imutável escrita por saturn


Capítulo 1
Sempre Acaba Voltando




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Durante muitos anos ele vinha sonhando com aquele momento; o segundo em que ela finalmente estaria desarmada e vunerável, sem ninguém para protegê-la (nada disso é verdade, mas ele se recusa a reconhecer esse fato, pois fazê-lo implicaria coisas que Tom não sabia se estava pronto para admitir, nem para si, nem para ninguém - talvez para ela). Rowena Potter está deitada no chão, a bochecha encostada no mármore frio, mas lá fora está quente. Ela parece tão inofensiva, como se não pudesse machucar nem mesmo um inseto, e ele sabe que é verdade; não porque ela não era capaz, apenas não sabia como.

A garota parece o retrato perfeito da inocência: olhos brilhantes, verdes e arregalados; cabelos grossos e negros enrolados em cachos que caiam sobre os ombros sardentos; pele caramelo e nariz de botão. Ela é pequena, ele percebe. Rosto fino, joelhos ossudos e baixa estatura, quase meio metro menor que o próprio Tom, que é alto como um arranha-céu, mesmo que já não se pareça com uma cobra, e sim com o belo homem que fora anos atrás.

Os olhos da Potter estão fechados, escondendo as esmeraldas que habitam seu crânio e sugam tudo para dentro delas. Vestido amarelo, feito para alguém anos mais jovem do que ela, e embora um pouco curto, ainda caia estranhamente bem, evidenciando ainda mais o quão diminuta ela parecia em relação a todo o mundo ao seu redor. Ele zomba de Dumbledore e todos aqueles tolos da luz por colocarem suas expectativas em alguém tão ingênuo e despreparado; seria tão fácil para ele levantar sua varinha e acabar com aquele fio de vida que se agarra aos jovens ossos leves e rangentes; tão fácil lhe causar as dores mais inimaginaveis. Ele se descobre, novamente, incapaz de levantar nem ao menos um dedo em direção à ela.

Tom encosta sua cabeça na pedra atrás de si, observando os cílios grossos tremularem, anunciando o despertar da menina. O corpo dela se contorce, espriguiçando-se, cabelos anelados se emaranhando em dedos finos e unhas sujas de terra e sangue. Ela se senta no chão frio, absorvendo as últimas gotas remanescentes do sono tranquilo no qual se perdia a poucos segundos. Como se sentisse algo no ar, se vira em direção ao homem de olhos vermelhos e feições bonitas.

Ele perde todo o fôlego de seus pulmões quando ela lança um sorriso preguiçoso em sua direção, abrindo os braços, o convidando. Antes mesmo que ele se dê conta do que está fazendo, se vê enlaçado a pele dela, afundando-se no leve perfume de baunília e laranjas que emanava da morena; perdendo-se, afogando-se (permitindo-se).

Tardiamente, ele percebe que ela jamais estaria indefesa ou sozinha, pois sua alma jamais permitiria que a alma de Rowena se soltasse de si. Tolos, todos eles. Tolo, ele.

Ele que se preocupava quando ela não estava ao alcance de suas vistas, frequentemente procurando pela tristeza dos cantos dos olhos, as canelas cheias de hematomas de suas aventuras solitárias, a curva de sua mandíbula que seu coração o obrigou a memorizar milhões e milhões de vezes.

Ele se sente, pela primeira vez em todas as suas décadas, um verdadeiro monstro, por afundar as garras de sua possessividade e de sua paixão tão profundamente naquele retrato de pureza; algo tão corrupto quanto ele jamais deveria tocar algo tão imaculado quanto ela. Tom deveria ir embora, deixa-la partir. Ele, no entanto, se afunda na curva de seu abraço morno; fisica, mental e emocionalmente incapaz de se mover. Porque se mover significava ir embora, e ir embora significava a deixar para trás (ele não sabia se seu já apodrecido coração aguentaria aquilo; era egoísta mas ele não conseguia se importar, pois era dele e isso era tudo o que precisava ser).

Subitamente, percebeu que a amava.


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