Visão dificilmente se deixava dormir, porque não tinha um ciclo regular de sono.

Quando residia na Base dos Vingadores, geralmente caminhava pelos corredores durante a madrugada, e foi numa dessas oportunidades que se aproximou de Wanda. O primeiro toque das suas mãos ainda provocava arrepios em sua nuca, pequenas fagulhas de alegria contra a natureza sintética da pele atrás de seu pescoço. Portanto, ao invés de descansar, ele por muitas vezes preferia observar Wanda enquanto descansava, o calmo subir e descer de seu peito após momentos de pavor com pesadelos, os dedos entrelaçados com os dele para tranquilizar o sono.

Após a prisão de Wanda, Visão se recusava a dormir. Ainda que pudesse, durante a calada da noite, pensar que ela poderia ter dificuldades para cair no sono o fazia andar incessantemente pelos mesmos corredores, às vezes até no telhado, imaginando o quanto queria poder segurar sua mão mais uma vez. E, também, dormir provavelmente traria as lembranças dela em forma de sonhos, portanto, quanto menos o fizesse, melhor.

Durante o período na Europa, precedendo a sua entrada no grupo de fugitivos, o sintozóide estava animado demais para dormir. A perspectiva de reencontrar Wanda o fazia flutuar, às vezes rodopiar, com pensamentos de sentir o calor de seu rosto e o carinho em seus lábios. E, quando integrou os Vingadores Secretos, ocasionalmente dormia, porém, quando Wanda caía no sono, era mais comum se levantar e cuidar os arredores da casa para protegê-la.

Visão dificilmente se deixava dormir, porque sua cabeça possuía pensamentos demais para se deixar relaxar.

Depois de beijar Wanda naquela noite, porém, ele deitou ao lado dela, acariciou seu rosto, e a viu cair no sono. Estava tão absorto nela, e somente nela, que esquecera por completo do cartão de Monica Rambeau, do símbolo escondido, de tudo o que passaram em vinte e quatro horas. E gradativamente se deixou levar pelo ambiente caloroso, a cama macia sob seus corpos, o aroma delicioso do cômodo e até uma ponta de cansaço depois de um dia tão corrido, adormecendo não muito depois dela.

Visão dificilmente se deixava dormir, porque tinha dificuldade em catalogar os seus sonhos.

Geralmente, as visões que tinha enquanto dormia eram lembranças. Momentos pretéritos que ficavam retidos em sua mente, alguns mais felizes do que outros. E ele organizava cada sonho dentro de sua complexa memória, como arquivos em pastas dentro de mais pastas organizadas em caixas de papelão dispostas nos armários metálicos da sua mente. Era organizado. Era robotizado. E suas vivências mais recentes não o permitiam ter essa automação, tornando mais difícil separar memórias felizes das tristes, pois a pasta de “Wanda” tinha todos esses momentos, como se o restante ficasse cada vez mais vazio e apenas ela existisse em todas as circunstâncias memoráveis da sua, até então curta, vida.

Naquele dia, especificamente, talvez pelas reiteradas menções a Sokovia, Visão novamente se viu naquele ambiente destruído. E não sabia dizer se era uma miragem nova, ou se era a mesma do dia em que estiveram na floresta, portanto, se manteve alerta para qualquer resquício de Ultron, inexistente não fossem os robôs destruídos junto com a pilha de escombros.

Atentamente procurou pelas pétalas vermelhas da flor, correndo pela cidade, até chegar na beirada de um precipício e ver apenas a imensidão de uma cratera abaixo dele. Aquilo, instintivamente, o forçara a acordar.

O sol ainda não havia saído, tendo em vista o breu atrás das cortinas fechadas do quarto, e Visão demorou um segundo para notar que Wanda não estava mais ao seu lado, mas sentada na borda da cama. Ele lentamente engatinhou para o lado dela, segurando o seu diminuto ombro enquanto ela calmamente virava o rosto para ele.

— Acordei você? – Sussurrou Wanda, movendo a mão para cobrir os dedos dele, envoltos em seu ombro.

— Eu não exatamente posso dormir. – Comentou Visão enquanto se aproximava para beijar o topo de sua cabeça.

— Você pode fazer mais do que imagina.

Ela riu antes de novamente ficar em silêncio, encarando diretamente o rodapé a frente, ao lado da porta. Seus olhos estavam parados, as pálpebras pesadas de sono e desânimo ao mesmo tempo.

— Preferia ter dormido com a Nat? – Perguntou Visão, para tentar afastar aquela hipótese, recebendo uma negação de cabeça em resposta.

— Eu com certeza iria rolar na cama sem dormir a noite inteira. E olha que está bem difícil me virar com a barriga crescendo nesse ritmo. – Ela mordeu o lábio inferior. – Acordei porque tive um sonho. – Fez uma breve pausa antes de finaliza a frase: – Com Sokovia.

Visão apertou seu ombro.

— Estranhamente, eu também tive.

Wanda virou a cabeça para ele, os olhos verdes alertas. Os sonhos de Visão não eram totalmente estranhos para ela – já haviam falado sobre algumas vezes na Base antes de tudo acontecer. Porém, temeu o conteúdo daquele sonho, especialmente se houvesse alguma relação com o dela. Diferentemente dos pesadelos anteriores, não vira a casa, nem a floresta coberta de neve, mas os arredores da cidade onde encontrara Pietro um tempo antes. Engolindo em seco, perguntou:

— Você viu Ultron novamente?

— Não. – Visão olhou para a porta enquanto respondia. – E também não vi mais a flor que nascia sob os escombros.

Wanda assentiu.

— Eu também não vi o Pietro nesse sonho.... Isso é, no mínimo, curioso. – Ela segurou a mão de Visão e trouxe-a para perto de sua barriga. – Mostra que nós dois temos algum tipo de conexão inusitada.

Depois, pensou por alguns instantes antes de prosseguir:

— Percebe que sempre vamos para os mesmos lugares? Minha conexão é com a natureza, enquanto a sua é no centro da cidade. E, quando um não encontra um elemento chave, o outro também não. – Um suspiro escapou de seus lábios e, subitamente, os olhos dela saíram dele e tornaram novamente para o chão. Visão se ajoelhou e levou as mãos até o rosto dela, levantando seu queixo para ela poder encará-lo.

— Tem algo que você não está me contando, Wanda?

Pesadelos. A casa em Sokovia. Sonhos repetitivos desde o tempo em que se descobrira grávida. Sua conversa com Natasha sobre iniciar uma conversa. Ela suspirou pesadamente, e umedeceu os lábios para começar a falar, quando a porta do quarto abriu levemente, ocasionando um sobressalto nela.

— Deveria imaginar que você veio dormir com o Vis e esqueceu de deixar um bilhete. – Natasha disse entre um longo bocejo, antes de fechar a boca e olhar, aflita, para eles: – O Visão ajoelhado na sua frente.... Eu atrapalho algo?

Visão e Wanda se entreolharam antes de olharem novamente para Natasha.

— Quer dizer, fazer essas coisas de madrugada não é muito legal... A não ser que seja algo muito mais íntimo e eu esteja–

— Nat!

O rosto de Wanda tomou uma coloração forte de vermelho enquanto ela pedia licença para Visão e saia do quarto, fechando a porta atrás de si.

— O que foi? – Natasha riu. – Eu realmente atrapalhei um momento íntimo de vocês?

— Claro que não! – Respondeu Wanda, um pouco irritada. – Eu ia contar para o Vis sobre os pesadelos!

Natasha levou as mãos ao ar.

— Desculpa se eu vim procurar por você depois de você sumir. – Em seguida, deu de ombros. – A maga do grupo é você.

Wanda recostou na porta, encostando a parte de trás da cabeça e deixando um vão que seguiu até os ombros, grande o suficiente para passar uma palma atrás de seu pescoço. Ela estava visivelmente contrariada, por isso, a outra se aproximou e segurou suas mãos, um sorriso cálido desabrochando em seus lábios, iluminado apenas por pequenos abajures acoplados nas paredes do corredor.

— Isso não significa que você deva desistir agora. Mas... – Natasha olhou para um relógio em seu pulso, o qual Wanda não lembrava de ter visto antes. – .... Não quer esperar o dia raiar, não? São três da manhã e você precisa dormir.

— Tem razão. – Ela mostrou um sorriso no canto dos lábios. – Desculpa ter saído do quarto sem avisar.

— Tudo bem. Mas não faça mais isso. – Natasha passou os braços ao redor de seu corpo. – Já me perdi de você duas vezes hoje. Não faça mais isso.

Wanda concordou com a cabeça.

— Amanhã, eu e o Vizh vamos sair para meditar, não muito longe. E vou contar sobre o que está acontecendo. Os pesadelos. – Precisou se segurar para não colocar um “provavelmente” antes de prometer contar sobre aquilo.

— Boa menina. – Ela finalmente beijou o topo de sua cabeça antes de caminhar de volta para o quarto. – E aproveite para fazer o que quiser com o Visão agora. Em casa vai ser mais difícil.

Quando Wanda abriu novamente a porta e retomou ao seu quarto, Visão ainda estava acordado, pacientemente aguardando sentado na cama.

— Tudo bem? – Questionou.

— Sim. – Ela sentou em seu colo, sentindo os braços fortes de Visão ao redor de seu corpo enquanto se inclinava para beijá-lo. Seu coração estava feliz. – Acho que vamos descansar para meditar amanhã cedo.

Visão apenas concordou, abraçando-a com mais força até o sol raiar.