O Lado Afiado escrita por JennyMNZ


Capítulo 1
Capítulo Único




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/794512/chapter/1

Mai amava treinar. Amava mesmo.

Era um pouco chato e entediante, mas sempre que ela parava para treinar seu arremesso de faca, de dardos, ou de qualquer tipo de projétil, ela se sentia relaxar. O som do alvo sendo acertado sempre lhe dava uma leve sensação de orgulho, mesmo que fosse fácil demais, mesmo que ela ficasse o tempo todo sozinha e confinada num quarto.

Claro, ela sempre acabava logo, a menos que estivesse passando uma série muito complicada, ou tentando aperfeiçoar um novo movimento ou uma nova arma, e nesse caso ela acabava passando pouco mais de uma hora no salão de armas. Mas o breve tempo que ela precisava gastar era parte do motivo dela amar o treinamento.

No entanto, naquele momento específico, ela tinha certeza de que treinamento era uma tortura.

— Eu errei de novo! – O grito de frustração de Zuko teria sido engraçado ou pelo menos cômico em qualquer outra situação. Mas naquele momento era irritante, então Mai revirou os olhos para não ceder à tentação de atirar uma faca nele.

— Claro que errou, – ela disse entre dentes, – Você é péssimo nisso.

Ela foi em direção às facas caídas, a mais de um metro e meio do alvo que eles estavam usando, esperando que agora ele fosse deixar de ser teimoso e finalmente ir pra qualquer outro lugar, pondo um fim à sua agonia.

— Mas como? Eu mirei perfeitamente! – Mai não precisava encará-lo pra saber que ele estava com olhos arregalados, incrédulo, mesmo que esse resultado tivesse sido exatamente o esperado.

— Se tivesse, não teria errado.

Suas esperanças de paz foram enfim esmagadas quando ele caminhou na direção dela, mãos estendidas para pegar as facas de novo, pronto para mais um período interminável de arremessos. Então elas as abraçou de forma protetora, não muito disposta a assisti-lo falhar completamente e atrapalhar o momento de treino dela. 

Vendo sua relutância, Zuko respirou fundo, olhos brilhando com uma nova determinação. Quando ele falou novamente, sua voz não era chorosa nem irritada.

— Deixa eu ir de novo, vou acertar desta vez.

— Você não vai acertar tão cedo. Eu precisei de meses de treino pra...

— Só me dá as facas.

Mai suspirou e passou as facas pra ele rispidamente, e depois se afastou para sentar num canto do salão. Como ela tinha que escolher ou horas de aborrecimento com a insistência dele ou uma discussão acalorada perto de objetos pontiagudos, ela achou melhor deixar seu namorado fazer o que ele quisesse.

O primeiro arremesso foi direto pro chão e ela grunhiu alto. O segundo acertou a região do alvo, mas só bateu na parede e caiu no chão. Alguém poderia pensar, dado esse padrão, que ele estava mostrando progresso, e que o terceiro arremesso chegaria mais perto da mosca, ou que finalmente perfuraria a madeira, mas ela tinha visto o bastante para saber que era apenas sorte, e ele oscilaria entre arremessos bons e ruins.

Finalmente, ela se cansou de assistir. Qualquer outro dia ela adoraria ficar só olhando enquanto ele praticava; ela costumava fazer isso com tanta frequência e com tanta atenção aos movimentos dele, que basicamente tinha memorizado a maneira como o corpo dele se movia fluidamente durante sua rotina de dominação de fogo.

E era isso o que mais a irritava no momento.

— Você está se movendo como se estivesse dominando fogo, – ela murmura.

— O quê? – O comentário dela o deixou intrigado, mas também o fez parar de atirar facas por um segundo, então ela considerou como uma vitória.

— A faca. Sua postura. Sua mira. O jeito que você arremessa, – Mai explicou vagamente, ainda muito impaciente com ele para oferecer ajuda de verdade.

Dessa vez sua raiva não passou despercebida por ele, então ele rapidamente mudou sua pergunta para um tom mais submisso.

— O que você quer dizer?

Mai só olhou para ele em silêncio por alguns segundos, tentando ignorar os seus olhos que brilhavam com expectativa, que nem um cachorrinho esperando ser levado para passear. Então ela suspirou, refletindo que se ela desse uma explicação mais detalhada ele acertaria pelo menos uma vez e depois a deixaria em paz, e se aproximou dele.

— Seu braço. – Ela pegou o cotovelo dele e fez o movimento que ele estava fazendo há alguns momentos, e então parou, congelando-o no ar. – Aqui. Você começa do jeito certo, mas depois faz isso, que nem quando você domina fogo. – Mai soltou seu braço e se moveu em volta dele enquanto ele permanecia perfeitamente imóvel, prestando muita atenção às suas instruções. Então ela deu um leve tapa nas suas costas, mostrando outra coisa, – Sua postura. Esta. É muito rígida. Seus movimentos precisam fluir suavemente para a faca voar corretamente. – Ela pegou a mão que segurava a faca e, apoiando o queixo no ombro dele, levantou-a um pouco mais, – Você precisa mirar mais alto. Aço é mais pesado que fogo, então ele perde altitude rapidamente. E a força. Você está jogando com muita leveza. Você precisa dar força suficiente à faca, pra ela ficar presa na parede, não só bater nela.

— Certo, entendi.

— Entendeu mesmo? – Seu rosto se iluminou um pouco, a esperança de que ela finalmente poderia ir embora do salão de treino logo cresceu. Talvez ele conseguisse.  Ele era esperto, talvez não ao ponto de ser um gênio ou um prodígio, mas tinha uma mente brilhante mesmo assim. Ele conseguiria entender a explicação e acertar logo o alvo pelo menos uma vez.

— Não, eu não faço ideia do que você acabou de dizer, – ele falou com o rosto completamente sério e ela sentiu vontade de arrancar os cabelos.

— Qual é, Zuko! – Ela acabou gritando de frustração, sua paciência se esgotara ao ponto dela nem conseguir mais ficar plena, – Você não é versado nas espadas gêmeas? Você não sabe pelo menos o básico?

— Eu nunca tive que atirá-las! – Ele gritou de volta, também frustrado consigo, mas se recusando a desistir, – Eu tinha dominação de fogo pra isso!

— Então continue usando sua dominação de fogo. Largue essa mania de atirar facas.

A posição de Mai era final e inabalável. Ela não ia ficar lá mais uma hora, ajudando-o a conseguir fazer algo que ele certamente não seria capaz em uma única tarde. Caso contrário, se ela passasse mais um minuto supervisionando o seu treino, ela acabaria odiando ele - e facas em geral.

Zuko, no entanto, se recusou a ceder.

— Mas eu preciso de uma habilidade diferente. E se algo acontecer e eu ficar incapaz de usar minha dominação de fogo?

—  Aí você usa as porcarias das suas espadas.

— Mas e se...

O olhar cortante de Mai faz ele interromper sua fala pela metade e desistir logo de reclamar. E foi aí que, depois de ver sua expressão angustiada e perturbada, ela hesitou e sentiu sua irritação diminuir um pouco.

Ela fora uma não-dominadora a vida inteira, estava acostumada a não ter dominação como um recurso. Mas só a ideia de ficar sem ela seria terrível pra alguém que dependera dela praticamente a vida toda. E sim, Zuko era bem proficiente com suas espadas, mas, como uma atiradora de facas, Mai sabia melhor do que ninguém que, diferente da dobra de fogo, elas eram um recurso limitado.

Claro, ela sabia se cuidar. Num mundo em que os dominadores eram a força suprema de uma nação, ela aprendera muito cedo como se defender e sobreviver. Mas talvez, para alguém acostumado a sempre ter uma fonte ilimitada de poder, fosse muito assustador ter um súbito limite de alcance e quantidade de armas, que nem ele tivera durante o Eclipse Solar. E por causa disso - porque ela simplesmente não podia aguentar quando ele olhava pra ela daquele jeito - Mai sentiu a necessidade de tranquilizá-lo, mesmo que só um pouquinho. Mesmo que ela não estivesse acostumada.

— Se você não tiver sua dominação e acabar perdendo suas espadas, você sabe que não precisa se preocupar, não é? – Era estranho pra ela dizer coisas desse tipo diretamente, mas já que ele precisava de conforto, ela ia tolerar sua vergonha e só tentar melhorar o humor dele, – Você tem a mim pra te proteger.

Zuko finalmente baixou as mãos, e não tentou resistir quando ela pegou suas facas de volta. Pelo contrário, ele sorriu como um garotinho travesso, sem nenhum pingo de inquietação, e provocou.

— Eu não preciso de proteção, – ele disse rindo.

— Claro que precisa! Você é péssimo e precisa de mim pra tudo, – ela ergueu a voz pela segunda vez, o que era um sinal claro do quanto Zuko conseguira irritá-la. E ver que ele não estava nem um pouco desapontado, mas só tentando convencê-la com olhos cheios de lágrimas, fez toda a sua compaixão e gentileza desaparecer. – Agora pegue suas espadas. Tô cheia de frustração acumulada e sei exatamente qual o melhor alvo pra me livrar dela.

Mai nunca tinha visto um alvo tão satisfatório antes.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Opiniões são bem-vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Lado Afiado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.