Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 18
Haters e Disquetes




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Além do fracasso da apresentação do conservatório, Graziele ainda tinha que arranjar tempo para lidar com os deveres corriqueiros da sua profissão: arranjar músicas novas e ensaiar elas, o que começou a lhe estressar ainda mais que o normal. A adoração e os mimos de seu fã clube na internet era uma das poucas coisas que mais lhe dava motivação naquele momento. Pois bem, pouco tempo depois de ter atacado Milena, sabendo da força das redes sociais, em um rompante de ódio, boa parte do tempo livre que tinha era bolando um jeito de acabar com toda e qualquer repercussão positiva da banda DESQ na internet. Ela lia atentamente cada comentário que faziam aos seus rivais, procurando uma maneira de reverter as opiniões boas.  Fez desde respostas haters usando um perfil fake, até sua mais mirabolante ideia; se tivesse sido usada toda essa engenhosidade numa música, ela ganhava o Grammy mundial.  Foi o seguinte: anotando todos os maiores grupos virtuais de fãs da DESQ; o que não foi uma tarefa fácil, pois cresciam a cada dia; e o influenciadores que estavam ficando fãs também, ela montou uma lista de envio mandou uma fake news que produziu para acabar com o prestígio da banda:

“VOCALISTA DA DESQ NÃO DÁ AS CARAS PORQUE SOFRE INÚMEROS PROCESSOS”

 Entre os motivos dos processos, Graziele inventou que Milena era uma arrogante que descriminava qualquer um, homofóbica, racista, misógina, que tinha causado traumas psicológicos  em parentes, e para completar, ainda disse o absurdo descabido de que a moça era satânica. Pensou em entregar sua identidade, porém percebeu que isso faria com que procurassem por ela e assim, Milena poderia desmentir. Não, Graziele não daria chance de defesa, e para esconder suas más intenções, terminou o texto dizendo “que respeitava que a vocalista quisesse manter a identidade em segredo”. Pronto. Foi só enviar que no fim do dia já começaram a surgir contas pela rede, pedindo o cancelamento da banda. 

 A DESQ ainda manteve muitos fãs, mas o hate começou a predominar sem dúvida. Os grupos decepcionados ainda se empenharam em atazanar os fãs que tentavam defender a banda. Até a mídia intensificou os ataques ao grupo, porque sabiam que era isso que boa parte do público queria ouvir. O cúmulo aconteceu quando os membros estavam hospedados em um hotel no estado de Minas Gerais para um show e um motim de haters se formou na porta, impedindo que saíssem e se apresentassem. Não é preciso dizer quem organizou esse evento, certo? Entre vaias e barricadas, a própria Graziele pôs sua segurança em risco e se meteu no meio da multidão enfurecida para tacar ovadas nos músicos. 

  A ação arriscada compensou, ao menos para ela. Enquanto sabotava a Desqualificados, puxou muito por Jaques para que fizesse uma música nova com resultados melhores que a anterior. Ele, acreditando que ganharia pontos na relação deles por isso, não fez somente uma, mas duas músicas, “Todo Dia” e “Aqui e Agora”.  Graziele, ao invés de morrer de amores pela dedicação dele, nem sequer deixou transparecer que eles entrariam em um relacionamento sério, como acontecia nos sonhos do advogado. Ela preferiu, na verdade, fazer campanhas com seus fã-clubes para que se concentrassem em ouvir e divulgar as  canções; pura jogada de marketing com todos eles. Ela ainda fez uma promoção: se concentrando em  elevar os streamings de “Todo Dia”, disse que se a música ficasse entre as 10 mais tocadas do Spotify Brasil, seriam sorteadas duas viagens com tudo pago para membros do fã clube. Ter dinheiro realmente lhe fazia furar a fila da fama. No Youtube, menos de uma semana depois desse anúncio, o clipe de “Todo Dia” registrava mais de 500 mil visualizações.

 Alguns dos que ainda acompanhavam a DESQ começaram a reparar o esforço desmedido de Graziele Tesmon em superar a banda. Isso fez uma verdadeira guerra de fandons começar a acontecer, disquetes vs. tesmuners. Disquetes porque a banda se chamava DESQ, e desquetes para disquetes, foi um pulo. Tesmuners era em homenagem ao sobrenome fictício da cantora solo, Tesmon. 

 A maior parte de ambos os fandoms era formada por jovens, mas basicamente o país inteiro começou a acompanhar a rivalidade. A verdade é que a fama de tempos de Graziele, somada à irreverência da banda de rock dava um público quase infinito. Mas ela nunca daria o braço a torcer. Ao invés disso, só tinha ideias cada vez mais mirabolantes para empurrar os rivais para o fundo do poço “de onde nunca deveriam ter saído”, segundo o que ela mesma falava. 

A gota d’água foi no primeiro show que fariam no Rio de Janeiro. Graziele soube pela TV que havia um grupo dos fãs mais fiéis acampado em volta do clube onde eles se apresentariam. Coisa de DIAS antes mesmo, sob o sol de 40 graus da cidade. Conforme a data do show se aproximava, gente de vários cantos surgia na expectativa de assistir a banda, apesar de todas as fofocas e boatos maldosos. Aquela que também atendia pelo nome de Eusfraudósia ficou roxa de inveja ao perceber isso, contudo, é claro que ela não ia deixar barato. Na noite da apresentação, com uma verdadeira aglomeração formada nos arredores do clube, em mais um surto de raiva desmedida, a herdeira dos Barbosa se meteu no meio da multidão e começou a berrar palavras que logo levaram o lugar ao caos, como por exemplo “BANDINHA DE UMA MÚSICA SÓ”, “DESQUALIFICADOS SE ENCAIXA PERFEITAMENTE A VOCÊS”, “VOCALISTA COVARDE”, “COMUNISTAS, MACHISTAS, FASCISTAS, TERRORISTAS, ATIVISTAS, MONARQUISTAS, MOTORISTAS, ARTISTAS” e algumas expressões de baixo calão que se eu reproduzisse aqui, teria que aumentar a classificação da história. 

Os músicos da DESQ ouviram os xingamentos quando passaram para entrar no recinto do show, mas acredite se quiser, eles foram os que menos se afetaram. Eles ainda estavam assimilando o fato de repentinamente se tornarem celebridades, então na verdade os elogios surpreendiam mais que as vaias. Os fãs foram os que mais se exaltaram. Tinham um carinho enorme pelos artistas da banda e qualquer insulto a algum dos músicos da DESQ era considerado um insulto pessoal. 

— Ninguém mexe com a minha Ana, nem com o meu Patrick, muito menos com o meu Ricardo! - berrou uma em resposta a Graziele, pronta para começar uma briga.

— Eu vim pro show pra ouvir música, não pra ouvir merda! - gritou outro em resposta. 

Jaques, que não tinha aprovado a longa viagem imprudente só para boicotar o show, mas mesmo assim fora junto, começou a tentar apasiguar os ânimos da galera antes que atacassem sua abelha rainha, falando que ela tinha bebido e tentando inutilmente sair com ela do meio da multidão. Era possível ver todo o amor que ele sentia por ela em seus olhos aflitos, mas nem por um momento sequer a Barbosa barraqueira ligou para isso. Ao contrário, ela ainda o empurrou para trás e avançou para os portões como se quisesse quebrar eles e todo o clube. Foi aí que uma fã revoltada, veio por trás e deu um pedala fortíssimo na cabeça de Graziele. Pronto. A confusão estava armada. A partir daí foram só chutes, socos e pontapés para todo lado, de uma forma que se seguia para dentro do anfiteatro e nem os seguranças podiam conter. Tinha gente só tentando se defender, no meio da aglomeração, mas havia também aqueles que realmente queriam machucar qualquer um que estivesse na frente. O show precisou ser atrasado por conta da brigaria, com uma boa quantidade de gente saindo antes mesmo de começar porque estava machucada ou ferida. A própria Eusfraudósia acabou precisando de assistência médica porque levou muitos socos, tapas, arranhões e chutes. Foi quando estava sendo cuidada no ambulatório do clube que uma senhora que havia sido convidada de honra da banda para o show apareceu na porta do departamento, preocupada com os feridos. Marizete.


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