Ruptura escrita por Sweet Winter


Capítulo 12
Quando a primeira luz surge


Notas iniciais do capítulo

Olá!!

E aí, amados? Como vcs estão? Postando um pouco tarde hoje kkkkkk

Espero que gostem do capítulo ♥

Camile: Camile é uma garota que vive uma vida simples em uma terra sem habitantes. Apenas com a companhia de seu pai e seu cachorro, Dungo, ela vive de plantações e criação de animais próximo a um lago. Sem nunca ter cruzado os limites da floresta ou do lago, Camile desconhece o tamanho do mundo e, principalmente, os perigos dele.

Leonor: Leonor está há três anos fugindo para sobreviver. O mundo em que vivia estava em guerra contra o obscuro, a humanidade se uniu nessa guerra, mas isso não os impediu de trazer a desconfiança para seu próprio lado. Foi essa desconfiança que atingiu Leonor, acusada de ser uma bruxa infiltrada, agora ela foge com sua família para salvar suas vidas.

Boa leitura!!



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Camile e Leonor perderam a noção do tempo enquanto caminhavam infinitamente dentro da escuridão. Por um lado, não se sentiam cansadas, nem com fome ou sede, mas por outro sentiam que iriam enlouquecer naquele cenário monocromático, que as fazia perder a noção de direção.

Quando Leonor avistou primeiro um foco de luz ao longe, foi um suspiro de alívio. Quanto mais se aproximavam, maior ficava aquela luz, a ponto de se tornar cegante. Quando estavam próximas o suficiente, apenas sentiram os pés tocando um chão de terra.

Como haviam ficado muito tempo no escuro, foi necessário alguns momentos para se acostumarem com a claridade. Quando abriram os olhos, estavam em uma floresta de árvores altas com folhas verdes e vivas.

— Onde estamos? — perguntou Leonor, com as pálpebras ainda cerradas, incomodada com o sol forte.

— Não faço ideia — responde Camile, impressionada com o quão grande aquele lugar parecia ser, nada como a floresta, perto de onde viveu a sua vida inteira. A visão que tinha agora era, além de tirar o fôlego, muito mais assustadora.

Leonor, que usava roupas de inverno, tirou o casaco grosso, segurando-o na mão esquerda ao perceber que ali fazia mais calor do que no local em que estava anteriormente. Olhando ao redor, apenas viu mais e mais daquelas árvores altas, como se não tivessem fim. Estava perdida.

— Para onde vamos? — perguntou Camile, que compartilhava do mesmo sentimento que ela.

— Acho que em frente. — Leonor apontou para uma direção aleatória, sem ter certeza se aquela era “a frente”. Pensava que já era melhor do que nada.

E voltaram a andar, porém, ao menos agora podiam enxergar o cenário ao redor e tinham mais noção de para onde ir.

Passaram por incontáveis árvores, os olhos fixos no chão para não tropeçarem em nenhum galho ou algo do tipo, já os ouvidos estavam atentos a qualquer barulho suspeito de um animal ou algum sinal de vida humana. Não conversaram, nem tinha por que, afinal não sabiam o que dizer uma para a outra.

— Vai escurecer — disse Camile.

Leonor não havia percebido até ouvir a outra dizer, mas o sol já estava se pondo, tornando o céu em uma cor alaranjada bonita que se podia ver através dos troncos e folhas. Em outra ocasião, acharia aquela cena bonita, no entanto apenas conseguia pensar que ainda não haviam achado um lugar para dormir.

Mas o que poderiam fazer, se a única coisa que as cercava era aquela floresta maldita?

Continuaram a caminhar, Camile, que estava um pouco atrás, olhou para o céu que já apresentava resquícios da noite e abriu a boca admirada. Aquilo era algo que nunca havia visto, mas o céu escuro estava coberto de estrelas, mais estrelas do que estava acostumada ver. Eram tantas que poderiam iluminar a noite sem problemas.

Olhando para cima, Camile se distraiu tanto com aquele brilho hipnotizante que se esqueceu de prestar atenção aonde pisava e acabou tropeçando. De cara no chão, foi como se o universo estivesse zombando dela por ser tão facilmente impressionada.

— Você está bem? — Leonor parou quando ouviu o barulho atrás de si e olhou de sobrancelhas franzidas para Camile, que se sentou com dificuldade.

— Sim. — Massageou a testa, a qual havia batido na hora que caiu. — Acho que tropecei em uma pedra. — Pegou o objeto em que seu pé havia enganchado, mas ele não se mexeu do lugar, como se estivesse firmemente preso na terra. — Que pedra estranha. — Franziu a testa.

— Você está perdendo tempo com isso? Vamos — disse Leonor, que se sentia nervosa de apenas ficar parada ali.

Mas Camile estava mesmo intrigada, analisando a pedra que parecia polida demais para ser uma simples obra da natureza. Sem conseguir controlar sua curiosidade, começou a cavar na terra ao redor.

— O que está fazendo? — Leonor parou ao seu lado. — Precisamos ir!

— Espere, eu só quero saber… — Parou quando viu algo impresso na superfície daquela pedra. Limpando o resto de terra em cima, percebeu que era como um pequeno texto, escrito em caracteres que nunca havia visto antes. — O que é isso?

Dessa vez, até Leonor parecia curiosa, olhando com atenção para os pequenos desenhos e tentando se recordar se já havia visto algo parecido em algum lugar.

— Não faço ideia.

— Parece importante. — Camile tentava desvendar o que estava escrito, sem sucesso.

— Por que seria? Se está enterrado aí deve ter sido abandonado. Vamos. — Leonor se virou para continuar o caminho, sem dar tanta importância ao assunto como Camile, que estava intrigada.

— Me espere! — Correu atrás dela, que já estava há alguns passos de distância.

Enquanto a noite tomava conta da floresta, Leonor e Camile perceberam algumas coisas estranhas sobre aquele lugar. A primeira era que não haviam animais, não importa o quanto andassem, não encontraram nem mesmo um pássaro naquele lugar. A segunda era que aquela floresta parecia infinita, não haviam clareiras e nem sinal de vida humana além da pedra estranha que encontraram. A terceira era que começou a chover.

— Como chove sem nuvens? — Leonor olhou confusa para o céu limpo, onde conseguia ver milhares de estrelas, ao mesmo tempo em que a água caía em seu rosto em delicados pingos.

— Não faço ideia — disse Camile, procurando algum lugar para se proteger da chuva. — O que fazemos agora?

Leonor esfregou o rosto com as mãos, se sentindo incrivelmente cansada. Tudo o que queria naquele momento era descansar, mas a única coisa que fazia era andar de um lado para o outro, perdida em lugares estranhos.

— Eu não sei. O que mais podemos fazer? Estamos perdidas nessa merda — chutou uma árvore próxima — de floresta, não temos nem um lugar para dormir. Eu estou exausta!

Camile arregalou os olhos.

— Fica calma — disse.

— Calma?! Como vou ficar calma?! — Leonor ficou mais estressada, como se finalmente a bomba-relógio dentro de si tivesse explodido e agora ela não conseguisse mais controlar os efeitos dessa explosão. — Nos últimos anos eu não tive descanso, agora eu tenho que passar por mais isso! Como diabos eu vim parar aqui?! Não era isso o que eu queria!

Camile comprimiu os lábios, ficando cada vez mais tensa, falou:

— Escuta, Leonor, eu sei que é uma situação difícil, mas eu realmente preciso que você se acalme.

— Por que você continua dizendo…! — Leonor finalmente ficou quieta quando ouviu um barulho atrás de si. Congelou no lugar, sentindo que era um sinal ruim.

— Leonor, venha para cá agora, sem fazer nenhum som — instruiu Camile, que de alguma forma mantinha uma calma inexplicável.

Sem conter seus impulsos, Leonor virou o rosto levemente para trás, se deparando com o tronco grosso de uma árvore, próxima demais de si, com as folhas farfalhando e os galhos se mexendo como se tentassem alcança-lá. Com um crek crek típico de uma árvore, ela se aproximava mais e mais, ficando maior e mais assustadora.

Quando estava perto o suficiente, Leonor teve a impressão de ver uma expressão de ódio impressa no seu tronco. Aquilo foi o suficiente para tremer suas pernas e lhe estimular a correr.

Talvez Camile tivesse gritado algo pedindo para que ficasse calma mais uma vez, não tinha certeza, não ficou para ouvir. Antes que percebesse estava longe demais, correndo incontrolavelmente sem nem olhar para onde ia.

Por onde passava, as árvores parecia se inclinar sobre ela, como se a estivessem observando. Os galhos batiam no seu corpo, tentando impedi-la de fugir, porém a adrenalina no corpo de Leonor era tanta que ela nem sentia, apenas passava por eles.

Nunca foi uma grande corredora, mas na hora do desespero tudo o que importava era fugir. Seus pés haviam arranjado uma velocidade que nunca havia visto.

Correu tão depressa que acabou esbarrando em algo e caindo. Gritou aterrorizada quando sentiu algo segurando seus braços. Se debateu tentando se livrar do aperto, pensando que iria morrer de forma tão tosca: por causa de uma árvore.

— LEONOR, JÁ DISSE PARA SE ACALMAR!

Leonor parou quando percebeu que conhecia aquela voz. Abriu os olhos que havia fechado com tanta força pelo medo, vendo uma Camile exasperada em cima de si enquanto tentava segurar ela.

— Como você chegou aqui tão rápido? — perguntou Leonor com as sobrancelhas franzidas.

— Foi você quem fez um grande círculo! — Se levantou, estendendo a mão para a garota. — Você saiu correndo desesperada e não tive tempo de te impedir, mas você só deu uma volta e parou no mesmo lugar.

— Ah. — Limpou a terra da roupa. Se esqueceu temporariamente do que estava acontecendo, até perceber que as árvores estavam se aproximando novamente dela. — Camile, as… — ofegou.

— Você deveria ser menos impulsiva, sabe? — disse Camile. — É só uma árvore. — Quebrou um galho próximo, mostrando para Leonor. — O que ela vai fazer? Te bater?

Leonor por um momento se sentiu estúpida, mas havia mesmo ficado assustada, o que podia fazer? A situação ficava cada vez mais estranha, sentia que estava enlouquecendo.

Sentou em uma pedra, apoiando a cabeça nas mãos. Precisava respirar, de tempo para acalmar seu coração e voltar a raciocinar. Aquilo tudo estava mexendo com a sua cabeça, transformando ela em uma confusão.

— Vamos, precisamos ir — disse Camile.

— Eu sei, apenas me dê um instante.

— Certo, sei que está difícil, mas nós temos que… AHHH!

Leonor levantou a cabeça de súbito, com os olhos arregalados, procurou ao redor a garota.

— Camile? — disse em um fio de voz. — Camile? — Andou até onde a garota estava anteriormente, percebendo só agora que não chão havia um enorme buraco por onde, provavelmente, ela havia desaparecido. — Merda — praguejou.

Perdida em uma floresta enorme, cercada de árvores que se mexiam e agora sozinha. Que ótimo. Para completar continuava a chover.

Respirou fundo, sentindo que surtaria de novo.

— Tem que ter uma solução, tem que ter uma solução… — repetia para si mesma, mas não havia nada. Em volta de si, não havia nem sinal de ajuda, estava completamente sozinha nessa.

Fechando os olhos, Leonor desejou mais um pouquinho de coragem para fazer aquilo. Sem pensar duas vezes, deu um passo para frente, implorando aos céus que a deixassem sair viva dessa situação. Se jogou no buraco.

Escorregou pelo chão de terra, no que parecia ser um túnel vertical. Não sabia para onde estava indo, apenas torcia para que não parasse em um lugar muito ruim.

De repente, foi jogada em um espaço aberto, onde caiu num chão que parecia ser feito de pedra. Gemeu baixinho pela dor, não conseguia ver em meio a escuridão, mas tinha certeza de que havia machucado os joelhos e braços na queda.

Levantou, estendendo as mãos para a frente, tentando encontrar ao menos uma parede para se localizar melhor. Diferente da escuridão em que estava perdida antes, Leonor tinha certeza de aquele lugar era de verdade, já que podia ouvir sons de água pingando, além da correnteza de ar e de outros barulhos que não conseguia identificar.

Andando mais um pouco, arrastando os pés no chão para que não tropeçasse em uma pedra ou algo do tipo, Leonor conseguiu encostar em uma parede. Tateou até sua mão esbarrar no que parecia uma tocha.

— Que coisa inútil, não tem fogo — murmurou.

— Eu tenho fogo. — Leonor se assustou quando ouviu a voz atrás de si, se virando de supetão encontrando apenas uma sombra parada.

Antes que notasse, a sombra fez um movimento e a tocha na sua mão se acendeu, iluminando o local e revelando o rosto na sua frente. Era humano, definitivamente, mas no lugar da boca e do nariz havia um grande bico de pássaro, os olhos eram redondos e pretos, além de haver algumas penas escuras espalhadas pelo rosto, como se alguém as tivesse implantado ali. Ele a observava com uma atenção assustadora.

Leonor ficou ainda mais aterrorizada e, de novo, saiu correndo.

— Que se foda a Camile, que se foda esse lugar, que se foda tudo — murmurava para si mesma enquanto corria. — Eu só quero ir embora!

Parou bruscamente quando outra figura apareceu na sua frente. Leonor gritou sem prestar muita atenção, em seguida teve a sua boca tampada pela pessoa, que a segurou firmemente e disse:

— Você tem que ficar quieta ou eles vão nos ouvir. — Ele moveu os olhos para cima, indicando algo que Leonor não fazia ideia do que era e nem queria saber.

Observando com mais atenção, percebeu que era um garoto, mais novo que si e que possuía orelhas parecidas com a de uma raposa, além dos dentes afiados que ficavam a mostra quando falava e das unhas compridas nas mãos.

— Você veio com aquela outra garota que chegou agora? Eu posso te levar até ela.

Leonor ia pisar no pé do rapaz e sair correndo mais uma vez, mas quando ouviu a frase hesitou, pensando se ele estava falando mesmo de Camile. Havia dito anteriormente que a garota podia ir se foder, mas, pensando melhor, sua consciência pesaria se a deixasse sozinha naquele lugar com aquelas coisas.

Então Leonor apenas assentiu com a cabeça, indicando que iria com ele.

Ela o seguiu pelos corredores escuros e frios que pareciam formar um labirinto, mas o menino raposa não parecia perdido, provavelmente muito familiarizado com aquele lugar. Enquanto andavam, na cabeça de Leonor passavam várias possibilidades de que talvez estivesse sendo pega em uma armadilha e fosse acabar desmembrada por qualquer motivo que seja.

Porém, parecia que era apenas paranoia sua, pois quando o menino abriu uma porta de madeira que parecia ter sido construída de forma desleixada, se deparou com um cômodo bem iluminado, com mesa, armários e uma cama onde Camile estava desacordada.

— Camile! — exclamou com um tom de alívio. — O que aconteceu com ela? — perguntou ao menino.

— Deve ter batido a cabeça quando caiu — respondeu. — Quando nós a encontramos já estava assim.

— Nós? — perguntou, sendo logo respondida quando duas figuras apareceram atrás do garoto. Uma delas era o homem pássaro que havia encontrado antes, a outra era uma senhora com o rosto coberto por penas de cor marrom claro e um bico fino, suas feições pareciam com a de uma coruja.

Leonor sentiu que poderia desmaiar a qualquer momento, do mesmo jeito que Camile.

— Vocês são… São… — gaguejou.

— Talvez nossa aparência te assuste um pouco — disse a senhora, se aproximando de Camile com passos leves e verificando o pulso dela. Leonor não pode deixar de notar que os dedos dela eram finos, com unhas afiadas e escuras como o de uma coruja. — Você com certeza não é daqui. Deve ter vindo de muito longe para nos encontrar.

— É, acho que sim… — murmurou. — Por que a sua… — Fez um gesto indicando o próprio rosto. — Por que o seu rosto é… Sabe…

— Um pássaro? — Leonor assentiu. — É uma longa história. Sente, coma alguma coisa enquanto sua amiga não acorda.

Ainda sentia um pouco de receio, talvez fosse pela aparência peculiar daquelas pessoas ou talvez fosse pelo fato de estar em uma caverna subterrânea, mas mesmo assim Leonor aceitou a gentileza, afinal agora que a senhora citou, ela percebeu que estava mesmo com fome.

Comeu algumas frutinhas que nunca havia visto, com uma aparência um pouco feia, mas um gosto bom. Como bebida lhe foi oferecido apenas água, segundo eles era tudo o que tinham.

— Vocês estavam lá em cima? De noite? — perguntou o menino raposa.

— Sim, estávamos perdidas — respondeu Leonor enquanto comia, então ela se lembrou de algo. — As árvores, elas…

— Elas criam vida durante a noite, sim — disse a senhora. — É um milagre que vocês tenham sobrevivido sozinhas.

Leonor apenas assentiu com a cabeça. Por incrível que pareça o menino e a senhora se mostraram muito gentis e prestativos, apenas o homem pássaro continuava a lhe causar arrepios, parado no canto da sala, observando tudo com sua quietude. Mas Leonor se recriminou, pensando que era apenas um mau julgamento e talvez fosse só da personalidade do homem.

Enquanto estava distraída com pensamentos, ao lado Camile se mexeu. Virou para ela, a vendo abrir os olhos e ficar surpresa com a visão estranha. Poderia entrar em desespero, se não tivesse visto Leonor também.

— Eu… estou sonhando? — perguntou.

Depois de explicar que estavam em uma caverna subterrânea, logo abaixo daquela floresta estranha, Camile se sentou ao lado de Leonor, também comendo daquelas frutinhas avidamente, como se não visse comido há semanas.

— Bem, acho que vocês querem ouvir algumas explicações — disse a senhora, sentando na última cadeira disponível. — Essa é uma história que começou centenas de anos atrás com nossos ancestrais, um povo nômade que viveu por muito tempo na miséria, migrando de uma montanha para outra em busca de alimento.

Camile queria perguntar alguma coisa, mas decidiu ficar quieta e ouvir a história até o final.

— Nossos ancestrais perderam muitos nesse caminho, seja para a fome ou para os animais que os devoravam sem piedade. — A senhora parecia imersa em pensamentos enquanto falava. — Isso durou até eles encontrarem a Floresta das Remintas.

— Ah! — exclamou Leonor. — Você quer dizer a floresta lá em cima?

— É — disse o menino raposa. — Ela tem o mesmo nome que as frutinhas que vocês comeram.

— De fato — concordou a senhora. — Quando encontraram essa floresta, nossos ancestrais perceberam que as árvores possuíam várias dessas frutinhas peculiares, as quais nunca haviam visto antes e que acabaram recebendo o nome de Remintas.

— Mas isso não explica por que vocês são assim — disse Camile, logo recebendo uma cotovelada de Leonor, que murmurou algo sobre ela estar sendo indelicada.

— Tudo bem. — A senhora abanou a mão, indicando que não se ofendia. — Eu vou chegar lá. Enquanto exploravam o local, nossos ancestrais acabaram por encontrar ruínas, talvez de algum povo que já esteve ali antes, não se sabe ao certo. No meio disso, acharam murais com escritos peculiares.

Camile de repente se lembrou da pedra que havia tropeçado antes e se perguntou se aquilo tinha algo a ver com a história.

— Curiosos para saber mais do que se tratava, — continuou a senhora — começaram a desvendar os mistérios sobre aquele povo antigo e a floresta peculiar. — Seu olhar se tornou sombrio. — Foi então que começaram os rituais.

Leonor engoliu o seco, sentindo que aquilo não era bom, uma sensação de calafrio percorrendo sua espinha.

— Que rituais? — indagou Camile com receio.

— Os murais contavam histórias sobre os deuses, como eles desceram para abençoar essas terras e as pessoas que viviam nelas. Eles eram adorados, amados, naturalmente as pessoas os ofereciam tudo de que necessitassem, dariam até mesmo seus filhos se preciso! — A senhora encostou as costas na cadeira. — Então os deuses decidiram os dar um presente, algo como gratidão por tudo o que os fizeram. A floresta se tornou rica de animais fortes e poderosos, prontos para obedecer e os proteger a qualquer custo.

Camile franziu as sobrancelhas.

— Mas não tem animais na floresta.

— Não. — A senhora estava pesarosa. — Infelizmente, em todo mundo que há o bem, também há o mal. A Sombra surgiu, sussurrando segredos bárbaros nos ouvidos dos homens e os levando a cometer atos inexplicáveis. Ela lhes disse que não precisariam de animais para os proteger se fossem tão fortes quanto eles. Então eles passaram a devorar esses animais, realizando rituais onde bebiam o sangue deles na esperança de que seus herdeiros e os herdeiros deles adquirissem suas características.

— Que nojo. — Camile fez uma careta.

— Provavelmente eles sofreram o castigo divino, por isso já não existem mais — disse a senhora.

— Mas e os seus ancestrais? — perguntou Leonor. — Como eles se encaixam nessa história?

— Bem, encantados com a ideia de se tornarem poderosos, eles também adotaram os mesmos rituais, ignorando novamente a vontade

divina. Certamente, os deuses perceberam que não bastava apenas exterminar o povo, era preciso um castigo mais forte. Então eles amaldiçoaram a floresta a criar vida toda noite, se movimentando e atacando qualquer um que vagasse por ela. Nessa situação, não viram escolhas a não ser passar a viver nos subterrâneos, o único lugar em que estariam seguros. Os deuses também exterminaram todos os alimentos comestíveis que a floresta fornecia, deixando para nós apenas as Remintas, um último símbolo de sua piedade. — A senhora olhou para as frutinhas com tristeza, quase como se ela tivesse vivido aquilo tudo.

— E por que chove sem nuvens? — perguntou Leonor.

— São as árvores chorando — disse a senhora. — Toda noite elas choram pelas desgraças que caíram sobre essa terra e o povo que vivia nela, como tudo acabou de forma tão trágica.

Leonor estava intrigada, tentando entender a história, enquanto Camile franzia as sobrancelhas mais e mais.

— Isso não parece meio dramático? — disse Camile.

— O quê? — questionou o menino raposa.

— Quer dizer, tudo isso. Por que teriam medo de árvores que se mexem? Elas literalmente só te seguem — dizia. — E por que ir para o subterrâneo? Não podiam só ir embora para outra montanha?

A senhora parecia encabulada.

— Bom, há muitos mistérios acerca dessa história, ainda não sabemos ao certo os detalhes…

— E não era mais fácil os deuses terem feito os animais voltarem ao que era antes? Por que amaldiçoar dois povos? Quer dizer, eles são deuses, o que eles ganham com isso? — Camile continuava a divagar em suas perguntas.

— Não se questiona as decisões dos deuses! Eles sabem o que fazem! — exclamou a senhora.

Analisando melhor, Leonor percebeu que haviam muitas coisas estranhas na história e passou a se questionar também o quanto dela fazia sentido. Mas aqueles três estavam ali, na frente delas, com bicos de pássaro e orelhas de raposa, não havia como ser mentira, certo? Ou talvez…

— Precisamos ir! — Leonor exclamou de repente, se levantando ao mesmo tempo.

— Para onde? — perguntou o menino raposa.

— Agradecemos pela ajuda, mas temos que achar a saída. Venha, Camile. — A outra garota também se levantou. — Será que podem nos ajudar a subir de volta?

— Mas o que farão lá em cima? Não vão sobreviver — disse a senhora com um rosto aflito.

— Não se preocupe, podemos lidar com alguns galhos.

“Não era você quem estava gritando antes?”, pensou Camile com um olhar aborrecido para Leonor, mas não verbalizou.

— Bem, se é assim… — Para a senhora apenas restava se conformar, com os dedos de unhas afiadas apertando a barra da própria camisa, ela parecia verdadeiramente preocupada.

— Ele pode levar vocês, não se preocupem. — O menino raposa apontou para o homem pássaro, que assentiu em silêncio.

Leonor ainda não se sentia confortável na presença dele, porém queria ir embora o mais rápido possível, então concordou.

O caminho foi silencioso, com o homem pássaro seguindo na frente com uma tocha em mãos e as duas garotas logo atrás, tomando cuidado por onde pisavam. Leonor se perguntou como podiam sobreviver naquela caverna subterrânea e se ela seria capaz de fazer o mesmo, porém não encontrou uma resposta.

Quando chegaram à saída, já podiam ouvir o farfalhar das árvores e ver a luz do sol entrando pelo buraco cavado no teto. O homem apontou para uma escada, indicando que poderiam utilizar ela para subir.

— É, isso facilita as coisas — murmurou Camile, lembrando da maneira deplorável como ela caiu direto para a caverna. Sem querer ficar mais, foi a primeira a subir.

Leonor, que ia logo em seguida, hesitou um pouco antes de se virar para o homem pássaro e dizer:

— Obrigada. — Ela parecia constrangida. — Sabe, pelo fogo e por ter tentado nos ajudar.

Talvez fosse só impressão sua, mas por trás daquelas penas e do bico assustador, Leonor viu os olhos dele sorrirem com um brilho feliz.

Quando finalmente pode respirar o ar puro, Leonor ficou até mais aliviada. Já estava cansada de andar por lugares escuros e estranhos, desejava que tivessem ido para uma praia feliz e ensolarada, mas, infelizmente, ainda estavam presas na floresta misteriosa.

— Precisamos encontrar uma saída — disse Leonor.

— Isso eu já sei, mas como? Estamos presas aqui. — Camile sentou em uma pedra, balançando as mãos exasperada.

— Eu estava pensando, toda essa história é muito estranha. Concorda? — Camile apenas assentiu em resposta, tentando entender aonde ela queria chegar. — É bizarro, como pode haver deuses por aí amaldiçoando florestas? E então eu pensei que a nossa história também é bizarra, afinal nos perdemos dentro da escuridão e viemos parar aqui, ainda teve aquele sonho… — Leonor parou pensativa.

— Sonho? Que sonho? — perguntou Camile.

— Não é importante agora, esquece. — Balançou a cabeça em negativo. — A questão é: talvez as nossas duas histórias bizarras tenham alguma ligação, se descobrirmos mais sobre eles, podemos entender o que está acontecendo conosco.

— Eu não sei se isso faz sentido — disse Camile. Para falar a verdade, aquilo lhe parecia perda de tempo, tudo o que queria era voltar para casa e procurar por seu pai e Dungo, de quem tanto sentia falta. Porém, se era aquilo o necessário mesmo, não lhe restavam muitas escolhas. — Mas já que é a nossa melhor ideia, podemos começar pela pedra que a gente encontrou antes.

— Aquela em que você tropeçou?

Camile apenas a olhou aborrecida e não falou nada. Entretidas na conversa, não perceberam o vulto que as seguia desde que saíram do subterrâneo.


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Notas finais do capítulo

Camile e Leonor se metendo em mais confusões kkkkkkk oq vcs acham que vai acontecer com elas? E quanto a essa floresta estranha? Teorias?

Críticas são sempre bem aceitas :)

Até!!



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