Onde crescem as rosas selvagens escrita por themuggleriddle


Capítulo 5
1.4




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A sala de poções estava tomada pela fumaça que se erguia dos caldeirões e pelo cheiro adocicado das misturas que borbulhavam em cada mesa. Hermione mantinha-se concentrada em fatiar os seis rabos de salamandra necessários para a poção que estavam fazendo, uma forma simples e um tanto efetiva de distraí-la da sensação de distanciamento que sentia cada vez que entrava em uma aula. Sua dupla era um rapaz grifinório, o único aluno que sobrou sem parceiro ao fim da explicação de Slughorn e que era tão tímido que mal trocara uma palavra a mais do que as instruções lidas no livro didático.

A classe de Poções do sexto ano não estava cheia, diferente das aulas de Feitiços ou História da Magia, e ainda assim Hermione não havia conseguido escapar de Thomasin Riddle. Com os cabelos presos em uma trança e o rosto corado por conta do calor que emanava dos caldeirões, Thomasin não parecia nada delicada enquanto preparava a sua poção: os dedos finos se fechavam com força ao redor do cabo da faca, as unhas curtas estavam sujas com resquícios dos ingredientes e ela não demonstrava nojo quando tinha que enfiar a mão em um pote cheio de ovas de grindylows. Hermione não queria ter notado todos esses detalhes da garota e por isso mesmo que agora se concentrava tanto em seus rabos de salamandra, principalmente depois de encontrar os olhos de Riddle presos em si enquanto ela a observava.

“Vocês tem mais meia hora,” disse Slughorn, parado na frente da classe. O professor fechou o relógio de bolso e o guardou dentro do colete, antes de voltar a circular entre as mesas: “Alguém sabe me dizer por quanto tempo dura o efeito da Poção Bufoni?”

A mão bem treinada de Thomasin se ergueu no meio da fumaça e Slughorn acenou para ela.

“Em torno de uma hora, mas depende da profundidade,” ela respondeu enquanto mexia a poção com uma colher de vidro.

“Correta como esperado, Srta. Riddle,” o professor falou enquanto alisava o bigode loiro. “Lembrem-se que é sempre preciso ajustar a dosagem de acordo com a profundidade do mergulho…”

Na mesa em frente à Hermione, Arantxa Malfoy se virou e fez uma careta, ignorando sua dupla que parecia muito feliz em ter acertado a pergunta do professor.

“Me pergunto para que vou usar uma poção para respirar debaixo da água,” a sonserina loira resmungou, antes de rir ao ver como o garoto grifinório pareceu ficar embasbacado de vê-la falando com eles.

“Quer compartilhar algo com a turma, Srta. Malfoy?” Slughorn chamou e Arantxa se virou de prontidão para o caldeirão.

“Só estava comentando com a Srta. Sergeant e o Sr. Patil que seria interessante usar essa poção para explorar o Lago Negro.”

“Se eu fosse você, ficaria longe do lago, senhorita,” disse o Mestre das Poções. “Os sereianos daqui não são tão amigáveis quanto os de água salgada.”

Thomasin virou a cabeça e sorriu para Hermione e Patil. O sorriso era quase doce, como se a garota estivesse rindo da resposta boba dada pela amiga, mas era o suficiente para fazer Granger estremecer. Hermione sabia que havia uma Thomasin assustadora e implacável entre a bruxa com dedos sujos de sangue que preparava uma poção com movimentos bruscos e a moça que sorria de forma quase acolhedora. Ela também sabia que era exatamente essa face escondida da sonserina que havia se interessado por ela.

Quando Riddle voltou para a sua poção, deixou o corpo levemente virado a ponto de que Hermione pudesse ver o que ela fazia em sua bancada. A sonserina apanhou uma rã ressecada de dentro de um pote e, com um movimento brusco, decepou a cabeça do animal com a sua faca. Granger engoliu em seco enquanto observava a outra jogar o corpo do anfíbio dentro da poção, que soltou um chiado baixo. Riddle esticou o corpo, ficando na ponta dos pés por alguns segundos enquanto olhava dentro do caldeirão, e então se virou para Granger outra vez. O sorriso não era tão gentil agora, mas sim satisfeito, como se ela estivesse falando que era exatamente aquilo que poderia fazer com Hermione caso quisesse.

“Srta. Sergeant?” a voz baixa do grifinório ao seu lado fez com que Hermione piscasse e perdesse o rosto de Thomasin de vista, uma vez que a sonserina havia voltado a sua atenção para Arantxa. “Acho que os rabos de salamandra já estão bons.”

A garota olhou para a própria bancada e viu que os rabinhos que estava cortando agora eram pequeninas migalhas sobre a tábua de madeira. Talvez ela não devesse ter cortado tanto.

“Desculpe, er…” Hermione sorriu sem jeito enquanto encarava o rosto do colega sem se lembrar do nome dele.

“Parindra,” ele respondeu a pergunta não feita. “Parindra Patil.”

A bruxa assentiu. Não teria dificuldade em lembrar do sobrenome do rapaz, afinal, ele devia ser parente das gêmeas Patil, mas não duvidava que iria esquecer do nome dele em algumas horas. Parindra, no entanto, não sabia disso e estava decidido a ser cortês, apesar da timidez, ajudando-a a dosar a quantidade certa da farofa de salamandra que havia feito para ser colocada no caldeirão.

Quando Slughorn bateu a tampa do relógio de bolso outra vez e anunciou o fim da aula, Hermione e Patil fizeram uma careta ao ver que a poção que haviam preparado tinha uma cor marrom sem graça, completamente diferente do verde piscina límpido que preenchia o caldeirão de Thomasin e Arantxa.

“Hmm, talvez vocês tenham pesado a mão na preparação dos ingredientes,” o professor falou enquanto abaixava o rosto sobre a poção deles e dava uma fungada no ar. “Lembrem-se que o resultado final depende de todos os detalhes do preparo e não só a ordem e quantidade de ingredientes adicionados.”

O professor bamboleou até a mesa da frente, onde Arantxa estava escorada e Thomasin, parada ao lado dela, mantinha a postura ereta com as mãos atrás das costas e o queixo levemente erguido, no aguardo da avaliação.

“Ah, perfeito como sempre, Srta. Riddle,” o homem falou e sorriu por debaixo do bigode. “É por isso que tenho que evitar as brincadeiras para ver quem faz a melhor poção da turma. Poderia acabar com meu estoque de Felix Felicis com você, senhorita.”

“Um convite para uma das suas reuniões já é um prêmio mais que suficiente, professor,” disse Riddle, inclinando a cabeça e sorrindo. Atrás dela, Malfoy pressionou os lábios um contra o outro e desviou o olhar para a bancada, brincando com a cabeça da rã ressecada.

“A senhorita sabe que não precisa ganhar uma competição para receber um convite,” Slughorn riu, antes de acenar para o resto da turma. “Dispensados! Nos vemos depois de amanhã! Ah, Srta. Riddle, inclusive…”

O zumbido voltou a preencher a cabeça de Hermione enquanto ela guardava seu bloco de anotações e lápis. Patil se despediu com um aceno rápido e logo correu para o corredor, indo atrás dos outros grifinórios da turma. A garota suspirou e riu logo em seguida. Por que estava suspirando? Não havia motivo para isso.

A bruxa olhou para a porta da sala e sentiu seus ombros tensionarem ao ver o corredor do outro lado cheio com os alunos que haviam acabado de terminar Poções e agora conversavam na porta da sala. Queria apenas voltar para o seu dormitório sem se perder no meio de outros alunos tagarelando. As conversas dos outros, Hermione notara, haviam se tornado um emaranhado de sons desconexos que a deixavam ainda mais perdida naquela Hogwarts estranha. Essa era uma das razões pelas quais a garota evitava ao máximo os horários em que o Grande Salão estava cheio nas refeições, o que resultava em volte e meia perder a hora da comida. Por um lado, aquilo talvez contribuísse para a fraqueza e as dores de cabeça que sentia, mas por outro comer também havia se tornado um fardo, como se sua língua estivesse amortecida e seu estômago se recusasse a aceitar qualquer conteúdo.

No meio da conversa distante e do zumbido em sua cabeça, Hermione ouviu passos se aproximando de onde estava. Arantxa Malfoy. Ela pisava com força e rápido demais, fazendo o salto do sapato estalar contra o chão de pedra em staccato.

“Está tudo bem? Parece meio pálida,” a sonserina falou, apoiando as mãos no quadril e inclinando a cabeça para o lado enquanto a observava. “O calor da sala não deve estar te fazendo bem.”

“Eu estou bem,” disse Hermione, abaixando o rosto e respirando fundo. Suas mãos formigavam levemente.

“Toma.” Malfoy lhe estendia alguma coisa embrulhada em um lenço. Quando a garota não apanhou o que lhe era oferecido, Arantxa empurrou o embrulho para as suas mãos. “Fênix faminta não canta.”

Hermione olhou o embrulho em suas mãos e o abriu com cuidado, vendo duas tortinhas de abóbora meio amassadas. Ela fechou os olhos com força e então piscou até que qualquer resquício de lágrimas se dissipasse antes de escorrerem.

“Se quiser que eu coma um pedaço pra mostrar que não estão envenenadas-”

“Não, tudo bem.” Hermione pegou uma das tortas e deu uma mordida. Ela estava meio seca, depois de passar a manhã toda na bolsa da sonserina, mas era algo em seu estômago.

Enquanto comia as tortinhas, Malfoy observava Slughorn e Riddle, que conversavam próximos ao quadro negro. De vez em quando, Hermione se permitia observar o rosto da loira, vendo como os olhos cinzentos desta não deixavam Thomasin nem por um segundo, encarando-a com uma intensidade quase assustadora.

“Obrigada,” Granger murmurou, dobrando o lenço e o entregando à outra.

“Não foi nada.” Arantxa se aproximou para apanhar o objeto e fungou. “Não querendo ser indiscreta, mas já sendo… Quando foi a última vez que tomou banho?”

Hermione a encarou por alguns segundos, sem saber o que responder. Malfoy manteve o contato visual, antes de olhá-la dos pés à cabeça e torcer o nariz.

“Estou falando sério, você está começando a cheirar mal.”

A garota encolheu os ombros. Banhos, assim como refeições, pareciam irrelevantes no meio de toda aquela bagunça e acabavam se perdendo no meio da névoa que havia tomado conta de sua vida. Além disso, ela agora fazia questão de entrar no banheiro do dormitório apenas quando tinha total certeza de que Thomasin e Arantxa não estavam por perto.

“Ninguém vai tentar te estrangular com a cortina do chuveiro,” a loira murmurou e suspirou, erguendo a mão para segurar o braço de Hermione. “Vamos lá.”

A rapidez com a qual a garota reagiu assustou Hermione. Não demorou nem dois segundos para Malfoy estar escorada na mesa mais próxima, arqueando as costas o máximo que conseguia para atrás enquanto tentava se afastar da varinha pressionada contra o seu abdômen. A loira olhou do objeto para a colega, arqueando uma sobrancelha e mantendo as mãos erguidas em um sinal de que estava desarmada. Hermione conseguia ouvir o próprio coração nos ouvidos e os músculos dos dedos e dos braços doerem com a tensão.

“Calma,” Arantxa murmurou. Havia um leve tremor em sua voz e seus olhos cinzentos estavam arregalados. ”Não vou lhe machucar.”

“Como se eu pudesse confiar no que você fala.”

Do outro lado da sala, os passos pesados do Professor Slughorn voltaram a ser ouvidos, junto com os estalidos dos vidros e latas de ingredientes sendo levitados de volta para os seus lugares nas estantes. O Mestre das Poções cantarolava baixinho, distraído, antes de soltar uma exclamação animada:

“Precisam de alguma ajuda, senhoritas?” o bruxo perguntou, fazendo o olhar de Malfoy se desviar para ele. “Algum problema?”

“Está tudo bem, professor,” a garota loira falou, esticando os lábios em um sorriso educado. “Só estamos esperando o corredor ficar menos cheio. Hermione não gosta muito de multidões.”

“Minhas turmas de NIEMs dificilmente são uma multidão.” Slughorn riu. “Mas não a julgo, Srta. Sergeant.”

Quando Malfoy voltou a olhá-la, Hermione respirou fundo e forçou-se a abaixar a varinha. A sonserina passou a mão pela capa do uniforme onde a varinha havia sido pressionada e sorriu, parecendo desconcertada.

“Não fui eu quem tentou afogá-la numa banheira,” disse Arantxa e Hermione trancou o maxilar. “E prometo que não é o tipo de coisa que eu faria.”

“Sua amiga parece ser adepta disso.”

“Thomasin?” Malfoy apoiou as mãos sobre a mesa atrás de si e relaxou os ombros, soltando uma risada pelo nariz. “Oh, Thomasin não quer te afogar na banheira. Nem te estrangular com a cortina do chuveiro.” Ela ergueu uma mão para afastar do rosto uma mecha de cabelo loiro. Hermione deu um passo para trás. “Apesar do incidente da banheira, ela não guardou rancor algum. Thomasin também já passou por muita coisa e entende que você deve ter visto coisas horríveis antes de chegar aqui. Ela não julga a sua necessidade de se defender.” Como se estivesse testando para ver se não seria atacada outra vez, Arantxa ergueu a mão outra vez e a aproximou de Hermione, devagar, até tocar o seu braço.

* * *

“Mildred e Venetia estão quebrando a cabeça com um trabalho de Runas Antigas na biblioteca. Thomasin se recusou a ajudar dessa vez,” disse Arantxa enquanto chutava os sapatos para debaixo da cama e avançava para a porta do banheiro. “Dorea deve estar no Grande Salão, piscando incansavelmente para Charlus Potter. Eu já disse para ela que isso vai fazer com que ela seja deserdada, mas talvez ela goste do perigo.”

Hermione seguiu a garota para dentro do banheiro, hesitante. Enquanto observava a sonserina, Granger não pôde deixar de se encolher um pouco ao notar como os cabelos loiros da outra pareciam macios e bem penteados, diferente dos seus, presos em uma trança malfeita e com a raiz oleosa que provavelmente brilhava sob a luz das velas. As vestes de Malfoy também faziam com que ela notasse o quão diferente eram: onde suas vestes eram rudes, com costuras grosseiras e um verde desbotado no brasão da Sonserina, as de Arantxa eram leves e fluídas, esvoaçando em volta de suas pernas enquanto ela andava, e o brasão da casa quase brilhava com o verde vivo do bordado.

“Thomasin está na aula de Divinação,” a loira continuou, tirando as vestes e afrouxando a gravata em seu pescoço.

Hermione a observou, atenta para qualquer sinal de que aquilo era uma armadilha, mas Arantxa parecia relaxada demais enquanto tirava as meias e dobrava das mangas da camisa. Em passos lentos, Granger se aproximou e deixou uma muda de uniforme sobre um dos bancos do banheiro.

A banheira parecia convidativa, mas Hermione se recusou a ceder. Foi direto para um dos chuveiros e despiu-se, já detrás das cortinas, antes de jogar as roupas sujas para fora. A varinha permaneceu consigo, equilibrada sobre a saboneteira. Os minutos que se passaram pareciam se perder junto à água que escorria pelo seu corpo e uma sensação boa preencheu o seu peito ao respirar o ar tomado pelo vapor e o cheiro do sabonete, algo floral que lembrava muito vagamente o perfume que sentia quando estava próxima de Malfoy. A garota desejou que aquela essência ficasse em si por muito tempo.

Quando saiu do chuveiro, Hermione se sobressaltou ao ver que Arantxa continuava no banheiro, sentada em um dos bancos com as pernas cruzadas e um livro apoiado sobre o joelho. A bruxa levou alguns segundos para notar que estava sendo observada, erguendo o rosto e sorrindo.

“Não se sente melhor?” ela perguntou, deixando o livro de lado e descruzando as pernas.

Tentando ao máximo se esconder atrás da toalha enquanto se secava, Hermione outra vez se surpreendeu ao notar que Malfoy havia se levantado e agora se aproximava. A garota se apressou para colocar as roupas íntimas antes de a outra a alcança-se. Viu a mão de Arantxa se erguer, como se estivesse prestes a encostar em seus cabelos, antes de retrair-se outra vez.

“Venha cá,” a loira chamou, gesticulando para que ela a seguisse até um dos bancos.

Malfoy se afastou outra vez, sumindo na porta que dava para o dormitório e deixando Hermione encarando a si mesma no espelho à sua frente. A garota ergueu uma mão e traçou as olheiras debaixo dos olhos, antes de suspirar e esfregar os olhos. Não importava quantos banhos tomasse ou quantas horas dormisse, a aparência cansada não saía de seu rosto, assim como a ardência não sumia de seus olhos.

“Dorea tem um estoque de poções e loções para cabelos.” A voz de Arantxa a tirou de seu próprio reflexo. A sonserina se aproximava com um frasco em uma mão e um robe na outra. Ela jogou o robe no colo de Hermione, que o vestiu rapidamente, e abriu o frasco, derramando um pouco do líquido em seus dedos.

Granger agarrou o tecido macio do robe ao sentir os dedos de Malfoy em se embrenharem em seus cabelos, massageando o couro cabeludo e deslizando os dedos pelos fios crespos para desembaraça-los. Depois de um minuto, a loira apanhou um pente e passou a deslizá-lo pelos seus cabelos, cantarolando algo baixinho e inclinando a cabeça para o lado. Apesar de não querer admitir, a sensação de ter outra pessoa penteando os seus cabelos era extremamente boa. Hermione deixou-se relaxar os ombros e sentiu a própria respiração desacelerar. O vai e vem do pente em seus cachos a faziam querer fechar os olhos e se apoiar em Arantxa para tirar uma soneca.

“Devia ver Thomasin quando escovei os cabelos dela pela primeira vez.” Hermione abriu os olhos, sem perceber que os havia fechado em algum momento. Os olhos da sonserina estavam grudados em seus cabelos e ela sorria discretamente, parecendo contente. “Parecia um gato que nunca havia sido escovado. Só faltava ronronar.”

A escova foi deixada de lado e os dedos voltaram para os fios.

“Sabe, ela não é uma pessoa ruim.” Pelo reflexo do espelho, Granger viu a outra garota pegar algumas mechas de seu cabelo e brincar com elas, parecendo testar penteados. “Meio fechada, como você. E ela também já passou por muita coisa complicada, entende? Hoje, Thomasin só quer dar o melhor de si e ser respeitada. Infelizmente, alguns bruxos não querem dirigir os eu respeito para uma bruxa e muito menos para uma mestiça.”

“O Professor Slughorn parece gostar dela.”

“Oh, ele gosta. Mas Slughorn sabe ver o potencial das pessoas.” Malfoy encolheu os ombros. “Os garotos da nossa casa a respeitam, pelo menos enquanto estão em Hogwarts. Quando estão no conforto de suas casas, a coisa é diferente.”

“Como assim?”

“Eles reconhecem que Thomasin é ótima com magia e, claro, alguém assim daria ótimos filhos,” Arantxa continuou, franzindo o nariz. “Mas, ao mesmo tempo, ela é mestiça. Nenhum Avery, Lestrange, Black ou Nott se permitiria casar com uma mestiça. Então eles tentam usá-la de… outras formas.” Hermione ergueu a cabeça por uma fração de segundo, como se fosse se virar para olhar a outra. “Copiar tarefas, se inspirar por planos que ela tem, ouvir discurso que ela faz e os reproduzir para outros colegas.” Malfoy riu e deu um tapinha leve no topo da cabeça da bruxa, antes de apoiar as mãos nos ombros desta. No espelho, Hermione prestou atenção no contraste entre as mãos pálidas da garota e a sua pele escura a mostra onde a gola do robe se abria. “Thomasin é esperta demais para se deixar levar por flertes de meninos, Hermione. Ela arrancaria dedo por dedos das mãos deles se tentassem tocá-la. E eles já aprenderam isso.”

“Os dedos… de quem ela já arrancou para aprenderem isso?” a garota perguntou, se forçando a não virar o rosto para olhar a outra.

“No quarto ano, ela quase arrancou a língua de Nicholas Yaxley com uma mordida.” A loira deu uma piscadela e Hermione engoliu em seco. “E ameaçou terminar o trabalho caso ele contasse para alguém. Ele disse ao curandeiro que tropeçou e se mordeu.”

* * *

Todo o relaxamento que os músculos de Hermione experimentaram depois do banho sumiu quando ela desceu para a sala comunal da Sonserina. A maioria dos alunos havia voltado de suas aulas e o burburinho de conversas paralelas preenchia o ar, abafando o crepitar do fogo na lareira. Sentada em uma das poltronas próximas à janela, Thomasin mantinha a cabeça abaixada sobre um livro, parecendo conseguir se isolar do barulho para estudar. Arantxa, que havia descido antes, estava parada ao lado de uma das mesas do salão, lendo uma das cartas que haviam chegado depois do café da manhã e deixadas ali pelas corujas.

“Você sabia que Newt Scamander estava no Beco Diagonal ontem?” Malfoy falou assim que Hermione se aproximou. Um dos rapazes sentados nos sofás próximos à lareira ergueu a cabeça.

“E daí, Arantxa?” o garoto perguntou, pulando do sofá.

“Scamander é o magizoologista moderno mais importante que existe, Atlas,” ela explicou, dobrando a carta outra vez. O garoto parou ao lado delas e Hermione abaixou o rosto, focando-se nas mãos de Malfoy no envelope. “A maioria dos livros sobre animais mágicos foram escritos por ele ou pelo Eduardus Lima, mas o próprio Lima diz que Scamander foi a inspiração para que ele estudasse animais.”

“Eu não tenho ideia de quem seja essa pessoa,” disse Atlas, rindo e apoiando uma mão no ombro de Arantxa, que a olhou rapidamente.

“É um magizoologista brasileiro,” ela explicou. “Ele trabalha mais com animais tropicais-”

“Você tem noção de que magizoologia não é uma área de verdade, não é?” o rapaz continuou e Thomasin finalmente ergueu o rosto de seu livro. A garota, no entanto, não olhou para Atlas e sim para Arantxa, com uma expressão descrente em seu rosto. “Claro, Scamander escreveu um livro sobre bichos, mas quantos magizoologistas você vê por aí? Existe uma escola de magizoologistas?”

“Scamander estudou por conta própria depois que saiu de Hogwarts, porque não havia nenhum tipo de educação formal-”

“Depois que ele foi expulso de Hogwarts,” outro garoto sentado próximo à lareira falou. Ele tinha olhos escuros e o cabelo castanho estava partido do lado esquerdo. “Papai disse que foi um escândalo na época. O Ministério só deixou ele ficar com a varinha desde que ele fosse para a guerra.”

“Bom, sim, ele foi expulso, mas continuou a estudar animais. E ele fez um trabalho importante na guerra: foi treinador de dragões,” disse Arantxa, estufando o peito e, delicadamente, se afastando de Atlas e se aproximando de Hermione. “O que acha? De magizoologia.”

“Eu.. Acho que é uma área interessante,” a bruxa falou em um murmúrio, cruzando os braços na frente do peito ao ver que o olhar dos rapazes estavam em si. “Tinha um amigo que gostava muito de criaturas mágicas, apesar de que às vezes ele esquecia que alguns podiam ser perigosos.”

“Viu?” disse Malfoy com um sorriso triunfante. “Mais gente se interessa por magizoologia.”

“Se tem gente que se interessa por Divinação,” disse Atlas, dando de ombros e olhando para Thomasin com um sorriso debochado no rosto.

“Ora, é uma matéria interessante,” Riddle falou, fechando o livro em seu colo e se levantando. Quando a sonserina deixou o livro sobre a poltrona, Hermione pôde ver o título: ‘Sonhos e Profecias: Uma história da clarividência’. “Não é tão exata quanto Feitiços ou Aritimância, mas é interessante.”

Thomasin se aproximou e, sorrindo, esticou uma mão na direção do rapaz. Atlas encarou a mão da bruxa por alguns segundos, antes de rir e sacudir a cabeça. A expressão no rosto da sonserina permaneceu intacta e gentil. Hermione prendeu a respiração por um segundo.

“Tem medo do futuro, Sr. Avery?” Riddle perguntou, inclinando a cabeça para o lado.

Atrás deles, os outros rapazes da Sonserina haviam ficado quietos. Revistas sobre quadribol e figurinhas de Sapos de Chocolates haviam sido esquecidas e toda a atenção deles estava em Thomasin e Atlas, que pareciam disputar quem conseguia manter o olhar por mais tempo. Por fim, o garoto soltou uma risada fraca e entregou a mão para a garota.

Hermione observou enquanto Riddle segurava a mão do outro com cuidado entre as suas e abaixava a cabeça para analisar a sua palma. Os olhos azuis da bruxa brilhavam com concentração e, de vez em quando, um polegar traçava as linhas na pele do outro. Uma ruga de preocupação apareceu entre as sobrancelhas da sonserina e seus lábios se abriram em um ‘o’. Granger, que não confiava nem um pouco em Divinação, não pôde deixar de sentir uma pontada de curiosidade.

“O que houve?” perguntou Avery, olhando para a própria mão e franzindo o cenho.

“Algo ruim,” disse Thomasin com uma voz quase sombria.

“Divinação só serve para prever mortes que nunca chegam.” Atlas puxou a mão para longe e deu as costas para as garotas. Arantxa olhou rapidamente para as duas colegas e Thomasin permaneceu encarando as costas do rapaz.

“Existem coisas piores do que a morte, Atlas,” disse Riddle e Hermione pôde ver a curva discreta de um sorriso mal contido quando o rapaz se virou para olhá-la novamente. A expressão logo mudou para preocupação. “Você é filho único?”

“Sim.”

“Tem tios? Primos?”

“Tenho um tio, mas ele não tem filhos.”

Uma expressão condescendente tomou o rosto da bruxa.

“Como disse, Divinação não é uma arte exata. Nem sempre as leituras se concretizam por completo-”

“O que diabos você viu?”

Hermione sentiu-se sem ar ao ver a expressão de pânico que tomou o rosto de Atlas quando Thomasin se aproximou e murmurou algo em seu ouvido. Alguma coisa na imagem daquele rapaz com os olhos arregalados e o rosto branco feito cera lhe trouxe uma vontade inexplicável de sorrir.

 


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