Por Trás de Seus Olhos escrita por Mayanne Souza


Capítulo 1
À primeira vista


Notas iniciais do capítulo

Mesclei dois capítulos que já tinha escrito para histórias diferentes.



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Eu não gostei do carro que meu pai havia comprado para mim. Tinha a clara sensação de que o carro que aliás tinha uma cor ridícula, laranja seria o responsável pela minha morte, então fiquei esperando por algum tipo de tragédia enquanto dirigia em direção ao meu primeiro dia de aula na Forks High School. 

Evidentemente não disse isso a Charlie, meramente agradeci com uma imitação de sorriso no rosto. Além disso, estava juntando dinheiro em uma conta para comprar o meu próprio carro, porém agora que tinha um, poderia fazer outra coisa, claro, se eu sobrevivesse até lá.

Eu escolhi a mesma camisa do dia anterior quando cheguei de viagem  para o meu primeiro dia na escola. Fiz isso porque acreditava que aquela camisa me traria sorte para essa nova aventura indesejada. Para ser sincero, não acreditei nisso de verdade, mas quando ganhei um ingresso para o show de Maroon 5, e  encontrei 20 dólares na rua, eu estava com essa mesma camisa. Era uma camisa raglan azul do Chicago Bears. 

Não acreditava em sorte, destino e nem conspiração do universo, estranhamente gostava de fingir que acreditava. Para falar a verdade gostava de fingir muitas coisas, fingir que estava com raiva, feliz, apaixonado. Talvez seja por isso que tinha tantos problemas em me empolgar verdadeiramente. Às vezes me questionava se na realidade eu era um extraterrestre fingindo ter emoções para enganar a humanidade. 

Não vou ser um extremista e dizer que eu era um psicopata sem emoções. Havia várias coisas que eu gostava, havia vários momentos que eu não estava fingindo, por exemplo quando eu estava no campo jogando ou quando comemorávamos o aniversário de minha mãe no Billy Pizza.

Quando encontrei a escola uma construção retangular construída com tijolos marrons.  até que fiquei feliz por minha picape, em vista que todos os outros carros eram igualmente simples e eu gostava de não ser o destaque por ser diferente. A palavra “normal”, sempre foi bem atrativa para mim. 

Eu tinha escolhido morar em Forks. Confesso que não foi uma das minhas melhores escolhas. Até que seria bom conviver com o meu pai antes de ir para a Universidade,  porém eu preferia indiscutivelmente cidades grandes e quentes. Não me importava muito em fazer esse "pequeno sacrifício" para o bem de minha mãe que, agora, poderia passar mais tempo com Phil, e não teria mais que lidar com os meus problemas. E Forks tinha charmes consideráveis, mesmo assim torcia para que aqueles últimos dois anos do ensino médio passasse voando, coisa quase impossível.

Estacionei a lata velha que soltou um estouro pelo escapamento. Isso chamou atenção de todos que começaram a rir. Mesmo com os olhares saí da caminhonete confiante. Não sou do tipo inseguro. Com cabelos castanhos, olhos azuis e músculos não tão exagerados, sabia que eu tinha uma boa aparência.

Dei alguns passos para frente, mas antes de chegar na entrada principal escorreguei um pouco. Olhei para baixo e vi que havia pisado em um pouco de lama que estava no meio do estacionamento. Meu tênis esquerdo azul da adidas ficou coberto de sujeira. 

— Droga! — Parecia que nem minha falsa camisa da sorte poderia me salvar dos perigos que Forks reservava para mim. 

Um trovão ressoou ao longe anunciando que a chuva estava mais próxima do que nunca.  

Soltei um gemido baixo, não por causa da chuva e nem por causa do meu tênis, mas sim por um enjoo que eu estava sentindo. Talvez fosse por causa do péssimo café da manhã que eu havia tomado naquele dia, ou talvez fosse um presságio avisando para eu sair correndo dali e voltar para Phoenix. 

Ignorando todo o meu mal-estar, caminhei rapidamente para dentro do prédio e assim que entrei me senti mais tranquilo por não ter o vento chicoteando o meu rosto. 

Na entrada do corredor havia uma porta de madeira com letras garrafais escrito “secretaria”. Eu entrei sem bater.  

— Seja muito bem-vindo, seu Beaufort Swan — Uma mulher de trás da mesa de cabelos grisalhos e batom vermelho me cumprimentou. 

Ela me entregou papel com as salas que eu teria aula, o número do meu armário e os livros que eu precisaria para aquele ano.

Por um segundo fiquei espantado, segurando o papel, imaginando se aquela mulher era algum tipo de vidente. Depois entendi que era óbvio que naquela cidade pequena todo mundo já sabia da chegada do filho do xerife. 

— Obrigado! — somente agradeci ignorando a vontade de corrigi-la dizendo para me chamar apenas de Beau.

Saí e caminhei pelos corredores observando os números das salas, mas uma garota baixinha de cabelos pretos como carvão, feições asiáticas, um casaco amarelo com corações vermelhos e um enorme sorriso no rosto colocou-se na minha frente. 

— Você quer dar uma entrevista para o jornal da escola? 

A pergunta me pegou de surpresa e eu dei um passo para trás.

Ficamos uns segundos em silêncio e comecei a sentir que os outros alunos que estavam por perto observavam nossa conversa. 

— Então, garoto novo? Quer dar uma entrevista para o jornal da escola? Não deixe uma colega esperando.

Franzi a testa e ela perguntou:

— O gato comeu sua língua? — E então sorriu para si mesma. — Meu Deus, bem que dizem que os mais gatos são os mais lerdos.

Ergui as sobrancelhas e finalmente falei:

— Eu não sei sobre o que você está falando. — minha voz saiu mal-humorada, porém eu não estava de mal-humor, apenas não estava interessado.

— Meu nome é Kyla Massie.

— Oi, eu sou Beau Swan.

— Eu sei. Você é a novidade por aqui — Ela pareceu animada. — Faço parte do jornal da escola e eu tinha duas opções: fazer uma matéria sobre os atletas da escola que tomam anabolizantes sem prescrição médica para ficarem fortes ou sobre você. E é claro que eu escolhi você, pois parece mais seguro do que provocar a ira de um grupo de adolescentes musculosos. 

Pareceu sensato. 

— Acho melhor não. 

— Por que não? Por acaso você faz o tipo quieto e misterioso? — Ela tinha a testa franzida, mas então a boca se entortou em um novo sorriso. — Se for isso saiba que alguém da escola já ocupa esse posto. 

— Na verdade faço do tipo normal e não tenho nada de interessante para dizer — respondi, mas agora sorrindo. 

Ela riu. 

— Certo. Mas então que aula você tem agora, garoto normal e sem nada de interessante para dizer?

— Filosofia com Barnes? — disse olhando para o papel que a secretária havia me dado minutos atrás — No C4, onde quer que isso fique.

— Fica no segundo andar, terceira porta e tem um enorme C4 pintado nela. Impossível de errar.

— Obrigado — respondi

Ela se encolheu dentro do casaco amarelo com corações vermelhos e pareceu um pouco triste pela primeira vez. 

— Minha próxima aula é de história, mas acho que vou matar.

Ela não parecia ser o tipo de garota que matava aula, mas eu não iria dizer isso, então no lugar perguntei outra coisa, pois sentia que devia pelo menos fingir interesse por ter recusado a proposta de dar uma entrevista para o jornal. 

— Então... você está em que ano?

— Estou no segundo ano — respondeu Kyla. — Mas como minhas notas são excelentes, estou tentando pular uma série e ver se no próximo ano começo a faculdade. 

Bem, ela não iria conseguir isso se ficasse matando aula, porém mais uma vez eu guardei essa observação para mim. 

— É melhor você ir antes que se atrase para seu primeiro dia de aula, garoto normal. — Ela passou por mim, mas antes de ir embora, acenou com um sorriso. — Vejo você na hora do intervalo. 

— Claro.

Foi fácil encontrar minha primeira sala, havia um enorme  C4 pintado nela como Kyle havia dito. No entanto cheguei na sala atrasado pois antes fui procurar o banheiro para limpar meu tênis com água e papel higiênico. O resultado não ficou muito bom, mas deu uma amenizada na situação. 

Até que não foi tão ruim como eu imaginava; sentei nos fundos e as pessoas não olharam tanto assim para mim. Quando terminou e eu levantei da cadeira para sair, uma garota de cabelos loiros e raiz escura veio falar comigo.

— Você é Beau Swan, não é? — com um vestido de verão para um dia tão frio e chuvoso, ela parecia o tipo de garota que seria a rainha do baile.

— Sim. — respondi um pouco surpreso. Normalmente as pessoas me chamavam de Beaufort e eu precisava corrigi-las.

— Sou Celine. Posso te apresentar a escola e tudo.  

— Você é do clube de boas vindas ou coisa parecida? 

— Não. — Ela deu um sorriso afetado. — Apenas gosto de ajudar garotos bonitos e  perdidos.

— Isso soou ameaçador — falei sorrindo e inclinando meu corpo para perto dela. Queria que ela entendesse que eu não era um garoto fechado ranzinza. Afinal nada é mais broxante do que um velho preso em um corpo adolescente. 

— Sim. Sou uma garota ameaçadora… no bom sentido, é claro.

Não respondi, não queria entrar em algum jogo de sedução. Às vezes eu fazia isso, mas na maioria das vezes os flertes não terminavam em nada, apenas acabava com uma garota apaixonada e zangada comigo por eu não devolver essa mesma paixão.

— A sua próxima aula é com o senhor Collins, literatura inglesa. — disse ela lançando-me um olhar brilhoso. — É também minha aula.

— Como você sabe disso?

— Tenho meus contatos. 

— Certo. — Eu assenti com a cabeça, sem saber direito o que aquilo significava. 

Quando entramos na próxima sala que ficava no 2C, a professora escreveu no quadro os autores que iríamos estudar: Brontë, Shakespeare, Chaucer, Faulkner. Eu não tinha lido nenhum deles, somente assisti uma vez um filme de Romeu e Julieta. 

Na escola anterior, por fazer parte do time de futebol, eu sempre conseguia convencer alguém a fazer os trabalhos para mim. Acho que em Forks não seria tão fácil. Imaginei se  ainda tinha guardado "meus" antigos trabalhos.

Na hora da refeição o meu apetite não apareceu por causa daquele enjoo e eu desisti de comer. 

Celine havia me apresentado o amigo dela, Tommy, confesso que eu achei ele bem bonito, com a pele cor de café e dentes perfeitamente brancos. Eles começaram a falar sobre uma festa que teria na casa de uma tal de Jenn. Mostrei desinteresse, mas até fiquei empolgado, principalmente por causa de Tommy. Um fato sobre mim era que "minha intuição" não costumava falhar, apesar de ter me iludido algumas vezes.

Depois eu e Celine fomos para a aula de biologia. Celine foi se sentar perto de uma garota e sobrou somente um lugar vago para mim.

— Senhor Swan, queira se sentar perto do senhor Cullen.  

Tive dois segundos para me recompor. O tal Cullen parecia perfeito, no entanto estava muito tenso e com raiva. Por um segundo me questionei se eu estava o olhando de modo esquisito, com algum tipo de interesse. Digo por experiência própria que alguns garotos podem ficar muito zangados quando são olhados dessa forma por outros garotos.

Tentei não mostrar meu abalo. Caminhei até ele com confiança e joguei minha mochila em cima da bancada. Ele se afastou como se eu fosse algum tipo de mendigo imundo. Impossível, minha roupa cheirava a sabão em pó e eu tinha passado desodorante. Durante toda a aula ele ficou parado, nem parecia respirar.

Fiquei sentado ali sentindo a tensão no ar, mas fazendo questão de demonstrar desinteresse por sua postura hostil. Mas o meu erro foi quando pensei ter ouvido um resmungo vindo dele e olhei em sua direção percebendo que ele estava tão imóvel como uma estátua. 

Lembrei-me de uma vez, no quarto ano, quando minha turma visitou o museu e havia esculturas de mármore. A pele daquele garoto era tão pálida e lisa como aquelas esculturas. Fiquei encarando-o por alguns segundos antes de sentir meu corpo ficar mais pesado e minha visão sair de foco…

— Droga! — resmunguei quase inaudível, mesmo assim ele escutou e virou o olhar curioso para mim.  

Prendi a respiração, assustado. 

Senti um líquido quente sair do meu nariz, passar pelos meus lábios e cair na minha falsa camisa da sorte. Quando olhei para baixo vi que eram gotas de sangue. Meu nariz estava sangrando, mas ele nunca tinha sangrado antes. 

O segundo pareceu se estender à minha volta e meu coração começou a martelar dentro do meu peito, ao passo que o meu corpo ficava mais pesado. Tentei levantar da cadeira a fim de pedir permissão ao professor para sair da sala, mas acabei me desequilibrando e caindo no chão chamando a atenção da turma toda. 

Mesmo atordoado, vi quando ele saiu da cadeira e voou para fora da sala de aula ao mesmo tempo que todos da turma se aproximavam para ver o que estava acontecendo comigo. 

Minha visão foi ficando cada vez mais escura na mesma proporção que meus ouvidos pareciam entupidos. Estava aos poucos ficando cego e surdo. 

“Isso é psicológico! Isso é psicológico!" Fiquei repetindo isso como um mantra, lembrando das palavras de minha antiga médica: “Isso é psicológico! Isso é psicológico!"


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