegar, sei que você consegue chegar aqui para me buscar e depois vamos resgatando os três. E saiba que Tanya já nos intimou a jantar lá.

— É uma boa ideia. – Ele apoiou o queixo na minha cabeça. – Mas você não vai precisar do carro?

— Só tenho que pegar as minhas coisas, poderia ter deixado na sala de reunião, mas não quis arriscar.

— Então eu vou para casa... – Ele parou de falar de uma hora para outra e apertou seus braços em torno de mim.

— O que foi? – Questionei.

Alex sibilou um palavrão e depois tentou me puxar para longe do prédio, algo que não deu muito certo e logo eu vi o motivo.

Na portaria principal estavam Lucca e Cavendish. E, descendo do carro, Matti.

— Mas que merda! – Alex continuava a xingar.

— Não fique assim. - Pedi.

— Como não ficar, Kat? Eles estão te olhando como um leão olha para um antílope, como se você fosse uma presa fácil.

— Primeiro, os leões não caçam, quem caça são as fêmeas. Então os três morreriam de fome. Segundo, como sabe que aquele é o Cavendish?

— Vi a foto dele no site da empresa.

— Ah! – Foi tudo o que pude comentar.

Então aconteceu uma cena realmente desagradável. Lucca e Cavendish olhavam na nossa direção com sorrisos debochados, e eu sabia o motivo. Não só eu estava ali, do outro lado da rua, ao alcance de suas palavras, como estava acompanhada por Alex, uma pessoa que não se encaixava em nada com o ambiente do escritório e, sendo bem sincera, não se encaixava em nada no ambiente a sua volta, pois todos aqui andavam de ternos caros, carros com motorista e falavam de negócios, não de ir buscar os sobrinhos na escola. Com pouco, Matti encontrou com os dois no alto da escada, e eu não precisava ler os lábios deles para saber o que ele perguntou, pois logo em seguida, Lucca fez questão de apontar, isso mesmo, ele apontou na nossa direção, e logo Matti olhou para nós.

Eu tentava ignorar os olhares e tentava fazer com que Alex conversasse comigo, porém ele não fez isso, manteve o rosto sério e sustentou o olhar de Matti. Os três homens logo entraram e foi só aí que eu voltei a respirar.

— Eu vou pegar o carro para você. – Falei e tentei me soltar de seu aperto de ferro.

— Espere mais um pouco.

— Não posso. Faltam vinte minutos para o Conselho reiniciar os trabalhos e eu tenho que me ajeitar.

— Eles devem estar no lobby.

— Que estejam. Me espere aqui. – Pedi, atravessei a rua e subi os degraus de entrada.

Como Alex previu, dois dos Três Patetas estavam no lobby, não tinham passado nem as catracas ainda e, assim que escutaram o barulho de meus saltos, olharam na minha direção. Eu fingi que não os vi e caminhei até o elevador, indo para a garagem, porém, ainda tive que esperar um pouco, o que foi uma grande oportunidade para o seguinte comentário:

— Quer dizer, Matti, que agora terão um mendigo na família? Me pergunto como seu filho permitiu isso. – Cavendish falou alto para todo lobby escutar.

Respirei fundo e nem olhei para trás, entrando no elevador e apertando o botão para a garagem sem nem me virar, ou era bem capaz que eu arremessasse algo na cabeça de um dos dois se eu os olhasse agora.

As portas se abriram na garagem e eu saí apressada, murmurando algumas ideias de torturas que passavam pela minha mente. Até que cheguei perto do meu carro e vi que Lucca estava ali, escorado perto da tampa do porta-malas.

— Mas que merda! Parecem garotos do ensino médio perseguindo a nerd da escola. – Sibilei.

— Muito comovente a sua ceninha do lado de fora do prédio. Quase que eu passo mal.

Fiquei calada e destranquei o carro.

— Foram almoçar aonde? Debaixo da ponte? Porque é só lá que aceitariam uma pessoa como o atorzinho de quinta.

Abri a porta e Lucca teve a audácia te tentar bloquear o meu caminho, me cercando para que eu não entrasse no carro e ainda segurou o meu braço direito.

— Se você quiser continuar a ter as duas mãos, me largue agora. – Ordenei friamente.

— Ou vai fazer o que?

Eu já estava sem paciência. E os comentários, os sorrisos cínicos, todas as vezes que ele passou do meu lado e me humilhou com palavras e ações retornaram como um furacão em minha mente, assim, não pensei muito. Só agi.

Com um pé, dei um belo chute na canela dele, a minha bota de bico fino fazendo um belo trabalho para machucá-lo de verdade e quando ele sentiu a dor, apertou o meu braço com mais força. Foi aí que eu agi com ainda mais raiva.

Dei uma joelhada na virilha dele. Com muita força. Foi até força demais, mas quem sabe, isso não garantiria que Lucca Dempsey não se procriasse no futuro. Só que eu não parei por aqui. Não. Quando ele se curvou para frente, tentando diminuir a dor, eu bati a porta do carro em seu ombro e cabeça.

Lucca gritou um palavrão e eu o agarrei pela gola da camisa.

— Nunca mais me encoste, nunca mais me dirija a palavra, nunca mais chegue perto de mim ou de alguém da minha família. Nunca mais fale o nome do meu noivo ou comente sobre ele. Ou essa joelhada, esse chute, serão carinhos perto do que eu vou fazer com você. Rasteje para seu buraco em um canto qualquer e fique lá. Você não passa de um garotinho mimado que permitiram ter poder e a quem confiaram um plano que você não soube executar. Eu não sou a marionete que você pensou que eu era. Eu sei me cuidar, sei me defender e se for preciso, sei sumir com uma pessoa também. Fique avisado. – Sibilei e o empurrei para o chão. Lucca caiu de costas, gemendo de dor e me chamando de vadia.

— Continue falando isso, que um processo ainda vai aparecer em cima de você e eu vou tirar até a sua casa. – Bati a porta com força, girei a chave e arranquei o carro, cantando pneus, passando com o pneu a milímetros do pé dele. Pelo retrovisor vi que ele ainda se contorcia no chão de dor. – Um já foi, faltam dois. – Murmurei.

Parei o carro logo na frente da entrada principal, digitei o endereço da casa e, sem desliga-lo, desci, peguei as minhas coisas , só avisando para Alex.

— Se eu não sair no horário, chame meu pai e Ian, pois me prenderam lá dentro.

— Mas o que você está dizendo, Kat? – Ele me perguntou alarmado.

— Acabei de bater em Lucca. E eu não me arrependo nem um pouco disso. – Falei ao fechar a porta de trás. – Te vejo às 16:30 horas, Surfista. O endereço de casa está no GPS, qualquer coisa, me ligue. Rakastan sinua. – Terminei de falar e subi os degraus correndo, eu tinha cinco minutos para voltar para a sala de reunião.

Não sei a reação de Alex, só sei que dei sorte e consegui subir até o último andar sem ninguém para me fazer companhia, assim, tirei um espelho da bolsa e dei uma conferida na minha aparência. Estava tudo em ordem, tirando as minhas bochechas que ainda estavam vermelhas por conta do meu ataque de raiva.

Respirei fundo diversas vezes e quando entrei dentro da sala de reuniões, já estava completamente composta e, pelo visto, o incidente da garagem ainda não tinha chegado ao último andar.

Quando a reunião recomeçou, pude ver que Cavendish já deveria saber de algo, a julgar pelos olhares que ele me lançava de tempos em tempos. Ele que ficasse calado, ou teria um destino muito pior do que o do sobrinho.

Continuaram a mostrar os números dos escritórios da Europa, que seria a pauta de hoje. Discretamente eu comparava com os números de LA, realmente tínhamos ido muito bem, mesmo com a mudança de direção. Após os números da Europa serem mostrados e discutidos, a pauta entrou para o que deveria ser feito no quesito novidades. A discussão se acalorou quando alguém sugeriu que os mais novos começassem a tomar conta de certas áreas, dizendo que a mudança era inevitável e que mais cedo do que todos previram, a tecnologia tvai estar avançada a tal ponto que muitos não conseguirão acompanhar mais.

Os mais velhos de casa, encabeçados por Cavendish, diziam que isso não seria problema, que adaptação sempre foi o cerne da empresa, mas a bancada que apoiava a revolução, queria “sangue novo” um pessoal especializado, que seria rápido para angariar clientes e checá-los. E isso me lembrou do software que estava sendo desenvolvido lá no escritório. Os nerds de LA estavam a quilômetros à frente do pessoal da Europa.

Escutei com atenção a discussão, certa de que ela voltaria quando eu mostrasse os números do escritório do Pacífico e aumentaria assim que apresentasse o software. Mas isso só aconteceria na quinta-feira, até lá eu era somente uma ouvinte, captando as melhores ideias para então adaptá-las e usá-las com o pessoal do escritório.

Às 16:30 horas em ponto, a reunião foi encerrada. Guardei as minhas coisas e saí da sala junto com a maioria dos outros presentes, conversando com o diretor do escritório de Nova York sobre como era morar no Estados Unidos. Ele tinha sido transferido para lá há um ano, junto com a família, mas era de origem australiana e ainda não tinha se acostumado com os meses frios. O meu problema era totalmente o contrário, eu ainda não tinha me acostumado com a falta de dias realmente frios.

Nos despedimos ainda no último andar, ele descendo antes de mim. E, assim que vi uma oportunidade, entrei no primeiro elevador vago. Porém, infelizmente, acompanhada.

— Boa tarde, Katerina. – Matti teve a cara de pau de me dirigir a palavra.

— Boa tarde. – Vi-me na obrigação de ser educada e fiquei calada, olhando para os números que indicavam os andares.

— Vi que seu namorado estava do lado de fora mais cedo.

E mais uma vez vinha alguém para me perturbar, eu mordi a língua para não falar nada.

— Você vai me apresentá-lo? Pois fiquei sabendo que Mina já o conhece. – Ele teve a audácia de perguntar e ainda citar o nome da minha avó! Eu me peguei virando na direção dele e o encarando de uma maneira que eu tentei evitar durante todo o dia. Com ódio.

— Não. Eu não vou te apresentar ao Alex. O senhor é o meu chefe, e eu, como funcionária, não tenho a obrigação de te apresentar meu noivo. Não seria apropriado, senhor.

Matti ficou lívido quando eu mencionei que Alex era meu noivo.

— Engano seu, sou seu avô e tenho que aprovar a pessoa com quem você sai. Afinal, é o sobrenome e o dinheiro da família que estão em jogo.

— O senhor não é o meu avô. E muito me admira a sua preocupação com o nome da família, afinal, não teve o mínimo de escrúpulos quando armou um casamento para mim e fez com o que o sobrenome Nieminen fosse humilhado em público. Não sei o motivo de se importar agora. E para sua informação, quem deve ou não dar a aprovação é meu pai. E ele já deu. E é isso que importa. Tenha um bom final de tarde, senhor. – Disse e dei a sorte do elevador chegar ao lobby antes que ele abrisse a boca. Ao passar pelas catracas, dei de cara com Lucca, que me olhou atravessado, mas ficou calado. Vi que ele tinha um vergão vermelho no lado esquerdo do rosto, onde bati a porta e que estava meio que mancando ao andar. Internamente sorri, agora quem sentia dor era ele.

Me despedi dos porteiros e depois de ajeitar o casaco, abri a porta. Infelizmente Matti estava do meu lado quando desci os degraus. Mas dessa vez ele ficou quieto, afinal, do outro lado da rua estavam Alex e meu pai, dentro do carro de meu pai, estava minha mãe, e eu podia jurar que se Matti abrisse a boca, ela iria voar no pescoço dele.

Atravessei a rua com cuidado, e eu nem tinha pisado na calçada, meu pai já veio falando:

— Eu tenho que conversar com meu pai ou com o filho da mãe do Dempsey?

— Com nenhum dos dois. – Garanti. - Sim, eu bati em Lucca. E prometo contar para o senhor tudo o que aconteceu em casa. Não aqui e não debaixo de chuva. Vou pegar Lena, Tuomas e Liv na escola e nos vemos na casa de Ian e Tanya. – Levei meu pai até o carro e pela janela garanti a minha mãe que tudo estava bem.

Depois voltei para meu carro, Alex me entregou a chave e antes mesmo que eu afivelasse o cinto, falou:

— Dê-me um bom motivo para não encher a cara do seu ex de porrada agora.

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Vi meu pai arrancar o carro e pegar o caminho mais rápido para a casa de Ian. Eu ainda fiquei parada por um tempo, Alex do meu lado ficava a cada segundo mais ansioso e impaciente.

— Eu não tenho motivos para te convencer a não bater no Pateta 3. – Falei por fim, e liguei o carro, saindo de frente do prédio antes que meu noivo cismasse de descer e ir tirar satisfações.

— O que ele te fez para você, você, Katerina, bater nele?

Mordi o interior da minha bochecha, pensando ainda em como eu contaria a cena da garagem a Alex e, ao mesmo tempo, evitasse que ele cometesse um assassinato.

— Kat, eu estou esperando.

Sem querer levei minha mão esquerda ao meu braço direito, o lugar onde Lucca segurara estava dolorido e piorava quando se tocava. Eu não duvidava que tinha ficado uma marca... marca que deixaria Alex enlouquecido.

— Dentro de poucos minutos vamos chegar na escola de Elena. Não quero que ela escute nada disso, pois não é um bom exemplo para a Baixinha. Eu prometo te contar, até porque tenho que contar para meu pai também, já que você o chamou...

— Eu não chamei seu pai. Ele simplesmente apareceu lá. – Alex se defendeu.

— E como ele sabia?!

— Eu não sei, Kat. Porém tanto ele, quanto a sua mãe chegaram um pouco antes das 16:30. Seu pai só foi descer do carro quando o carro do seu Chefe parou na frente do prédio.

— Isso é estranho, contudo, não vou me preocupar agora. – Falei assim que entrei na fila de carros que paravam em frente à escola onde Elena estuda.

— Só para que eu fique mais calmo, o que você com o Pateta 3?

— Um chute bem forte na canela...

— Elena é quem faz isso. – Ele me interrompeu nada impressionado.

— Quer esperar?! E Elena não usa bico fino nos pés quando vai chutar alguém! – Mencionei.

Alex observou o bico da minha bota.

— Esse é mais fino do que os sapatos que você costuma usar... – Fez uma careta.

— Está sentindo dor por ele, Alexander?

— Não, só que... mais o que?

Abri um sorriso.

— Uma joelhada. – Alex se virou no banco para me olhar. – Sim, bem aí onde você está pensando. Eu fiz questão de garantir que ele não pudesse deixar nenhum herdeiro no mundo.

A careta de Alex foi impagável.

— Estou começando a achar que você está se compadecendo do Idiota... – Comentei.

— Muito pelo contrário. Estou começando a ficar preocupado comigo. Acho melhor não te irritar jamais.

— Decisão sábia. – Falei. – Posso continuar?

— Tem mais? O cara ficou de pé depois de uma joelhada na virilha?! Ele é eunuco por acaso!?

Tive que segurar a altura da minha risada.

— Sim, teve mais, quando ele se curvou para frente, com a intenção de garantir que tudo ainda estava no lugar, eu ainda bati com a porta do carro nele. Depois, o segurei pela camisa e mandei ele ficar longe de mim e de todo mundo e foi só aí que arranquei o carro e deixei ele se contorcendo de dor no chão. O último vislumbre que tive dele, ele tinha um enorme vergão do lado esquerdo do rosto e estava andando meio igual a um pato...

Alex me olhava com os olhos azuis arregalados.

— Mas o que ele fez para te deixar nesse estado de fúria?

— Mexeu com quem não devia, mas não foi só o que aconteceu hoje, Alex, foi a soma de tudo. Hoje foi a gota d’água com relação a ele. Não dava para não reagir.

— Você sabe que isso pode acabar em processo, não sabe?

Ponderei a ideia.

— Não. Ele é narcisista e ego-maníaco demais para admitir para alguém que apanhou de uma mulher. Corrigindo, que ele apanhou de mim. Lucca Dempsey jamais vai admitir isso em voz alta.

— E se ele tentar qualquer coisa contra você? Kat, você mesma me disse que não sabe autodefesa...

— Ele não vai fazer isso, Alex. Ele entendeu o recado. Além do mais, tenho um par de patins de gelo e um taco de hockey no porta-malas, fora o soco inglês e o spray de pimenta... são boas armas de defesa, não são?

Meu noivo não ficou convencido sobre o que eu falara, porém, trocou de assunto, afinal nossa vez de parar no carro na porta da escola chegara e já tinha um pontinho loiro pulando desesperadamente à nossa espera.

— Você estava assim ontem, enquanto me esperava voltar da conversa com seu pai. – Alex comentou com um sorriso. – Na verdade, você e suas duas sobrinhas tem muitas reações iguais. Eu fico até assustado.

— Faça a pergunta, Alex. Eu sei que você quer perguntar isso... – Provoquei.

— Eu sei que elas não são suas filhas, Kat, porque, apesar de vocês serem parecidas, eu reparei que elas não se parecem com você. Elas se parecem com a sua avó, Mina. Você e suas duas sobrinhas são as cópias de sua avó.

— Aleluia que alguém percebeu isso! – Levantei minhas mãos para o céu.

Alguns segundos depois, parei o carro na frente da escola, Alex desceu para ajudar Elena que ficou toda empolgada pelo setä estar ali.

— Oi, täti! – Ela falou assim que acabou de explicar para Alex como ele deveria afivelar o cinto da cadeirinha.

— Hei pikkuinen! Como foi na escola?

Foi o que bastou para que Elena começasse a contar com detalhes sobre tudo o que acontecera na escola, desde o que ela havia aprendido até o que ela havia feito no intervalo. E a Baixinha falou até que paramos na frente da escola dos irmãos.

— Agora você vai deixar os seus irmãos conversarem também, pode ser? – Pedi, já que de manhã ela não deixou que Tuomas e nem Liv abrissem a boca.

— Tudo bem, täti! – Respondeu e começou a balançar as perninhas, esticando-as por entre os bancos da frente e Alex brincava de beliscar a canela dela ou puxar a ponta do cadarço do tênis que ela usava.

Antes que eu parasse o carro do outro lado da rua, vi que Olivia ficou aliviada por ver quem estava chegando, aliviada demais. Tuomas olhava para o fim da rua, como se acompanhasse algo. Assim que os dois entraram – Olivia praticamente se jogou no banco de trás, se sentando atrás de mim. – tive que perguntar.

— Por que essas caras? O que aconteceu? Eu não estou tão atrasada assim.

— Não, não está tia. – Foi Tuomas quem respondeu e eu comecei a achar isso estranho, normalmente é Liv quem fala pelos cotovelos, não meu sobrinho. – É que... o seu avô— Ele destacou a palavra. – Ficou um tempo parado do outro lado da rua, observando quem apareceria para nos buscar. Assim que o seu carro ficou visível, arrancaram e foram embora.

Minha mãe iria adorar saber disso.

Do meu lado, Alex olhava para os três no banco de trás, Elena um tanto alienada sobre a conversa, já que era nova demais, ainda brincava com ele. Porém, os outros dois... Tuomas tinha uma feição taciturna e Liv eu não podia ver, pois ela estava escondida atrás do meu banco, com a cabeça baixa.

— Só respire, Olivia. Faça como você fez no dia dos paparazzi. Respire fundo e depois solte o ar devagar. – Alex ia instruindo e eu soube o que se passava com minha sobrinha mais velha, ela estava tendo um ataque de pânico.

O carro caiu em um estranho silêncio, tudo o que se escutava eram as inspirações e expirações de Olivia. E, a cada vez que ela tinha que respirar mais fundo, eu ficava ainda mais revoltada. Matti, não satisfeito por quase me matar no início do ano, tinha sido negligente ao ponto de deixar o segurança bater em Tuomas e agora tinha conseguido adoecer Olivia.

— Estamos chegando, Liv. – Murmurei e acelerei, porém o trânsito não estava cooperando.

— Eu sei. – Ela me respondeu, sua voz tremia.

— Ele não pode fazer nada contra vocês. – Garanti.

Minha sobrinha soluçou alto e começou a chorar.

Elena, que estava sentada no meio, ao lado da irmã, começou a acariciar a cabeça dela e a confortá-la.

— Chora não, Liv. Não chora, senão eu vou chorar também. – Disse já com a vozinha tremendo.

Olivia começou a chorar ainda mais alto. Encostei o carro na hora, desci e abri a porta de trás, Olivia se arremessou nos meus braços, chorando e tremendo.

— Eu tenho medo dele! Tenho muito medo. – Ela dizia.

Havia poucas pessoas por perto, mas foi o suficiente para que algumas parassem e começassem a observar o que estava acontecendo. Para evitar perguntas desagradáveis, resolvi colocar Alex para dirigir, Tuomas foi para o banco da frente, arredei a cadeirinha de Elena para que ficasse atrás do banco do carona, travei a porta e o vidro para que ela não aprontasse nada e me sentei no banco de trás com Olivia abraçada a mim, uma cena que me remeteu à noite em que fui para Los Angeles.

Tuomas ia guiando Alex pelas ruas de Londres, sabendo como tirá-lo do trânsito pesado ao fazê-lo passar por ruas mais tranquilas. Quinze minutos depois, estávamos estacionando na garagem da casa de meu irmão mais velho e Olivia ainda não tinha parado de chorar.

— Vem, Lena, vamos descer. – Alex ajudou a Baixinha, enquanto eu ainda tentava convencer Olivia que ela estava segura.

— Mas e a Liv? E a täti?

— Elas já vêm. – Alex tentava convencê-la de que íamos ficar bem.

Ouvi ao longe as vozes de meu pai e meu irmão perguntando sobre mim e Olivia.

— Você conhece o seu avô, daqui a pouco ele vem aqui na garagem para saber o que está acontecendo...

Täti, eu não quero morar aqui! Eu não quero ficar perto dele... não quero!! Me leva pra Los Angeles, por favor! Me leva pra longe dele! – Olivia implorava.

— Não posso te prometer isso, Liv. Sabe disso. Não posso te tirar do país e te levar para morar comigo. Não sou sua guardiã, sua mãe... te tirar daqui quando seus pais têm a sua guarda seria praticamente um crime. Mesmo que você queira ir.

— E eu vou ficar aqui como?? Olhando toda hora para trás e dando um pulo de susto cada vez que eu ver um sedã preto? Esperando pelo dia em que ele vai aparecer para ser a encarnação de meus pesadelos e dizer que agora ele tem a nossa guarda?

— Nós vamos resolver isso, Olivia. Sua avó já está resolvendo.

— Nós duas sabemos que nada impede Matti. Nada. Ele faz o que quer.

Minha sobrinha estava certa. Matti Nieminen não iria ser proibido de fazer algo. Nem por uma ordem judicial.

Pelo canto do olho vi meu irmão na porta da garagem. Ele estava, na falta de uma palavra melhor, furioso.

— Seu pai está ali, vamos entrar, antes que Elena comece a chorar lá dentro também.

Abri a porta e desci com minha sobrinha praticamente agarrada em mim, se ela fosse alguns anos mais nova tenho certeza de que estaria no meu colo.

Ela não me soltou nem quando Ian conversou com ela. Só murmurou que nunca mais queria ver o bisavô.

Passamos por todos na sala, Tanya mordia o lábio de ódio e minha mãe e meu pai discutiam algo no escritório de Ian. Levei Liv para o quarto dela, deixando Alex tentando distrair Elena.

— Vá tomar um banho, coloque uma roupa mais confortável. – Pedi.

E, na luz direta do quarto, pude ver o que estava acontecendo com minha sobrinha. Ela tinha profundas olheiras, e estava mais pálida do que o normal e, sem querer, eu tive um dejà vú.

Eu não vi Olivia ali, parada um tanto desorientada, no meio do quarto, eu vi a mim, alguns meses atrás. A única diferença é que ela não chegaria ao ponto em que cheguei.

Relutantemente, Olivia entrou no banheiro, enquanto ela tomava banho, minha mãe apareceu.

— Matti não vai fazer com Liv o que ele fez comigo. – Sibilei.

— Você também percebeu, não percebeu?

— Foi como se eu olhasse no espelho. Começo a pensar se não é melhor ela ir para Los Angeles comigo e ficar por lá por seis meses...

— Não, Kat. Não é. Você tem uma rotina apertada. Olivia ficaria sozinha.

Escutamos o chuveiro ser desligado.

Ela fica sozinha aqui, äiti! Não tem ninguém para tomar conta dela.

— Tem as amigas dela. A temporada da F1 acabou, Ian vai ficar mais em casa.

— Ela não vai se abrir com Ian...

— Conversaremos isso depois. Tente convencê-la a descer.

— Ela vai. – Afirmei.

Foi complicado, mas convenci Liv a descer e me ajudar com o jantar. Pelo visto todos estavam com saudades da minha comida e me escolheram como cozinheira.

Olivia era uma companhia silenciosa na cozinha, e, à medida em que ia escutando as risadas na sala, foi relaxando, até que começou a me contar sobre o dia dela, como ia a escola e como ela estava progredindo com a fotografia, já que tinha conseguido entrar no curso que tinha na escola, tudo isso em alemão, já que ela disse estar sem prática na conversação.

Tanya ia e vinha entre a sala e a cozinha, mais para conferir como estava a filha do meio do que para ajudar, e em uma dessas idas e vindas, falou:

— Acho que vocês vão querer ver a cena que está acontecendo lá dentro. – Apontou com a cabeça na direção da sala.

Eu tinha uma ideia do que era, mas não esperava que fosse uma cena tão fofa e inusitada ao mesmo tempo. Foi tão inesperada que acabou por arrancar risadas de Liv, e pelo visto, isso era algo que ela não fazia há um tempo.

O que acontecia era que Elena simplesmente tinha conseguido convencer Alex, não só de entrar dentro da cabana da Barbie, mas a se vestir como o cachorro da Barbie, colocando nele um chapéu que tinha orelhas, além de uma máscara que imitava o nariz e a boca de um cachorro.

— Agora, Taffy, late. – Ela falou para Alex que estava um tanto relutante em latir.

— Ninguém falou para ele que Taffy é uma fêmea, né? – Tuomas perguntou para a mãe.

— Não, ninguém falou. – Tanya confirmou, segurando a risada.

Discretamente, tirei o celular do bolso e comecei a gravar a cena, não para constranger Elena quando ela crescer, mas para me divertir às custas de Alex e sua imitação da pequena Poodle Taffy.

— Essa cachorra já foi até mãe em um dos desenhos que a Lena assiste!! – Liv comentou rindo.

— Fiquem quietos, aprendam a ter uma moeda de troca na vida. Isso pode valer qualquer coisa no futuro. – Sibilei para os irmãos.

— Com a Elena!? – Perguntaram.

— Não, com o tio de vocês!

— Ahn... interessante. – Tuomas respondeu e eu vi os dois gravando a cena também.

E Elena, vestida com o pijama de gatinho, ainda tentava fazer Alex começar a latir.

— Anda Alex, é só imitar o Stark. – Comentei, tentando manter a seriedade. Meu noivo, por sua vez, me lançou uma olhada que eu pensei que ao invés de latir, ele iria era me morder.

E, para a felicidade de Elena, Alex começou a latir. Eu não consegui segurar as risadas e nem meu pai, que acabou saindo da sala.

Parei a gravação e tirei uma foto, já que agora Elena tinha se esgueirado para dentro da cabana e estava sentada no colo de Alex, explicando como era o mundo imaginário da brincadeira dela, e foi aproveitando esse momento que o eternizei em foto.

— E essa vai direto para o grupo da família! – Comentei.

Não demorou dois minutos e Will estava rindo, e foi Pepper quem soltou a pérola:

Mas a Barbie tem uma cachorra! Taffy é fêmea.

E Alex não deveria saber disso...— Respondi a ela.

Will mandou um áudio até chorando de rir, dizendo que só a Pouca Sombra da Elena para fazer isso acontecer.

Minha sogra deixou a parte da discussão sobre Taffy de lado e focou em Elena, dizendo que estava morrendo de saudades da netinha emprestada.

Sério, não tem um dia ruim com esse casal, um dia é a Kat quase morrendo afogada tentando surfar, no outro é o Surfista Tatuado vestido de cachorro ou cachorra, isso não é importante quando se tem 5 anos de idade, dentro da cabana da Barbie. Alguém avisa que rosa combinou com ele!— Pietra mandou essa pérola.

As mensagens continuaram e Alex, completamente alheio ao que comentavam no grupo, continuou a brincar com Elena.

Eu voltei para a cozinha, rindo. Nunca na minha vida eu iria imaginar que o meu noivo iria se fantasiar de cachorro e brincar com Elena no mundo imaginário dela, jamais.

Liv e Tuomas foram para cozinha atrás de algo para comerem.

Täti, nem eu faço aquilo, e olha que eu sou a irmã da Lena!! – Liv comentou rindo.

— Deixe os dois lá.

— Claro, né tia, afinal, se o tio estiver brincando com a Elena, não sobra para você ir brincar lá dentro da cabana. – Tuomas disse certeiro.

— Exatamente isso. Deixe que Alex fique com as costas doendo.

— Ah, mas isso ele vai ficar. – Meu pai apareceu falando na cozinha. - As minhas doeram por uma semana.

Liv e Tuomas esconderam a risada.

— É, coitado do Surfista, não é, papai? O senhor está morrendo de pena dele. – Comentei sarcástica.

— Ele quer fazer parte da família? Ele que aguente o teste de fogo que é a Elena. Mas o que temos para comer aqui? Esse jantar está demorando demais para sair!

E bastou que ele falasse isso, para Tuomas e Liv fazerem coro. Não demorou e até Ian chegou perguntando quando o jantar ficaria pronto.

— Se estão achando ruim a demora, peguem e façam. – Xinguei.

— Não mesmo, sua comida é melhor do que a nossa! – Disseram.

— Pelo menos arrumem a mesa! – Pedi para os quatro que tinham praticamente acabado com a entrada sozinhos e agora tinham saído da cozinha, me deixando sozinha ali. – Folgados!! – Sibilei.

Meia hora depois de muita falação na minha cabeça e de Alex ter virado o brinquedo novo de Elena, eu coloquei o jantar na mesa.

Meu pai e irmão foram os primeiros a se sentarem.

— Será que podem esperar que todos cheguem à mesa? Onde está o exemplo para seus netos, Jari? E para seus filhos, Ian? – Minha mãe disse ao se sentar ao lado de meu pai e dar um tapa na mão dele. Lógico que papai olhou todo ofendido para ela.

Com pouco, vieram Tuomas e Liv que, ao verem a avó dando aquele sermão no marido e no filho, se sentaram como se fizessem parte da realeza e ficaram quietos, esperando pelo restante dos presentes, que eram ninguém mais, ninguém menos que Tanya, Elena e Alex.

Tanya tentava de todas as formas tirar Elena de dentro da cabana para que ela viesse jantar e assim liberar Alex da árdua tarefa de entreter a pequena, acontece que minha sobrinha não queria de jeito nenhum vir jantar, para ela a brincadeira era mais importante, ainda mais em um dia de semana.

A menina estava tão teimosa que Ian foi até a sala e tirou a filha de dentro da cabana sob protestos e, depois de levá-la para lavar as mãos, colocou-a do seu lado, intimando:

— Se ficar de pirraça para jantar, eu pego aquela cabana, desmonto e vou doar para as crianças que precisam.

Elena arregalou os olhos desesperada e caladinha, esperou que a mãe servisse seu prato. Comeu todo o jantar se dar um pio.

Quanto a Alex, quando ele se sentou do meu lado, já sem as orelhas e a máscara de cachorro, só sussurrou no meu ouvido.

— Eu estava imitando uma cadela?!

Dei de ombros.

— Isso faz diferença? Elena estava toda alegre! – Desconversei.

Ele olhou para nossa sobrinha que comia quietinha, sentada entre os pais e depois falou:

— Não, não faz diferença, mas poderiam ter me avisado.

— Ah! Não. E tirar toda a diversão do seu sogro?!

Alex olhou em volta e depois decidiu por ficar quieto.

O jantar seguiu tranquilo e, por incrível que possa parecer, foi Olivia quem deu o tom das conversas, surpreendendo a todos, ainda mais depois do que aconteceu à tarde.

A única discussão da noite foi quanto a quem arrumaria a cozinha, que consistia nos pratos e utensílios que usamos à mesa, afinal, tudo o que eu havia usado já tinha lavado e guardado.

— Onde você tá indo, Tuomas? Hoje é a sua vez de arrumar a cozinha! – Elena disse entregando o irmão que tentava se esgueirar para fora da sala de jantar.

— Eu vou... é... ali. – Ele disse todo sem jeito.

Tanya só apontou para a cozinha.

— Você sabe a regra da casa, filho. Sua tia pode ter feito o jantar, mas a cozinha é sua.

Tuomas não reclamou, só começou a tirar a mesa. Quando entrou na cozinha e viu que não tinha uma pilha de panelas esperando na pia, só falou:

— Ué? Tia, cadê as panelas?

— Já lavei.

— Mesmo?!

— E por acaso tem como esconder panela suja, sua anta? Se a täti falou que lavou é porque estão limpas! – Olivia se intrometeu na conversa.

Meu sobrinho deu uma gargalhada.

— Essa vai ser a menor cozinha da história! Valeu tia! Pode aparecer mais vezes na segunda-feira!

Tanya só balançou negativamente a cabeça diante dos modos dos dois filhos mais velhos.

— Alexander, me perdoe por isso. – Ela pediu.

— Não tem problema algum, Tanya. Isso é porque você não conheceu Will direito.

Elena, que até então estava calada, desceu do cadeirão e veio se escorar em mim.

Täti, agora que a senhora já ajudou todo mundo, me põe na cama. Eu tô com sono. – Pediu manhosa.

Olhei para Tanya.

— Faça o favor, já está na hora dessa aí dormir.

Elena se despediu de um por um, dando um beijo de boa noite e um abraço, quando foi a vez de Alex, ela não se esqueceu da brincadeira de mais cedo.

Hyvää yötä, setä[1]! Obrigada por ter brincado comigo! – Disse quase dormindo.

Subi para o segundo pavimento com a baixinha no colo, ajudei-a a escovar os dentes e depois de ajeitar as cobertas em torno dela, ainda tive que ler uma história.

— E que livro estão lendo para você?

— Esse aqui. – Ela puxou o livro que estava na mesinha de cabeceira.

Sweet Child O’ Mine? Nem sabia que a música tinha virado livro! E é realmente do Guns n’ Roses!

— Sim. O papai quem me deu! Semana passada.

Era um presente que somente Ian poderia pensar em comprar.

Sentei-me na beirada da cama, escorada na cabeceira e comecei a ler o livro do início. Elena se escorou em mim para poder ver as ilustrações das 40 páginas. Mais ou menos no meio do livro, ela sucumbiu ao sono e eu continuei a ler o restante em voz alta, mais porque eu realmente queria ver como tinham terminado as ilustrações, afinal, essa música me lembrava de quando eu era criança e meu pai ficava cantando para mim, como se fosse uma canção de ninar.

Terminei o livro, ajeitei mais uma vez Elena na cama, dei um beijo em sua testa e depois de ligar o abajur na cabeceira, apaguei a luz e encostei a porta, ainda apaixonada pelo livrinho de criança que eu tinha acabado de ler.

Ao começar a descer a escada, acabei por trombar em Liv.

— Quer que te coloque na cama também?

— Só se tiver livro! – Ela brincou. – Mas sério, tia, vem comigo.

— O que foi? – Perguntei quando ela encostou a porta do quarto.

— Eu queria agradecer à senhora por não ter me taxado de louca hoje.

— Jamais faria isso, e duvido que alguém nessa família esteja fazendo.

Ela balançou a cabeça em negação.

— Não, ninguém, é só que... essas crises começaram depois que... – Ela respirou fundo. -  a senhora sabe. E, bem, eu tenho tentado não surtar na frente de mamãe ou de papai, sei que eles têm a Elena para tomar conta e tem o Tuomas que está se recuperando da cirurgia, então, não quero ser mais um problema...

— Você não é um problema, Liv. Sua saúde mental é tão importante quanto o bem estar de qualquer um na família. E você não está surtando, não sou médica, mas aposto o que tenho que você está começando a desenvolver síndrome do pânico. E isso precisa de tratamento. Quanto mais cedo começarmos a te ajudar, mais cedo você ficará boa.

Liv se sentou na cama e me encarou.

— Como a senhora conseguiu? No início do ano? Porque é tão difícil!

— Eu tive ajuda, Olivia. De profissionais e da família. E quase foi tarde demais. Eu vejo que você está tomando o mesmo caminho que tomei. E não pode. Fico muito feliz que esteja se abrindo comigo, mas antes de tudo, eu preciso te perguntar: você está pronta para ser ajudada? Você quer isso?

— Quero, tia! Eu não quero ter que ficar com medo da minha própria sombra quando saio de casa, pensando ser o seu Chefe ou o segurança dele.

— Liv, o segurança não pode nem chegar perto de você. E nem vai fazer isso. Ele foi transferido para o escritório do Japão, para se evitar um processo, afinal a Inglaterra não tem acordo de extradição com o país. Quanto ao seu bisavô, ele não está querendo te afetar com isso. Está querendo me afetar, ainda mais depois de hoje. E eu sinto muito por isso. Sinto muito por não poder parar isso, sem criar uma confusão ainda maior, mas te prometo, eu vou falar com ele.

— Mas e se ele te demitir, täti!

— Ele pode fazer isso, contudo, não creio que o fará. Tem muita coisa envolvida nessa decisão, inclusive o posto dele. Mas, isso, esse assunto, não é para que você se preocupe, você tem que focar na sua vida e na sua saúde mental. Você pode fazer isso?

Ela balançou positivamente a cabeça.

— Ótimo! Vou falar com sua mãe, ela deve conhecer uma psicóloga para te ajudar. E mais uma coisa.

— Que é?

— Não se feche. Não vire uma ostra, Olivia. Se precisar de alguém para conversar, se precisar falar com alguém ou somente de um abraço para chorar, procure, peça, chame, seus pais, seus avós, bisavós, eu, Alex, Vic. Kim, até mesmo a Pietra e a Mel, nós estaremos sempre aqui por você, tudo bem?

— Sim. E täti?

— Diga.

— Eu vou voltar ao normal? Assim... ao que era antes?

— Mentalmente, sim. Você vai se recuperar. Porém, infelizmente, não tem como se apagar a memória. O que aconteceu, vai ficar eternamente com você. Contudo, você vai transformar o medo em lição. Porque de tudo o que nos acontece, conseguimos aprender algo.

— E qual é a minha?

— Não sei, Liv. Não sou psicóloga. É por isso que você vai conversar com uma.

— Tá... de tudo isso vai ficar uma lição, então. Boa ou ruim?

— Não sei te dizer exatamente. No início, creio que nenhuma lição é boa, porém, mais no futuro, você vai notar que precisava passar por isso para que algo bom acontecesse.

— Obrigada, tia. De verdade.

— Estou sempre por aqui para te ajudar, pikkuinen.

— Sei disso. Mas as vezes é bom ouvir de novo.

— Não só eu, como toda a sua família. Sempre saiba disso. Estamos aqui. — Reafirmei o que ela já sabia.

Olivia me abraçou apertado, muito apertado.

Kiitos, täti[2].

Ei kestä[3]. Agora vá fazer as suas tarefas, porque sei que você tem trabalhos para entregar e as provas de final de semestre estão chegando. – Beijei o alto de sua cabeça.

— Amanhã a senhora e o setä vão vir nos pegar de novo?

— Mas é claro. Vão ter carona por toda a semana!

Olivia me abriu um sorriso e depois voltou a sua atenção a escrivaninha e ao seu material de estudo.

Hyvää yötä! — Disse antes de fechar a porta.

Hyvää yötä, täti! E mais uma vez, obrigada!

Olhei o relógio, ainda dava tempo de trabalhar um pouco, se Alex não quisesse passar em lugar nenhum. E pelo visto, ele estava mais do que querendo ir para casa, pois já estava na garagem, conversando com Ian e meu pai.

Tanya também estava por lá, e contei a ela que Olivia tinha pedido por ajuda, que ela queria a ajuda de uma profissional e minha cunhada ficou aliviada ao ouvir as boas notícias.

— Mais uma vez, você fazendo mais por minha filha do meio do que eu.

— Eu sou a madrinha dela, Tanya. Meu papel também é ajudar.

— Ajudar, Kat. Não pegar a responsabilidade de entendê-la só para você!

— Tanya, está tudo bem! Pense nisso como uma maneira de te ajudar. E eu faço isso porque me importo com os três. – Garanti.

— Obrigada, Kat! Escolhi a madrinha certa para a minha filha. Disso eu tenho certeza.

— Só cumprindo com as minhas obrigações de tia.

Despedi dela e de Ian logo depois. Meus pais também estavam indo para casa, e meu pai só me disse a seguinte frase:

— Cuidado amanhã no escritório, Kat. Você sabe como Dempsey é. Hoje foi o dia de ele começar a pagar pelo que te fez, mas sabemos que foi pouco e que ele sempre vai chorar no ouvido do tio. Então, fique sempre em alerta.

— Eu vou ficar, papai. Pode ficar tranquilo. – Dei a certeza. – Mas como o senhor ficou sabendo? Eu só contei para Alex.

Meu pai me olhou seriamente.

— KitKat, você pode não acreditar, contudo, eu também tenho conhecidos dentro da empresa e fico sabendo sobre o que acontece lá. E antes que você questione, não, não é para te vigiar. E essas pessoas me contaram o que aconteceu.

— O senhor não precisava ter aparecido...

— Foi só para garantir que meu pai não fizesse nada com você, como, pelo jeito ele planejava fazer.

— Muito obrigada. E, tudo que ele estava fazendo era me perturbar, sobre Alex. Dizendo que tinha que dar a aprovação dele.

Meu pai só levantou uma sobrancelha.

— Mesmo assim, cuidado, KitKat. Cuidado.

— Eu vou tomar, papai. Sei que a sorte que dei hoje não irá se repetir amanhã.

— Isso. Vá pensando assim, e jamais baixe a guarda. E não se esqueça:

— Seja a pessoa mais quieta do lugar, mas sempre a mais esperta e inteligente.

— Exatamente, minha filha. – Papai me deu um beijo na testa e entrou no carro.

Minha mãe o seguiu, não sem antes parar na minha frente, abrir um sorriso e dizer:

— Por mais que eu odeie violência e ache que uma mulher não deve se rebaixar batendo em alguém, estou orgulhosa do que fez. Ele merecia. Muito. E faço minhas as palavras de seu pai, cuidado, Katerina, muito cuidado.

— Eu vou tomar todas as precauções necessárias, mamãe. Confie em mim.

— Eu confio em você, minha filha. É no seu Chefe em quem não confio. – E com essa frase ela se despediu de mim. – Tenham uma boa-noite, filhota. Nos vemos amanhã.

— Até amanhã, mamãe.

 Entrei no carro, esperando por Alex, que se despedia de Tanya e Ian. E assim que meu noivo se sentou ao meu lado, ainda não muito feliz de ser o carona, e eu ganhei as ruas quase desertas da área de Westminster, ele foi logo me perguntando:

— Agora eu vou ter a versão sem cortes e edição do que aconteceu naquela garagem?

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[1] Boa noite, tio.

[2] Obrigada, tia.

[3] De nada.


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Notas finais do capítulo

Sei que o capítulo ficou imenso, mas não tinha como cortá-lo.
Espero que tenham gostado.
Muito obrigada por lerem até aqui e até o próximo capítulo.
xoxo



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