O preço a se pagar pela arte

por Sahh

O sol despontava no horizonte quando uma figura ágil cruzou mais uma ponte de pedra que ligava um edifício ao outro.

Continuou a atravessar mais delas numa correria bastante expectante — emoção que, definitivamente, não cessaria enquanto não chegasse ao seu destino. Uma frondosa brisa lançou seus cabelos curtos para trás. O brilho da manhã, que, agora, refletia lindamente sob as rochas coloridas que compunham os telhados das torres contribuía para que um belo jogo de luzes ocupasse a visão daqueles que olhassem a orgulhosa Vila da Pedra.

Os passos que cortavam o silêncio do crepúsculo matutino continuaram, céleres. Cruzaram o terraço de mais dois edifícios antes de, enfim, brecarem. Pela primeira vez, permitiu-se baixar os ombros e respirar languidamente. Com seus recém treze anos completados, Kurotsuchi abriu seus olhos escuros.

Encarou, enfim, a porta de acesso ao seu objetivo. Antes de entrar, porém, espiou seus arredores para checar se seu pai não havia lhe seguido após notar sua ausência. O plano original seria os dois realizarem um treino matinal naquela manhã; contudo, apesar de ser uma ninja esforçada, não seria a primeira vez que furaria num compromisso familiar.

Firme que havia tomado a decisão certa indo até lá, preparou-se e, finalmente, passou pela porta. A primeira reação que teve ao entrar no recinto já conhecido, foi apertar os olhos ante a escuridão momentânea que se deu. Sua visão já havia se acostumado com a claridade que ia ganhando força lá fora, então tal sensibilidade não foi estranha. Felizmente, poucos segundos se passaram e o ambiente se distinguiu melhor perante seus olhos negros.

Sem perder tempo — além de não estar mais conseguindo conter a empolgação embalada no peito —, correu para a outra ponta do cômodo. Acessou uma escadaria caracol rochosa e desceu ao cômodo inferior, este que, desta vez, possuía uma claridade superior ao outro.

Nele, encontrou a pessoa que procurava.

— Deidara-nii! — abriu um grande sorriso. Na hora, foi em direção a ele. — Se eu não tivesse reconhecido sua caligrafia nos relatórios, duvidaria que estivesse vivo!

Como esperado, recebeu uma praguejo descontente:

— Maldita Kurotsuchi! Se eu não fosse tão habilidoso, minha preciosa arte teria virado um desastre, hm!

Kurotsuchi, sem se importar com a irritação dele, saltou sobre diversas mesas que compunham o espaço — uma ameaça provocativa às diversas esculturas de argilas repousadas sobre elas. Após dar um último e exagerado pulo, pousou perfeitamente frente ao rapaz um ano mais velho.

Abaixou-se e se sentou, pernas cruzadas.

— E então? — audaciosa e divertida, relaxou o corpo para trás, as mãos sobre o chão apedrejado como forma de se apoiar. — Sabe por que estou aqui, não sabe? Então, trate já de me responder como foi sua missão rank S!

Deidara suspirou, sobrancelhas franzidas sobre os olhos fechados. Decidido a decepcionar a animação da companheira de várias missões, ele abriu seus admiráveis olhos azuis, os quais foram direcionados, tediosos, ao material que tinha a frente: uma porção gosmenta de argila que acabara de ser diluída com água.

— E por que eu diria algo a você? — ele retrucou. — Não acabou de subestimar minhas habilidades quando revelou ter achado que eu estava morto?

Kurotsuchi fez uma careta. Ele até que estava meio certo...

Resolveu se calar por um tempo. Os olhos desviaram para as mãos do rapaz — estas totalmente vermelhas de argila. Os dedos amassavam, com precisão, a massa mole até que ela atingisse uma textura boa para começar a moldar.

Descontentou-se.

— Ah, por favor! — exclamou para os céus. — Sinceramente, quando você vai largar essa mania de arte?

Deidara não desviou a atenção de seu trabalho, mas mostrou certa superioridade.

— Infelizmente pra você, minha cara Kurotsuchi, nem com minha morte a arte sairia do meu espírito, hm — lançou, então, um olhar mais significativo a ela. — Pelo que eu saiba, você deveria estar num treinamento com seu velho, não? Sabe que posso acabar com essa sua fuga em questão de segundos se quiser.

— Pois então posso afirmar, com toda certeza, que te mataria antes — ela encolheu os ombros.

Um breve silêncio surgiu. Cinco segundos passaram, e risadas altas reverberaram pela sala. Algumas coisas realmente nunca mudavam...

Pelo menos, não entre os dois.

— Diga-me, Kurotsuchi — a ameaça de qualquer manifestação ranzinza deixou o rosto, agora, tranquilo do garoto. — Continua trilhando o maravilhoso e árduo caminho rumo ao posto de próxima Tsuchikage?

Kurotsuchi revirou os olhos.

— Todos da vila sabem que este posto já pertence a você, Deidara-nii. Até você sabe disso. Afinal — animou-se, colocando-se de joelhos. —, você vai superar com facilidade o velhote, qualquer um pode ver. Você é muito forte!

Pôs-se, então, a tagarelar sobre o quanto a liberação de explosão dele era a mais elevada dentre todas as outras que já havia visto; também, era nítido a evolução de poder que Deidara vinha apresentando desde que ingressou no Corpo de Explosão da vila. Distraída enquanto expunha sua admiração em relação a ele — ato que, mais tarde, certamente se arrependeria por tamanho entusiasmo —, não foi capaz de notar quando o estado de espírito do amigo subitamente mudou.

Ele estava em silêncio, então logo se calou também. Ficou intrigada. Deidara continuou a moldar a argila, pensativo. Num ato imperceptível — mas que ela foi capaz de notar —, as sobrancelhas dele murcharam um pouco. Não sabia, mas em seu interior, uma fina camada de tristeza o inundava.

Tristeza relacionada à garota a sua frente.

Kurotsuchi não tinha como saber que o amigo que tanto admirava possuía certos... planos para a própria vida — planos que ela e ninguém na vila estavam inclusos. O caminho do ninja já estava traçado no instante que ele decidiu concretizar um plano que ocorreria num futuro próximo.

Um plano errado. Ardiloso. Algo que representaria pura traição contra sua vila.

— Ela... ainda não está perfeita... — Deidara deixou as palavras saírem sem sequer perceber. Seu rosto jazia afundado num mar de reflexões. — Minha arte não está perfeita...

Kurotsuchi franziu o cenho. Uma sincera e impaciente confusão tomou conta do rosto infantil.

— Já tá pensando na sua arte de novo? — desanimou. Num gesto com o braço, abrangeu todo o recinto. — Você já não fez centenas de esculturas, além de ter sido elogiado por boa parte da vila? — expôs. Apesar de irritada, tentava, verdadeiramente, compreendê-lo. — Não acha que está levando esse hobbie à sério demais?

Deidara foi arrancado de seus devaneios. Cruzou com o olhar da neta de seu professor e Terceiro Tsuchikage. Encarando aqueles olhos negros da forma mais profunda que já havia feito, pensou, então, na decepção que eles, com certeza, expressariam num futuro próximo.

... E sentiu pesar por isso. Pois, imaginar a reação que ela teria ao ver sua grande fonte de inspiração seguindo por um caminho contrário às ideologias da vila que ela tanto prezava — ainda que não o demonstrasse abertamente —, era algo difícil de fazer.

Suspirou. Desviou e mirou sua arte.

— Kurotsuchi — forçou um pequeno sorriso, o que atraiu a atenção dela. —, por que não me mostra sua nova Técnica de Congelamento de Cal mais tarde? Ouvi dizer que é impressionante e bastante efetivo.

As bochechas de Kurotsuchi se tingiram de uma coloração avermelhada perante a grande animação sentida, sorriso radiante.

— Ah, esqueci que queria mostrar isso a você, Deidara-nii! — ela anunciou, entusiasmada. Pareceu, porém, recordar-se de algo desanimador para seus planos, pois ela levou a mão à têmpora direita, censuradora consigo mesma. — Mas, isso me faz lembrar que tenho um pequeno probleminha para resolver com meu velho, ou ele não me deixará sair de casa por uma semana.

Kurotsuchi pôs-se de pé, pronta para partir. Sentia-se inexplicavelmente feliz. Refletiu que tal sentimento parecia ter tirado umas férias nas últimas semanas; mas aquilo sempre acontecia quando Deidara passava muito tempo fora da vila.

— Até mais tarde, Deidara-nii. E nada de inventar histórias pro meu pai caso cruze com ele por aí, está bem? — avisou, bem-humorada. — Estarei te esperando, tchau!

O ninja observou a amiga desaparecer pelas escadarias caracóis.

Foi deixado sozinho. Apenas ele e suas esculturas.

Ainda com os olhos presos no ponto por onde ela se foi, de repente, sentiu-se feliz. Aliviado, na verdade. Mesmo que a decepção de Kurotsuchi fosse grande demais para ele suportar, de um jeito ou de outro, Deidara já estaria longe. Não teria que presenciar o desmoronar da fé de sua amiga. Imaginar como seria, ele poderia até tentar.

Mas, contanto que estivesse longe...

— Está chegando... — murmurou para si mesmo. — Está chegando o dia em que finalmente concretizarei o que sempre almejei...

Olhou para as palmas das mãos. Continuavam cobertas de argila vermelha, que começava a endurecer aos pouco. As pupilas tremeluziram, o brilho azulado completamente hipnotizado com a ideia de que, em pouco tempo, suas mãos seriam as responsáveis por criar sua verdadeira arte.

Pois a arte não é algo durável, e sim, efêmera. Algo que ocorre num milésimo de segundo e acaba num piscar; essa era sua única e verdadeira beleza.

Sim. Era isso.

— A verdadeira arte é uma explosão.