Os Desqualificados escrita por S Q


Capítulo 11
A Fórmula do Hambúrguer de Siri




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Patrick não gostava do rumo que a conversa estava tomando. Ele faria qualquer coisa para que Milena sorrisse um pouco mais. Sabia que não conseguiria abrir mão de ver de novo o modo como os olhos dela brilharam quando surgiu a ideia de criar a banda. Ou ouvir novamente sua voz que timidamente se soltou nos fundos da casa de Ana para que gravassem “O que há de Melhor”. 

 

Poucos meses tinham se passado desde que se conheceram, mas parecia que Milena sempre tinha sido parte da sua vida de alguma forma, e agora, já não se imaginava sem ela. Ele ainda não conseguia compreender bem o que eram esses sentimentos tão fortes, mas foram eles que lhe impulsionaram, naquela noite, a rebater o desânimo que ameaçava dar sinais na banda: 

 

— Se em algum momento as coisas derem absurdamente errado, lembrem-se que sempre poderemos contar um com o outro. - ele falou para todos, mas seu olhar estava concentrado na vizinha de cima.- Sei que eu sou só um pé rapado que mal sabe dar uma arranhada no baixo, mas todo mundo aqui tem algum tipo de paixão verdadeira pela música. Por favor, não deixem morrer esse sonho...

 

O rosto de Milena se iluminou com aquelas palavras, formando um dos sorrisos mais lindos que ele já tinha visto. “Aquele sorriso… aquele maldito sorriso”, pensou Patrick.

 

 Ricardo, concordado pensativo, ainda que com um pouquinho de ressentimento por causa da noite na rádio, completou:

 

— Acho que ele tem razão. Ainda que nos chamem de “os desqualificados” precisamos mostrar do que realmente somos capazes...

 

Patrick olhou para ele como se tivesse descoberto a fórmula do hambúrguer de siri.

 

— Genial! É ESSE o nome da banda: "Os Desqualificados"! É irônico, como o povo gosta, e vai chamar uma baita atenção!

 

— E se tudo der errado, a gente põe a culpa no conceito… - Ricardo completou rindo da astúcia de Patrick. Ele não tinha pensado em usar aquele xingamento como nome da banda quando o disse, mas parecia fazer total sentido.

 

Ana fez cara de quem não estava acreditando:

 

— Vocês realmente querem que eu chegue em um cartório de registros e peça para registrar nosso trabalho com esse nome?

 

Milena, que pareceu gostar da ideia, deu a sugestão de que usassem uma sigla que só eles soubessem o significado.

 

— Pode ser OD, D.E.S.Q., Desck… Mas acho que o Patrick tem razão… A gente não deve desistir. Sei lá…

 

Tocados por verem a vocalista dar um dos primeiros sinais de empolgação, eles não ousaram contradizê-la. Ao contrário, todos acabaram concordando em chamar a banda de DESQ. Milena deu um largo sorriso ao perceber, apesar das confusões, o quanto os amigos prezavam por ela. Voltou para casa naquele dia com uma esperança no peito, forte como há tempos não sentia. Patrick acompanhou-a e assim que ela subiu as escadas do sobrado onde moravam, ele se tacou no seu querido sofá, tirando o celular do bolso.

 

— Ah, nada como ficar largadão navegando na internet…

 

Deu uma breve olhada em suas redes sociais mas logo começou a pesquisar no Google sobre os melhores lugares para uma banda iniciante se apresentar. Entre os primeiros resultados, aqueles patrocinados, apareceu uma propaganda do inédito festival de música pop que o conservatório de Brasília faria. O nome de Graziele já estava lá, como uma das principais atrações. 

 

— Ih, não é aquela mulher que arranjou confusão com a Milena lá na lanchonete? Ah, não cara… como ela conseguiu licença pra cantar em um lugar desses?! Não é qualquer maluco que canta lá não… Aí me liberam logo essa louca?!

 

Teve vontade de apagar aquilo de todas as mídias possíveis para que Milena não visse. Sabia que poderia abalar sua visão quanto às dificuldades do mundo artístico; e pior, sabia que ela teria razão se realmente se abalasse.

 

No dia seguinte, enquanto Milena estava na trabalhando na lanchonete, Patrick contou para Ana e Ricardo sobre sua preocupação. Ricardo decidiu então que passaria o dia rodando de carro as cidades satélites de Brasília para ver se encontrava alguma rádio menor que topasse tocar a música deles. Se qualquer uma aceitasse, poderiam conseguir desviar a atenção de Milena do importante show que Graziele estava prestes a fazer. Ana então foi com o namorado nessa longa missão pelas pequenas cidades ao redor de Brasília, logo de manhã. Porém, antes que eles voltassem e antes mesmo que Milena saísse do trabalho, em uma televisão que ficava dentro da lanchonete, voltada para as mesas onde os clientes comiam, apareceu Graziele dando uma entrevista ao vivo sobre sua nova apresentação.

 

De casa, se preparando para ir para o trabalho no seu turno, Patrick viu a entrevista e fez questão de mandar uma mensagem para Milena avisando que Ana e Ricardo já estavam nas ruas divulgando a banda. Contudo, o trabalho estava sendo mais difícil do que parecia. TODAS as rádios por onde passavam diziam que não viam futuro para uma banda de rock nos dias de hoje e sequer deixavam que eles reproduzissem a gravação com a música. Elas preferiam "implorar" para que cantores mais estourados tocassem lá, do que divulgar os artistas que precisavam crescer. E era de fato um caso único, uma banda em que os músicos corriam para divulgar a canção, e não a vocalista. Os que davam um pouco mais de moral para Ana e Ricardo queriam saber se a cantora do grupo estava dentro dos padrões de beleza, era apaixonante e etc. Quando os dois explicavam a proposta de manter a vocalista no anonimato, os locutores e donos das rádios enxotavam eles na hora. Um chegou a admitir que poderia ser um sucesso pelo ineditismo, mas como as pessoas costumam gostar mais do que já conhecem, ele preferia não arriscar.

 

Outro chegou a propor ainda que uma outra garota menos insegura assumisse os vocais, o que foi respondido pelo dedo médio de Ana. Ela sabia que a voz de Milena era totalmente excepcional e também não estava disposta a pisar na bola com a prima. Era verdade que a namorada de Ricardo também sabia cantar, e bem, mas afinal de contas quem trouxe para eles a música tinha sido a outra, e com toda a falta de confiança que Milena tinha no próprio talento, Ana sabia que era cruel demais pedir para a prima sair do seu posto na banda. Ela não queria ser novamente a responsável por fazê-la acreditar que ia dar certo e logo depois vir um balde de água fria, como aconteceu no passado.

 

 

 


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