Milena terminou o dia jogada em sua cama, refletindo sobre a vida. Ricardo lhe beijara. A prima iria lhe matar. Ela não quis. A prima iria lhe matar mesmo jeito. Patrick nunca mais olharia na cara dela também. O que era injusto porque… ela não quis. Patrick iria lhe matar do mesmo jeito quando soubesse. Os pensamentos flutuavam nesse ritmo.

 Esbarrara com o melhor amigo voltando para casa, assim que chegou na vila. Ele veio sorridentemente lhe cumprimentar, enquanto ela passou rápido se sentindo errada demais para falar com o vizinho de dreads. Mesmo sem ter culpa de nada. 

Se afastara do beijo e largara Ricardo sozinho, mas não adiantava, ainda que sem o seu concentimento, já estava o ato estava feito. Se sentia mal pela sensação dos lábios dele ainda estar nítida em sua mente. 

 Outra lembrança desagradável era a de que teria que trabalhar com esse cara, a ex dele e sua prima; além do seu interesse amoroso nos próximos dias por tempo indeterminado. Afinal, a DESQ tinha ido longe demais para terminar por isso. 

 Era engraçado como as coisas eram: Graziele tinha acabado de se enrolar com a polícia, então, quando finalmente eles teriam um pouco de paz, surgia outro problema. Milena jogou seu travesseiro com força na própria cara, querendo sumir. De repente, aregalou os olhos e afastou a grande almofada do rosto. Teve uma ideia. 

***

 Jaques jogava água gelada no seu rosto para ver se estava mesmo acordado ou era tudo um sonho. A multidão de fãs, o sucesso rápido. Não estava acostumado a ter o que queria na vida. Parecia bom demais para ser verdade. 

Nem a DESQ fez um sucesso tão estrondoso tão de repente… Os números da banda eram incríveis, mas os dele, em um intervalo muito menor de tempo, conseguiam ser maiores. Vocês podem achar que o Jaques estava muito estranho por não estar cheio de si por isso, mas parem um pouco pra pensar: ele sempre se humilhou, colocou as verdadeiras vontades de lado em uma tentativa desesperada de agradar os outros a qualquer custo. Mesmo quando stalkeava Graziele, a questão era ela, destorcidamente, mas ainda assim, ela acima de qualquer mínimo senso de auto-preservação. Nunca foi sobre ele fazendo o que ele realmente queria. O namoro foi, na verdade, uma forma de estar perto da música sem desagradar diretamente o pai. E até poderia ter dado certo com outra pessoa, mas Jaques só estava evitando o inevitável em seu destino e sua personalidade: não era um mero apreciador de arte, ele era um artista, um músico por si só. Mais cedo ou mais tarde, não haveria orgulho paterno que o impedisse.

 Uma lágrima escorreu de seus olhos. Pensando justamente sobre isso, refletia sobre quantas coisas mais não poderiam ser melhores em sua vida se nunca tivesse tido o pai. Mas rapidamente sacudiu a cabeça. Não adiantava imaginar como seria, o que importava era como sua situação realmente era e como estavam ficando agora. 

 Passou uma toalha no rosto, secando a água gelada e ouviu o som de sua campanhia. Se perguntou se seria mais algum fã, e foi até o olho mágico da porta ver. Era Zulu, o companheiro de Magno e também influenciador artístico. Jaques abriu a porta, intrigado, se perguntando o que mais ele poderia querer… A não ser que fosse…

Olá, advogado, precisamos conversar sobre a sua área: contratos, negócios, e documentos. Você sabe, para avançar com a carreira… Vai ficar me olhando paradão com essa cara ou me deixar entrar? 

Jaques tentou se ajeitar, e fez o melhor gesto que podia convidando o outro para dentro, rapidamente, antes que outra orda de fã enlouquecidos aparecesse e não deixasse o convidado à vontade. Porém, seus movimentos foram bem estranhos. Não conseguia ficar confortável com aquilo. Sentia como se não fosse merecedor da vida de artista famoso…

DESQ - O grupo no Whatsapp - dia seguinte 

Milena: Gente, boa tarde! Alguém já está se movimentando para o próximo show? Porque se não estiverem, eu tenho algumas ideias

Magno: Oi, Milena. Eu estava procurando algumas coisas para vocês, mas como minha agenda é cheia com as coberturas de eventos de arte que preciso fazer para a revista, ainda não consegui fechar nada. Mas fique tranquila, meu trabalho com a banda é exatamente para promover vocês, pode aguardar que eu cuido de tudo…

Milena: Poxa, Magno, não quis desvalorizar seu trabalho, desculpa :(

 É que eu fiquei pensando em fazer uma coisa que pode ser realmente interessante para uma performance da banda e ainda faria a gente pagar uma espécie de dívida…

Mas é claro, se ninguém se interessar, eu não vou forçar nada

Magno: Agora você me deixou interessado. Pode falar sua ideia…

Mas que história é essa de dívida?

Patrick: Opa! Falaí :)

Ana: Fala, ué

Ricardo: “joinha”

Ana: Pronto, sumiu

Milena: Estive pensando bastante, e acho que chegamos em um ponto que fazer os shows sem um vocalista aparecendo vai ficar insustentável. Deus sabe como eu não queria aparecer na frente de todo mundo, mas minha ideia talvez ajude a manter o conceito de “Ghost” e ainda sirva para eu cumprir a palavra que eu dei para o meu chefe de que faria nossa banda promover o restaurante dele. 

Patrick: Péra

Você tá pensando em tipo um evento na lanchonete do seu Xisto? Vc sabe q eu te apoio em tudo, mas vai ser loucura… Tô dentro

Magno: Interessante, quero mais detalhes

Ricardo: “joinha”

Ana: Calma, gente

Acho bom refletir um pouco

Não sei como a Milena pretende fazer isso, mas se der alguma coisa errado DE NOVO vai botar em jogo nosso conceito

E a lanchonete não é tão grande assim

Milena suspirou, com o telefone na mão pensando em como explicar sua ideia. Realmente era loucura. Talvez Ana não estivesse só chateada e tivesse razão, achariam estupidez e ficariam com ainda mais raiva. Mas agora já, tinha anunciado; contar a ideia não faria ela se realizar, certo? Um pouco insegura, ela explicou o plano.