Problema complicado, solução simples escrita por Bianca Lupin Black


Capítulo 13
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

Obrigada à Adhara Mckinnon Black pelo comentário no capítulo anterior.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/795969/chapter/13

“Eu não quero sair desta cama”, Luke resmungou.

“O café da manhã é por minha conta, mas você vai arrumar o quarto.”

Julie se levantou, mas não se afastou dele antes de beijar a testa dele.

“Não vai...”

“Se você acha que vou ceder a essa carinha de cachorrinho...”, tarde demais; os faróis que Luke chamava de olhos a pegaram no caminho para a porta “está absolutamente certo. Chega pra lá.”

Julie viu os dentes brancos de Luke enquanto ele arrastava o corpo para dar-lhe espaço. As pontas dos dedos, próximas ao ponto das digitais de Julie se prensarem sobre as de Luke, mas um quilômetro separava suas mãos. Os olhos de ambos voltados para o teto.

“Quer conversar?”

“Sobre o quê?”, Luke tombou a cabeça, os cabelos esparramados pelo rosto e travesseiro.

“Ontem. E o que vamos fazer quando voltarmos para casa.”

“Eu vou entregar as cordas do Reggie”, a fronte de Julie ganhou uma ruga, bem no centro. “Ah, você está falando do beijo.”

Os poucos fios de cabelo que caiam sobre os olhos de Luke foram afastados pela pequena mão de Julie. O mero vislumbre do rosto dela aquecia o coração dele. Com um biquinho, conseguiu alcançar-lhe os lábios.

“Como você se sente?”

“Nunca estive melhor”, Luke abriu um sorriso ao confessar. “Dizem que a vida não é sobre ganhar ou perder, mas eu ganhei muito. Voltei a compor, passei a não odiar tanto meu outro trabalho e tive os momentos mais felizes da minha vida”, Julie soltou uma risadinha. “É sério. Quando chego em casa e olho para o outro lado da rua, penso em como foi bom termos aceitado o convite do Carlos.”

Reggie sempre tinha uma resposta de trigonometria para compartilhar com estudantes meio perdidos em fóruns de MMORPG e Carlos era um excelente estrategista para missões em grupo – e um jogador muito generoso.

Seis noites por semana, enquanto a família jantava, o caçula comentava sobre o amigo que lhe dava conselhos sobre a escola e estava disponível para conversar sobre a partida de Rose.

“O que o seu coração tem a dizer?”

O queixo de Julie era pressionado pelo polegar e indicador de Luke. As írises castanhas transferindo arquivos via bluetooth – ou seria blueyes?

“Não vai embora”, os lábios dela malemal estavam abertos. “Ele não quer que você vá embora.”

“Não irei”, ele prometeu, movendo a mão para o coração da garota enquanto se aproximava. “Eu nunca vou te deixar.”

“Eu e meu coração agradecemos”, ela sorriu e o peito de Luke passou a se mover com mais força. “Seu coraçãozinho tem algum pedido?”

“Ele gostaria de ficar neste momento para o resto da eternidade, mas não posso ceder.”

“Sou tão tentadora assim?”

“E esse colchão acabaria com as minhas costas.”

Compartilharam gostosas gargalhadas, sabendo que enquanto tivessem um ao outro, poderiam enfrentar o pior da vida com risadas; e não importava se o clima de flerte fosse pelo ralo.

“Comprei uma coisa para você.”

Sem abrir mão de presenciar a luta épica entre Luke e a fita adesiva, Julie buscou um rádio empoeirado na saleta.

“O que é isso?”, ele avaliou a lista de faixas.

“Um CD, ora essa.”

Olhos reviraram e corpos balançaram ao som da dupla romântica dos anos 80. Depois de terem ouvido todas as músicas duas vezes, Luke levantou, se alongou e estendeu a mão para Julie.

“Dança comigo?”

O cotovelo dela grudava por um segundo no papel de parede desbotado, a canela dele topava no pé da cama a cada mínimo movimento. As mãos de Julie se enlaçavam atrás do pescoço do garoto.

No apartamento ao lado, ninguém saberia o que estavam fazendo, mas a voz de Luke soava perfeitamente clara aos ouvidos de Julie. E ainda bem que as mãos dele se firmavam com a exatidão de um oleiro em sua cintura.

“É que a sua voz amolece as minhas pernas.”

“Ninguém nunca me disse que eu tinha esse poder.”

“Vai ver não queriam aumentar ainda mais o seu ego.”

♫♫♫

“E então? Como foi o seu ‘não-encontro’?”, Flynn fez aspas com os dedos ao desfilar pela sala vazia até sua carteira de preferência.

“O melhor não-encontro da vida. Fomos a nove clubes, rachamos um cachorro-quente, visitamos os bastidores do Orpheum, fizemos compras e eu abri meu coração sobre gostar do Luke para um pôster das Petals.”

“E a melhor banda de todos os tempos faz tudo novamente!”, a garota bateu palmas. “O que acharam das acomodações?”

Julie soltou ar pelo nariz ao explicar como se resolveram com apenas um colchão.

“Mas é claro que você já sabia disso”, Julie abriu o livro de Inglês.

“Era o que eu podia pagar!”

“E eu agradeço”, Julie sorriu para a melhor amiga, engolindo a saliva. “Eu o beijei.”

“E o que ele fez?!”

“Me beijou de volta.”

“Os trinta dólares mais bem gastos da minha vida”, ela fechou os olhos, as mãos juntas e erguidas. “As crianças divertiram bastante, prepare-se para trabalhar muito no fim de semana.”

“Entendido, chefia”, a garota bateu a mais frouxa das continências.

Durante o resto das aulas, Julie manteve-se concentrada no poema, embora não tivesse acrescentado uma única linha. As meninas receberam mais uma leva de elogios pela performance de I got the music e Julie brindou a professora com outra canção das Rose and the Petal Pushers.

“Eu tenho uma coisa para mostrar”, Reggie informou, retornando à cadeira após apresentar com voz e baixo o tema de seu jogo online favorito. “Reunião na garagem?”

“Cinco horas, horário oficial do Reggie. Você vem, Flynn?”

“Hã?”, ela abaixou o celular. “Não vai dar. Tenho dever de casa atrasado”, apertou as alças da mochila e o passo. “Falo com vocês amanhã.”

Tarefas domésticas acumuladas nos últimos dias aguardavam Julie e Carlos depois da escola. Ray tinha até separado as vassouras e baldes. Com um suspiro alto, Calos apanhou flanelas e seguiu Julie para a cozinha.

“Ele comprou ingressos para os bastidores do Orpheum”, ela contava sobre seu fim de semana.

“Que generoso. Você gosta da banda?”

“Nunca ouvi falar”, ela esfregou o pano no balcão como se apagasse um poema ruim. “Eles são muito bons.”

“Vou contar para os meus amigos”, o garoto riu. “Viu algo interessante lá?”

“Eles têm um pôster lá e eu...”, ela hesitou, mas o olhar tranquilo do irmão a incentivou. “Eu contei para a mamãe que gosto do Luke. E agora estou contando para você."

Carlos encarou a irmã mais velha. Ray pagou um terapeuta para ela pela mesma razão que não pagou para ele.

“Estou feliz por você”, ele sorriu e por um momento, Julie viu as janelinhas que o caçula teve aos nove anos. “Me avise se ele partir seu coração.”

“Valeu, carinha. Vocês jogaram muitas coisas?”

“Sim! Eles me apresentaram a jogos mais antigos e eu arrebentei no Need for Speed, mas Reggie acabou comigo no Mortal Kombat.”

Ele até deixou de lado a reorganização dos potes de tempero para relatar, com todos os detalhes possíveis, os mini torneios criados para mantê-lo entretido.

“Alex quase não jogou. Estava muito ocupado mandando mensagens para um ‘amigo’. O que sabe sobre isso?”

“Mais do que você, fofoqueiro”, ela fez uma careta divertida. “Ele vai contar se estiver pronto. As pessoas respeitaram nosso tempo quando a mamãe morreu. Vamos respeitar o tempo dele, ok?”

“Ok.”

As bochechas de Carlos ganharam um tom cor-de-rosa e Julie as apertou, igualzinho a tia Victoria fazia, antes de tirar a poeira de cima do armário de pratos.

Os jovens Molina cantaram as aberturas de seus programas favoritos, limpavam a sala de estar e executaram dancinhas esquisitas até ouvirem a campainha. Carlos acenou para os rapazes e ajeitou os fones sobre os ouvidos.

A primeira coisa que Reggie fez ao chegar na garagem foi tirar seu baixo do case e dizer como estava ansioso para experimentar o novo encordoamento. Ele escolhera usar primeiro as cordas cromadas.

Alex anunciou que estavam criando uma faixa nova para a Sunset Curve e quando Luke esboçou um biquinho por “ter sido deixado de lado por sua banda favorita” ele respondeu:

“Na próxima vez, vou dar mais dinheiro para você se divertir e não encher tanto a minha paciência”,  esfregou uma flanela com barra feita à mão no chimbal.

Você nem imagina para onde foi aquele dinheiro, Luke pensou, afinando a guitarra para juntar-se a ele.

Enquanto Reggie se exibia com sua nova música e novas cordas, Julie conferia suas redes sociais. M enviara mais uma mensagem, prometendo o triplo do cachê habitual para cantarem em sua festa no próximo domingo.

Seus pés se firmaram no chão e seu peito estufou com sensações boas. Quem era o rei do mundo Leonardo DiCaprio comparado à cantora iniciante Julie Molina?

“Consegui um show para nós no domingo. Pelo triplo do cachê normal.”

“Ou é uma brincadeira de mau gosto ou alguém está tentando nos sequestrar”, Reggie declarou.

“Não que o nosso cachê seja muita coisa”, Alex deu de ombros. “Onde é?”

“Num salão de festas chique. Meu pai pode nos levar, se vocês toparem.”

“Você vai?”

“Óbvio que vou, Luke. É a primeira vez que serei paga para cantar”, ela deu uma pirueta, os braços arqueados sobre os cabelos. “Como se calcula um cachê?”

Reggie se ofereceu para ajudar com a matemática. Com a destreza de um professor com mestrado, dissecava detalhes que iam além do imaginário de Julie, até chegar a um valor adequado.

“Cara, eu não sinto saudade das aulas com números”, Alex espiou o caderno por cima do ombro.

“Eu sei fazer uma mágica. Quer ver?”

Julie ajeitou a postura, encarando o mágico juvenil de frente.

“Senhorita, senhor e Luke”, Reggie saudou sua plateia. “Meu truque desta tarde é conseguir um sorriso sem contar uma piada. Todos prontos?”, Alex e Luke assentiram. “Muito bem. Julie, eu quero que você pense nesse número, feche os olhos e...”, ela obedeceu, os lábios retos, "multiplique-o por três.”

Demorou um segundo ou dois, contudo, ela não pôde evitar que os cantos de sua boca se curvassem em um sorriso singelo. Ao som dos aplausos e assobios, Luke ficou preso na sensação calma e confortável que a imagem de Julie Molina sorrindo oferecia.

Ele abriu um sorriso também, ela registrou melhor do que quinze câmeras. Os dedos da garota apertaram o telefone como a corda que salvaria sua vida. Ele jamais poderia ver sua tela de bloqueio.

“Obrigada, Reggie”, ela sorriu e tocou seu ombro. “Vou pegar limonada. Vocês querem?”

“A minha pode ser rosa?”, Luke pediu, as mãozinhas suplicantes juntas.

“O máximo que vai conseguir de mim é um canudinho rosa.”

O caderno de Julie atingiu o estofado, fazendo escorregar algumas folhas arrancadas durante as aulas de Geografia. Palavras em tinta esferográfica azul ou rosa com glitter eram o mundo aos olhos de Reggie.

“Ah, meu Deus. É sobre você.”


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Problema complicado, solução simples" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.