Panetone era um gato de muita sorte. Distante do abandono que viveu no seu primeiro mês de vida, agora ele tinha mais caminhas e caixas do que qualquer outro gato. Além da ração e sachês em dobro, tinha também duas casas ㅡ mas seus donos não sabiam.

Nem sequer cogitavam que as escapadas do gatinho eram para visitar um de cada vez. Se soubessem, com certeza descobririam por que ele estava ganhando peso tão rápido. Não era sua culpa se gostava de ser mimado.

No entanto, ele abriria mão de todos esses privilégios duplicados para fazer seus donos se conhecerem.

E naquela manhã, do outro lado da rua, observando as duas casinhas vizinhas enquanto algumas pessoas paravam para lhe fazer cafuné, pôs-se a pensar no que faria para não vê-los passando o Natal sozinhos novamente.

Eles não tinham muita coisa em comum. Larissa veio de outro estado, buscando mais oportunidades na capital capixaba. Mudou-se há poucos anos, mas o suficiente para que Panetone a conhecesse bem. Tudo nela lembrava sol, desde seus cachos cheios à sua pequena casa amarela que fazia o possível para torná-la aconchegante, parecida com a dos pais.

Já André, chegou ali antes de Larissa, queria um novo começo longe da cidade que cresceu. Era um menino trans e tinha um ótimo relacionamento com os pais, porém André era daquelas pessoas que precisam de seu próprio espaço, ser independente. Foi ele quem resgatou Panetone. Não resistiu quando viu aquele gato franzino e abandonado, ainda filhote, no meio de um monte de caixas.

Ele tinha acabado de chegar na cidade, e o felino foi seu primeiro amigo ali. Assim que se acomodou em seu novo lar, Panetone viu-se rodeado de mais caixas, mas essas eram as que guardavam os pertences de André, ainda se organizando da mudança.

Por uns anos, aquele foi o seu primeiro lar. Quando Larissa chegou na vizinhança, sempre deixava as janelas abertas e Panetone, curioso como era, espiava o ambiente e aconchegava-se às vezes. Até que começou a ser alimentado. Larissa gostava de brincar dizendo que ele forçou a adoção, o gato apenas miava atrevido em resposta.

Olhando daquela parte, somente uma esquina e um pequeno prédio separavam as duas casas extremamente semelhantes, com donos incrivelmente diferentes, mas que viviam sozinhos.

Novamente: não tinham muita coisa em comum, porém Panetone não aguentava mais vê-los passando o Natal isolados de frente para a TV, que reprisava filmes genéricos.

Neste ano ele daria um empurrãozinho para que as coisas tomassem um rumo diferente, mesmo que isso o fizesse perder a quantidade dobrada de sachês que ganhava. Afinal, tudo sobrava para os gatos resolverem.