Bloqueio criativo escrita por Aislyn


Capítulo 5
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Algum(a) autor(a) se identifica com os personagens sentindo ódio de você pelo rumo que dá pra eles na história?

Se os meus criassem vida, com certeza iam querer me esfolar um pouquinho...



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A primeira coisa que Izumi notou ao acordar no dia seguinte foi que nenhum dos personagens estava no quarto. Olhando o relógio, praguejou baixinho por ter dormido além da conta. Não que tivesse um horário fixo para levantar, mas considerava errado durante a semana se levantar após o meio-dia, quando gostava de focar em sua história. Sempre estava com as ideias frescas pela manhã. Aos finais de semana sua rotina era outra.

 

Espreguiçou-se enquanto saia da cama, indo preparar o café logo após lavar o rosto, ouvindo algumas palavras enquanto se aproximava da sala. Seus dois personagens repetiam a cena da noite anterior, sentados um ao lado do outro no sofá, conversando como velhos amigos. Assim como ambos podiam interagir com ele e com o ambiente à volta, notou naquele instante que eles também trocavam de roupa, mas de onde elas surgiam era um mistério. Mikaru parecia mais jovial naquela manhã, de jeans e camiseta, enquanto Takeo estava desleixado, usando calça de moletom e camiseta cavada, além dos cabelos estranhamente comportados. Era um ponto marcante em sua aparência e tinha relação com seu nível de vaidade. Ele não sairia na rua sem deixar os cabelos arrepiados.

 

— Bom dia, rapazes. Vou fazer café, aceitam? – assim que notaram a presença do escritor, a conversa cessou. Lançaram-lhe um olhar analítico, Mikaru torcendo o nariz, como se algum odor desagradável o tivesse atingido, mas logo desviaram a atenção, sem responder o cumprimento.

 

Hayato ainda esperou um instante, lá no fundo torcendo para receber um aceno ou pelo menos um resmungo, mas ficou no vácuo. Suspirando fundo, retomou seu caminho para a cozinha, praguejando ao ver a louça esquecida da noite anterior.

 

Não sabia onde havia errado para ser tratado de forma tão hostil. Mikaru era normalmente ranzinza, mas parecia à vontade com Takeo de um modo que não era consigo, independente do esforço que fizesse para conversar com ele. E os dois se estranharam muito no primeiro contato. Além disso, a aproximação deles foi muito rápida…

 

Takeo foi bastante receptivo e brincalhão consigo, mas não aceitou quando a brincadeira virou contra si, talvez por Izumi ter camuflado a verdade quando devolveu a provocação. Não devia ter dito que ele era irritante, por mais que agisse como tal, lá no fundo sabia que era uma boa pessoa. Quer dizer, personagem. Hayato o criou para ser daquela forma, não devia ter exigido outra coisa. Se havia um culpado ali, era ele.

 

— O que eu faço com esses dois? – era pedir demais manter uma boa relação? Conseguir a colaboração deles para que a história fluísse bem? Contudo, Izumi sabia que só dependia dele mesmo para fazer com que seu livro fosse bom.

 

— Não devia se cobrar tanto. – o murmúrio vindo de suas costas o fez pular no lugar e se virar de uma vez, imaginando que Takeo decidiu conversar, mas era um rapaz desconhecido que ocupava um lugar vago em sua mesa.

 

— Ah… olá… – mais um… era tudo que queria! Mais um personagem para desprezá-lo ou odiá-lo.

 

Hayato não precisou analisá-lo por muito tempo para saber de quem se tratava, já que a cena com sua aparição foi escrita na tarde anterior e ainda estava fresca na memória. Seu nome era Katsuya, um universitário de cabelos negros longos, gentil e trabalhador. E nada mais. Previa problemas com aquele ali também. Ele devia ser apenas um coadjuvante! Não havia nem feito uma ficha! Tinha um post it no canto da tela do notebook para lembrá-lo do básico, já que não tinha intenção de aprofundar na vida dele.

 

— Desculpe aparecer assim… eu não sei como aconteceu… Ah! Eu sou o Katsuya!

 

— Não, tudo bem. Não se preocupe. Só me pegou de surpresa. – Hayato sorriu sem graça, deixando o silêncio se prolongar. O que devia falar com o personagem novo? Não conhecia muito a seu respeito ou seus gostos.

 

— Sabe, eles não estão realmente chateados com você, só preocupados.

 

— O que? – distraído em seus pensamentos, o escritor não o escutou direito.

 

— Os dois na sala. Eles estão com medo que a história não vá pra frente, que você desista e os abandone ao esquecimento.

 

— Não pretendo abandonar a história. Eu quero continuar e quero que fique boa!

 

Servindo duas canecas com café, Hayato sentou à frente do rapaz, notando nele alguém que o diria, com todas as letras, o que estava errado em suas atitudes. Ele parecia muito paciente e também não iria julgá-lo. Podia conversar com ele sobre tudo que o incomodava.

 

— O que está achando da história até agora?

 

— Por que não manteve o mesmo tema do seu primeiro livro? – Katsuya devolveu sua pergunta com outra pergunta – Por que decidiu testar algo que não te agrada? Entendo que, num modo geral, romance é romance, mas não é mais difícil quando você não tem simpatia por uma das partes?

 

— Ahm… não tenho certeza se entendi o que está querendo me dizer… desculpe.

 

— Por que estava tentando juntar Takeo com uma mulher, quando você mesmo não sabe como é se relacionar com uma? Não que seja errado, mas seu primeiro livro era um romance entre dois rapazes, não é? Quando sua editora pediu outro, queriam algo parecido com aquele, estou certo?

 

— Bom, sim… mas eu acabei me colocando demais em um dos personagens, aquilo voltou para me assombrar. E a editora concordou com minha decisão.

 

— Mas dessa vez não é diferente? Você não se colocou na história. A ideia não era juntar os dois na sala? E então desistiu. Por quê?

 

— Você viu os dois conversando e interagindo, Katsuya? Eles se odeiam! – Hayato esfregou o rosto, tendo a certeza que havia tomado a melhor decisão – Eu até pensei em juntá-los, mas não dá. Eles só estão conversando agora porque ambos me odeiam. Imagino que tudo volte ao normal entre eles quando eu definir o enredo, mas um namoro ali está fora de cogitação.

 

— E se você tentasse criar assuntos em comum pra eles? Algo que ambos gostam ou são bons, ou mesmo se tiverem gostos diferentes, mas se aprenderem a respeitar as diferenças, pode acabar tudo bem.

 

— Gostos diferentes nunca dão boas combinações. As personalidades também são difíceis de lidar. Nada ali está em acordo. – Izumi suspirou fundo, servindo mais café para os dois – Eles são como inimigos.

 

— Hmm… é um clichê bem aceito, se souber trabalhar…

 

Hayato ficou encarando Katsuya um pouco atônito, se perguntando de onde surgiam aqueles argumentos. Escreveu tão pouco sobre ele, mas parecia ser tão observador. Os comentários eram razoáveis e ele sabia expô-los de maneira clara.

 

— Você não conhece ninguém que tenha passado por esse tipo de situação? Pessoas que não se gostavam mas acabaram se entendendo depois de se conhecerem melhor?

 

— Ninguém me vem à cabeça… – Izumi respondeu após pensar um instante até curto, visto que conhecia poucas pessoas e menos ainda que mantinham um relacionamento. Na verdade, a primeira pessoa em quem pensou foi sua mãe e, à seguir, sua tia.

 

— Por que não tenta um estudo de campo? Sair pra lugares onde casais se encontram e então observá-los? Pesquisa online pode ser útil, mas tenho certeza que ver pessoalmente traz um novo tipo de visão. Quem sabe ouvir conversas num café ou num restaurante?

 

— Isso me soa um pouco stalker, Katsu… – Hayato comentou desconfortável, logo notando seu ato de intimidade – Ah, se importa que te chame assim? – e sorrindo envergonhado, continuou – Takeo também acha que devo sair… mas não vejo motivos pra isso. Posso fazer tudo que preciso daqui. Posso fazer esse estudo de campo com filmes, por exemplo.

 

— Arata-sensei, do que tem tanto medo lá fora?

 

— Você conhece o nome… – Izumi não conseguiu evitar o pequeno momento de alegria. Aquele título o fazia se sentir um escritor de verdade – Eu não tenho medo… só não preciso ir.

 

Katsuya negou com um aceno e terminou sua bebida, a seguir olhando em direção à sala. Sabia que os outros dois estavam conversando por lá, mesmo sem poder vê-los.

 

— Voltando ao assunto sobre os dois estarem preocupados, o que acha que devo fazer para me entender com eles?

 

— Bom… Takeo quer que você seja feliz, independente do que escolher pra ele na história. Ele estava fazendo o que tinha ao seu alcance para te fazer rir e interagir, mas parece que ele te irritou e agora acha que você está com raiva dele.

 

— Mas ele não me irritou! Talvez um pouquinho… Takeo esteve sempre do meu lado durante esses dias, me ajudando e dando sugestões…

 

— Então por que disse que a protagonista não merecia alguém irritante como ele? Ele não pode mudar quem é por conta própria, é uma criação sua e só você pode modificar. Se for na ficha e editar qualquer coisa, logo ele vai agir conforme o descrito e não será mais como é atualmente.

 

— Eu posso fazer isso? – por que não tinha pensado naquilo antes? Era só deixar Takeo mais sério e responsável e tudo se resolveria. Mikaru o aceitaria e ele poderia continuar com seus planos iniciais!

 

— É claro, a história é sua. Você pode mudar tudo nela.

 

A ideia era excelente e facilitaria o desenvolvimento de várias cenas, além de fazer o enredo caminhar, mas será que queria mesmo mudar seu personagem? Era o seu protagonista! Não negava que às vezes Takeo o irritava, mas gostava dele, de verdade.

 

— E quanto ao Mikaru? Por que ele parece me odiar?

 

— É o mais óbvio! – Katsuya riu baixinho, dando de ombros – Ele é um homem distante e solitário, a família o explora, os amigos são interesseiros, ele recebe muitas cobranças no trabalho e acaba se pressionando… Por que o fez sofrer tanto?

 

— Eu… não tinha pensado nisso… Só queria um pouco de drama…

 

— Como você está em dúvida sobre como seguir com a história, ele também fica sobre o futuro, pois não sabe se vai continuar sofrendo ou se você vai ajudá-lo a encontrar uma solução para esses problemas. Ele não sabe o que é ter uma vida feliz ou pelo menos um pouco tranquila.

 

— Ele tem toda a razão em me encarar com desprezo. Eu fui terrível com ele!

 

— Não se culpe tanto, você precisava de uma trama. Mostre a ele que pode confiar, que você vai ajudá-lo a resolver tudo.

 

— Eu vou fazer isso! – Hayato confirmou com entusiasmo, querendo acreditar nas próprias palavras. Depois voltou a atenção para o rapaz à sua frente, pensando qual seria o caso dele – E você, Katsu? Como posso te ajudar na história? Quer que eu mude algo?

 

— Ahm… acho que não. Eu sou um coadjuvante, ajo mais como observador, então o foco não são meus anseios e vontades.

 

Hayato encarou-o em silêncio, aquelas palavras pesando com um significado enorme. O rapaz não tinha uma ficha, uma história, um passado, algo que desejava… Nada.

 

Katsuya o escutou, tirou suas dúvidas e o aconselhou. Precisava retribuir o favor: ele ia ganhar um bom papel na história. Não seria alguém apenas para cobrir um buraco no enredo.


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Notas finais do capítulo

Até o próximo!
Não deixem de contar o que estão achando!



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