Carry Your World escrita por Martell


Capítulo 1
Lily


Notas iniciais do capítulo

Olá gente bonita!

Essa é a primeira Jily que eu posto em anos e um crossover que eu quero escrever faz muito tempo. É uma série curtinha de três capítulos e em cada um eu vou colocar os avisos necessários nas notas.

A maior parte da violência aqui é como a de Jogos Vorazes e os temas como pobreza e fome são recorrentes também. Aviso de gatilho para a insinuação leve de abuso sexual e prostituição mencionada bem rapidamente, assim como a suicídio e abuso físico parental.
Quem não se sente confortável, por favor não leia. Sua saúde mental em primeiro lugar!

Sem mais delongas, vamos para a história!



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"Show me the way, Lord

'Cause I am about to explode"

— Atlas, Coldplay

 

Ninguém era feliz no Distrito 12, não realmente. Talvez não fosse possível. Se era, nunca haviam lhe contado.

Lily Evans estava em uma condição muito melhor do que a maioria das outras pessoas do Distrito, a sua mãe fazia questão de lembrar-lhe todos os dias. Petúnia, sua irmã mais velha, achava que por isso os outros eram inferiores, talvez para se convencer de que não levava uma vida miserável. Lily sabia que a única coisa que tinham era a sorte de seu pai ser o único farmacêutico nesse fim de mundo, de a mãe ser uma das únicas boas costureiras do Distrito. Se não fosse a escola, as duas jovens Evans mal teriam contato com a ralé da costura.

Mas ninguém era feliz no Distrito 12. Alimentavam-se melhor, vestiam-se melhor, mas o 12 como um todo era pobre e ter acesso a pão fresquinho algumas vezes na semana não mudava o fato de querer mais. Ansiava por sair deste lugar sufocante, tão cinza e tedioso, antes mesmo de entender o que sentia. Nunca havia vivido de forma diferente, nem conseguia imaginar como poderia ser, só sabia que era melhor. Tinha que ser.

Lily era uma criança, observadora e inteligente, mas uma criança. Não sabia que querer mais poderia lhe custar tudo.

Era a sua primeira colheita e seu nome estava em apenas um papel. As chances estavam a seu favor – ou o máximo que poderiam, dadas as circunstâncias. Ouvira uma menina da sua classe comentar que precisara se inscrever diversas vezes, uma por membro da família, para receber alimento. Ouvira sua amiga Mary dizer que o irmão não sabia quantos papéis tinham o seu nome, mas eram muito mais do que era seguro. Ouvira Petúnia se gabar que nunca precisara fazer algo do tipo, olhando de maneira torta para as crianças famintas que haviam vendido tudo que tinham para conseguir um remédio para a mãe. Esse tipo de gente deveria saber melhor do que frequentar a nossa loja, ria com as amigas, com o namorado odioso que a única qualidade era ser filho do dono do único mercado – legal – do Distrito.

Lily ainda tinha as marcas do cinto nas costas, uma lembrança da surra que recebera por dar o remédio de graça.

Era sua primeira colheita e sua mãe havia arrumado o cabelo ruivo em duas tranças, amarradas com lacinhos azuis para combinar com o seu melhor vestido. Sua cor favorita era verde, do mesmo tom que seus olhos, mas Rose Evans não a deixava usar nos tons que preferia, clamando que contrastava demais com o resto da sua aparência. Lily achava que a mãe só não gostava de ver alguém contente, afinal, ninguém era feliz no Distrito 12.

Depois de todo o espetáculo, foi com Mary se despedir do irmão e a segurara pelo que pareciam horas enquanto chorava. Lily ficou por dias com as mãos doloridas, punição por ter chegado em casa após o horário permitido.

O irmão de Mary não voltou.

A vida continuou como se nada tivesse acontecido.

(– Minha mãe saiu andando em direção a cerca ontem e ainda não apareceu. Meu pai está fingindo que ela vai voltar, mas ela não vai.

— Mary...

— Acho que eu deveria ter ido com ela.

— Mary!

— Se não fosse por meu pai, eu teria ido com ela.)

Até James Potter surgir na sua vida, Lily havia se resignado à monotonia da rotina que criara. Ia para a escola, ao chegar em casa ajudava o pai, enquanto Petúnia e a mãe cuidavam da loja de costura. Edward Evans sempre fora um bom homem, mas fraco, retraído, mais preocupado com a criação dos seus remédios do que com a família. Rose liderava a casa e os negócios com um punho de ferro. Lily sempre fora mais próxima dele.

Numa tarde em que estava colhendo plantas para uso medicinal, Lily ouviu uma das coisas mais bonitas que já escutara. Era um menino, aparentemente da sua idade, deitado no chão e imitando o som dos pássaros. Quis sentar e apenas apreciar a música – ou o que quer que aquilo fosse – mas iria sujar o vestido que usava e, realmente, era melhor voltar para casa, afinal, não queria que sua mãe se irritasse.

Antes que pudesse sair, o garoto pareceu se dar conta de que não estava sozinho. Olhos castanhos arregalados se fixaram na figura petrificada de Lily e foi assim que se deu conta que havia andado para perto de onde ele estava deitado, feito uma idiota. Pelas roupas que usava e o que pareciam cinzas no cabelo, não era difícil imaginar que era da costura.

Ele se levantou com pressa, batendo nas roupas para tirar a poeira de maneira desajeitada e Lily não conseguiu parar a risadinha que deu com a cena, mas logo corou a ponto de ficar tão vermelha quanto seus cabelos. Deus, por que estava agindo dessa maneira?

— Eu sou James, James Potter – ele estendeu a mão e suas unhas estavam sujas de carvão.

— Sou Lily Evans, é um prazer – respondeu, apertando a mão estendida sem hesitação.

E em vez de ir para casa como planejava, sentou-se ao lado de James e conversou por horas. Seu vestido estava sujo e havia se atrasado para ajudar ao pai, mas não conseguia se arrepender da escolha que fizera. Juntos colheram o resto das plantas que precisava, rindo e contando histórias. Lily tinha só 13 anos, mas já estava farta de sua vida monótona. Ouvir James Potter era como finalmente ver cores após passar anos enxergando em tons de cinza.

Nem mesmo seus joelhos machucados depois conseguiram a deixar menos contente.

A partir desse momento, James parecia estar em todos os lugares que ia. Nunca tinha reparado nele na escola, mas a cada canto que olhava lá estava ele, rindo com os dois melhores amigos, andando despreocupadamente pelos corredores, imitando os pássaros no pátio. Tinha vergonha de admitir, mas Lily sempre parava para escutá-lo. Os pássaros também.

E continuaram se falando, mas de maneira discreta. Não queria que chegasse algum tipo de rumor sobre eles até Petúnia, ou pior, sua mãe. Se isso significava inventar desculpas para ficar mais tempo na escola, bem, já estava acostumada a dormir sem pressionar as costas na cama.

(– É isso então, você tem vergonha de mim?

— Claro que não!

— É isso que parece... Talvez seja melhor não nos vermos mais.

— Por favor, não é assim, eu juro! É só que minha família... Você não entende.

— Calma, não chora, ei, vem aqui, não chora.

— Eu não tenho vergonha de você, eu tenho medo do que pode acontecer se minha mãe descobrir.

— Promete?

— Prometo.)

Suas amigas, Marlene e Alice, eram as únicas que sabiam da quantidade de tempo que gastava com James. Lene, não tendo um pingo de vergonha na cara, já estava planejando o casamento, mesmo com Lily insistindo que não era nada disso e eles eram crianças, garota! Alice não confiava nele e nem nos amigos, mas nunca era cruel sobre isso, talvez porque Alice fosse fisicamente incapaz de ser cruel.

(– Minha mãe disse que garotos como esses só querem uma coisa de garotas como nós.

— O que é?

— Não sei, não tive coragem de perguntar.)

Sua segunda colheita foi imensuravelmente mais tensa, não por ter seu nome duas vezes para ser escolhida – as chances continuavam a seu favor – mas porque James não tinha a mesma sorte.

Novamente com cabelo trançado e vestido azul, Lily viu mais duas crianças andarem trêmulas para a própria morte. Em todos esses anos de Jogos Vorazes, o 12 nunca tinha tido um vencedor. As chances daqueles dois mal nutridos adolescentes da costura ganharem eram minúsculas. O alívio que sentia a deixou enjoada. Foi a primeira vez que vomitou após a colheita, joelhos trêmulos e olhos cheios de lágrimas, escondida da mãe e da irmã – mas certamente não foi a última.

O Distrito 12 continuou sem vencedores.

(– Você deveria ser grata por não ter sido você nem nenhuma das suas amiguinhas estranhas.

— Ela tinha 12 anos, Tuney.

— Pare de agir como se você ligasse para essa menina! Você não sabe nem o nome dela, ela morrer ou não faz nenhuma diferença para nossa vida!

— Como você pode ser tão fria?

Fria? A única diferença entre nós duas é que eu nunca menti sobre o que eu era.)

A primeira vez que seu pai interveio nas punições dadas foi quando o resto da família Evans ficou sabendo da amizade de James com Lily.

Era um segredo aberto que Fleamont Potter caçava na floresta ilegalmente, Edward, por exemplo, era um cliente regular. Rose fingia que não sabia, é claro, para ignorar que sua família tinha algum contato com a gentinha da costura. Pessoalmente, Lily não conseguia entender como alguém que tinha tão pouco poderia se sentir tão superior a quem não tinha nada, mas jamais ousaria falar em voz alta, nem mesmo na solidão de seu quarto. Com 14 anos, já havia aprendido a desenvolver um medo saudável dos humores da mãe.

O problema é que Fleamont estava ficando velho, o trabalho nas minas estava o deixando cada dia mais cansado e se tornava cada vez mais difícil. Segundo James, o pai o levava para caçar desde que era pequeno, mas agora que estava mais velho, assumiria eventualmente a parte da venda – também ilegal, mas que todos fechavam os olhos. E esse momento havia chegado.

Numa tarde particularmente ensolarada, James Potter chegara para trocar algumas ervas nativas da floresta por remédio para a mãe. Lily teve o azar de estar com o pai na hora e, antes que pudesse evitar, o garoto estava agindo como se fossem grandes amigos – o que eram, mas ninguém precisava saber. Ninguém. Especialmente não Rose Evans, que vira tudo com olhos de águia.

Não foi a primeira vez que chorara sob os castigos da mãe, mas nunca tinha sido tão terrível que faltava força até mesmo para soluçar. Repetidamente pedira desculpas até não saber mais o porquê estava falando, mas não importava quantas vezes dissesse que não estava arruinada, sua mãe não estava disposta a ouvir. Chegou a um ponto que até mesmo Petunia parecia pronta para intervir, mas nunca o fizera antes e duvidava que o faria no futuro – mesmo sendo a filha bem comportada, havia experimentado uma boa dose de disciplina.

E foi então que seu pai finalmente, finalmente, deixou de olhar suas fórmulas e plantas e virou-se para a sua família. Lily dormiu uma semana na casa de Alice. Edward dormiu um mês no sofá. Rose passou quase três meses sem dirigir uma palavra para a filha mais nova.

A única coisa boa que saiu desse fiasco foi a nova amizade com Sirius Black.

Os dois se conheciam, ambos amigos íntimos de James, mas desde o primeiro momento o garoto desdenhara dela e Lily não tinha intenção alguma de tentar agradar gente idiota. Ele saia do seu caminho para antagonizá-la de propósito e nem mesmo as repreensões de Remus, a única pessoa que conseguia convencer Sirius de alguma coisa, o fazia parar.

Mas quando ficou sabendo do estado nada bonito que Lily estava – soube por Remus que soube por James que soube por Marlene que soube por Alice – foi um dos primeiros a se colocar em defesa da menina. Anos depois, Lily descobriria que era por sua situação familiar muito parecida, com uma mãe amarga por terem perdido tudo descontando nos filhos e um pai bêbado demais para interferir. No momento, só aceitara a amizade e o pedido de desculpas, agarrando avidamente qualquer carinho e compreensão, por menores que fossem.

Lily não foi para a escola por uma semana, os pais de Alice procuraram outra costureira e Sirius se ofereceu para vandalizar a loja de Rose, o que declinou delicadamente.

(– Eu sempre soube que ela era rígida, mas Lily...

— Está tudo bem. Eu estou bem, ou pelo menos vou ficar.

— A gente pode fugir para a floresta juntos, sabe, eu conseguiria nos manter vivos. Eu acho.

— Eu que tomei uma pancada na cabeça e você quem está falando besteira. Não faz essa cara! O que? Muito cedo?

— Não sei se vai ter um momento que não vai ser muito cedo...)

Na sua terceira colheita, foi de cabelo solto, os cachos ruivos caindo delicadamente até o meio de suas costas. O vestido que usava era de um verde esmeralda do mesmo tom de seus olhos, presente – pedido de desculpas – do pai, o qual Rose torcera o nariz, mas fez um sentimento bom se espalhar por todo o corpo de Lily. Mais uma vez, havia o mínimo de papéis com o seu nome e Petúnia não era mais elegível, então com um peso a menos andou com suas duas melhores amigas para a praça.

Ninguém era feliz no Distrito 12, mas com o tempo estava aprendendo a segurar o mais perto de si cada migalha de contentamento possível. Se era tudo o que poderia ter, seria o suficiente. Tinha que ser o suficiente.

Fabian Prewett andou de cabeça erguida para o palco, suas mãos não tremiam e ele não chorou. Era a sua última colheita, mas as chances raramente estavam a favor das crianças da costura. Molly Weasley, sua irmã mais velha, passou tão mal que foi parar na salinha por trás da loja do pai de Lily. Gideon, irmão gêmeo de Fabian, sumiu por dois dias.

Fabian era mais velho e mais forte do que a maioria dos tributos dos outros distritos, e por um momento realmente achou que pudesse ganhar. Todos pensaram.

Fabian Prewett não voltou. Molly Weasley perdeu o seu bebê. Gideon nunca mais foi visto.

Enquanto lavava os panos ensanguentados que o pai trouxera da casa dos Weasley, Lily não conseguiu controlar o choro. Suas orelhas ressoavam com os gritos de sua mãe por Edward ousar ajudar a outra família. Toda vez que fechava os olhos via Molly, uma mulher doce e gentil, poucos anos mais velha, tocando sua barriga que mal começara a crescer com reverência. Os dedos gentis acariciando o cabelo tão parecido com o seu, dizendo que era uma sorte, que as duas eram diferentes e deveriam se orgulhar.

Nem mesmo Petúnia tinha algo depreciativo para comentar quando Lily se juntou a mesa para o café da manhã com os olhos inchados e vermelhos. Talvez tivesse percebido que mesmo sem ir para a arena, os jogos arruinavam a vida de todos os moradores dos distritos. Em dias, a família Prewett havia acabado – Fabian, com um sorriso ensanguentado numa arena deserta, Gideon, provavelmente junto a mãe de Mary na floresta, Molly, uma Weasley e, se a previsão de Edward estivesse certa, a última pessoa a carregar o nome além do seu marido Arthur.

(– Meu nome estava lá dentro 12 vezes, próximo ano estarão 16. Poderia ser pior, eu acho. O de Fabian estava 40 vezes.

— Dorcas Meadowes tinha apenas três papéis com o seu nome. Assim como eu.

— Parece que a sorte não está ao favor de ninguém esses dias.

— Mas nós dois estamos aqui, isso é o que importa, né?

— Sempre podemos fugir para a floresta, se quiser. Dizem por aí que eu sou um ótimo caçador.)

A vida seguiu, mesmo que ninguém estivesse muito satisfeito com isso. Com 15 anos, o pai permitira que Lily aprendesse de maneira mais efetiva o que ele fazia tanto com as plantas que passava horas buscando, além de o ajudar a tratar os pacientes. Já estava tão acostumada com sangue que nem mais se chocava com as piores feridas, mas seu estômago ainda embrulhava ao escutar o que causara certos machucados.

Passara dias sem dormir, a visão das costas açoitadas de uma menina magricela que mal parecia ter entrado na adolescência, a marca do chicote indistinguível em meio a quantidade de sangue. Dizer não para certos pacificadores era uma sentença de morte; outros, os mais gentis, apenas deixavam cicatrizes que iam muito além de pulsos roxos e coxas ensanguentadas.

Poderia ter sido eu, sua mente repetia, de novo e de novo, poderia ter sido Alice, delicada e linda Alice, que não faz mal para uma mosca. Mas elas tinham sorte, sorte de não nascerem de mineiros e lavadeiras, sorte de serem valiosas para as pessoas “importantes” do Distrito, sorte de serem vistas como pessoas, na maior parte do tempo. Não que isso importasse para o Capitol, muito menos para os cachorrinhos do presidente Riddle, antes mesmo de terminar o pensamento, o baniu imediatamente. Certas coisas eram arriscadas demais até mesmo de imaginar. No fim, tinha sorte de não ter atraído nada além de olhares e comentários dos homens colocados ali para exercerem a ordem e o poder da capital.

Petúnia finalmente saiu de casa, após se casar com o homem que estava envolvida desde os 15 anos. Vernon Dursley era a pessoa que vivia mais fartamente no pequeno círculo de comerciantes que frequentavam, o que era perceptível por seu tamanho. Isso, é claro, era apenas mais um atrativo e até mesmo Lily conseguia ver o porquê: um homem, sendo ele bom ou não, que conseguisse manter Petunia bem alimentada e vestida, longe de tudo aquilo que ela repudiava? Era o sonho das duas Evans mais velhas se tornando realidade.

Ao mesmo tempo, Alice começou a se encontrar com o doce filho do padeiro, Frank Longbottom, alguns anos mais velho do que ela – e uma das pessoas que Rose Evans empurrava de maneira deliberada para cima de Lily. Frank era bonito e inteligente, tão gentil quanto corajoso e, por um tempo, Lily pensou em seguir o conselho da mãe, mas algo a impedia. Toda vez que estava com Frank e escutava a canção dos pássaros sentia-se mal, como se estivesse fazendo algo de errado. Não sabia exatamente o porquê, mas só deixou claro para o garoto que queria apenas sua amizade e ambos estavam felizes com isso. Alice e Frank eram perfeitos um para o outro.

As pessoas costumavam namorar cedo e casar cedo, tendo filhos sem ter completado nem 20 anos, aproveitando a juventude e o que podiam com a família. Ou pelo menos fora o que Lene lhe dissera, quando perguntara o porquê da amiga estar tão desesperada em entrar em um relacionamento. Era o jeito das coisas, a forma que viviam, colocando uma criança no mundo apenas para ressenti-la por ser mais uma boca para alimentar.

Lily queria continuar trabalhando com o pai, quem sabe até criando seus próprios remédios, ajudando pessoas que viriam até ela – ajudando aqueles que não tinham condições de vir. Não conseguia se imaginar casada, com filhos, mesmo que fosse esperado que encontrasse alguém – como o filho do padeiro – que pudesse lhe dar estabilidade. Seus pensamentos para o futuro eram nebulosos, mas por algum motivo sempre estava cercada do cheiro de floresta e carvão.

Sirius rira da cara de Alice quando ela perguntou se o menino tinha algum interesse inapropriado por uma das amigas. Enfaticamente, disse que jamais se casaria e se dependesse dele os Black acabariam ali. Nunca se interessaria por alguém dessa maneira, bravejou jocosamente, ninguém era bom o suficiente para domá-lo. Enquanto todos riam, Lily viu o olhar que lançou na direção de um distraído Remus. Não quis pensar muito nisso, afinal, todos tinham algo que desejavam e não poderiam ter. Por algum motivo, isso a lembrou de James.

A amizade com os três garotos da costura não era um segredo, mas também não saiam por aí contando sobre. Remus entendia, James não e Sirius aparentemente não se importava, mas finalmente entendera o que a mãe de Alice tanto falava e o porquê da sua mãe ter ficado furiosa com a suposta amizade de James com Lily. Garotos como esse vão te arruinar, se já não o tiver feito. Meninas como elas deveriam estar saindo com Frank Longbottom e Vernon Dursley, recebendo-os na sala de estar sob o olhar vigilante dos pais, não se escondendo pelos cantos com a ralé da costura.

Marlene dizia que a vida já era triste o suficiente sem estarem se regrando por normas sociais ultrapassadas, e mesmo assim ficava receosa de falar com Remus, frágil e inofensivo como era, quando cruzavam com ele em praça pública. Alice, que se achava incapaz de cometer um ato maldoso, cruelmente ignorava Sirius nos corredores da escola. Lily não sabia como explicar para James que o orgulho ferido dele não era mais importante do que ela ter uma casa.

A morte de Regulus Black em um desabamento aparentemente acidental foi um golpe cruel para o grupo de amigos. Ser impedida de consolar Sirius, que acabara de perder o irmão mais novo, doeu quase tanto quanto o tapa que recebera da mãe ao tentar atender ao velório. Marlene, corajosa e tola na mesma medida, saíra escondida e dera o apoio que pudera antes dos pais a arrastarem de volta para casa. Sirius faltou uma semana de aula. James e Remus faltaram com ele. Mas isso não importava, porque depois do espetáculo que deram, as meninas foram proibidas de continuarem a amizade.

Alice só aceitara, com lágrimas nos olhos e resoluta a não decepcionar os pais, mesmo se o olhar de desprezo de Remus fazia seus lábios tremerem segurando o soluço. Nem mesmo havia realizado o quão importante eram na sua vida, o quão horrível era ser a pessoa ignorada. Marlene brigou e esperneou, até James dizer que não importava, não valia a pena, não se fosse para sofrer os castigos intermináveis, ser submetida a coisas que não suportava.

Lily, com seu lábio ainda cortado, apenas trocou um olhar resoluto com Sirius, pois os dois se entendiam como ninguém. Porém, enquanto o garoto escolhera se rebelar completamente, ela se via cada dia mais sumindo sob os olhares furiosos da mãe e os afagos distraídos do pai.

Não sabia o que fazer a respeito. Nunca fora valente – ambiciosa, talvez, algo nela sempre ansiou por mais, porém qualquer desafio fora espancado para fora dela desde muito nova. James dera cores ao seu universo, a lembrança da sua risada a aquecia nas noites gélidas e agora era como se o mundo tivesse ficado sem som, e até mesmo seu vestido esmeralda preferido perdera o brilho. Não sabia o porquê, mas não suportava mais ouvir os pássaros.

E assim seguiram, a dor da ausência tão familiar que nem mesmo a machucava mais. Parara de se empolgar com novas receitas de remédios, deixara de passar horas conversando com Marlene, sorria mecanicamente, sentava-se na sala com os meninos que a mãe convidava e nem mesmo demonstrava um sinal de desconforto. Rose Evans nunca estivera tão feliz. Amos Diggory pedira a Edward para sair com Lily oficialmente. Parecia que a vida estava finalmente seguindo o curso natural.

Ninguém era feliz no Distrito 12. Sempre soube disso, mas era fácil esquecer enquanto estava cercada de pequenos contentamentos ilusórios. Talvez nunca chegasse a ser feliz, mas podia fazer como Petúnia e viver de maneira confortável.

(– Eu não posso lutar por alguém que não vai lutar por mim, não de verdade.

— Eu sinto muito.

— Isso é tudo o que tem a dizer?

— Eu sinto muito.

— Você me prometeu.

— Eu sei. Eu sinto muito.

— Eu também.)

Na sua quarta colheita, seus longos cabelos ruivos estavam presos em duas tranças bem arrumadas. Usava um lindo vestido azul, costurado especialmente para o evento. Sua mãe beijara sua testa como boa sorte, após dar-lhe um abraço apertado. Lily não lembrava da última vez que abraçara a mãe, então apenas deixou-se derreter nos braços da mulher. Seu nome estava quatro vezes na urna, as chances continuavam a seu favor.

Tentou ignorar a memória de James dizendo que seu nome estaria 16 vezes. Ele precisava dos grãos, mesmo que isso significasse maiores chances de ser escolhido. Não importava. Empurrou qualquer pensamento sobre a ralé da costura que ingenuamente chamara de amigos e, como sempre, se sentiu vazia. Não importava. A vida estava finalmente entrando nos eixos, como deveria ser.

A menina que foi escolhida tinha a sua idade. Lembrava dela vagamente, estudaram juntas em algum ponto, tinha certeza. Como um choque, retornara a sua primeira colheita, uma menina com cinzas debaixo das unhas dizendo que tinha colocado o nome vezes demais. A sorte nunca esteve a favor dela, não realmente. A bile subia na garganta, a impedindo de falar tudo o que queria – não que pudesse. Sua vida não era a ideal, mas preferia estar respirando, o que não continuaria por muito tempo se alguém soubesse o que pensava do presidente Riddle e os jogos vorazes como um todo.

Assistiu junto com todos os outros o sangue escorrer, manchando o uniforme creme do tributo feminino do 12, um ferimento tão profundo que nem mesmo o pai de Lily poderia ter feito alguma coisa sobre. Aprenderam o hino de Panem juntas, aprenderam matemática e história, e agora estava vendo-a sangrar em rede aberta.

Passou a noite em claro. Nem mesmo lembrava o nome da menina, 15 anos, esfaqueada no estômago, deixada para morrer no chão úmido. Será se algum parente desolado iria sumir, de novo? Nunca saberia. Essas coisas não eram comentadas abertamente. Alice a fez jurar não tocar mais no nome de Mary e Lily não a questionara. Era mais fácil fingir que os jogos só afetavam aqueles dentro da arena.

Mas de que adiantava? A dor não sumia, ela imobilizava. Entorpecidos, seguiam vivendo como se estivessem bem, mas era impossível. Como dormir tranquilamente sabendo que poderia ser morta amanhã? Que sua filha poderia ser arrancada dos seus braços antes mesmo de sair da puberdade e sacrificada como um porco para o abate? Talvez por isso seu pai preferisse lidar com plantas medicinais do que a própria família.

Alguns não conseguiam existir com essa dor, é óbvio, por isso viviam bêbados nas sarjetas, andavam confiantemente em direção à cerca sabendo que não voltariam. A realidade dos jogos pesava sempre, não conseguia imaginar uma vida sem eles – só sabia que deveria ser melhor, mesmo que a capital negasse. Mas esses pensamentos eram traição, do tipo que se punia com morte – como Mary, tão jovem, apenas 13 anos, descobrira da maneira mais cruel.

A morte constante era uma realidade. O Distrito 12 era pobre e crianças padeciam de fome, de frio, de doenças que uma pessoa com alimentação regular se recuperaria. Mulheres sem maridos, esses explodidos nas minas, se jogando para o pacificador mais próximo para ter o que comer. Pais deixando seus filhos nascidos com deformações na floresta, pois era mais misericordioso do que crescer na realidade em que estavam – ou pelo menos era o que diziam.

Um lugar sujo, fedorento, amargo e cruel, esse era o Distrito 12 e Lily ter dado sorte de crescer no lado em que havia energia a maior parte do tempo não significava que não sabia o que acontecia de verdade. Todos sabiam, mas estavam tão dormentes a tudo isso que pensavam que era impossível mudar.

Se acreditasse nisso, continuaria evitando seus antigos amigos, continuaria sorrindo para Amos, continuaria a ser beijada na testa por sua mãe. Não era o pior que podia acontecer, é claro, parecia uma realidade confortável o suficiente até. Mas Lily queria mais, sempre quis, mesmo sabendo que isso poderia lhe custar tudo. Não entendia o que esse “tudo” englobava, mas era um risco que estava disposta a correr.

Ninguém era feliz no Distrito 12. Mas talvez isso fosse porque haviam desistido de tentar correr atrás do que realmente desejavam.

Lily cometeu esse erro, e vários outros, tinha apenas 15 anos, afinal, mas não continuaria nesse caminho. Nunca fora particularmente corajosa, essa função era de Marlene, assim como a de Alice era ser doce e obediente, mas talvez fosse hora de tentar. Não sabia ao certo o que era essa felicidade que tanto almejava, mas estranhamente, ela cheira a floresta e carvão e soava como o cantar dos pássaros.


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Notas finais do capítulo

Então, o que acharam?

Perdão pelos muito prováveis errinhos de ortografia, não teve beta e a gente acaba deixando passar uma coisinha ou outra, né?

Espero que tenham aproveitado! Comentários são sempre bem vindos, a autora não morde, visse?



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