Dinastia 2: A Coroa de Espinhos escrita por Isabelle Soares


Capítulo 23
Capítulo 23




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William estava despachando as suas malas no aeroporto internacional de Belgravia quando sentiu algo gemer em seu bolso. Se tinha uma coisa que ele menos gostava em viagens era com certeza a forte burocracia dos aeroportos e sua grande lerdeza para fazer coisas que podiam ser bem simples, como a liberação de suas bagagens, por exemplo. Já irritado, pegou o celular do bolso e o atendeu sem mesmo olhar quem era.

— William Lamb.

A voz do outro lado da linha era completamente desconhecida. Sentiu esfriar por dentro. É claro que mesmo depois de meses, ainda não tinha esquecido o famigerado ataque a Helen e sua sobrinha, que o tinha feito embarcar para Paris de última hora. Se arrependeu no mesmo instante de não ter mudado o seu número ou mesmo ter atendido sem olhar.

— Desculpa, quem fala?

— Aqui é Joel Hernandez. Desculpe ter começado a falar sem me apresentar... Sou policial do oitavo distrito de Belgravia.

— Oi Joel. Acho que não nos conhecemos...

— Não nos conhecemos, mas eu realmente gostaria de poder conversar com você.

— É sobre o ataque sofrido pela minha ex- esposa?

— Não... Sua ex- esposa sofreu um ataque?

William coçou a cabeça confuso. Quem quer que fosse Joel, ele não sabia de nada a respeito dos últimos acontecimentos de sua vida. O que era bom, por um lado. Detestava ter a sua vida exposta, principalmente com tantas pessoas em sua cola. Agora não entendia como um policial, que não estava envolvido no caso de Helen, queria ter uma conversa com ele. Olhou para a moça responsável pelas bagagens e percebeu que finalmente ela despachara suas bagagens. Ele as pegou e a agradeceu com um sorriso amarelo, na verdade, com uma grande vontade de ter sido bem ignorante. Mas evitou dizer quaisquer palavras e voltou-se para Joel no telefone.

— Oi, olha... Me desculpe dizer isso... Eu acabei de chegar de viagem e estou cansado. Não sei o que pode me interessar nessa conversa.

— Me desculpe mais uma vez. Eu sabia que estava chegando, mas não sabia que seria exatamente agora. Não desligue, por favor. É sobre a morte da duquesa de Richmond. Minha equipe foi designada para ir ao local do acidente no dia da morte dela. Vi como tudo se procedeu de perto.

William coçou a cabeça ainda sem entender. Ouvia Joel falar sobre o caso Isabella e tentava encaixar como isso podia estar ligado a ele. Continuou arrastando a mala e segurando a outra pesada nos ombros em busca de um Uber para levá-lo ao seu apartamento. A voz do policial continuava soando em seu ouvido. Como jornalista, achou que podia dizer que Joel não sabia ser sucinto em suas histórias.

— Joel, me perdoe realmente, você sabe que eu não trabalho na área policial em minhas matérias, não é? – Falou William já dentro do carro.

— Eu sei. Leio e gosto muito de suas matérias pro The Globe.

— Eu tive uns problemas bem graves há uns sete meses atrás e que me impulsionou a amenizar as minhas críticas, por enquanto. O que me conta é realmente interessante, mas não estou querendo me envolver...

— Você precisa me ajudar. – Falou Joel com um certo desespero. – Tenho quase certeza que o acidente dela foi forjado.

O jornalista parou por um segundo. Isso era realmente interessante. Não sabia até que ponto Joel sabia sobre o caso para fazer tal afirmação, mas era algo grande e suspeito demais para ser descartado. É claro, que ele tinha as suas dúvidas sobre a morte de Isabella. Nada tirava de sua cabeça que o caso dela estava interligado ao de Elton Rust. Não podia provar e lamentava-se profundamente de não ter podido continuar por trás das investigações do assassinato do ativista.

No período em que esteve em Paris resolvera não ficar olhando sobre os problemas de Belgonia e os misteriosos acontecimentos criminosos que andavam acontecendo. Tinham conseguido assustá-lo e tinha deixado isso bem claro ao The Globe. Continuaria escrevendo, mas sobre tema menos controversos. A sua única prioridade era manter a salvo a sua família. Aliais, fora isso que ele fizera em todos esses últimos meses, se preocupar e cuidar de Katlyn e Helen.

Porém, ao saber da morte de Isabella pela TV, o fez reviver a sua ânsia de saber o que estava por trás de tudo e fazer justiça. Até se arriscou a voltar ao país para o enterro dela. Ficara lá incógnito no fim da abadia vendo todos darem o seu último adeus a aquela que vinha ajudando a transformar o mundo com suas ações. Ficou feliz ao ver o mar de pessoas nas ruas assistindo o funeral da duquesa, era um sinal que eles também a apoiavam.

Ao ver a princesa Renesme passar por ele em sua tristeza profunda partiu o coração dele. Queria abraçá-la, confortá-la e dizer que ele também estava arrasado pela sua perda. Não tinha convivido o bastante com a duquesa, mas sabia que ela era uma boa pessoa e iria fazer muita diferença nesse mundo tão perdido.

— Tem como provar o que está me dizendo?

— Estou com umas pistas fortes. Eu sei, William, que você não tem nada a ver com isso e nem é a sua praia, mas sinto que você pode me ajudar a encontrar a verdade. Isabella como Elton se foram por nada e não podem ficar impunes.

Agora ele falara as palavras certas.

— Concordo.

— Vou mandar algumas coisas que eu consegui. Dê uma olhada, por favor. Se interessar, me ligue para conversarmos.

— Ok, prometo olhar.

William desligou o celular sentindo a sua velha curiosidade por mistérios aflorar. No mesmo instante, Joel lhe mandara um pdf com algumas informações que ele recolhera. Ele abriu o arquivo assim que chegara em seu apartamento. Olhou todas as fotos e anotações feitas pelo policial e procurou o sofá para se sentar. Pensara que Joel não poderia ter tantas provas assim, afinal, a polícia parecia que não estava tão aberta a investigações aprofundadas. Ele tinha se irritado profundamente com o fato de que até o presente momento o caso de Elton não ter resolução. Mas aquilo que Joel lhe mandara poderia trazer muitas respostas para perguntas que não queriam que fossem respondidas. Ele pegou o celular e ligou para Joel imediatamente. Assim que ele atendeu, logo disparou:

— Ok, onde podemos nos encontrar?

Renesme caminhava meio apreensiva para o quarto do pai. Estava disposta a tentar uma conversa mais aberta e séria com ele. Sentia um desconforto nisso, não queria parecer insensível a ponto de não compreender a dor dele. Mas ele vinha fazendo falta, não só no trabalho, mas também no seio familiar.

Desde que Bella falecera, Edward ordenou que ninguém se aproximasse dele. Trancou-se em seu quarto e lá ficou, sem se comunicar com ninguém, sem comparecer aos seus compromissos, apenas preso ao seu luto. O que mais a princesa temia era a saúde do pai e por isso tratou de chamar um terapeuta para tentar ajudá-lo, mas até agora tudo tinha sido em vão. Não desistiria, ela estava disposta a tudo para ver o bem dele.

O curioso é que Bella, antes de morrer, vinha falando muito sobre a saúde mental do marido para Renesme. Contara várias vezes o quanto Edward era propício à depressão e que mudava muito de temperamento dependendo da situação. Isso a princesa tinha ciência. Desde que Carlisle vinha desacelerando os seus trabalhos devido à idade e colocando o filho mais a frente das decisões de Estado, Edward vinha se tornando mais carrancudo e rígido em seus valores morais, que nem sempre agradavam, principalmente aos filhos. O maior medo de Bella era morrer primeiro que o marido por que não sabia como ele reagiria sem ela. Parecia que ela já sabia. Sua mãe e sua intuição apurada para acontecimentos futuros!

Chegou a frente à porta do quarto e pôs a mão no trinco. Para a felicidade dela, estava aberta. Isso já tinha sido uma conquista do terapeuta. Já que nos primeiros meses, Edward permanecera trancado em sua suíte e não recebia nem os filhos. Renesme entrou no quarto e foi decidida até o pai. A cena que viu foi de partir o coração. A princesa estagnou em frente à televisão que mostrava umas filmagens caseiras antigas de quando ela era ainda bebê. Bella e Edward eram tão jovens!

— Éramos tão felizes! – Edward falou já sabendo que a filha estava atrás dele. Reconheceu os passos dela no corredor. Eram os mesmos de Bella. – A maior felicidade da minha vida foi quando ela aceitou se casar comigo. Eu mal pude acreditar na sorte que eu tinha por tê-la.

Renesme permaneceu parada olhado para a televisão. Ela estava nos braços da mãe, podia ter uns três meses. Pelo que podia entender, Bella a tentava colocar para dormir. Mas Edward a impedia fazendo cócegas em sua barriga de bebê e ela devolvia muitos sorrisos. Bella olhava séria para ele e disse:

“- Precisamos colocá-la para dormir.

— Ela não me parece com sono, não é meu amorzinho? – Edward falou.

— Edward, é sério, pare de filmar e me ajude a colocar a sua filha para dormir.

— Hoje é sábado, ela não precisa dormir tão cedo.

— É mais ela não tem idade para entender isso. Precisamos criar uma rotina para ela.

— Rotina é chato!

Bella agora olhava bem sério para ele e Renesme quase sorriu. Edward então colocou o celular ou a câmera em algum lugar sem desligá-la e apareceu no foco da filmagem. Pegou Renesme no braço e a princesa viu que ela parecia mesmo gostar de estar ali com ele, pois se aninhou toda no peito dele e deu um grande bocejo. Ela lembrava que a mãe a dizia que ela sempre só dormia quando estava nos braços do pai. Agora Bella passava a mão pelos cabelos ralos de sua bebê, a abraçava e a beijava. Aquilo partiu o seu coração em mil pedaços. A saudade dos carinhos dela voltaram com força. Como podia pedir ao pai para voltar se mesmo ela ainda permanecia morta por dentro?

— A última coisa que ela me disse antes de ir embora naquele dia foi que se arrependia de ter dito sim para mim...

Então era isso, Renesme pensou. Edward se sentia culpado, de alguma forma, pela morte de Bella. A princesa sentia o mesmo. Se ambos tivessem a apoiado, a tirado do país, acreditado nela,enfim, feito qualquer coisa, ela talvez ainda tivesse aqui.

Era difícil para ela acreditar que sua mãe tivesse declarado que se arrependia de ter se casado com Edward assim tão abertamente. Ao que se lembrava, Bella era alucinada pelo marido e não via a possibilidade de não viver ao lado dele. Ela costumava dizer que ele era o seu primeiro e único amor. Então, para essas ditas palavras terem saído de sua boca talvez tenha sido por que Edward dissera algo realmente grave.

Renesme se aproximou do pai e se ajoelhou ao lado da poltrona que ele estava sentado. Não pôde deixar de olhar para ele com os olhos marejados, tocou a mão dele e pousou a testa nela. Edward apenas a observava.

— Mamãe amava você mais do que tudo. Nunca duvide disso.

— Eu fui um tolo! Um ignorante da pior qualidade! Não sei se você soube, mas a sua mãe fez tudo por mim quando eu tive uma grande crise de depressão. Ela ficou do meu lado, me ajudou, me aconselhou, abdicou de tudo para ficar comigo nessa loucura e olha o que eu fiz por ela quando mais precisou....

— Eu também me sinto culpada por não ter a levado mais a sério.

Edward franziu a testa e interrogou a filha com um olhar.

— Eu soube... – falou Renesme sem revelar a fonte. – Por fontes seguras que haviam pessoas aqui no palácio que falavam que as coisas iam ficar difíceis para a mamãe.

— Como? – perguntou Edward ainda sem entender.

— Soube disso no dia em que... Não pude avisá-la por que ela já havia saído do palácio. Tentei falar com ela pelo telefone, mas você sabe que a área lá na fazenda é ruim.

— Então, Bella tinha razão afinal de contas. Filha isso é grave! Tem certeza disso que está me contando?

— Eu confio na pessoa que me contou.

Edward colocou as mãos no rosto atordoado, a culpa dele agora tinha aumentado em dobro. Que péssimo marido ele fora!

— Eu tenho absoluta certeza que a mamãe lhe amava muito. Acho que essas palavras saíram da boca pra fora. Ela se preocupava com você, tinha orgulho quando você fazia algo grande. Agora, acho que ela ficaria muito contente em saber que estamos bem e seguindo os trabalhos dela.

— Eu também sempre tive muito orgulho dela, sabe? Bella sempre fora tão empática que era até difícil de acreditar para quem não a conhecia. Eu não sei se você sabe disso, mas ela fez um verdadeiro mutirão, logo quando nos conhecemos, para arrecadar cestas básicas para os desabrigados da enchente de Seraf. Eu fiquei tão maravilhado com aquele gesto! Como uma pessoa tão comum podia se doar tanto, fazer coisas tão grandiosas e necessárias para aquelas pessoas e eu com tantos poderes em minhas mãos não tinha feito nem um centésimo do que ela vinha fazendo.

— Mamãe quando colocava uma coisa na cabeça era capaz de mover montanhas.

— Ela era meu tudo! Minha força vinha da Bella. Tudo que eu fiz até agora foi para me tornar digno dela, para deixá-la orgulhosa de mim e agora...

Renesme agora com muitas lágrimas saindo pelo seu rosto, segurou com força a mão do pai. Ela agradecia mentalmente o fato de resolvido encará-lo agora. Eles precisavam dessa conversa que não tinha acontecido até esse momento.

— Não podemos pensar que seja o fim... Por que ela vai continuar bem viva dentro da gente. É até engraçado por que foi exatamente isso que eu estava conversando com o Tony hoje. Ele me disse que vinha passar a Páscoa aqui e tentávamos escolher um lugar para passar o feriado sem que... Você sabe. Mas acabou que todos eles faziam lembrar dela por que ela está muito presente ainda nas nossas vidas.

Edward agora deu um sorriso em concordância e Renesme entendeu como uma chance dele estar se abrindo.

— Precisamos de você, pai, Tony, eu, a nossa família, as pessoas lá fora... Veja como uma chance para mudar de verdade as coisas, como a mamãe sempre desejou.

Renesme viu o pai dar um longo suspiro e beijar a sua mão com carinho. Ela agora notava os detalhes bem detalhados de seu rosto. Tinha envelhecido tanto nesses últimos tempos. Os cabelos agora estavam quase todos brancos e era ele ainda não tinha completado seus 60 anos. Estava mais magro e as linhas de expressão mais marcadas, mas podia-se ver aquele belo homem que fizera Bella um dia se apaixonar perdidamente.

— Sua mãe tinha tanto orgulho de vocês dois! Ela me dizia assim: “Edward, nós fizemos filhos maravilhosos! Cada um a sua forma.”. Eu queria tanto ser o pai que vocês merecem ter. O príncipe que as pessoas precisam. O marido que Bella sonhava em ter... Mas agora eu não consigo. Nunca consegui por que eu sempre fui um fraco inútil!

— Não diga isso pai por que não é verdade. Eu me orgulho tanto de você, por ser essa pessoa tão justa, tão honesta! Olha, deixa eu te contar uma coisa, Tony me disse que quer que conhecemos uma pessoa. Acho que ele está gostando muito dela e é importante pra ele que você também participe da felicidade dele.

— Eu jamais desejo que vocês passem pelo o que eu passo. Parece até castigo! A vida sempre me deu umas rasteiras...

— Não é você que sempre dizia que o jogo só acaba quando termina. – Renesme riu. Ela achava essa frase tão retórica. – Se todos somos peões nesse grande jogo, que sejamos aquele com potencial para ganhar. Só precisamos encontrar um jeito de avançar. Uma casa por vez e no final vencer a partida. Tenho certeza que essas experiências ruins vêm com algum propósito.

— Bem que sua mãe dizia que você vê além do que está sendo mostrado.

Renesme agora riu e segurou com força as mãos do pai. Tinha que encontrar um jeito de motivá-lo.

— Juntos podemos seguir com o trabalho que ela deixou. Podemos fazer grandes coisas, tenho certeza! Vamos mostrar para quem quer que seja que estava contra ela que a guerra ainda não está vencida.

— Se o que você me disse é verdadeiro, preciso averiguar bem aqui no palácio.

— E não pode fazer isso estando aqui nesse quarto o tempo inteiro, não é? Dê uma chance ao seu tratamento com o terapeuta, sim? Me promete?

Edward apenas assentiu e beijou o topo da cabeça da filha. Renesme respirou aliviada. Esperava que a conversa tenha mesmo surtido efeito e dado ao pai dela algo com que pensar. Levantou-se num rompante. Tinha uma agenda longa para cumprir.

— Te amo pai!

— Também te amo, querida.

Ela sorriu para ele e seguiu andando até a porta sem olhar para trás e ver a imagem congelada da mãe na TV. Quanto mais ficava remoendo a ferida, mas aberta ela ficava. Quando pegou no trinco para abrir a porta ainda ouviu Edward dizer:

— Bella lutou muito para trazer você para esse mundo. Acho que ela sabia que você seria mais importante do que todos imaginavam. Valeu a pena! Você foi a melhor coisa que eu e ela fizemos juntos.

— Obrigada, pai.

Renesme não virou-se apenas fechou a porta e deixou-se desmoronar nela por alguns minutos.

William seguia de carro para o endereço que Joel lhe dera. Estava ansioso e extremamente entusiasmado. Quando viu Bella naquele caixão se sentiu culpado. De certa forma, tinha traído o acordo silencioso que fizera com ela naquele único encontro que tiveram. Era mais um membro da resistência que era eliminado e em vez dele ter ajudado, tinha dado um passo pra trás. Não que se arrependesse, não queria ter de arriscar a vida de sua filha, mas não podia deixar de se culpar por não ter conseguido no caso.

Entrou num bairro que sabia que era formado apenas por imigrantes. Procurou não fazer muitas análises sobre o que isso significava. Seguiu em frente e parou em frente a um conjunto de apartamentos muito próximos. Desceu e tentou ver qual era o de Joel no emaranhado de moradias que ali formava. Não precisou procurar muito. Viu o policial, a paisana, entre os corredores. Parecia tão ansioso quanto William.

— Desculpe em marcar o encontro aqui. Acho que não está muito habituado em vir por essas bandas. Você é um nobre, não é?

— Só no título de Visconde que herdei. Não sou chegado a essas frescuragens.

Joel riu e parecia mais aliviado.

— Bom, como eu já lhe disse antes, meu nome é Joel. Sou policial do oitavo distrito. Sou imigrante mexicano e isso deve imaginar o porquê desse conjunto de moradias ser assim, não é?

— Oh claro! Já estive no México. É interessante essa proximidade e calor humano entre vocês latinos.

— É verdade. Não há muito isso aqui na Europa.

— Definitivamente não. Bom... Acho que já me conhece o bastante para ter confiado a mim as suas suspeitas.

— Claro! Sou fã do seu trabalho e por isso estamos aqui e agora. Queira me seguir, por favor.

William apenas assentiu e seguiu Joel pelas diversas escadas emaranhadas que dava acesso ao apartamento que o policial queria lhe levar. Levou alguns minutos para que isso acontecesse, mas enquanto a jornada continuava, Joel não parava de falar sobre amenidades. O jornalista achou até interessante o homem em sua frente ter preservado sua cordialidade mesmo depois da dureza de sua profissão. Podia ser um estereótipo, mas policiais eram sérios demais.

Joel abriu a porta do pequeno apartamento e sinalizou para que William se acomodasse e ele agradeceu mentalmente por isso, já sentindo as pernas doerem do esforço de subir tantas escadas.

— Esse apartamento foi emprestado por uma amigo meu, mas já morei aqui antes. Não achei recomendado nos encontrássemos na minha casa. Você poderia ser visto entrando e com a fama que tem poderia levantar algumas suspeitas.

— E como um homem como eu possa servir a você? Não é só por causa da minha fama, não é?

— Claro que não! Eu lendo as suas matérias para o The Globe percebi que você tinha uma certa conexão com a duquesa. Era interessante isso! Como se vocês se comunicassem de alguma maneira... Além daquele artigo que você fez sobre o caso Elton Rust que também me levou a crer que você poderia me ajudar a solucionar esse mistério.

— Eu realmente me envolvi no caso do Elton. Não diretamente com a polícia, é claro, mas com o pessoal lá da redação que cobria o caso. Pra mim tudo estava muito mal explicado e a demora para a resolução do caso me parecia muita má vontade da polícia.

— Eu penso o mesmo e também para o caso da duquesa.

— Você é policial, o que o faz pensar isso?

Joel levantou-se e pegou uma pasta amarelada que pela visão de William parecia cheio de papéis do caso da duquesa. Como jornalista, sabia por experiência, que casos grandes como o da morte de Isabella não ficaria a cargo de um mero distrito. O Serviço Secreto deve ter passado a frente, mas como Joel tinha conseguido tudo aquilo?

— Nosso distrito foi o primeiro a assumir o caso. Formos nós que a encontramos logo após o acidente. O procedimento padrão é averiguar a área, chamar o SAMU, e tirar fotos de tudo para que caso venha a ser investigado haver como analisar. Eu pedi para que tudo isso fosse feito e há muitas coisas esquisitas aqui na cena do acidente que o Serviço Secreto ignorou perfeitamente.

Joel colocou diante de William algumas fotos do acidente e que deixaram o jornalista muito chocado. Havia uma foto que mostrava o carro por inteiro, sua frente completamente destroçada pela batina contra a árvore. Além das fotos que mostravam o carro, havia algumas de Isabella em si. Ela estava muito serena, apesar do cenário grotesco. Desacordada e repleta de sangue na cabeça, mas parecia que estava dormindo. Ver o registro dos últimos minutos de Isabella o chocou fortemente. Ao lembrar que ele estivera frente a frente com ela, que depositara tantas esperanças no trabalho que ela vinha desempenhando com tanta força. Pensou na dor que a princesa vinha sentindo e que isso modificaria completamente a perspectiva dela caso conseguissem mais respostas sobre a morte da mãe dela. Não ia ser em vão de qualquer forma.

— Algumas coisas me chamaram atenção de cara. Estava chovendo leve naquela hora, mas o velocímetro do carro ficara parado em 180 KM por hora. Não acha que é muita velocidade para uma pista escorregadia?

— É, com certeza. Mas não há risco de o velocímetro ao quebrar tenha parado em qualquer número?

Joel pegou uma das fotos que estava em baixo da pilha e mostrou a William.

— Pensei nisso também. Perguntei a um amigo mecânico sobre essa possibilidade e ele me disse que como era digital, mas fácil que ao danificar, ficasse tudo preto ou paralisado. De qualquer jeito, ela tinha que está correndo muito para não conseguir frear a tempo de bater na árvore.

— Verdade. O que a polícia disse a respeito disso?

— Levamos em consideração no início da investigação, mas o SS acabou considerando que ela vinha em alta velocidade fugindo de algo imaginário, fruta da neurose que vinha enfrentando.

— Provável e improvável ao mesmo tempo. É possível que ela estivesse mesmo em alta velocidade de propósito para fugir de alguém e por causa da pista molhada acabou perdendo o controle do carro.

— Mas alguém imaginário? Pra mim ela poderia estar fugindo de alguém muito real que talvez a tivesse seguindo desde que ela saiu da propriedade de Jacob Black em Seraf. Mas há a possibilidade dos pedais estarem com defeito...

— E ela só conseguisse acelerar e não frear... Mas até onde eu sei, os carros no palácio passam por frequentes revisões.

— Eu fui atrás disso também. Todos os carros passaram por uma revisão cerca de seis meses antes do acidente, com exceção ao de Isabella. Eles disseram que deixaram o carro pessoal dela por último por que era um carro pouco usado por ela. Declararam que a duquesa sempre andava com o carro oficial do palácio a serviço ou no carro do príncipe ao lado dele para coisas pessoais. Por isso eles acharam que não precisava fazer uma revisão de imediato.

— Muito vago isso.

— Há muitas coisas suspeitas com relação à postura do palácio com relação à Isabella. Em seus depoimentos, tanto a princesa Renesme quanto o príncipe Edward declararam que a duquesa se queixava que alguém a perseguia e que tinha recebido ameaças dias antes dela morrer. O celular dela havia várias mensagens de números desconhecidos com mensagens apagadas. Não havia prova alguma dessas ameaças e por isso o SS declarou que era tudo paranoia dela. Mas pense comigo, se uma pessoa diz que está sofrendo ameaças, o mínimo que poderiam ter feito era aumentar a sua segurança. Entretanto, ela estava sozinha em seu carro pessoal e sem nenhum segurança ao lado dela.

William se ajeitou na cadeira e olhou novamente para a foto de Isabella no carro. Ele sabia bem o que ela estava sentindo, afinal de contas, ele também chegara a ser ameaçado e não pôde provar por que as mensagens tinham sido apagadas pelo remetente delas pouco depois de ele a visualizá-las. Mas se Elton e ele próprio tinham recebido mensagens do tipo, como o palácio poderia estar envolvido?

— Outra coisa estranha foi o fato de não terem feito uma autópsia no corpo dela. A duquesa saiu com vida do local do acidente. Achamos, a princípio, que ela já estivesse morta por que ela tinha poucos sinais vitais. Mas ela conseguiu chegar ao hospital e eles declararam lá que havia sido detectado nela um nível 3 na escala Glasgow.

— Morte cerebral.

— Sim, mas havia outras marcas no corpo dela que possivelmente não foram feitas durante o acidente. Como essa aqui.

Joel pegou uma das fotos onde mostrava cabeça e o pescoço de Isabella de uma maneira aproximada. Além de todo o sangue, podia-se ver algumas manchas arroxeadas em torno do pescoço.

— Essas manchas roxas chamaram a minha atenção desde o princípio. Perguntei a um médico se tinha possibilidade dessas manchas serem uma consequência da morte cerebral e ele me disse que não. Os médicos devem ter percebido isso e seria o suficiente para o palácio pedir uma autópsia, mas só houve uma liberação para a doação dos órgãos dela.

William agora estava atordoado. Tudo isso era muito óbvio para um assassinato. Sentiu o seu sangue ferver, queria socar alguma coisa, tinham matado Isabella a custo de que? Pelos seus trabalhos filantrópicos que só visavam o bem e nada mais? Era uma imundice sem fim.

— Outras coisas muito suspeitas acenderam a minha lanterna. – Joel falou colocando a mão na cabeça. – O airbag do carro dela não foi acionado, ela poderia ter sobrevivido se ele tivesse funcionado e outra, a duquesa estava apenas com uma das sapatilhas nos pés na hora do acidente. O que o SS fez com todas as informações? Ignorou. Mas ai eu penso, ela era uma duquesa, a futura rainha desse país...

— Silenciaram ela. O SS sabe disso. Queima de arquivo.

— Vê a importância de continuarmos com essa investigação?

— Claro! Pode contar comigo. Mas temos que ser muito cautelosos. Eu mesmo estou na mira das pessoas que talvez estejam envolvidos na morte do Elton e da Isabella.

— Com toda certeza.

— Mas para que tudo seja ainda mais garantido, precisamos ter o apoio da família real.

— Mas acha que depois de tudo que te falei, o palácio estaria interessado na reabertura do caso?

— Eu conheço pessoas que sim vão querer saber o que aconteceu de verdade com a duquesa. Tenho um certo contato com a princesa, não muito pessoal, mas acho que posso conseguir uma horário com ela. Acredito com todas as forças que ela vai nos ajudar nessa.

— Isso é bom. Não tive coragem de entrar em contato com eles por que... É a família real! – Joel falou com os braços bem abertos.

— É normal se intimidar pelo que eles representam, mas acredite, eles são pessoas como eu e você. Mas precisamos ter algumas provas além de suposições.

— Consegui encontrar o carro da duquesa. O palácio o doou para a sucata. Pedi ao meu amigo mecânico para dar uma examinada. Tenho certeza que podemos encontrar algumas pistas nele.

— Isso é maravilhoso! E acha que ele pode dar uma resposta em breve?

— Sim, com certeza.

— Ótimo! Então, assim eu marco uma reunião com a princesa e explico tudo a ela. Se interessá-la, que acredito que sim, você poderá conversar melhor sobre o que descobriu com ela e com o príncipe Edward.

— Combinado, então!

William ofereceu a mão e Joel a apertou. Estava formada uma parceria que o jornalista considerava muito promissora. Dessa vez seria mais cuidadoso, tínhamos assassinos por aí prontos para agir novamente a qualquer minuto e não podia arriscar ser o próximo, ou Joel, ou a princesa. Ele ficaria terrível se isso acontecesse! Mas dessa vez não desistiria. Levaria a investigação da morte de Elton e Isabella até o fim. Por que isso também era uma forma de resistência. 

Por favor comente! Só assim saberei o que está achando dos rumos dessa história.


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Notas finais do capítulo

Comentários são sempre bem- vindos!