Hide The Petals escrita por JennyMNZ


Capítulo 3
O Casamento


Notas iniciais do capítulo

QUEM É VIVO?



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좋았던 순간도 기억이 안 나 원망만
남아 날 괴롭혀 수없이
내일이 없을 것만 같아
설렜던 순간도
no no no no no
더 이상 아무런 의미 없어
그만해 i don’t recall
(k.a.r.d. – don't recall)

.

.

.

.

Soo se sente como uma boneca. Sem vida, sem movimento, sem emoção. Ela se sente como uma concha vazia, lindamente decorada e dada a alguém, que nunca fala, nunca diz nada. Ela se sente como um objeto, como um jarro de flores, cujo único propósito é o de ficar parada e complementar a vista. Só um espetáculo para entreter uma multidão ávida, só um brinquedo para distrair uma criança irritante. 

Ela odeia se sentir como uma boneca, mas ela se conforta em saber que o 8º Príncipe é o pirralho tolo em sua analogia, e então ela tem certeza que pode lidar com as próximas horas.

As damas da corte vêm vê-la ao nascer do sol, carregando bandejas de maquiagem, jóias e roupas. Elas fazem um rebuliço em volta dela, enquanto ela fica sentada na cadeira, pintando seu rosto e puxando seus cabelos, vestindo-a em camadas de tecido fino e colorido, colocando anéis preciosos nos seus dedos e grampos de flores no seu penteado.

Por muitos anos ela sonhou com o dia de seu casamento, mas nunca pensou que se sentiria tão abatida quanto agora.

O silêncio reina em seu quarto enquanto as damas da corte terminam seu trabalho. E logo eles se vão, e deixam-na sozinha para esperar pelo palanquim que vai levá-la para sua nova casa.

É aí que a procissão dos visitantes começa a chegar.

 

❊❊❊

 

Primeiro, é o 13º Príncipe, com olhos tristes e palavras de arrependimento. Ele suspira miseravelmente quando entra, parecendo que está prestes a carregá-la em seus braços como se fosse uma criança chorando.

Soo se levanta para cumprimentá-lo, conseguindo abrir um sorriso pequeno e educado ao se curvar com elegância.

— Wangjanim.

Baek Ah não consegue sorrir, pelo menos não direito. Então suas palavras se embaralham e depois se perdem na sua garganta, enquanto que uma série de expressões atravessam seu rosto e ele desiste de manter a aparência de calmo e composto.

— Sinto muito que essas coisas tenham que acontecer, — ele diz quase sussurrando, como se estivesse confessando um pecado e não acreditasse que merecesse perdão.

Soo se comove ao vê-lo lutar contra sua tristeza, só pra ela se sentir melhor. Mas agora ele precisa do conforto dela para não se culpar por não ser forte o suficiente para deter o Rei.

— Não peça desculpas por coisas que estão fora de seu controle. —  Seu sorriso não vacila, e seus olhos não perdem nada do seu calor quando ela se aproxima dele. Mas o 13º Príncipe ainda parece desolado.

— Tenho certeza que meu irmão também sente muito.

Ela vacila com a menção do 4º Príncipe, mas consegue não demonstrar. Não é hora de explicar as coisas para ele, nem é hora de deixar suas emoções tomarem conta dela. Não aqui. Nem em outro lugar. Ela vai ter que encontrar um momento adequado se ela for explicar alguma coisa para ele. 

Mas por agora, ela vai continuar com suas respostas brincalhonas.

— O 8º Príncipe não está incomodado.

— Eu não estava falando dele, e você sabe disso. —  Baek Ah não parece gostar da piada que ela tentou fazer, seus olhos parecendo estar cansados de tentar ver o lado bom das coisas.

Então ela desiste de tentar mostrar esse lado para ele e apenas suspira, ainda sorrindo, encolhendo os ombros como se não fosse grande coisa.

— O 4º Príncipe está acostumado a fazer coisas que não gosta.

— Isso não significa que está certo.

Não, não está. Nada está certo. Era para Hae Soo ter morrido naquele dia na sala de banho do Damiwon, mas Go Hajin estragou tudo. Agora nada estava certo. Desde que sua Unnie faleceu e ela se envolveu com as tramas do palácio tudo deixou de estar certo, chegando ao ponto de Hae Soo ser novamente forçada a outro casamento que só a aprisionaria. Agora Myung Hee está morta. Oh Sanggung está morta. Hyejong está morto. Eun e sua esposa estão mortos.

Eles estão todos mortos, e nada está certo.

Ela respira fundo, tentando não parecer tão desesperada quanto se sente, porque ainda há alguém com quem ela se importa mais.

— Você pode continuar sendo amigo dele, apesar de tudo que está acontecendo?

Baek Ah coça a nunca, mostrando um pouco de culpa antes de confessar sem jeito.

— Bem, ele não está com raiva de mim. Então acho que posso.

— Ele te manda cartas? —  Ela sabe que soa ansiosa demais, mas ela não liga. Ela precisa de uma conexão com ele, mesmo que seja pequena.

— O tempo todo.

— Então eu fico feliz, — ela diz sinceramente, antes de olhar para o chão com tristeza, — Eu não o valorizei como deveria, sabe? E é assim que vou pagar por isso.

— Você não precisa pagar por nada.

— Nem pelo que aconteceu com Unnie? Não tenho que pagar por aquilo? —  Suas palavras têm um gosto amargo, mas ela continua a falar, — Se eu tivesse te escutado, nada disso estaria acontecendo agora.

— Nui também não gostaria de te ver assim.

Soo tenta sorrir de novo, mas então ela se lembra do quão próximo está o seu casamento e começa a entrar em pânico mais uma vez. As lágrimas se acumulam em seus olhos e ela se esforça ao máximo para não deixá-las cair.

— Você não precisa ficar pra festa. Saia e vá para onde ele está agora. Veja se ele está bem; se ele está comendo e dormindo bem — ela pede ansiosamente, — Então volte de fininho e venha me contar tudo. Por favor? Você pode ser meu espião?

Suas mãos encontram as dele enquanto ela tenta convencê-lo a ir para o lado do 4º Príncipe só para que ela tenha alguma paz de espírito, e ele só olha para ela em silêncio por alguns segundos antes de falar.

— Vou ficar na cerimônia para te dar apoio, e depois vou espiá-lo pra você. Ele coloca uma mão tranquilizadora no seu ombro, conseguindo confortá-la com sua promessa e sua presença, — Mas não se preocupe com So-hyungnim. Tenho certeza que ele está bem. Você deveria estar pensando em si mesma.

— Eu estou. Na verdade, passei a noite pensando em mim mesma. —  Isso é apenas meia verdade, mas ele não precisa saber disso ainda, — Agora que estou prestes a me casar com o 8º Príncipe só quero passar cada minuto pensando nele.

— Não tenho argumentos contra isso, — seu sorriso parece sincero pela primeira vez desde que ele entrou, — Eu vou te visitar na sua nova casa.

E porque Hae Soo é verdadeiramente grata a esse homem que é como um irmão por ela, ela não se sente envergonhada ou imprópria quando o abraça com força.

— Obrigada, — Soo diz antes de se afastar e sorrir por entre as lágrimas, — Por ser um bom amigo.

— Só porque você também é uma boa amiga.

O 13º Príncipe sorri para ela uma última vez antes de sair, levando com ele a última sensação de aconchego, sua última lágrima, e sua esperança de manter contato com o 4º Príncipe durante os anos que ficariam separados.

 

❊❊❊

 

Então é a vez da Princesa Yeon Hwa, com olhos amargos e palavras hostis. Ela entra toda esnobe, inspecionando-a da cabeça aos pés e às roupas de casamento, depois desvia o olhar antes de falar.

— Então você finalmente conseguiu o que queria. 

Hae Soo resiste mais uma vez ao desejo de cerrar os punhos e luta para continuar imperturbável pela presença enervante da princesa, e então responde de uma maneira educada e desafetada. 

— Eu lhe garanto que não, Gongjunim.

— Você estará livre do palácio, — a mulher diz enquanto anda de um lado para o outro no quarto, — Você terá um status melhor e um marido de alto nascimento e alta posição.

Seu raciocínio não surpreende Soo nem um pouco. Para a outra mulher, ganhar poder e um casamento vantajoso eram os objetivos finais da vida, e todas as outras coisas na vida eram supérfluas. Yeon Hwa provavelmente também acreditava que isso se aplicava a todo mundo, e ver Soo recusar sua proposta de encontrar um marido poderoso em troca de deixar o 4º Príncipe deve ter realmente ferido seu orgulho real.

Soo não a culparia por seguir o modo como as coisas funcionavam nos poderosos clãs de Goryeo se ela não menosprezasse aqueles que estavam abaixo dela e não estivesse disposta a sacrificar tudo e todos para alcançar seus objetivos. Então ela não se preocupa mais em parecer educada e indiferente.

— Isso não significa nada se eu não puder ter o coração que quero.

Suas palavras parecem divertir a princesa, já que ela ri como uma cobra e se aproxima, olhando-a de maneira arrogante, exibindo uma falsa expressão de pena enquanto ela fala.

— É uma pena que ele tenha te abandonado, — ela não precisa dizer quem, as duas sabem quem ele é, e Soo tenta não vacilar com a menção ao 4º Príncipe, — Vocês dois combinam.

— Ele abandonou nós duas, — a voz de Soo não vacila ao dar de ombros e sorrir serenamente, mas suas unhas cravam em sua pele, — Creio que seu plano de usar o fato de eu ter escondido o 10º Príncipe no Damiwon para nós separar saiu pela culatra. Parece que acabou afastando ele de você também.

O sorriso zombador desaparece do rosto da princesa e o de Hae Soo só cresce, pois ela se sente satisfeita por sua pequena vitória. Mesmo que ela não mude nada na sua situação atual.

Yeon Hwa se afasta para o outro lado de seu pequeno quarto mais uma vez, e retoma sua caminhada ao redor da câmara confinada.

— Seremos cunhadas muito em breve, — ela tenta menosprezar Soo mais uma vez, mas ela não vai mais deixar a mulher fazer o que bem entender.

— Tenho certeza que está decepcionada, — Soo quebra seu monólogo hostil antes que ele comece e ela fique mais nervosa com sua presença desagradável, mas sua franqueza parece chocar a visitante, que pára no meio do circuito, — Já que você achou que tinha se livrado de mim. 

A princesa só a encara por alguns segundos, antes de decidir ser franca e cruel também.

— Existem muitas maneiras de se livrar de alguém. — Os olhos de Yeon Hwa se estreitam e sua voz fica ainda mais fria. — Ao contrário de Myung Hee-unnie, você não é necessária em nossa casa. E se você não cumprir seu dever como esposa, eu serei a menor das suas preocupações.

Desde que ela chegara ao palácio, Go Hajin finalmente tinha entendido como era a vida das pessoas em Goryeo. Ela tentou permanecer brilhante e otimista, mas Hae Soo teve que aprender da maneira mais difícil o que significava lutar pela sobrevivência.

Ela foi presa, torturada, condenada à morte e absolvida. Ela ganhou conhecimento e reconhecimento, mas perdeu a liberdade. Ela foi usada como uma ferramenta e como um peão para garantir a posição das pessoas acima dela. Ela se encontrou com a morte mais vezes nos poucos anos que viveu em Goryeo do que nas décadas que passou no Século XXI, e isso a aterrorizava.

Ela perdera mais pessoas do que jamais pensara ser possível, e todas elas foram por causa da ganância e das maquinações no palácio.

Hae Soo não confia mais em ninguém, nem dá o benefício da dúvida de que todos no palácio são só pessoas. Ela tem muito medo e apreensão para fazer isso. Seus ombros pesam enquanto suas inseguranças crescem e se tornam preocupações. Ela sempre dá seus passos com o maior cuidado do mundo.

Mas não tem como ela deixar que a Princesa Yeon Hwa tenha qualquer controle sobre ela. Não agora, quando ela está prestes a entrar em sua casa, sem nenhuma ideia de quando vai sair. Então ela ri alto, deixando a cabeça cair para trás um pouco e seus olhos brilharem de alegria.

— Por favor, Gongjunim, — Soo fala alegremente, — Eu ainda sou suspeita de ter envenenado o falecido rei. Nada que você ou seu clã possa dizer ou fazer será pior do que isso.

A princesa zomba e sai sem dizer mais nenhuma palavra, levando consigo a última sensação de segurança, seu último arrepio e o voto de nunca descer ao mesmo nível das cobras da corte que se escondem atrás de máscaras. 

 

 ❊❊❊

 

Depois que Yeon Hwa sai, o Astrônomo Choi Ji Mong chega, com olhos vazios e sem palavra alguma.

Ele entra em silêncio, a observa do canto do quarto, mas ela não diz nada para ele. Soo só tenta imaginar o que ele poderia estar pensando e o que ele poderia saber, quando a olha com tristeza. Há uma pontada de desânimo em seus olhos, como se ele desejasse poder fazer algo, mas só pode assistir passivamente à medida que os eventos se desenrolam.

Hajin nunca se preocupou muito em estudar história, então ela não sabe ao certo com quem o 8º Príncipe deveria se casar. Uma parte dela teme que é assim que ela vai estragar tudo depois de mudar o passado. A outra parte, no entanto, não se preocupa com a história e apenas deseja que nada disso esteja acontecendo.

Mas Choi Ji Mong não oferece consolo, nem garantia, apenas silêncio. E ela não o culpa. Não existem respostas fáceis em Goryeo.

O Astrônomo se curva levemente antes de sair, levando consigo a última esperança de mudar as coisas, sua última chance, e sua convicção de salvar e proteger todos da morte certa.

E quando ele sai, ela sente vontade de chorar de novo.

 

❊❊❊

 

O último a chegar é o 14º Príncipe. Mas ele não olha direito para ela e continua andando pelo quarto, emanando ansiedade.

Ele parece estar preocupado e irritado ao mesmo tempo, e ela se pergunta como nunca notou o quanto ele se parecia com o 4º Príncipe. Especialmente quando tinha essa expressão no rosto. Mas esse não é o melhor momento para pensar nessas coisas, então Soo tenta não pensar em nada. Pelo menos até que ele se recomponha o suficiente para ter uma conversa adequada.

Primeiro, ele olha para ela. Então ele tenta sorrir. Quando ele falha, ele respira fundo e olha para seus pés, tentando recuperar o controle de suas palavras. Alguns segundos depois, ele olha de novo para ela, fitando profundamente seus olhos, e finalmente consegue falar.

— Você está linda, Soo-yah. —  Não há sorriso, mas há calor em sua voz e no seu rosto, então Soo sorri pelos dois.

— Obrigada, Wangjanim. —  E ela está grata. Ela está grata por ele ter ido vê-la antes da cerimônia e agradecida por ter o apoio dele, embora ele, assim como ela e o 13º Príncipe, não possa fazer nada.

Com suas palavras e seu sorriso, no entanto, ele treme e desvia o olhar mais uma vez.

— Sinto muito, — ele diz em voz baixa, pegando-a de surpresa, — Não é isso que você quer ouvir agora.

Seu sorriso vacila, mas não desaparece completamente. 

— Aqui, o que eu quero não importa, — ela responde cuidadosamente, encolhendo os ombros em postura de derrota, — Mas eu vou sobreviver. Não se preocupe, estou feliz por estar linda, mesmo que seja um dia sombrio para mim.

Soo sorri brilhantemente mais uma vez, e suas palavras parecem contagiar Jung, já que, quando ele vira os olhos para ela, ele parece estar um pouco mais aliviado.

Ela está prestes a fazer um comentário irreverente sobre sua aparência real hoje – tão diferente da sua habitual armadura ou roupas de exercício –, quando ele decide surpreendê-la e deixá-la sem palavras. 

— Eu devia ter pedido para casar com você.

Os olhos dela se arregalam um pouco quando ele volta a olhar para seus pés.

— O quê?

— Pyeha me ofereceu um presente, tentando me fazer ignorar os pecados dele e da nossa mãe. Qualquer coisa que eu quisesse. Pensei em pedir permissão para casar com você, — ele faz uma pausa, como se perguntasse se deveria dar uma explicação longa ou curta, e então decidisse ser sucinto, — Mas eu acabei decidindo que não. Achei que estava fazendo a coisa certa em recusar a oferta dele. Agora eu me arrependo.

Soo se lembra quando eles se tornaram amigos e ele jurou que a vida dela seria a dele. Então ela se lembra de quando ele confessou seus sentimentos no depósito do Damiwon, e prometeu protegê-la.

Teria sido melhor se casar com ele, mesmo que contra sua vontade. Pelo menos ela se sentiria segura se fosse para a casa dele. Também seria mais fácil divorciar-se depois que o 4º Príncipe assumisse o trono, mesmo que ela acabasse partindo seu coração.

Soo não tinha medo de perdê-lo, no entanto. O 14º Príncipe seria seu amigo apesar de tudo o que estava acontecendo e tudo que viria a acontecer. Ele até se arriscaria por ela, então ela não guarda ressentimento dele – de nenhum deles – pelo jeito que as coisas estavam. Ela apenas sorri e espera que eles não se preocupem tanto com ela.

— Não fique assim, Wangjanim.

— De fato, é tarde demais para continuar pensando no passado, quando só temos o presente e o futuro, — Jung se recompõe com bravura, tentando parecer forte para ela, e ela não menciona as mãos trêmulas dele. — Então eu só vou perguntar uma vez. Você confia no meu oitavo irmão? Você acha que pode ser feliz com ele?

Há muito tempo, uma criança se fez a mesma pergunta e concluiu que sim, ela podia.

Mas Hae Soo não é mais criança, e o 8º Príncipe não é quem ela pensava ser. Então ela suspira, porque já fora tola o suficiente para ser enganada por uma máscara, ela estendeu a mão e fora arrastada para uma fantasia, facilmente destruída pela dura realidade.

Hae Soo não é mais uma criança, nem o 14º Príncipe, então ela não esconde a realidade dele.

— Uma vez eu achei que sim, mas não mais.

— É mesmo, — zomba o 14º Príncipe, sem humor, num murmúrio, — Agora você só tem olhos para So-hyungnim, não é?

Soo sorri quando ele é mencionado, mas isso não é suficiente para esconder as lágrimas que cobrem os olhos dela.

— Ele nem fala mais comigo.

Não é porque ele não quer, Soo sabe agora. Mas ainda dói. Talvez se eles nunca tivessem terminado, o rei não a entregaria tão facilmente como agora, mas não há como ela ter certeza.

Ele não fala com ela porque não pode, pelo bem estar de todos.

E, pelo bem deles, ela vai fingir que ele nunca veio e que está sendo dilacerada por dentro. Mesmo que isso incomode o 14º Príncipe.

— Não é justo com você, — ele murmura, parecendo estar zangado com seu irmão, como se ele fosse o único culpado, — Não foi sua culpa.

— Foi. E eu posso entendê-lo um pouquinho. — Isso não é mentira. Ela pode. Se ele não tivesse vindo ontem à noite e lhe dado um pouco de paz de espírito, ela não o culparia. Ela pode entendê-lo, mesmo que Jung não possa, — Me perdoe, eu sei que você não gosta de falar sobre ele.

— Nós não nos damos muito bem, mas isso não sobre eu e ele, é sobre você. — Ele se afasta, voltando a caminhar em volta do quarto dela, — Eu achei que ele voltaria pelo menos pra te proteger. Como ele pôde te esquecer tão rápido?

Ela olha para os seus dedos entrelaçados e fala em seu tom mais neutro e impessoal. 

— Ele precisou. Era o único jeito de seguir em frente. — Ele não esqueceu. Nós só estamos tentando enganar todo mundo, — Você também deveria.

— O quê? 

— Me esqueça também, Wangjanim. Eu sei que você respeita o 8º Príncipe, mas ele não é mais quem costumava ser. Agora estou sendo usada como uma ferramenta por ele e pelo Rei. É melhor você ficar fora disso tudo, — ela olha diretamente para ele, notando que ele parou bem na frente dela e sorri, apesar das palavras difíceis, — Me arranque de sua vida de uma vez, que nem se arranca um curativo. Caso contrário, será doloroso para você.

Seus olhos brilham e Jung fica petrificado. Ele parece confuso com as suas palavras, seu pedido direto de apenas ignorar sua situação e abandoná-la; esquecê-la completamente para que ele não seja arrastado para a bagunça que sua vida se tornou.

Mas então ele pisca, se ajoelha e fica ao nível dos olhos dela e sorri.

— Eu não vou te esquecer, — ele diz tão suavemente que soa quase como um juramento, — Vou ficar mais forte para poder te proteger melhor.

Essa determinação firme dele também a faz lembrar do 4º Príncipe, mas ela não pensa em So agora. Ela pensa no seu irmão mais novo e como Jung cresceu tanto desde que ela o tinha salvado dos bandidos. 

Assim como no passado, ele recusa a saída mais fácil. Mas, ao contrário de sua juventude imatura, agora ele parece pensar antes de entrar em ação. 

Hae Soo é um caso perdido. Não tem como o 14º Príncipe poder salvá-la de se casar com o 8º Príncipe, e não tem como ele conseguir fazer o Rei absolvê-la da morte do falecido rei. Ele a ama profundamente, mas está consciente e certo de que ela nunca vai sentir o mesmo; seu irmão sempre será escolhido no lugar dele. 

Ela se sente grata por seus aliados, embora eles sejam impotentes. E sua lealdade é tão comovente que ela quase chora.

Quase.

— Esse seu lado, — ela sussurra, sorrindo para outro grande amigo que ela conseguiu manter em Goryeo, — Por favor, nunca mude.

 

❊❊❊

 

Hae Soo é uma noiva linda e graciosa.

Ela chega na cerimônia como uma criatura etérea, suas roupas coloridas contrastando lindamente com sua pele leitosa, seu rosto e seus cabelos parecem brilhar com a luz do Sol. Sua postura é elegante, como a de uma princesa ou de uma rainha. Sua expressão serena e pacífica, seu rosto uma fachada sóbria de dignidade e retidão.

Ela nem parece um cordeiro caminhando para o matadouro.

Existem convidados presentes, mas eles são como um borrão para ela até o fim dos rituais. Eles são um enxame de cores e ornamentos, uma multidão de olhos à espera, ansiosos para avaliar suas fraquezas e assim poderem manipular melhor a nova esposa do 8º príncipe. Soo continua olhando para a frente, nunca perdendo a compostura, nem por um segundo.

Nem mesmo quando o 8º príncipe pega a sua mão depois que o sacerdote para de falar e a leva a uma mesa grande, onde todos estão sentados.

Nem mesmo quando a família dele vem cumprimentá-los.

Nem mesmo quando aquelas aves de rapina voam para mais perto dela, seus olhos cobiçosos tentando ver sua mente e sua alma.

Ela consegue forçar um sorriso pequeno e educado, o que ela aprendeu a usar sempre que estivesse falando com nobres ou ministros distintos. Um sorriso que não carrega nenhum calor ou alegria, mas é o suficiente para garantir que fofocas desnecessárias e rumores infundados não se espalhem, de acordo com a etiqueta.

O sorriso continua estampado em seu rosto quando os convidados vão e vêm, a mesura para agradecer pela presença deles e pelos presentes se torna um reflexo mecânico e impensado; e quando ela se dá conta, o sol já se pôs e todos os convidados se despedem calorosamente dos noivos.

Aquele lugar é um circo, e agora ela está presa lá.

 

❊❊❊

 

— Você não precisa ficar tão tensa, — o 8º Príncipe diz baixinho para ela, enquanto come da primeira refeição deles, sentado à sua frente na pequena mesa. 

Soo não come nada, nem olha para ele. Ela também não responde, e o ouve suspirando de frustração por causa da postura silenciosa dela. Ela graciosamente ignora a presença dele e continua olhando para a mesa, sua atenção totalmente voltada para analisar as rachaduras na madeira.

— Não está com fome? Você não comeu nada o dia inteiro.

A segunda tentativa dele de começar uma conversa também é logo evitada, e suas paredes barricadas não mostram sinais de desmoronar. Seu corpo estático está congelado quase como uma estátua, graças a todos os anos de treinamento no Damiwon.

Ela continua tensa, e continua com fome. Mas ela se recusa a se mover ou mesmo a reconhecer a presença dele.

Os olhos de Wook estão fixos nela, ela pode sentir. Ele a encara intensamente, seu olhar penetrante tentando alcançá-la e fazê-la falar, fazê-la se mover, fazê-la comer, persuadi-la a sair de sua concha para que ele finalmente possa tocá-la.

Sua mão cobre a dela e ela finalmente se move, apenas para afastá-la e esconder suas mãos da vista. Sua expressão sem qualquer alteração. 

— Eu te tirei do palácio. Não vai nem me agradecer?

Essa é a última coisa que ela poderia querer dizer para ele, mas ela segura suas palavras de baixo calão. Mesmo sendo uma criada dada de presente, ela é uma antiga dama da corte de alto nascimento 

Seu trabalho como dama da corte era o de ser uma sombra silenciosa e ela continuaria assim, mesmo como esposa. 

O resto da refeição se passa em silêncio. O olhar dela ainda está fixo numa mancha escura na mesa, bem do lado da mão dela. Seus ouvidos permanecem atentos, sua postura defensiva, ouvindo cada movimento dele na sua cadeira, pronta para qualquer coisa que ele possa tentar fazer com ela. Por um segundo ela se pergunta se é assim que eles vão ficar pelo resto da noite, até que ele suspira de frustração mais uma vez e finalmente se afasta da mesa, indo em direção à ela. 

O 8º Príncipe parece ter perdido a paciência, e ele arrasta a cadeira dela para forçá-la a olhar diretamente para ele.

Soo queria poder lhe dar um tapa. Isso, ou cuspir na cara dele. Sua raiva é maior do que o dia em que o Rei anunciou o noivado, seu medo agora é eclipsado pela repulsa diante de seu sorriso doce e doentio. 

O mesmo sorriso que uma vez fez arrepios descerem por sua espinha, e borboletas voarem no seu estômago. 

— Você não se lembra de como éramos felizes? —  Ele sussurra com um olhar amoroso, e as palavras ferem seus ouvidos, especialmente porque a fazem lembrar de como ela foi idiota.

O olhar dela se move para a palma da mão que ele estende diante dela. O bracelete de jade com o cordão vermelho ainda tem a mesma aparência de anos atrás, quando ela o deixou no seu quarto no Damiwon antes de ir para o Gyobang.

Aquela voz e aquele bracelete também deram asas às borboletas uma vez. Mas agora as borboletas estão mortas.

— Eu lembro que estava sempre chorando ou me escondendo. E esperando. E esperando de novo, — ela diz com uma voz dura, olhando para a joia na mão dele uma última vez antes de encarar o olhar suave dele com seus olhos afiados, — Eu lembro de caminhar até à forca, certa de que ia morrer, e ainda estar esperando você ir me ver. Eu lembro da chuva fria e da dor nos meus joelhos quando te vi me deixar para trás.

Soo continuaria a dizer mais coisas que ela se lembrava, mas o 8º Príncipe se levanta abruptamente, seu toque suave e apaixonado finalmente desaparece e ela respira de alívio.

— Não é como se eu quisesse que essas coisas tivessem acontecido, — ele argumenta choroso e ela ri sem humor.

— Você certamente também não fez nada para evitar que elas acontecessem.

— Não havia nada que eu pudesse fazer!

Ele grita, começando a dar um acesso de raiva, e ela resiste à tentação de revirar os olhos depois de sua exclamação. Os olhos de Soo endurecem ainda mais quando ela retruca.

— Eu também me lembro de pedir que você fosse embora comigo, e como você foi ganancioso demais para levar meus sentimentos em consideração.

— Eu te disse porquê não podíamos, — Wook diz duramente como se seu argumento fosse a verdade absoluta e ela fosse cega por não ver como sua lógica era perfeita e infalível, — Se eu não tiver o poder supremo, nós vamos continuar sofrendo e passando por dificuldades.

— Então por que se casou comigo enquanto seu terceiro irmão ainda está no trono?

O 8º Príncipe não responde. Ele não tem mais argumentos para apresentar diante dela, então o silêncio enche a sala novamente. Há apenas o olhar gelado dela e o olhar suplicante dele, e eles permanecem parados na sala iluminada pelas velas.

Soo não acredita que ele possa ser capaz de uma ação altruísta nem para salvar a própria vida. Ele sempre iria satisfazer suas próprias necessidades e desejos, e então fingiria que tinha sido tudo para proteger ou ajudar outra pessoa, para poder manter a máscara do bom príncipe.

— O que quer que eu tenha feito de errado não importa agora, — Wook suspira e diz como se isso deixasse tudo certo de novo, fechando os olhos para sua realidade, mentindo para si mesmo mais uma vez, — Eu prometi que iria tirá-la do palácio, e eu tirei. Prometi que me casaria com você, e casei. Prometi que iria te proteger, então agora você não vai ter que se preocupar com o Rei ameaçando te matar a cada segundo, como seria se ficasse no Damiwon. Eu te trouxe de volta para mim, e agora você é minha, que nem eu disse que seria.

A mão de Wook segura a dela mais uma vez, puxando-a para perto dele e arrastando-a para a cama coberta com lençóis vermelhos. Hae Soo congela e deixa a máscara fria da Sanggung cair, gritando enquanto puxa o seu braço para se soltar dele.

— O quê? Vai me forçar a me deitar com você também?

— Forçá-la? — ele olha para ela como se ela que estivesse sendo irracional, — Estamos casados agora, esse tipo de coisa é normal.

— Sim, é normal. Mas eu não quero, — ela retruca, ela quase cospe nele, — Então, vai me forçar? Você já tomou minha mão sem meu consentimento. Vai me fazer te desprezar ainda mais?

— Eu não preciso, — ele vai até ela, colocando suas mãos nos ombros dela, — Agora que você é minha esposa, você logo vai recuperar seus sentidos e seus verdadeiros sentimentos voltarão.

— Eu não sou sua esposa, — ela afasta as mãos dele rispidamente, — Eu sou seu prêmio.

— Chame do que quiser, — Wook ignora seu argumento, segurando os seus pulsos com força para ela não escapar, — Você vai cumprir seu dever hoje.

— Muito bem, se é isso que deseja, — ela respira fundo e cede, dando um passo para mais perto dele, seus olhos encarando os dele firmemente, — Mas toda vez que você me tocar, eu vou imaginar outro em seu lugar. Toda vez que você me beijar, eu vou imaginar os lábios de outro homem. E quando você estiver dentro de mim, vou fechar meus olhos e falar o nome dele. Se isso não for problema pra você, então...

Ele não deixa ela terminar. Antes que ela possa tocá-lo, ele a solta abruptamente, duramente, afastando-a e quase derrubando-a no chão. Wook sai de vez do quarto, deixando-a sozinha. Ele se fecha e ergue suas muralhas para que ela não possa feri-lo. 

Alguns minutos depois que ele se foi e ela tem certeza que ele não vai mais voltar, ela se permite liberar a tensão que estava segurando seus ombros desde que ela deixou o Damiwon para a cerimônia de casamento. Ela se permite um momento de alívio, para que ela possa inalar o máximo possível de ar antes de mergulhar nas águas escuras mais uma vez.

Soo se permite parecer fraca e cansada, sentir medo e perdida. Ela faz um último pedido egoísta, e imagina onde ela estaria se ela tivesse ido com o 4º Príncipe na noite anterior, pensando em todas as possibilidades felizes.

Ela inspira. Ela expira.

E então o jogo de esperar começa.

.

.

.

.

não me lembro das boas memórias,
só do ressentimento que me assombra
como se não houvesse amanhã.
os momentos que agitavam o coração,
não, não, não, não
não significam mais nada.
pare, eu não me recordo


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Notas finais do capítulo

Eu sei que já fazem anos. Mas eu acabei de acabar de traduzir. Minha vida tá um caos. Espero que tenham gostado.
Semana que vem tem mais (Se é que ainda tem gente que lê fanfic de Moon Lovers)!

Toma a música -> https://youtu.be/O8AG0XclAE8

Opiniões são bem-vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



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