O que dizem de nós. escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 8
Amores Firmados no Inverno


Notas iniciais do capítulo

Perdão pela demora, mas aqui estamos. Com vocês, o último capítulo!
Música (sim, é Como Treinar Seu Dragão): https://www.youtube.com/watch?v=GbUV3TXUzeQ



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O luar derramava sobre o campo aberto, seus passos deslizando sobre a grama como se flutuassem. Mãos entrelaçadas e olhares divertidos acompanhando cada movimento. Arcaent afastou-se por um momento, permitindo que Elyn girasse em seus braços no ritmo de uma melodia que soava mais de suas memórias. A noite tinha começado com o som distante do festival de solstício, do qual decidiram não se aproximar; em vez disso, tinham um festival particular. A música era a mesma para eles e para a cidade, mas apenas isso era igual. Com o passar das horas, os músicos silenciaram, mas eles ainda não estavam prontos para parar.

— Valsa das Estrelas? – Elyn sugeriu em tom capcioso, e Arcaent quase confundiu com a Valsa Noturna, mas conseguiu murmurar timidamente as notas corretas daquela música tão conhecida.

Elyn gostava de testá-lo. Não tinha acreditado que ele sabia dançar, e da primeira vez, quando ela finalmente cobrou a dança que ele lhe devia, não evitou o olhar surpreso quando ele se posicionou impecavelmente, a mão esquerda segurando a sua e a direita em suas costas, sem nada da rigidez dos iniciantes. Mas não era apenas pela postura e fluidez, Arcaent também conhecia toda música que ela sugeria, e tentar encontrar alguma que ele não soubesse tinha se tornado um pequeno jogo. Um jogo que Elyn perdia todas as rodadas.

Apesar de habilidoso, dançar não era sua atividade favorita, então Arcaent não se empenhava tanto assim. Gostava da proximidade e da intimidade que a dança propiciava, mas se permitia distrair por sua parceira, descuidando-se da base enquanto observava Elyn girar, unidos nesse movimento apenas pelas mãos. Ela usava calças e camisa simples, abandonara os vestidos e saias após alguns meses de viagem pela praticidade. O brilho das estrelas adornava os cabelos escuros como uma tiara, e Arcaent pensou que aquele pequeno instante, com o céu claro e o clima ameno mesmo no inverno, era um presente de Iyrteran para os dois.

Arcaent, por sua vez, também mudara pouco. Mesmo o cabelo tinha crescido poucos centímetros, e a única diferença de um ano antes era a faixa em seu braço cobrindo um ferimento recente.

— Algum dia vai me contar como aprendeu a dançar? – Ela perguntou, voltando à posição e repousando o braço livre sobre seu ombro.

— Não é tão interessante quanto qualquer história que você esteja imaginando… – Ele deu de ombros, mas o olhar de Elyn ainda era curioso. – Eu queria me distrair. Yrilla ficava bem perto da costa, mas precisávamos justificar nossas saídas da ilha e mesmo com justificativa os alunos só podiam ir desacompanhados para Tervris, a cidade mais próxima. A única coisa que tinha em Tervris que eu não aprenderia em Yrilla era isso, logo…

— A Ilha dos Feiticeiros deixava você sair para fazer aula de dança? – Ela pareceu achar a ideia engraçada.

— Não gastávamos todas as horas do dia pensando em feitiços. Todos os conhecimentos eram incentivados, principalmente para Vlatka. Ela era uma amante da cultura e das artes, fazia belos desenhos. – Arcaent já havia mencionado aquele nome antes, mas nunca por muito tempo. Ele tinha a tendência de manter histórias ruins para si mesmo, então Elyn sabia apenas duas coisas sobre Vlatka. Era a antiga professora de Arcaent, e agora sabia também que ela desenhava. Tudo o que Arcaent não dizia sobre ela expressava muito mais, portanto Elyn não tinha boas impressões desse nome. – Ela estranhou meu interesse repentino, mas permitiu que eu saísse de Yrilla uma vez por semana. Era o melhor dia da semana.

Terminaram a dança e Elyn recuou um passo, encarando-o.

— Hm… Eu estava imaginando algo com mais bailes envolvidos, talvez colegas que você quisesse impressionar, mas imaginar você arranjando aula de dança para fugir de treino de magia é tão mais interessante! Não pode mais reclamar quando eu arranjo desculpa para fugir das lições também, viu?

— Eu era dez anos mais novo do que você é agora, Rish.

— Shh. – Ela silenciou. Sempre interrompia as falsas discussões quando sabia que estava errada. Ela passou a mão sobre a faixa em seu braço que escondia um ferimento. – Como está o braço?

Arcaent revirou os olhos.

— Nada demais, senão não teríamos dançado. É só um arranhão. E é curioso como isso lhe incomoda mais do que a mim.

Elyn lançou um olhar de descaso como se não fosse verdade, mas Arcaent sorriu de volta. Algumas coisas estavam fora do alcance da magia dos feiticeiros, principalmente aquelas tocadas pelos deuses. O jovem arqueiro que por acidente cruzara o caminho deles tinha uma forte bênção de Naramyr em suas armas, os ferimentos não podiam ser curados pela magia de Elyn. Naramyr, mais do que todos, repelia a feitiçaria impiedosamente.

Coisa que Elyn achava muito irritante.

Arcaent passou o braço pelos ombros dela, puxando-a para perto enquanto voltavam ao seu pequeno acampamento, agora mais capaz de protegê-los nas longas jornadas, onde jantaram antes de dormirem cedo. Queriam continuar o caminho assim que o sol surgisse. Um ano havia se passado, e ambos estavam ansiosos para rever os Tsarin.

.

Arcaent não saberia dizer quem estava mais empolgada com o reencontro, se Elyn ou Asra, agora com seis anos. A menina passou na frente dos pais para cumprimentá-los, abraçando Elyn com um sorriso largo e enchendo-os de perguntas. Liserli interveio, repreendendo a menina, para que pudessem recebê-los propriamente.

Pareciam amigos de longa data se reunindo, mas perceberam o aspecto apreensivo do casal. Descobriram que Kasja, a filha mais velha, estava doente há semanas com uma febre terrível que ia e voltava, sem previsão de melhora. Liserli levava as refeições ao quarto, mas Kasja tinha cada vez menos força inclusive para se forçar a comer.

— Então acho que chegamos em boa hora – disse Arcaent, com Elyn já tomando a frente em direção à cozinha, a despeito de ter acabado de chegar, seguida por Liserli.

Curandeiros eram incapazes de se curar pela própria vontade, a única forma de usufruírem de seus feitiços é pela magia armazenada das poções e remédios preparados com antecedência. Além disso, mesmo para outras pessoas, a magia armazenada das poções tornava mais fácil e menos cansativo tratar casos graves. Por precaução, Elyn passou o ano focando seus estudos na fabricação das poções mais comuns. Abriu seu livro em uma página tão visitada por ela que as folhas permaneciam abertas sem a ajuda de pesos. Elyn trabalhou com a naturalidade adquirida pela prática, conversando casualmente com Liserli enquanto triturava ervas em infusão, entre uma e outra frase murmurada na língua dos feiticeiros. Pensar no quanto tinha avançado em apenas um ano a deixava com um orgulho bem merecido.

Na cama sob a janela, Kasja demorou para perceber que não estava mais sozinha. Estreitou os olhos e ergueu parcialmente a cabeça quando viu Liserli e Elyn entrarem, mas parecia cansada demais para qualquer outra coisa.

— Vocês chegaram – cumprimentou com um sorriso fraco.

Liserli pôs o jantar na cômoda sobre a qual também estava uma tigela de água com um pano encharcado, que, Elyn supôs, tinha sido usado para tentar abaixar a febre, mas Kasja olhou para a comida com desânimo. Elyn sentou na borda da cama, alisando o rosto de Kasja, mantendo a expressão calma mesmo que a pele dela parecesse queimar.

— Olá, querida. Como você está?

— Uma merda.

— Ei, isso é jeito de falar? – Liserli repreendeu com suavidade, recebendo um pedido de desculpas não muito genuíno da filha, mas Elyn apenas riu. Preparou a xícara com o líquido do bule na bandeja sobre suas pernas.

— Eu tenho algo que fará você se sentir melhor logo.

— Chá…?

— Que descrença, chá sempre me faz sentir melhor! Mas esse é mágico.

— Chá… mágico?

Apesar do tom desconfiado, Kasja se esforçou para ficar sentada, recebendo a xícara com reverência. Liserli observou a filha beber o chá, perguntando:

— Isso vai curá-la da febre?

— Isso vai acelerar a recuperação do próprio corpo. Amanhã mesmo ela já estará melhor.

— Não quero parecer ingrata, mas não podia me curar logo? O chá é apenas “meio” mágico?

— Eu não lembrava de você ser tão engraçadinha. – Elyn estreitou os olhos, fingindo estar ofendida com as provocações. – Não é inteligente usar saídas fáceis demais. Seu corpo precisa saber se cuidar, pois não é sempre que terá poções mágicas à disposição para fazerem o trabalho.

— Foi uma piada, Elyn! Pelo amor de deus, está ficando igual ao tio Arcaent…

— Isso seria uma catástrofe – brincou. – O que pensa que está fazendo?

Kasja tinha afastado os lençóis e já estava com os pés no chão para levantar, mas parou o movimento com um olhar de protesto, a mão de Elyn em seu ombro forçando-lhe a deitar novamente.

— Eu quero ficar com vocês, levou um ano inteiro para voltarem!

— Ainda estaremos aqui amanhã, Kasja. E depois também. Vão ter que nos aguentar por um mês inteiro! Mas agora você precisa descansar. Prometo que amanhã estará bem melhor.

— Vocês vão contar todas as histórias legais, eu quero ouvir também!

— Não vamos contar nada até amanhã, então, vamos esperar por você.

— Promete?

— Claro! – Algo brilhou no olhar de Elyn, uma astúcia inofensiva. Desviou o olhar da garota para a mãe dela, voltando-se para Kasja com o canto dos lábios erguendo em um meio sorriso bem suspeito. – Aliás, se lhe ajudar a descansar, posso lhe contar algo antes dos outros, que tal?

Elyn sussurrou algo para Kasja que fez os olhos da garota se arregalarem de animação, um sorriso tão largo que Liserli não via desde quando ela adoecera.

— Verdade?! – Kasja perguntou, eufórica. – Isso é perfeito!

— Opa, opa! – Elyn riu, tocando os lábios em um gesto de silêncio. – Não vá contar para ninguém. Os outros logo vão saber. Agora vamos deixar você descansar. – Elyn passou a mão nos cabelos de Kasja antes de reunir a bandeja para levar embora. – Até mais, querida.

— Até mais, tia Elyn!

Kasja não era muito boa com segredos.

.

Na sala, Arcaent contava para Iairos sobre o tempo que passaram em Ilta, capital de Yaz. Nas mãos de Iairos havia um fino monte de cartas unidas por um cordão, cartas de Challys. Nos últimos meses antes do inverno, Arcaent tinha decidido conhecer também a irmã mais velha de quem não se lembrava. O encontro tinha sido bom. Um pouco estranho no começo, pois Arcaent e Challys pareciam completos desconhecidos um para o outro, mas logo eles conversavam com mais naturalidade. A diferença no padrão de vida de Challys e Iairos era gritante. Ela tinha partido para estudar na cidade quando a família ainda tinha dinheiro para isso. Casou jovem com um rapaz de família rica, e Arcaent tinha conhecido sua outra sobrinha, Olifaye, alguns anos mais velha do que Kasja. Ao saber que voltariam para a fazenda de Iairos, Challys pedira que entregassem suas cartas para o irmão.

O dia seguinte foi mais cheio do que o normal. Uma tempestade derrubou uma árvore sobre o celeiro, e Arcaent se ofereceu para ajudar Iairos a consertar. Claro que nesse sentido ele era tão útil para Iairos quanto Elyn era para Liserli na cozinha, mas Iairos e Liserli nunca negaram uma ajuda bem intencionada. Elyn além de ajudá-la ainda conseguia manter Asra entretida.

— Sua visita é uma bênção, não sei como faz essa menina parar quieta – Liserli comentou, vendo como a filha se comportava.

Como resultado do dia atarefado, estavam todos exaustos à noite. O jantar ocorreu quase sem conversa, até que ouviram os degraus de madeira rangerem nas escadas. Kasja ainda parecia cansada, e o casaco mostrava que a febre não tinha ido embora por completo, mas ela sorriu com animação e mostrou o prato vazio, dizendo que queria mais. Naquele jantar, comeu quase o suficiente para compensar os dias em que não conseguia levar nada à boca de tão fraca. E suas perguntas reavivaram o clima na mesa.

— Por onde vocês passaram esse ano?

— Ficamos mais aqui no norte de Teris. Yaz, Serallyn, Fierilde.

— Mas passamos mais tempo nas florestas de Serallyn. – Elyn tomou a fala, encarando as meninas com ar de contadora de histórias. – Vocês sabiam que no coração daquela floresta existe um lago dentro de uma caverna que está totalmente congelado?

Kasja suspirou com curiosidade, pois sabia que sequer nevava em Serallyn como em Yhriam.

— Vocês foram até lá? O que encontraram?

— Experiências nada agradáveis – cortou Arcaent.

— Como assim? Foi divertido!

— Um de nós quase morreu. – Arcaent apontou discretamente para Elyn, que estreitou os olhos, zombeteira.

— Eu sabia que você ia me proteger.

— Eu estava de costas, Elyn, nem vi você chegar perto daquela… coisa.

— Parece uma discussão antiga… – Liserli interrompeu, rindo, ao ver que os dois tinham esquecido brevemente da presença dos outros.

— Queria poder viajar como vocês… – Kasja falou, mesmo sabendo que a mãe se preocupava sempre que ela mencionava seus planos de deixar a fazenda quando crescesse. – Posso viajar também no futuro, mãe?

— Se você arranjar poderes mágicos para protegê-la… – Liserli falou, sarcástica, mas Kasja deu um sorriso decidido.

— Então eu vou arranjar poderes mágicos! E vou viajar por toda Teris!

— Não fale besteiras, meu amor.

Kasja não ficou satisfeita com a resposta. Tinha dito em forma de brincadeira, mas mesmo assim, a mãe levara a sério demais. Liserli voltou a atenção para os dois.

— Além de que eles não viajam sozinhos. Deve ser melhor viajar com um amigo do que por conta própria.

Arcaent sorriu, atraindo a atenção dos quatro.

— É verdade, eu gostei muito de viajar com minha amiga. Mas admito que viajar com minha noiva tem sido muito melhor.

Exclamações de surpresa encheram a mesa, exceto por Kasja, que já sabia do noivado, o pequeno segredo que Elyn lhe contara, mas mesmo assim estava tão animada quanto os outros.

— Vocês vão se casar? – Iairos perguntou. – Isso é…

— Perfeito! Eu disse que era perfeito!

— Parabéns! Quando vai ser? – Liserli perguntou.

— Sobre isso… – Arcaent começou. – Nós gostaríamos que você nos casasse, Liserli. Se concordar…

Liserli absorveu o significado daquele pedido. Outros reinos tinham grandes cerimônias religiosas para casamentos, realizadas por sacerdotes, padres e outras pessoas santas, mas Yhriam era diferente. Um reino que tinha surgido da união de tribos esparsadas, muito daquela cultura era resolvido em família. Tradicionalmente, casamentos em Yhriam eram celebrados pela mulher mais velha da família. Se ainda estivesse viva, seria a mãe de Arcaent a celebrar aquele casamento. Com esse pedido, Arcaent mostrava que via Liserli como família. Ela lamentou por no começo ter feito Elyn e Arcaent sentirem que não eram bem-vindos ali. Afastou aqueles pensamentos e assentiu, sorrindo.

— É claro! É claro que eu faço isso.

Os noivos trocaram um olhar satisfeito, não tinham soltado as mãos desde que o assunto começara.

— Que bom – falou Elyn. – Seria difícil fazer como em Ryioniss, nunca encontraríamos um sacerdote por aqui.

— E eu acho que já perdi demais de Yhriam. É estranho só agora conhecer as tradições do lugar em que nasci.

— Então, quando vai ser?

— Bom, qualquer dia! – Elyn falou. – Só tem que ser esse mês, enquanto ainda estamos aqui.

Kasja se levantou, exasperada.

— Não! Não podem esperar mais um pouco? Dizem que traz boa sorte casar na primavera!

Elyn achou adorável a preocupação, mas sua mãe a tranquilizou.

— Não se preocupe com isso, Kasja. Dizem que casamentos na primavera trazem sorte, é verdade, mas amores firmados no inverno resistem a todas as adversidades.

Os noivos não sabiam disso, mas parecia muito apropriado. Já tinham enfrentado tantas adversidades em seu caminho e sabiam que o amor e companheirismo que tinham um pelo outro apenas se fortalecera com o passar dos meses.

Havia encanto na ideia de casarem no inverno, a estação mais desafiadora, pois depois dele construiriam uma vida inteira de primaveras.

.

Passar o inverno na fazenda dos Tsarin estava se tornando uma tradição que Elyn e Arcaent esperavam manter por muitos anos. Não apenas pela convivência com aquela família, tão acolhedora para duas pessoas que tinham perdido as próprias de uma maneira ou de outra, também era um jeito de retribuí-los. Elyn e Arcaent nada sabiam do trabalho no campo ou da rotina de uma casa de família, mas as coisas que sabiam eram extremamente úteis para aquele período difícil. Liserli nunca se imaginou aceitando ajuda de feitiçarias em volta de sua família, muito menos Iairos, que tanto havia perdido para os feiticeiros, mas não seriam ingratos com a magia que salvara Kasja. Aqueles meses eram mais tranquilos com Elyn e Arcaent presentes. Além disso, as meninas realmente haviam se apegado à eles, já lamentavam o passar dos dias que levaria a um outro distanciamento. O tempo também deixou seus pais na correria: algumas coisas eram necessárias para um verdadeiro casamento yhriano. Coisas simples, fáceis de conseguir, mas Elyn e Arcaent ficaram receosos de estarem atrapalhando.

— Não, a gente não precisa dessas coisas… – Arcaent falou, espiando sobre o ombro de Liserli a lista que ela escrevia para que Iairos comprasse na cidade.

— Não precisa ser uma comemoração de verdade, nós só…

— Silêncio, os dois! – falou Liserli, com tanta firmeza que calou os argumentos. – Quem de vocês sabe algo sobre nossas cerimônias? Vocês sabem? Não? Eu sei, e eu digo que precisamos sim dessas coisas, deixem de drama!

Elyn e Arcaent perceberam que Yhriam tinha várias superstições em torno do casamento, sendo a preferência pela celebração na primavera apenas o começo. Mas assim era em todo lugar. Elyn ficou feliz que não estavam mais presos às tradições de Ryioniss, onde os noivos eram impedidos de se ver nos três dias anteriores à cerimônia.

Um dia antes, Liserli arrastou Elyn para o quarto para testarem um vestido.

— Ele é simples, mas vai servir bem. Acho que precisaremos de alguns ajustes, mas consigo fazer isso rápido.

— Não precisa desse trabalho, eu não tenho que usar um vestido! – Liserli cruzou os braços fingindo um olhar severo, e a noiva suspirou, desistindo. Tinha mais em todos aqueles cuidados do que apenas a empolgação por uma celebração. Liserli desfez a postura intransigente por um momento, segurando as mãos de Elyn, com uma suavidade maternal em seu toque.

— Acredite, Elyn, nada disso é trabalho para nós. Conhecemos sua história, e o que pudermos fazer para que nada lhes falte nesse dia, nós faremos. – Elyn apertou as mãos dela com afeto, agradecida por estar na companhia daquelas pessoas tão receptivas. Talvez houvesse mais encanto em uma celebração próxima e íntima do que havia nas grandes festas de casamento de Ryioniss. – Você trouxe alguma coisa quando deixou sua casa?

— Alguma coisa…? Por quê?

— Símbolo. Não é bom que a família de um dos noivos esteja ausente… Desculpe.

Elyn hesitou por um instante, girando no dedo um anel prateado. Já tinha pensado aquilo antes, mas se permitiu lamentar um pouco pela ausência de sua família, mesmo que o motivo da ausência fosse culpa deles. Elyn tinha mágoa de como as coisas mudaram após descobrirem sua natureza, mas não os odiava. Não queria retornar, não queria vê-los, mas não podia odiá-los. Por muitos anos, eles foram sua família.

— Eu sempre pensei que meu pai me levaria ao altar. – Elyn retirou o anel e o entregou para Liserli. Era o único objeto que restava da vida como Princesa de Ryioniss. – Era da minha mãe, ela me deu quando fiz 13 anos.

Liserli pôs o anel e abriu um sorriso calmo.

— Amanhã será um bom dia, Elyn.

— Eu sei. Afinal, vou passá-lo com vocês.

.

Em uma tarde de inverno, com o sol prestes a dar sua última luz, Elyn abriu a porta do quarto para encontrar Arcaent a sua espera. Ambos estavam muito diferentes do usual, com as roupas emprestadas de Iairos e Liserli para um dia especial. Arcaent apenas sorriu ao vê-la, um sorriso que carregava toda a calma e harmonia que provocava em Elyn, e ela percebeu que apesar do belo vestido branco com detalhes em renda delicada e do cabelo trançado e enfeitado com as flores lilases e azuis que Kasja trouxera, era o mesmo sorriso que ele abria sempre que lhe via. Elyn reprimiu um riso ao pensar que poderia aparecer para Arcaent usando uma coroa de diamantes ou as vestes de uma andarilha, o olhar que receberia seria o mesmo. Um olhar que fazia Elyn se sentir em casa.

— O que foi? – Arcaent sussurrou, percebendo seu sorriso. Ele passou a mão pelo colete preto sobre a camisa impecável como se tentasse espanar algo. – É, eu também achei um exagero, mas Liserli…

— Ah, eu entendo! Tudo isso foi coisa dela. – Elyn apontou para si mesma, indicando o cabelo e as roupas.

Arcaent segurou entre os dedos uma mecha solta do cabelo castanho de Elyn, tirando-a da frente do rosto, e seus dedos deslizaram com ternura sobre a pele antes dele se afastar e lhe oferecer o braço em um gesto cavalheiresco.

— Precisamos ir. Imagine se nos atrasarmos para esse casamento? Os noivos ficariam uma fera.

Elyn riu, entrelaçando o braço no dele.

— O noivo talvez nos perdoasse, mas eu conheço a noiva e ela realmente ficaria muito brava. Ela esperou esse dia por muito tempo para deixar algo atrapalhar.

— Eu conheço o noivo, e duvido que ela esperou esse dia mais do que ele.

— Ah, duvida?

O tom da pergunta o lembrou do pequeno desafio que levou ao primeiro beijo de ambos. Arcaent gostaria de ver aonde esse desafio poderia levá-lo. Elyn não o venceria, talvez ela esperasse esse dia desde o pedido ou um pouco antes, mas Arcaent esperava desde quando as estrelas perderam a luz ofuscadas pela sua Rish. Porém, a disputa ficaria apenas na imaginação, pois desceram o último degrau para encontrar o resto da família. A sala tinha sido redecorada com faixas brancas pelas paredes, velas e flores lilases como as do cabelo de Elyn preenchendo toda a vista. Lá fora caía uma tempestade de neve, mas dentro a lareira e as velas irradiavam uma calmaria contrastante.

— Você está linda, Elyn! – Kasja suspirou. Asra concordou, impressionada:

— Uma princesa!

Iairos assistia com as filhas, com um semblante tão envolvido, que Arcaent imaginava que ele estava pensando na mãe. Arcaent também pensava. Ele nunca ligou de saber sobre os mistérios da morte, mas esperava que, onde quer que estivesse, Hana Tsarin pudesse ver que todos os seus filhos estavam bem.

Elyn e Arcaent pararam diante de Liserli. Entre eles havia uma mesa simples de madeira com uma taça vazia, uma garrafa de vinho, uma pequena jarra de mel, e sobre um lenço branco bordado estavam duas alianças douradas. Alianças não eram comuns em Yhriam, mas sim em Ryioniss. Arcaent estava conhecendo a cultura de seu povo, e a última coisa que desejava era que Elyn abrisse mão da dela, então juntaram algo de cada reino. Um meio termo.

Arcaent desvencilhou o braço e ofereceu a mão, que Elyn logo aceitou. Liserli tinha explicado aos dois como era a cerimônia, já que os dogmas de onde foram criados eram diferentes dos de Yhriam.

— Mãos – pediu Liserli. Eles estenderam as mãos unidas enquanto ela tirou uma faixa branca com impecáveis detalhes de folhas bordados em linha dourada. Ela pousou a faixa sobre o pulso, fazendo voltas cruzadas cobrindo suas mãos até finalizar com um nó simples, amarrando as mãos de ambos, que ela segurou entre as suas com um sorriso gentil. – Ao contrário do que se pensa, o destino não age por correntes forjadas para nós. O destino é formado por laços, feitos e desfeitos durante o caminho, podendo ser moldado por nossas escolhas. O mais importante desses laços é formalizado hoje, a escolha da pessoa com quem compartilharão seu caminho e seu destino. Sob o testemunho de suas famílias – Liserli indicou a pequena plateia que assistia, também erguendo a mão com o anel de Elyn, mas hesitou apenas por um instante, o suficiente para chamar a atenção dos demais. Afinal, toda mulher yhriana sabia aquelas palavras de cor. – Sob o testemunho de sua família… porque, Elyn, você pode nos considerar assim desde antes do “sim”… – corrigiu-se, continuando: – e dos deuses sobre nós, façam seus votos!

Sob a faixa que atava suas mãos, Elyn sentiu o aperto gentil dos dedos de Arcaent contra os seus.

— Elyn. Nunca antes alguém me fez sorrir mesmo estando ausente, apenas por ser a razão dos meus devaneios. Sua presença torna meus sonhos mais belos. Você é a única pessoa no mundo em quem eu penso com o coração em vez da mente, e se me permitir, eu lhe mostrarei isso em cada dia das nossas vidas.

Ele sempre sabia o que dizer. Elyn era quem perdia as palavras quando o assunto era eles dois. Dessa vez, porém, as palavras vieram com facilidade. O apoio de uma verdade.

— Arcaent. Quando nos encontramos, você foi um toque familiar no rosto de um desconhecido. Sua presença me trouxe paz bem antes de termos nos apaixonado. Acho que nós nos amamos também em outra vida e tivemos a sorte de nos reencontrarmos, e se me permitir, não haverá um dia das nossas vidas em que não aproveitaremos dessa sorte.

Liserli desatou a faixa. Arcaent encheu a taça com o vinho que estava na mesa e Elyn adicionou uma colher generosa do mel. Não sabiam a razão daquela tradição, mas não importava. Estava acontecendo. Trocaram um rápido olhar e suas mãos bateram no caminho quando ambos tentaram pegar a taça ao mesmo tempo, mas foi Arcaent quem a levou aos lábios primeiro, bebendo metade do conteúdo.

— Ele tem pressa – zombou Iairos, recebendo um olhar repreensivo da esposa. – Desculpe, Lis… – Iairos tapou os ouvidos de Asra antes de repetir: – Ele tem pressa!

Elyn riu do sorriso levemente constrangido de Arcaent, tomando a taça de suas mãos.

— Pois me dê logo isso, que você não é o único!

Elyn bebeu o resto do conteúdo em um gole, quase sem apreciá-lo, mas logo teve outra chance. Sentiu o sabor doce e inebriante lhe invadir quando os lábios de Arcaent uniram-se aos seus assim que a taça os deixou, a mão em suas costas puxando-a para perto como se não tivessem sido feitos para viverem separados mesmo que por aqueles insignificantes centímetros. Era diferente dessa vez. Mesmo Elyn, que não acreditava em destino, sentia o murmúrio sutil no ar. Um laço inquebrável, feito por escolha.

Afastaram-se, um tanto contrariados, mas com o brilho no olhar de quem sabe que não há mais pressa alguma. Todo o tempo do mundo pertencia à eles.

— Que seus destinos se unam em um só. Que caminhem juntos por todas as dificuldades e por todos os êxitos. – Com um sorriso, Liserli abandonou a postura sóbria da cerimônia, falando apenas como uma amiga: – E que esses últimos sejam muito mais frequentes que os primeiros.

E seriam, de fato. Por tudo que já tinham passado, eles sabiam que pouco poderia ficar em seu caminho. Elyn e Arcaent se certificariam disso em cada passo que dessem na trajetória que agora compartilhavam. Qualquer que fosse o destino.

O inverno ficara para trás. À sua frente, havia apenas florescer.


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Notas finais do capítulo

Terminamos a jornada de Elyn e Arcaent. Eles dificilmente voltarão a ser protagonistas, mas podem aparecer nas histórias de outros, ainda. A história já está marcada como finalizada, então vocês podem marcar a leitura finalizada nos acompanhamentos. Muito obrigada mesmo por acompanharem a fic, até porque eu sei que pra esse último capítulo foi preciso paciência hehe XD
Até a próxima vez! ♥