Presos Por Um Olhar escrita por Carol McGarrett


Capítulo 24
Promessa


Notas iniciais do capítulo

E como diz aquele velhos ditado, antes tarde do que nunca.
Vamos para mais um capítulo!!
Boa leitura!



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I’d still give my everything to love you more.

The Poet and The Pendulum - Nightwish

Eu nem preciso dizer que fiquei tensa só com a possibilidade de conversar com a minha sogra, mesmo que ela seja tão gente boa, quando a mãe do seu namorado puxa a cadeira e diz que quer conversar com você, pode-se esperar de tudo.

— Relaxe, Kat. Não é nada demais. – Ela me falou ao olhar por sobre o meu ombro.

Curiosa como sou, me virei para ver, mas eram somente Alex e o Sr. Pierce arrumando a mesa e discutindo algo de algum esporte que eu não entendi nada.

Me voltei para Dona Amélia e ela tinha um sorriso no rosto, daqueles de mãe amorosa, de matriarca orgulhosa, fingi que não vi sua expressão, prestando atenção nos padrões dos azulejos – mas todos eram iguais!!

— Bem, primeiro, eu quero te falar que arranjei uma governanta para você. Sei como deve estar difícil para conciliar tudo agora no início, e não se preocupe, pode entregar a chave da sua casa para ela que ela é de confiança.

Que benção!

— Sério?! Muito, mas muito obrigada!! – Falei sincera e sentindo o enorme alívio de saber que alguém organizaria a minha casa enquanto eu ainda lutava para me adaptar à essa cidade.

— Não há de que, querida. Eu não sou daqui de Los Angeles, e me lembro muito bem como foi quando eu cheguei...

— Posso falar para a senhora que eu achei que seria mais fácil... no trabalho não teve tanta mudança assim, mas eu ainda não achei uma rotina, o que está me deixando maluca! E eu odeio isso!

Dona Amelia deu uma risada.

— E aposto que Alex também não tem ajudado em nada... às vezes ele pode ser um tanto manhoso demais e querer a atenção só para ele. Assim, quando ele começar a te atrapalhar, não tenha medo de chutá-lo porta afora...

Foi a minha vez de rir.

— Pode me falar, ele já fez isso.

— Não vou negar que ele sempre marca um horário para chegar lá em casa e acaba chegando sempre cedo demais... – Falei e me vi levantando do banco.

— Vai fazer o que?

— Por favor, Dona Amelia, me deixe ajudar.... eu detesto ficar parada enquanto alguém trabalha... – Quase implorei.

— Tudo bem... mas a conversa ainda não acabou.

— Ah, eu sei disso. – Confirmei e comecei a fazer o que ela tinha me indicado. Ao fundo escutamos Alex e o pai rindo de alguma coisa.

— Céus, o que foi agora? – Dona Amélia perguntou olhando para cima, assim que tanto Alex quanto meu sogro a chamaram. – Vá treinando para quando for a sua vez. Você vai enjoar do seu próprio nome.

— Imagino que sim. – Falei e me foi impossível de não me lembrar de Tanya e todas as vezes que Elena fica chamando pela mãe.

— Ô mãe... o Will não vai vir. – Alex gritou e depois caiu na gargalhada.

Minha sogra foi para sala tentar desvendar o motivo do filho caçula não aparecer no jantar.

— E posso saber por quê? – Ela parou, pano de prato no ombro, mãos na cintura, na frente dos homens, eu fiquei de curiosa no meio do caminho.

Alex continuou a rir e seu pai lhe deu um tapa no ombro.

— Estou esperando. Jonathan! Alexander!

O tom dela me lembrou o de minha mãe, quando juntava Ian, Tanya, Kim, Vic e eu para falarmos mal de Mia.

— Tá passando mal. Ele engoliu água ontem, né...

Dona Amelia estendeu a mão, pedindo o celular do filho.

— Por que o meu? – Ele perguntou, mas desistiu de falar qualquer outra coisa quando viu o olhar da mãe.

Minha sogra ligou imediatamente para Will, para confirmar a história, e fez questão de deixar o telefonema no viva-voz.

Eu voltei para a cozinha. Essa cena toda me lembrou de minha família, e me deu uma saudade imensa deles. Assim, decidi tentar a sorte mais uma vez, e aproveitando que os Pierce conversavam entre si, mandei uma mensagem para meus pais. A mesma, porque eu tinha certeza de que só minha mãe, se ela já tivesse superado a minha mudança, me responderia.

Oii! Espero que tudo esteja bem por aí... só recebo notícias por meio de Ian e Liv... quando tiverem um tempinho, me liguem. Estou com saudades. Beijos. Amos vocês!

Ainda fiquei encarando a tela, esperando a resposta, mas me lembrei que Londres está oito horas à frente no fuso, desisti e voltei ao que tinha que fazer, ao fundo, Dona Amelia ainda xingava a irresponsabilidade dos filhos. Sim, Will era o que estava passando mal, mas Alex entrou no sermão também. E como diz aquele velho ditado: “mãe é tudo igual, só muda de endereço!”

Com pouco Alex entrou na cozinha e se sentou no banco onde eu estava anteriormente, reclamando, é claro.

— Will cai da prancha, toma caldo, bebe água, passa mal e eu tenho que escutar também.

Dei uma olhada por sobre o ombro e vi que Dona Amelia tinha entrado na cozinha e parado do outro lado da ilha, às costas para Alex. Fiquei caladinha.

— Mas é sério... quem não veio foi o fracote do Will, eu estou aqui e ainda te trouxe como eles mandaram...

— Não fez mais do que a sua obrigação, não é mesmo, Alexander? – Dona Amelia falou depois de bater nele com o pano de prato.

Alex ficou calado e quando eu me virei para ver o que se passava, ele me olhou enviesado.

— Poderia ter avisado. – Falou emburrado.

— Eu temo a morte. – Respondi e voltei a fazer o jantar.

— Pelo menos ela tem juízo. Espero que Kat consiga colocar um pouco de juízo em você, Alexander. – Sr. Pierce falou depois de puxar um banquinho e se sentar ao lado do filho.

— A Kat?! Juízo?! Ah... mas isso ela não tem! – Alex falou alto.

Me virei na hora.

— Não comece. – Ameacei.

Alex abriu um sorriso.

—  Se vocês acham que eu apronto, deveriam escutar algumas histórias dela. – Ele apontou para mim e eu senti o meu rosto corar na hora, pois os três olhavam para mim, Dona Amélia e Sr. Pierce com aquela cara de dúvida e Alex com um olhar triunfante.

— Creio que nada pode ser pior do que a sua mania de sair pulando por aí. – Minha sogra falou. – Kat, me desculpe por deixar o jantar nas suas mãos. Mas esses dois me tiram do sério.

— Vocês não querem escutar as aventuras da Kat? – Alex ainda tentava fazer a mãe esquecer o que ele e Will tinham aprontado.

Meus sogros nem ligaram, deixaram Alex falando sozinho e eu agradeci mentalmente a Deus por isso, ou era bem capaz que Dona Amelia me chutasse da casa dela.

— Ignore ele, querida. – Ela falou na minha direção. – E você trouxe as fotos para nós?

— Trouxe, estão na nuvem, então acabou que tive que trazer o notebook, - Respondi e achei que estava em um terreno seguro, quando Alex soltou:

— Tem as fotos do dia em que você correu com os touros na Espanha?

Perkele! – Murmurei baixinho.

— Você o que, Katerina? – E lá vinha aquele tom de voz que mãe só usa quando quer que o filho ou filha se encrenquem sozinhos.

Pelo reflexo na porta do micro-ondas vi que meu sogro se ajeitou na cadeira e até deixou a cerveja de lado para escutar a história.

— Kat, se você não contar eu conto. – Alex falou todo convencido.

Dei de ombros.

Alex deu uma gargalhada.

— Eu vou provar para vocês que ela tem bem menos juízo do que eu! – Começou e depois contou toda a famigerada história da Corrida de San Firmino.

Quando ele terminou, fazendo questão de destacar que eu praticamente não tive castigo – pelo visto perder todas as corridas da F1 no alto verão europeu não era castigo para ele. – soltou:

— E então... qual de nós dois tem menos responsabilidade?

Minha sogra colocou a mão no meu ombro, me instando a me virar e encarar a plateia.

— Você vai todos os anos nisso?

— NÃO! Foi só essa vez. Falei que nunca mais voltava e não voltei. – Afirmei.

— Claro. Pelo menos errou só uma vez e aprendeu. – Ela se voltou para Alex. – Coisa que você não aprende.

Alex ficou injuriado, pois ele achou que contando a minha peripécia na Espanha, seus pais parariam de encher a paciência dele por conta de seus hobbys perigosos.

— Eu desisto! – Ele falou, se levantou e o escutamos se jogando no sofá.

— Quantos anos você tem? Treze? Essa não foi a educação que te dei. – Minha sogra ralhou. – Daqui a pouco volta. Afinal, vive com fome.

E como toda mãe, ela estava certa, Alex reapareceu na cozinha dez minutos depois, se sentou ao lado do pai e ficou quieto, acompanhando o pai na cerveja, até que Dona Amelia perguntou.

— E como foi a gravação do comercial na terça-feira, filho? Você não comentou nada. Era de que marca de carro?

Como eu estava por conta das panelas, pude tirar um tempinho para olhá-lo e sorrir.

— Mãe!!! – Ele reclamou.

— Para qual marca que era? – Minha sogra nem se abalou. E a cada pergunta que ela fazia, meu sorriso aumentava, afinal, eu tinha tentado de todas as formas fazer Alex falar o que ele tinha que fazer na terça, e ele se recusou.

Meu namorado estava tentando ficar calado, mas não ia conseguir deixar a mãe a ver navios e eu resolvi dar uma ajudinha.

— Tenta começar a falar as marcas que a senhora conhece, Dona Amelia. Quando for a do carro, a senhora vai ver na expressão dele.

— Kat.... – Alex começou a me alertar.

— Hora da vingança. – Falei.

E os pais dele começaram a falar as marcas de vários carros. Nenhuma deu reação, até que eu, já cansada de ouvir marcas americanas, e juntando dois com dois e me lembrando da expressão dele na quarta de manhã, soltei:

Porsche!

— Sem graça! – Alex retrucou na hora. E eu comecei a rir.

— Preciso acertar o modelo? Ou será que eu conheço?

Alex só levantou a mão, como que me mandando seguir em frente.

Cayenne?

Ele abaixou a cabeça no tampo da ilha.

— Eu não estou entendendo. – Dona Amelia comentou.

— Bem... é que na terça-feira, ele fez mistério sobre o que iria fazer, não importava o tanto que eu perguntava, ele manteve a boca fechada. E na quarta, quando toquei no assunto, ele só disse que eu iria ver o resultado e mais nada. Agora que a senhora comentou que era um comercial de carro... bem, eu só juntei as peças.

— E como você acertou o carro e o modelo? – Foi meu sogro quem perguntou.

— Eu tenho um desses. E ele ainda o chamou de jamanta!! – Olhei feio para Alex.

— Mas é um carro grande! – Ele se defendeu.

— É robusto. E serve para qualquer coisa! – Defendi meu carro. – Agora a pergunta mais importante...

— Quando estreia o comercial? – Minha sogra passou na frente.

— Agora perdeu a graça. Ela já sabe!

E meus sogros olharam para mim e depois se olharam, eu não sei o que isso significava, mas sabia que ambos estavam conversando pelo olhar. Fiquei curiosa, contudo, eu sabia que uma hora eu ficaria sabendo o que era, afinal essa família não é lá muito boa em guardar segredos!

— Mas você não vai dar nenhum spoiler do comercial? – Falei.

— Não. Nada de spoiler pra você, Katerina.

— Tudo bem... em conheço o pessoal da Porsche, a propaganda deve passar na mão deles para aprovação... não vai ser difícil de ver em primeira mão. – Disse como se não me importasse com o mistério, o que, claro, era uma mentira.

Fez aquele silêncio na cozinha.

— Isso é sério? – Alex perguntou completamente espantado.

— Bem... sim. – Eu juro que não entendi o espanto deles.

— Você conhece o alto escalão da Porsche? – Minha sogra me perguntou.

Foi aqui que eu me lembrei de uma coisinha, eles sabiam o que eu fazia, mas não tinham ideia do que era realmente.

— Sim. Eu fechei o acordo entre a nossa empresa e o Grupo Volkswagen para o transporte de todos os carros produzidos por eles pelo mundo. Foi uma negociação que levou meses, estávamos quase perdendo o cliente quando eu tive a ideia de ir à Alemanha e conversar pessoalmente com o CEO do Grupo. Claro que não foi tão fácil assim convencê-los, alemães são desconfiados por natureza... no final eles nos escolheram... e pediram que eu voltasse até a Stuttgart para assinar o contrato de exclusividade para a logística do grupo...

Os três ainda me olhavam como se uma segunda cabeça tivesse crescido em mim.

— Era isso que você fazia na Europa? Achei que era... bem, eu não tinha ideia do que era. – Dona Amelia falou.

— Essa é uma das minhas funções. Temos todos os meios de transporte, mas precisamos de clientes... eu coletava clientes também... algo que também farei aqui, nessa semana por exemplo tenho reuniões com algumas empresas americanas, vou apresentar nossa carta de serviços e tentar trazê-los para nós. Puro jogo de quem convence mais. – Expliquei.

— E o que você foi fazer nos portos, na sexta-feira? – Esse era o meu sogro. Nosso jantar já estava na mesa e, pelo visto, eu dera o tom das conversas.

— Garantir que tudo o que enviamos via mar, saia e chegue no prazo combinado e nas perfeitas condições. Um carregamento avariado, um atraso na entrega, pode nos custar milhões ou, até mesmo, o cliente. Os atrasos daqui, apesar de serem de poucos dias, influencia na data da entrega final. E tem gente que simplesmente não tolera atrasos e faz uso da multa estipulada no contrato para conseguir uma indenização. Ou seja, atrasou, o prejuízo é todo nosso.

— E com quem vocês trabalham? – Minha sogra estava interessadíssima no que eu fazia.

— Gigantes do comércio. Montadoras de vários países. Produtores de gêneros alimentícios, empresas de equipamentos dos mais diversos. Para as Olímpiadas de Londres em 2012 fizemos o transporte dos cavalos das competições de hipismo e de todos os equipamentos grandes de várias delegações... repetimos a dose para a Rio 2016.

— Foi você quem fechou esses acordos... – Meu sogro disse com certeza.

— Foi um risco que quis assumir. Afinal... você trabalha para o COI ou para uma das maiores delegações, como a dos EUA, por exemplo, pode ter certeza de que terá retorno dos patrocinadores. Mas não só de lucro que vivemos, já tem uns onze ou doze anos que transportamos alimentos, vacinas e remédios tanto para ONU como para Organizações como Médicos Sem Fronteiras e Cruz Vermelha. Ganhamos de um lado, mas temos que ajudar também...

— Sua ideia também?

— Não. Da minha mãe. Ela sempre falou na minha cabeça que eu tinha que bater o pé e tentar fazer a empresa responsável por isso também. Foi uma senhora queda de braço no Conselho. Vamos dizer que tem gente que só quer mais, nunca dividir.

— Mas você conseguiu. – Alex falou empolgado.

— Ou eu conseguia, ou minha mãe me jogava em um contêiner para a Antártica... céus, quando deu uma reviravolta e a votação ficou empatada, suspendemos a reunião porque os ânimos ficaram exaltados, só para que o Conselho pensasse com carinho na proposta, o que poderia ser para o bem ou para mal... Mas o fato é que, quando eu cheguei em casa, pensando em um modo de convencer o último conselheiro de que a ideia era boa e que isso traria benefícios para a Empresa, minha mãe estava lá, sentada no sofá da sala, me esperando e a primeira coisa que me perguntou foi se eu tinha conseguido, quando eu expliquei tudo, ela simplesmente se levantou e falou mais ou menos assim: “Katerina, eu não paguei todas essas faculdades para que você perdesse a sua primeira batalha, dê seu jeito, convença-os de que essa é a melhor coisa que a empresa pode fazer, ou acho muito bom procurar outro emprego, porque você não serve para isso...”

Quase que o Alex se engasgou com o jantar.

— Sua mãe falou isso!?

— Sim... e ela não estava errada... eu cresci querendo fazer o que faço. Moldei toda a minha grade curricular na faculdade para ter uma ascensão meteórica na empresa, se eu perdesse essa chance, significava que eu simplesmente não levava jeito para os negócios...

— E você voltou no outro dia... – Minha sogra me fez continuar a história como se fosse um capítulo imperdível de uma novela.

— Pedi a palavra antes do último conselheiro votar e expliquei a importância do que iriamos fazer, não para a empresa, mas para quem precisava. Na verdade, eu pensei como uma médica. Como a minha mãe. Ela faz parte do quadro dos Médicos Sem Fronteiras, a cada dois anos, passa seis meses na África, e sempre nos contou como é a realidade lá. Eu, uma vez, até fui com ela, um choque de realidade que eu quis me dar quando vi que estava ficando muito parecida com a minha irmã... e usei essa experiência, usei do que eu vi lá para convencer o Conselho. Não faltaria nada para cada um deles, nem para as famílias deles, mas chegaria alguma coisa para quem não tem nada... Dos 13 que até então tinham votado contra a ajuda, oito mudaram de ideia. Eu tive praticamente maioria absoluta aprovando a ideia. Foram 22 votos a favor. – Terminei com um sorriso.

— E sua mãe? – Meu sogro perguntou.

— Bem... quando liguei, assim que a reunião acabou e eu estava eufórica pra caramba, quase pulando pelos corredores, ela só soltou um “não fez mais do que a sua obrigação.”, porém, à noite, quando fui jantar na casa de meus pais, ela me parabenizou de vez, disse que estava orgulhosa. Ela vinha lutando há anos para que alguém pegasse o transporte desses itens e ninguém queria, por isso, muitas doações se perdiam porque não tinha quem levasse... – Terminei o relato da minha primeira vitória perante o Conselho-Geral.

— Tem mais como essas? – Dona Amélia perguntou, depois de me fazer servir a sobremesa, afinal, nas palavras dela, eu levei o prato, eu sirvo para todos os presentes.

— Tão importante quanto essa? – Me pus a pensar. – Que mudasse a vida de muitos, não. Claro que levamos suprimentos para países afetados por desastres naturais, ou grandes calamidades e montar o caminho da logística sempre fica comigo, mesmo que a ideia não seja minha...

— Contatos diretos com a ONU? – Alex brincou.

— Pior que tenho... Médicos Sem Fronteiras é só ir nos favoritos do meu celular, Cruz Vermelha também tenho contatos, creio que mais do que a nossa obrigação ajudar.

— Momento mais constrangedor que você passou? – Minha sogra perguntou rindo.

— Negociando? Fiscalizando? – Tentei filtrar.

— Tem tantos assim? – Esse foi meu sogro.

— Até que não. Mas entre falar uma palavra errada ou pisar na roupa de um sheik com a ponta de um scarpin e rasgar um pedaço... – Comecei e só isso já fez os três rirem. – Creio que o momento mais constrangedor foi em um jantar com o Emir dos Emirados Árabes Unidos. Só para avisar, eu nem queria ir nesse lugar, como muita gente brinca, nem tinha roupa pra isso, mas meu avô insistiu porque ele só confiava em mim para ser a tradutora dele, assim, me arrumei toda e cheguei no Palácio. Só de descer do carro já vi que nem toda a arrumação do mundo me colocaria no mesmo nível das mulheres que lá estavam. Antes do jantar o Emir quis falar de negócios e, apesar de ele falar inglês fluente, meu avô me mandou ficar atenta as demais conversas em árabe, afinal, ninguém ali sabia que eu falava e entendia árabe, assim como tínhamos certeza de que ninguém ali falava finlandês, caso quiséssemos comentar algo. Tudo correu às mil maravilhas, o acordo para o transporte foi fechado, o mais rápido que já vi, então partimos para o jantar. Sinceramente, eu nunca tinha visto tanta comida reunida em um local como vi nesse, tudo era exagerado, e sempre vinha o garçom te servir com uma bandeja de ouro na mão. Eu estava tão sem jeito com tanta ostentação que mal estava tocando na comida, perdi as duas entradas e quando veio o prato principal, bem, só sei que tinha azeitonas ali. E elas tinham caroços. Como qualquer ser humano que se preze em um jantar assim, finquei o garfo e tentei cortar um pedaço para comer, me xingando mentalmente por estar ali e não poder comer a azeitona com a mão. Consegui ir comendo muito bem, até que cheguei na última azeitoninha do prato. – Tive que parar para não começar a rir de uma vez.

— Ela voou do seu prato? – Perguntou a minha sogra.

— Pior do que isso. – Garanti. – Fui fincar o garfo e a danada escapou, tentei de novo e nada, eu tinha que ter parado aí, mas fui teimosa e tentei de novo, só para a coisinha sair voando e fazer aquele gol na boca da pessoa que estava na minha frente...

— Você acertou a azeitona dentro da boca da pessoa que estava à sua frente?? – Alex perguntou com uma gargalhada.

— Calma, não acabou.

— Como pode ficar pior? – Minha sogra quis saber.

— A azeitona tinha caroço, ficou atravessada na garganta do filho do Emir E... ele ainda era alérgico a ela.

— Desgraça pouca é bobagem... – Sr. Pierce falou rindo.

— Eu entrei em desespero, pois o homem começou a ficar roxo na minha frente! Todo mundo ficou olhando e eu, agindo mais por pânico e com medo do homem morrer e eu ser condenada à pena de morte por, acidentalmente, ter acertado a azeitona na garganta dele, dei à volta na mesa e resolvi por desengasgá-lo...

— A manobra de Heimlich?

— Pode apostar que sim, Dona Amelia. Foi um pandemônio, mas ele sobreviveu no final. E eu nunca mais aceitei nenhum convite para jantar com a família real... só para garantir, vai que da próxima eu não tenho tanta sorte assim!

A risada foi geral.

— Suas histórias dariam um livro. – Meu sogro falou ainda rindo e aproveitando que a esposa estava distraída, comeu mais um pouco de sobremesa.

— Algumas são engraçadas hoje. Na hora, não foram nem um pouco. Essa da azeitona me fez quase que sair correndo do Palácio. Meu avô não achou nem um pouco engraçada e eu acabei suspensa de fazer negócios com os Emirados Árabes por um tempo... enfim, eu tive minha quota de vergonhas também.

Dona Amelia ainda fez algumas perguntas sobre as viagens e, quis saber quais pessoas importantes eu já tinha conhecido.

— Esse tipo de gente só conversa com o CEO, o máximo que fiz foi ser tradutora de uma videoconferência. – Afirmei.

Mesmo depois de tanta conversa, ainda era cedo, Alex e o pai pediram licença e foram ver o jogo, a temporada da NFL só estava começando, e eu fiquei com a minha sogra, que me arrastou para outra sala, onde pediu para ver as fotos que eu tirava, e foi lá, que ela me contou o motivo de ter olhado para o marido quando Alex reclamou que agora eu sabia sobre a propaganda.

— Eu sei que pareceu estranho o modo como eu e Jonathan nos olhamos na cozinha. – Ela começou. -  E eu sei que você notou, você é esperta, Kat, mas é que faz anos que o Alex não fica empolgado com os trabalhos dele... e vê-lo querendo saber a sua reação, só porque você tem o carro da propaganda, foi um alívio.

— Por quê? Ele pensou em abandonar a carreira de ator?

— Tem focado mais em ser dublê. Propagandas e até mesmo séries tem sido raras, mesmo que os convites continuem aparecendo. – Ela me informou.

— Tem a ver com a Suzanna e o modo como tudo terminou? – Liguei os pontos.

— Sim, tem. Ela não foi gentil quanto ao trabalho dele. Alexander nunca falou abertamente sobre o que ela disse naquela tarde, mas Dottie nos contou. Principalmente depois que Alex parou de aparecer lá e parou de aparecer aqui aos domingos.

— A senhora está falando que... – Eu fiquei com vergonha de continuar.

— A mudança é recente, Katerina. Domingo passado ele veio jantar, ninguém esperava que ele aparecesse, já que tinha vindo no anterior, e sem ninguém comentar nada, começou a falar de você, não parou de falar um minuto, sempre com um sorriso no rosto, os olhos brilhando... e eu achei que ele não voltaria nem tão cedo, que continuaria com a rotina de aparecer aqui só uma vez por mês, contudo ele apareceu no meu aniversário, com você, e voltou hoje, te trazendo também... Kat, você não tem ideia do que isso significa para mim.  

— E o que ele estava fazendo, quando não vinha ver vocês? – Perguntei preocupada.

— Na maioria das vezes, treinando alguma cena de luta ou o parkour que ele tanto ama, ou ajudando nos abrigos de animais abandonados que tem por aqui. Uma ou outra vez fiquei sabendo que ele não apareceu porque tinha se machucado no set e estava no hospital em observação... - Ela parou e se voltou para as fotos.

Já eu comecei a pensar no que ela havia me dito e no que Alex tinha me falado no sábado na casa dele.

— Ele não quer que eu assista a filmografia dele. – Comentei em voz baixa.

— Você vai fazer isso?

— Quero fazer porque eu não entendo desse mundo. O que sei, é o que as revistas vendem, e pelo que vejo em vocês, elas não contam a verdade... assim, queria poder entender o “dialeto” – Fiz aspas com as mãos para que minha sogra entendesse. – para não ficar perdida como fiquei ontem de manhã quando Will começou a falar sobre as gravações do filme, contudo, Alex é meio contra. E ficou um tanto bravo quando eu falei que iria assistir tudo com ele do meu lado...

— Dê um tempo para ele, Kat. Eu conheço o meu filho, o que Suzanna falou não foi bem aceito por ele, na verdade, ninguém aceita muito bem ser chamado de sem talento e de caroneiro no nome dos pais...

— Ela falou isso?! – Perguntei quase engasgada de ódio. Não é à toa que ela é amiga de Mia.

— E muito mais coisa. Alex não desistiu da carreira, mas repensou. Resolveu por ser dublê, para meu desespero, mas se ele ficasse feliz, eu nem ligava. Porém não é o caso. Ainda faz um outro trabalho como modelo, mas são raros. Ele já fez muitos, não era raro vê-lo em uma capa de revista, outdoor ou comercial de TV...

Balancei a cabeça confirmando. Porém, meu pensamento estava em Suzanna e em como eu queria bater nela, jogá-la debaixo de um ônibus e falar muita coisa na cara dela, não necessariamente nessa ordem... Como ela pode tratar uma pessoa como Alex desse jeito? Como pode ser tão... tão... sem coração ao jogar na cara de um ator em ascensão que ele não tem talento?

Minha sogra se voltou para as fotos novamente, e teve que me chamar mais de uma vez, quando quis saber algum detalhe do que estava vendo.

— Me desculpe! – Falei sem graça.

— Pensando em que? Posso saber? – Ela colocou uma mão em meu joelho.

— Se eu for sincera, me promete que não me expulsa daqui?

Ela me deu um sorriso.

— Na maldade das pessoas. Em como a ex do Alex pôde ser tão ruim com ele. E em como eu queria poder por minhas mãos nela... – Falei sem pensar.

— Não é problema seu, Katerina.

— Me desculpe, Dona Amelia, virou problema meu quando aceitei namorar Alex. E vou contar algo para senhora, eu sou muito na minha, não gosto de brigas, mas não mexa com as pessoas que amo, eu brigo e vou até o fim para acabar de vez com quem mexeu com os meus.

Ela abriu um sorriso para mim. E eu mordi a língua, tinha acabado de confessar para minha sogra que eu amo Alex.

— Nesse ponto você e Alex são muito parecidos. Ele faz a mesma coisa.

— Acho que já presenciei isso. – Falei sem pensar.

— Algum problema que queira me contar? Se precisar de alguém para desabafar...

— Complicado de contar tudo para senhora... mas vou resumir que o Alex sabe uma parte, ele meio que me fez contar para ele hoje de manhã... e eu vi como ele reagiu, como se pudesse, bem... acho que ele deveria estar pensando exatamente o que estou eu estou agora.

Minha sogra me deu um beijo na testa e me abraçou.

— A vida não é fácil pra ninguém, minha filha, mas é menos turbulenta quando se tem alguém para te ajudar. E, não estou te cobrando, apenas afirmando, você vai colocar meu filho nos trilhos de novo. Sei que vai... só você vai conseguir trazer o Alexander que todo mundo conhece, de volta à superfície.

— Eu espero que consiga, Dona Amelia. Porque ele não merece sofrer assim. Não ele.

— E nem você. Não sei o que se passa na sua vida, você ainda não está pronta para dividir isso com muita gente. Mas saiba, no final, vai dar tudo certo. Agora, vamos voltar nossa atenção para essas fotos, quero saber onde essas foram tiradas.

Voltei meu olhar para a tela da TV e vi Helsinque.

— Essa é Praça do Senado em Helsinque. – Falei. - Nasci não muito longe daí. – Comecei a falar e mostrei o meu amado país para a minha sogra.

De tempos em tempos podíamos ouvir Alex ou o Sr. Pierce reclamando de alguma jogada ou erro do árbitro. Minha sogra viu todas as fotos antes do fim do jogo, assim, acabamos por nos sentar na sala. Pai e filho se sentavam em lados opostos do sofá, com Stark deitado, naquela folga, no tapete, bem no meio da sala. Logo que me viu por ali, Alex se ajeitou e bateu a mão no lugar do seu lado esquerdo e eu mal tinha me sentado e ele foi passando o braço por meus ombros e tentando ler em meu rosto o que eu a mãe dele tínhamos conversado.

— O jogo. – Apontei para a TV.

Ele se virou para a TV e eu fiquei olhando para seu perfil, morrendo de ódio por dentro de saber que o tinham machucado tanto.

Em um dos muitos tempos que os técnicos podiam pedir, ele sussurrou no meu ouvido:

— Vai torcer para o mesmo time que eu?

— Claro! – Afirmei.

— Legal.

— E para que time que é?

Seahawks.

Balancei a cabeça confirmando e acompanhei seu olhar para a TV, os dois times tinham camisas brancas, só mudava os detalhes, de um eram vermelhos e do outro, azuis e verdes.

Encarei a tela, Alex parecia muito agitado com o que quer que acontecia em campo, muito parecido comigo, quando estou vendo uma corrida de F1.

Fiquei sem saber se perguntava ou não, mas não teve jeito.

— Alex... – Chamei baixinho.

Ele me deu um cutucão no ombro, para me dizer que estava ouvindo.

— Qual dos dois times é o Seahawks?

Ele se virou para mim, um tanto espantado, pedi desculpas com um sorriso, e, bem os pais dele começaram a rir.

— É Alexander, essa é pra casar, filho! – Sr. Pierce falou e eu senti meu rosto esquentar ainda mais. Dona Amelia começou a rir. – Sua mãe me fez a mesma pergunta quando assistimos ao nosso primeiro jogo.

Alexander voltou a olhar para mim e soltou:

— Resta saber se Kat vai querer casar comigo... – Falou sorrindo e olhando nos meus olhos. Nosso contato só foi quebrado, porque o locutor gritava “touchdown dos Seahawks” na maior altura, e Alex se virou para ver o replay da jogada.

Ele não se lembrou de me dizer qual time era o Seahawks, uma hora depois, e quase no final do jogo, foi que eu descobri quem era quem em campo, mas isso não tinha importância nenhuma, eu já estava há tempos escorada em Alex, com minha cabeça em seu ombro, brincando com a palma da mão que ele me deixou segurar, completamente alheia ao jogo em si, até porque eu não estava entendendo nada, mas ficava feliz cada vez que ele sorria ou se animava com a evidente superioridade de seu time de coração em relação ao adversário.

Com o apito final, e a vitória dos Seahawks, Dona Amelia insistiu para que ficássemos pela noite, mas hoje não aceitamos. Me despedi de meus sogros, e, por incrível que pareça, fui para casa feliz, pois essa visita tinha me feito bem, apesar da notícia de como tinham tratado Alex no passado e de como ele quase abandonou a carreira que tinha escolhido, eu agora entendia meu namorado um pouco melhor, graças à minha sogra. E eu tinha me feito uma promessa mental: eu não deixaria Alex desistir de atuar jamais. Se era isso que o fazia feliz, seria isso que ele faria, e eu estava disposta a apoiá-lo incondicionalmente.


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Notas finais do capítulo

Aviso básico: essa história não é patrocinada por nenhuma das marcas que aqui são faladas. E eu também não faço propaganda, foi só o resultado das minhas buscas no Pai Google que me deram os carros que aqui são mencionados. Sempre é bom lembrar que isso aqui é ficção pura!
Espero que tenham gostado!
Até o próximo capítulo.



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