Agridoce escrita por Little Alice


Capítulo 1
Pra você guardei o amor


Notas iniciais do capítulo

Oi, tudo mundo! Como vocês estão?

Depois do Junho Scorose, estou voltando para mais um projeto, dessa vez o Pride Month Fanfics. Quero parabenizar e agradecer a todas as meninas que organizaram essa iniciativa tão bonita e necessária para o nosso fandom. Para essa fanfic resolvi trazer um ship que já trabalhei anteriormente (por pura preguiça de pensar em algo novo), no desafio de drabbles do Nyah. Se quiserem ler depois, esse é o link:
https://fanfiction.com.br/historia/782727/The_Girl_Next_Door/

Duas músicas me inspiraram a escrevê-la, e vocês podem ouvi-las se quiserem pelos links:

Nicest Thing - Kate Nash (indicação da Lu, obrigada, miga!)
https://www.youtube.com/watch?v=VmT9jNashAg

Just Like Heaven - The Cure (porque sou uma viciada)
https://www.youtube.com/watch?v=n3nPiBai66M

Eu espero que gostem!
É uma história bem açucarada, já aviso :)



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Dominique não era uma pessoa exatamente doce e, se fosse honesta consigo mesma, nem sequer era agradável ou suportável por longos períodos de tempo. Embora a sua irmã mais velha e a sua única amiga fora do círculo familiar insistissem em dizer que a garota apenas escondia um coração generoso, delicado e inevitavelmente sensível por detrás de camadas de cinismo e rebeldia adolescente, Dominique não poderia discordar mais. Ao menos, em partes. Ela era o que era e ponto. Em síntese, uma adolescente sarcástica, impaciente e constantemente mal-humorada. “Se ao menos fosse simpática”, costumava dizer Josh Hillstone, seu quase ex-namorado. Se ao menos fosse simpática... talvez fosse possível amá-la devidamente. Se ao menos fosse simpática... talvez as pessoas a achassem mais bonita. Enquanto estiveram juntos, ele nunca ousou completar aquela sentença, mas as entrelinhas acertaram Dominique como flechas afiadas e foram capazes de reverberar em sua mente por meses inteiros.

O fato é que não era simpática e aceitava os sacrifícios que isso aparentemente lhe impunha. Se sentir bem sob a própria pele ainda era algo que aprendia, e julgava que ser fiel a si mesma era uma prerrogativa daquele longo e tortuoso processo. E, aos dezesseis anos de idade, Dominique não gostava de muitas pessoas. Não gostava de quase ninguém, na realidade. Ela certamente amava os vários integrantes da sua família e supunha que, se precisasse, usaria maldições imperdoáveis para defendê-los. Faria isso até mesmo por James Sirius Potter, que era a soma de tudo o que mais detestava. Mas gostar... Bom, gostar de alguém era um pouco diferente. Em sua concepção pessoal e bastante imatura, gostar de uma pessoa significava não revirar os olhos a cada quinze minutos durante uma conversa casual e não se incomodar em dividir uma ilha deserta com ela, na pior das hipóteses. Dominique podia contar nos dedos todos aqueles que elencavam sua lista de “seres humanos realmente gostáveis”:

1) Seus avós paternos. A presença dos dois naquele catálogo mental idiota era meio inevitável. Vovô Arthur sempre a divertia contando histórias antigas dos seus tempos de juventude ou compartilhando o seu estranho fascínio pelos trouxas e por tudo que os envolvia, e vovó Molly foi quem lhe ensinou a costurar, a dar os seus primeiros pontos e a aperfeiçoar suas técnicas. Além disso, a matriarca da família Weasley sempre fazia os doces favoritos de Dominique e não parecia se importar com quantos ela comia, diferente de sua mãe.

2) Seus irmãos. Victoire, a mais velha, era simplesmente a pessoa mais gentil e amorosa que Dominique conhecia e os seus conselhos eram, sem qualquer sombra de dúvida, os melhores — não por serem reconfortantes, mas por serem realistas. Ela nunca dizia o que a irmã mais nova queria, e sim o que precisava ouvir, por mais que aquilo doesse. Apesar disso, Victoire também gostava de receber conselhos. Ela podia ter uma clareza surpreendente em relação à vida dos amigos, mas essa característica não parecia se estender à própria existência e sempre recorria a Dominique quando precisava, isso fazia com que a relação das duas parecesse mais equilibrada. Louis, por sua vez, tinha apenas quatro anos e era um garotinho muito encantador. Ele tinha um cheirinho gostoso e puro de sabonete de neném, achocolatado e inocência infantil e gostava de dormir com Dominique nas férias e nos feriados. Até mesmo alguém tão rabugenta quanto ela acharia difícil desgostar de uma criança de quatro anos.

3) Seus primos Roxanne, Albus e Rose. A parte complicada é que nenhum dos três tinha a sua idade, logo não frequentavam as mesmas turmas em Hogwarts. Roxanne era um ano mais velha, e Albus e Rose um ano mais novos. No entanto, eram os únicos com os quais conseguia se identificar em algum ponto. Dominique compartilhava com Roxanne aquele sentimento de inadequação diante de tantos parentes ruivos e esbeltos, embora cada uma por seu próprio motivo. Eram dores e vivências diferentes, mas de alguma forma equivalentes. Albus era o único outro sonserino da família e sabia como era ser o irmão preterido. Em geral, os dois se reuniam para zombar do mundo e serem ácidos e desagradáveis sem qualquer sentimento de culpa. Rose, entretanto, era perfeita. Ou aparentava ser perfeita. Mas, por conhecê-la tão bem, Dominique sabia que a prima era insegura e francamente humana. Não era a semideusa que todos acreditavam ser. Ela honrava todas as expectativas do seu sobrenome, mas uma hora ou outra aquilo se voltaria contra ela, ambas sabiam disso.

Além do mais, Rose a defendeu quando Blair Parkinson a chamou de gorda no último Baile de Inverno, logo após Dominique ser eleita “a pessoa mais bem vestida da festa” naquela competição imbecil e cheia de categorias aleatórias, a qual nem queria ter participado, para início de conversa. Logicamente, ela gostaria de ter defendido a si própria na ocasião. Havia aprendido desde muito cedo o que um corpo não magro significava e, por consequência, precisou aprender a se munir contra o mundo. Ao menos, era o que acreditava, acreditava estar invulnerável a qualquer comentário maldoso vindo de uma semidesconhecida, até se ver paralisada diante de todos, com a garganta seca e os olhos ardendo. De modo que foi gratificante assistir Blair Parkinson desesperada com aquele chiclete enfeitiçado que sempre reaparecia, não importava quantas vezes cortasse o cabelo e o fizesse crescer por magia. Dominique seria eternamente grata a Rose por aquela pequena travessura, mesmo que Madame Longbottom tenha conseguido elaborar um contrafeitiço semanas depois.

Sobre aquele episódio, o que a incomodava não era que constatassem o óbvio sobre ela. Dominique era gorda e acreditava que sempre seria — dada às inúmeras dietas e tratamentos médicos fracassados que fizera ao longo da sua curta existência. Ela passara anos odiando a imagem que via refletida no espelho, esperando que em algum momento aquilo mudasse. E, de fato, mudou. O seu corpo não havia se transformado como esperava, mas ela trabalhava dia-após-dia para ser mais gentil consigo mesma, embora às vezes ainda recaísse naquela espiral de autodesprezo culturalmente alimentado por uma sociedade de merda. Hoje, o que odiava não era exatamente a constatação de que era gorda, era o modo como aquela simples palavra podia soar pejorativa na boca de pessoas como Blair Parkinson. Como poderia ser sinônimo de “não bonita” e “indigna de vencer concursos estúpidos da escola”.

4) Por fim, sua amiga Anna Gallagher. Dominique ainda se impressionava com esta última. Aquela garota tão bonita, gentil e doce havia conquistado o seu coração difícil-de-lidar com tamanha rapidez e facilidade que sequer parecia real. Em certos aspectos, lembrava-lhe muito mais um sonho. Um sonho bonito e reconfortante, desses onde se quer viver para sempre. As duas não eram amigas de longa data, não se conheciam há eras, como poderiam supor qualquer pessoa que as vissem juntas, pois só foram formalmente apresentadas na metade do ano passado, quando Dominique finalmente decidiu entrar para o clube de xadrez bruxo de Hogwarts, algo que vinha postergando há tempos. Ela ainda se recordava daquele momento. Do modo como Anna sorriu de lado a lado e da maneira como foi generosamente acolhida desde o primeiro minuto. O que Dominique sentia por Anna era algo completamente diferente de tudo o que já havia sentido na vida. Era algo novo, mas revigorante e sinceramente forte. Algo precioso demais para um mundo tão decrépito.

Ela achava que tinha gostado de Josh, mas aquele sentimento era somente uma sombra pálida perto do rebuliço que a amiga causava nela. Josh foi o primeiro. O primeiro que demonstrou interesse por Dominique, o primeiro que a chamou para um encontro em Hogsmeade, o primeiro beijo, e a garota se agarrara a ele como um náufrago se agarra ao bote salva-vidas. Por cinco meses, Josh foi o seu mundo. E pelos exatos cinco meses, Dominique se sentiu miserável. Josh sempre a fez sentir como se tivesse sorte por tê-lo. Ou como se não fosse suficiente e precisasse, desesperadamente, compensar sua aparência com uma personalidade mais afável. Com o tempo, Dominique aprendeu que um relacionamento saudável não deveria se parecer com aquilo. Ela queria alguém inteiro e queria ser inteira. Queria se sentir sortuda, mas saber que a pessoa também se sentia assim por tê-la ao seu lado.

Era isso o que secretamente desejava para si e para Anna, se eventualmente as duas pudessem ser um casal. Dominique até gostaria de dizer que a amiga era apenas isso, uma amiga; ou que não nutria nenhum sentimento esperançoso por ela, mas aquilo seria uma mentira. Há muito havia admitido para si mesma que também gostava de meninas. E quando Anna lhe lançava aqueles olhares maliciosos e abria aqueles sorrisos cheios de segundas intenções, ela tinha certeza de que era recíproco. De que Anna se sentia da mesma maneira e de que os seus corações batiam na mesma sintonia apavorante e alegre. Às vezes, Dominique queria rir de si mesma por sentir todas aquelas coisas que considerava romanticamente estúpidas. Mas a verdade é que desejava beijos na chuva e declarações em público. Mais do que isso, queria escrever e receber cartas cafonas e cheias de glitter e ansiava por assistir a pores-do-sol no inverno, com um coberto quentinho envolvendo as duas. Por causa de Anna, ela sentia uma doçura atípica dentro de si. Aquilo era tão... não-Dominique. Ou talvez fosse Dominique, em uma versão criada e reservada especialmente para Anna.

 

 

Assim, quando a campainha do Chalé das Conchas tocou naquela tarde turbulenta de domingo, Dominique sentiu o coração falhar uma batida e as mãos suarem frio. Uma reação comum quando se tratava dela. Com um gesto silencioso, pediu para os convidados se organizarem rapidamente e caminhou até a porta de entrada. A sala, naquele momento, era um emaranhado de gente e decorações. Havia vasos com margaridas brancas, as favoritas de Anna, por toda parte, balões em formato de goles flutuavam acima de suas cabeças e miniaturas de vassouras e pomos-de-ouro sobrevoavam o ambiente, divertindo James e Fred II, que vez ou outra tentavam pegá-los, sem muito sucesso. Sobre a mesa de jantar, uma colcha de retalhos que Dominique costurara no último verão, salgadinhos, doces e bebidas não alcoólicas, além de um bolo gigantesco, decorado com peças de xadrez bruxo e cheio de velinhas. Uma música trouxa tocava ao fundo, baixinho. Dominique não entendia muito sobre o assunto, mas Rose ficara feliz em lhe emprestar os seus vinis. Era tudo uma miscelânea caótica, mas ela acreditava que o conjunto daquelas coisas aleatórias poderia representar um pouco da imensidão que era Anna.

Respirando fundo, girou o trinco da maçaneta e esperou ansiosamente que a amiga entrasse. Quando finalmente atravessou o umbral da porta, Anna sufocou um gritinho e colocou a mão sobre a boca. Os convidados aproveitaram aquele instante para dizer um “Surpresa!” animado e jogar confetes na menina. Ela deixou a mochila que havia trazido para passar a noite cair no chão e sorriu radiante, tentando segurar aquela chuva de papeizinhos multicoloridos com as palmas das mãos. O seu olhar percorreu cada detalhe minimamente pensado da festa até parar em Dominique. Anna a encarou com aquele par de olhos imensos e azuis, que pareciam ainda mais azuis agora que estavam cobertos por lágrimas, desconcertando Dominique completamente. Ela precisou se esforçar para sustentá-lo. Mas sustentou. Sustentou porque não podia deixar de viver aquele momento, de contemplá-lo, de gravá-lo em sua mente.

— V-você fez tudo isso por mim? — perguntou Anna num sussurro engasgado. — Eu achei que seria só uma noite de pijamas. 

Ela concordou com a cabeça, aceitando o abraço da amiga. Embora pessoalmente preferisse uma noite de pijamas, calma, confortável e segura, aquilo não lhe pareceu o suficiente para a ocasião. Era o aniversário de dezesseis anos de Anna e já era triste o bastante que tivesse que passar o verão em um orfanato em Surrey. Aquela pequena festa era o mínimo que Dominique podia oferecer. O mínimo de alegria em um dia especial, mas provavelmente esquecido em seu pequeno mundo cheio de perdas e ausências. Dominique aspirou aquela fragrância doce e suave que vinha dos cabelos de Anna e se deixou viver um pouquinho dentro daquele abraço apertado, que infelizmente durou menos do que gostaria. Os convidados começaram a se aproximar, aglomerando-se ao redor das duas. Anna a soltou com um sorriso pequeno de desculpas e voltou sua atenção para os outros. 

Com uma admiração embasbacada, Dominique observou-a em seu habitat natural: exatamente ali, no meio das pessoas, sendo o centro do seu próprio sistema solar. A amiga era tão diferente dela. Tinha os cabelos castanhos e longos, uma franja cortada rente à sobrancelha, olhos expressivos e brilhantes, um corpo pequeno e sem curvas muito definidas. As maçãs do rosto eram salpicadas por pequenas sardinhas e o nariz talvez fosse um pouco grande e tortinho, embora Dominique adorasse aquela pequena característica desviante. Anna era muito básica, usava uma blusa branca e um jeans azul claro. A única coisa que se destacava era aquele casaco amarelo e surrado que pertencera à avó da menina. Dominique, por outro lado, tinha os cabelos loiros e na altura dos ombros, cortado em um chanel clássico, e andava sempre muito impecável. Ela gostava de acessórios diferentes, salto alto, maquiagem forte e peças ousadas. Usava todas aquelas coisas que diziam não ficar bem nela. Mas ficavam. Ficavam extraordinariamente bem.

Também não havia como negar: Anna era popular. Muito. Ela tinha aquela personalidade aberta, expansiva e descontraída que todos pareciam amar. De certa maneira, a jovem lembrava Rose. Diante de todos, era quase perfeita. Uma verdadeira musa inspiradora. Uma heroína épica. De perto, porém, era possível reconhecer algumas pequenas fraquezas. Ela odiava a noção de fracasso, por exemplo. Sempre tentava esconder o mau-humor quando a Grifinória perdia algum jogo, no entanto, se você prestasse atenção, veria que a raiva e a frustração estavam lá, borbulhando por debaixo da superfície, dominando-a. Além disso, costumava roer as unhas antes de qualquer exame, muitas vezes até sangrar, e quase nunca falava sobre sua vida anterior a Hogwarts. Era como se não houvesse um passado, só um presente e talvez um futuro. Era do tipo que guardava tudo para si. O quanto aquilo era saudável Dominique não saberia dizer.

Naquele momento, Gui Weasley, que havia buscado Anna em Surrey e estivera apoiado na porta, com os braços cruzados e um sorriso singelo no rosto, se abaixou na altura dos olhos da filha e deu uma piscadinha para ela:

— Eu vou estar lá em cima, se precisarem de mim. Sua mãe e Louis voltam às oito, então é bom que tudo esteja mais ou menos organizado até lá. — E aproximando-se um pouco mais, ele sussurrou: — Fique de olho nas bebidas. Eu já tive a idade de vocês e sei o que estou falando, uma festa cheia de adolescentes quase sempre é sinônimo de bebidas batizadas e algumas besteiras normalmente reparáveis. Preste atenção principalmente no James, ok?

Dominique riu. Ela colocaria os pais em sua lista de “seres humanos realmente gostáveis”, mas o sentimento por eles costumava oscilar muito entre o carinho e a raiva com ou sem razão. Por isso, achava mais fácil mantê-los de fora e criar uma lista à parte, intitulada simplesmente como “pais”. Gui sorriu para a filha, deu batidinhas em seu ombro e subiu as escadas que levavam para o segundo andar, deixando o Chalé das Conchas quase que inteiramente sob os cuidados dela, o que era uma perspectiva aterrorizante. "Isso pode incutir algum senso de responsabilidade nela", foi um dos argumentos que utilizou para ajudar a convencer a esposa. Assim, das quatro horas da tarde até às sete da noite, ela seria responsável pela casa. Rezava para que os convidados, que felizmente não era muitos — apenas os amigos mais próximos de Anna, os seus colegas do Quadribol e alguns primos de Dominique — não fizesse nenhuma bobagem de dimensões estratosféricas, porque não queria decepcionar a confiança que os pais depositaram nela.

Sentindo o estômago revirar, aguardou até que a amiga cumprimentasse e recebesse os parabéns de todos. Depois de alguns minutos, as duas se entreolharam. Anna apanhou sua mochila e acompanhou-a até o andar de cima. Ela dormiria ali naquela noite. Com um pouco de sorte, talvez pudesse convencê-la a ficar um pouco mais. Enquanto a menina arrumava suas coisas no colchão sobressalente, Dominique abriu o seu guarda-roupa e pegou um vestido coberto por uma capa marrom. Depois da festa surpresa, esperava que aquilo não fosse demais. Sentia-se meio insegura com aquele presente, pois vinha trabalhando há dias nele e, mais do que qualquer outra coisa, era algo íntimo e o começo de um sonho de vida. Dominique costurava as suas próprias roupas desde os catorze anos, simplesmente porque não conseguia encontrar peças bacanas que servissem nela, mas até então nunca havia criado um desenho e costurado para alguém. O seu estágio de verão no Madame Malkin, por exemplo, consistia apenas em fazer pequenos ajustes. Nunca havia se arriscado tanto.

— Você tem um pôster autografado das Esquisitonas? — perguntou Anna, virada de costas. Ela agora estudava o quarto de Dominique com interesse. — Sério, que irado! Talvez eu esteja com um pouquinho de inveja agora, mas suponho que sentiria mais se tivesse de fato crescido nesse mundo bruxo. Um autógrafo do Alex Turner seria mais condizente com os meus sonhos mais malucos. Ah! E esse jogo de xadrez bruxo? É bem mais bonito do que o do professor Flitwick. Você ganhou dos seus pais?

— Do tio Rony, no meu décimo terceiro aniversário — respondeu. — Eu sou a única Weasley que consegue vencê-lo, sabe?

— Você deveria ter entrado para o clube antes, sinto que perdemos um tempo precioso não nos conhecendo...

— Também sinto que perdemos — Dominique suspirou e, então, a chamou, o tom de voz um pouco mais baixo que o normal: — Anna?

— Sim? — ela interrompeu o seu falatório, deixando as peças do jogo de lado, e se virou para encará-la. Assim que viu Dominique parada, segurando algo cujo formato lembrava um vestido, os seus olhos se arregalaram.

— É para o Baile de Inverno. — Ela se aproximou da amiga, ficando a uma distância mínima. — Não quero que vista algo de segunda mão outra vez. Não que isso seja um problema, se você souber escolher algo bom, mas... Enfim, antes que você pense em recusar, quero que saiba que não foi um presente caro. Na verdade, só me custou o valor dos tecidos. Eu mesma que fiz e me sentiria muito ofendida se você não aceitasse. É importante para mim.  

Sem relutar, Anna pegou o vestido, ainda sob a capa, e o abraçou contra o corpo. Os seus olhos azuis novamente estavam marejados e o seu nariz parecia levemente avermelhado.

— Por que você é sempre tão chorona? — brincou Dominique.

— É de alegria — fungou Anna. — Eu não te mereço, Domi. Não te mereço mesmo. Você é a pessoa mais incrível e linda que eu já tive a sorte de conhecer e nunca vou saber como retribuir tudo isso. 

Dominique abanou a mão e acusou a amiga de ser sentimental demais.

— Não precisa retribuir nada. Só se divirta hoje, está bem?

— Eu vou — prometeu Anna. — E você também vai.  

 

 

Não, ela não estava se divertindo. Longe disso. Estava surtando. Já havia perdido as contas de quantas vezes revirou os olhos e suspirou em pleno desespero durante a festa. Dominique tinha quase certeza de que James havia batizado o suco de abóbora, porque alguns convidados começavam a demonstrar uma alegria fora do normal. Jogando o resto da bebida na pia da cozinha, substitui-o por outro e torceu para que o primo não fizesse mais nenhuma de suas gracinhas irresponsáveis. Seu pai tinha razão sobre festas e adolescentes. Beirava quase ao insuportável. Durante as primeiras horas, ela esteve de um lado para o outro, tentando esconder os vasos caros de sua mãe nos armários da dispensa — algo que devia ter pensado em fazer antes — e ainda precisou, duas ou três vezes, expulsar casais recém-formados do quarto de seu irmão Louis. Seu irmão Louis! Entre eles, Rose e Scorpius. Dominique lançou um olhar fulminante para a prima e quase se esqueceu de que ela fazia parte da sua lista idiota. Naquele momento, queria apenas cometer um crime de ódio.

Merlin, como odiava adolescentes!  Não importava se ela própria fosse uma jovem muitas vezes desmiolada... Ela os odiava e não conseguia entendê-los. Por que não podiam simplesmente se comportar como pessoas normais? Por que precisavam agir como se o mundo fosse acabar no dia seguinte? Como se o presente fosse o único momento que possuíam para serem felizes, estupidamente felizes?

Por outro lado, Anna parecia exultante — ainda mais exultante do que quando a Grifinória ganhava no Quadribol — e isso acalmava e aquecia o seu coração. Era meio engraçado constatar isso, porque ela sempre se julgou uma pessoa egoísta. Ou talvez não fosse tanto assim. Talvez fosse apenas um mau julgamento sobre si mesma, isso acontecia muito, segundo sua irmã Victoire. Além disso, houve as malditas danças. Anna a tirou para dançar em duas ocasiões, sempre durante as músicas favoritas dela. Se fechasse os olhos, Dominique se lembraria do movimento que os seus pés fizeram, das suas mãos levemente unidas, dos sorrisos e risadas fáceis e dos cabelos de Anna que balançavam muito, muito suavemente sobre os seus ombros. Alguns confetes ainda repousavam nos fios escuros, e ela havia colocado uma margarida por detrás da orelha. Aqueles dois instantes imensamente gloriosos fizeram tudo valer a pena. Cada segundo de preocupação. E cada segundo de pura raiva.

Por volta das cinco horas da tarde, os jogos que Rose e Albus haviam planejado para a festa de Anna começaram. Com certo alívio, Dominique conseguiu escapar de todos eles. Do jogo de prender o rabo no Hipogrifo. Do Twister e do Imagem & Ação, que a prima havia trazido. E estava prestes a escapar do jogo da garrafa, se ao menos pudesse fingir que estava muito ocupada mantendo tudo em ordem na casa, bem como seus pais exigiram que fizesse. A garota estava na cozinha, lavando alguns copos e pratos, quando Anna entrou. Ela se sentou na bancada e a olhou de um jeito esquisito.

— Você não está se divertido — acusou.

E não estava, mas preferiu outra abordagem:

— Estou ocupada — disse, mostrando as mãos sujas de sabão.

— É, estou vendo — Anna pegou um cupcake que estava sobre uma bandeja próxima e deu uma mordida. — Eu posso te ajudar com isso depois. É minha culpa, afinal.

Dominique sacudiu a cabeça e riu.

— Não precisa.

— Preciso sim. Eu quero que se divirta, Domi. Só hoje.

— Me divertir beijando pessoas desconhecidas em um jogo de garrafa? Acho que não, mas obrigada. 

Suspirando, Anna deu outra mordida no seu cupcake. Dessa vez, um pouco do chantilly ficou em seu queixo. Dominique precisou se controlar para não se aproximar e protagonizar uma daquelas cenas clichês de livros românticos.

— Está sujo aqui — apontou. 

— Onde? Aqui? — Anna indicou o lugar errado, com um sorrisinho pouco inocente. Era um daqueles momentos, Dominique sabia. Um daqueles momentos dúbios em que Anna parecia estar provocando-a de propósito, como se quisesse testar ou provar algo. Mas Dominique não cairia naquilo. Ela se arrependeria depois, é claro, se sentiria covarde e ridícula, mas não iria arriscar. Tentar era aterrorizante demais.

— Não, do seu lado direito — respondeu e se voltou para a louça. Com o canto dos olhos, viu quando Anna tirou o chantilly do rosto.

— Eu só quero que você seja uma adolescente sem sentido para variar — explicou. — Sei que não gosta de se misturar e que prefere manter o seu lado brilhante e divertido escondido dos olhos de todos. Eu entendo e gosto que seja assim, mas às vezes, só às vezes, é bom quebrar paradigmas. É legal participar das coisas e ser um pouquinho inconsequente, sabe? Como uma cabecinha de vento que faz coisas impulsivas e se expõe ao ridículo. Se libertar de toda essa sua áurea adulta e intimidadora pode ser interessante e você deveria tentar às vezes.

— Tudo bem! — Dominique fechou a torneira e enxugou as mãos. Anna se endireitou, parecendo animada.

— Você vai participar?

— É, mas isso não significa que eu esteja feliz.

— Talvez você consiga beijar alguém de quem realmente goste — falou Anna, enquanto a empurrava para a sala. Os outros convidados estavam reunidos em um círculo, sentados no chão. James segurava uma garrafa de suco de abóbora e tentava enfeitiçá-la. — Honestamente, é o que eu espero para mim mesma.

Dominique mal teve tempo para registrar aquela informação, porque no minuto seguinte Anna a fez sentar entre Albus e Fred II. Ela riu do seu olhar espantado e se posicionou ao lado de Emily Creevy. Quando enfim pôde pensar sobre aquilo, a sua mente entrou em um turbilhão. Anna esperava beijar alguém ali. Quem? Poderia ser ela? Dominique rezou para que fosse. Ela desejava ser a pessoa favorita dela. Desejava que o seu sorriso, aparentemente tão raro, fosse o sorriso com o qual ela sonhava. Desejava, de maneira quase egoísta, orbitar todos os pensamentos dela. O coração de Dominique batia de maneira frenética dentro do peito e sua respiração acelerou, mal podia perceber o que as pessoas diziam a sua volta, mal ouviu quando James proferiu um feitiço ou quando Albus perguntou o que o diabos o irmão estava fazendo. Nada daquilo importava. O que importava era o que ela queria. O que importava era a possibilidade dos lábios da Anna sobre os seus. Porém, de algum modo, retornou à realidade ao ouvir a resposta de James:

— É só um feitiço que aprendi com tio George, Al. Aumenta as chances de cair na pessoa com que temos mais química. Nem sempre é eficaz, mas acho que acaba tornando o jogo mais divertido... Já que não temos como saber se foi o acaso ou se realmente existe uma faísca de paixão envolvida.

Os outros pareceram concordar, impressionados com aquilo. Dominique se sentiu subitamente animada. James, por ter sido o idealizador do jogo e também o complicador, foi o primeiro a girar a garrafa, que caiu em Katherine Grey, uma sonserina com traços latinos. Em seguida, viu Rose beijar Scorpius, o que não era nenhuma novidade, viu Roxanne beijar Eric McMillian e viu Emily Creevy beijar Alice Longbottom II. E assim, chegou a vez de Anna. Dominique prendeu a respiração no mesmo instante e manteve os olhos fixos no objeto. Pareceu levar uma eternidade... uma eternidade agonizante. A garrafa deu três voltas completas até finalmente começar a perder a força e então parar. Para o seu horror, não nela. Mas em Albus. Mais alguns milímetros e o seu “felizes para sempre” teria se realizado. Dominique soltou o ar, sentindo todas aquelas expectativas se dissolverem no espaço.

Ela ousou olhar para Anna, mas a garota não esboçou qualquer reação. Ela não parecia feliz nem chateada. Ao seu lado, Albus estava animado — o que fez com que a raiva de Dominique aumentasse. Albus definitivamente estava fora da sua lista de “pessoas realmente gostáveis”! Enquanto observava os dois se aproximarem até o centro do círculo, Dominique se amaldiçoou. Aquele feitiço idiota do James, que a princípio pareceu uma ideia genial, poderia estar certo ou não. E, se estivesse certo... bom, Dominique não queria nem pensar naquela alternativa. Antes que pudesse ver Anna beijando outra pessoa, ela se levantou, dizendo que havia esquecido algumas tortinhas de abóbora no forno, e correu até a cozinha. Mas, ao se virar brevemente, pôde ver Anna olhando em sua direção com o cenho franzido.

 

 

Era fim de tarde e o sol começava a desaparecer na linha do horizonte, tingindo o céu com uma tonalidade quente de laranja e com algumas linhas arroxeadas. Sentada na areia da praia, com os braços em volta dos joelhos, Dominique observava o mar se agitar, formando ondas que se desmanchavam em brumas brancas. Vez ou outra, a água salgada e gelada alcançava os seus pés descalços, molhando-os. Ela gostava de estar ali: perto do oceano. Do Atlântico. Era um lugar de paz. Um lugar para respirar. Para se conectar com os seus pensamentos de uma maneira mais branda. Sentia falta daquilo quando estava em Hogwarts, embora o Lago Negro fosse um bom substituto. No fundo, sabia que não tinha qualquer direito de estar com raiva. Anna nunca prometera nada e Dominique jamais teve a coragem necessária para contar o que sentia. E ainda que tivesse tido, a amiga não era obrigada a retribuir. Aquela verdade era algo com o qual o seu coração jovem e inexperiente precisaria aprender a lidar. Rejeições aconteciam o tempo todo e não era culpa de ninguém. Mas era difícil.

Era difícil especialmente porque Anna era sua amiga e não queria perder aquela amizade. Ela precisava encontrar uma maneira de conciliar aquilo sem machucar a si mesma. Dominique encontrava-se em uma espécie de impasse. Naquele momento, desejou que a irmã não estivesse na França estudando Belas Artes, mas ali, no Chalé das Conchas. Victoire saberia o que dizer. Provavelmente, compraria um pote de sorvete de chocolate com nozes da Florean Fortescue, pintaria as unhas de Dominique com esmaltes coloridos e falaria, daquele seu jeito doce, que a vida era assim mesmo. Que amores vêm e vão.  E que o tempo levava tudo, lágrimas ou sorrisos. Talvez sugerisse que Dominique se afastasse um pouco, apenas o suficiente para que pudesse colocar os próprios sentimentos no lugar, ou que tentasse sair com novas pessoas. Contudo, nenhum daqueles caminhos parecia fácil. Dominique não queria nada daquilo. Ela queria a realidade que sonhou. Ela queria o seu conto de fadas moderno. Queria ser a amazona destemida que se casa com a princesa de um reino distante. Ela queria Anna.

Não tinha qualquer direito de estar com raiva, é verdade, mas era impossível não sentir aquela frustração terrível, que esmagava o seu peito em mil pedacinhos. Com um suspiro, Dominique deixou os pés afundarem na areia fofa, fechou as mãos em punhos e começou a xingar a si própria em voz alta. “Estúpida, estúpida, estúpida!”. Ela era uma covarde que nunca conseguiu dizer o que sentia. Uma covarde que sonhava dia e noite com a mesma pessoa, sem nunca dizer nada. E, agora, ela estava ali, apaixonada e sozinha, observando um mar revolto e triste, a síntese dela mesma. Anna nunca saberia e aquela pequena fantasia seria para sempre isso: uma fantasia. Estava prestes a proferir uma nova série de palavrões quando ouviu uma voz atrás de si.

— Domi?

Ela fechou os olhos com força, envergonhada.

— Você está bem? — perguntou.

Dominique sentiu a presença dela ao seu lado. Enchendo os pulmões de ar, abriu os olhos lentamente... Foi então que o seu queixo caiu e sentiu que engasgava. Anna estava ali, mas não como imaginava. Ela usava o seu vestido. Tinha alcinhas finas, um corpete justo e uma saia assimétrica, de um tecido tão leve que parecia acompanhar o movimento da brisa marítima. Era dourado, destacando o tom bronzeado de sua pele, e possuía brilhos discretos, um tipo de brilho furta-cor. Pequenas florzinhas foram bordadas ao longo de todo do vestido. Anna parecia um anjo ensolarado no meio daquela praia deserta, sob a luz alaranjada do entardecer. Ela segurava um cupcakes de margarida entre as suas mãos, com uma velinha apagada no topo.

— Não muito — admitiu Dominique.

Anna assentiu e estendeu o casaco que segurava em um dos braços sobre a areia. Ela se sentou, tomando cuidado para não sujar o vestido.

— Você está linda.

— Obrigada. Eu queria que você fosse a primeira a ver — contou Anna. — Não queria dividir esse momento com mais ninguém, só com você. Acho que nunca tive nada tão bonito. Eu pareço uma princesa.

— Parece um anjo ensolarado — Dominique decidiu compartilhar aquele pensamento com ela. Anna riu, concordando.

— Você tem muito talento, Domi.

— Você acha?

— Se eu acho? — gargalhou. — Você, Dominique Weasley, é a garota mais bem-vestida de toda Hogwarts e sabe disso.

— Algum dia, eu gostaria de ter a minha própria marca — confessou. — Mas não quero que seja uma marca excludente.

— E não vai, porque qualquer garota, com qualquer tipo de corpo, vai poder usar os seus vestidos e se sentir como um anjo ensolarado.

— É, vai sim — riu. — Quero que todas se sintam bonitas e maravilhosas.

— Deve ser bom saber o que se quer — refletiu a menina. — Eu não faço ideia do que gostaria de ser.

— Você é uma ótima apanhadora de Quadribol.

— Bom, sim, mas é isso que eu quero fazer? — Dominique deu de ombros. Sempre pensou que a amiga seguiria aquela carreira. Parecia óbvio. Mas nem tudo que parece óbvio é verdadeiro. — Se sente melhor? — perguntou Anna.

— Um pouco.

— “Um pouco” é mais do que “não muito”, mas sinto que ainda preciso me esforçar. O ideal seria “me sinto perfeitamente feliz”.

— Boba.

— Eu sou mesmo um pouquinho boba quando o assunto é você — sorriu. Dominique sentiu o coração disparar mais uma vez. Ela não quis ter nenhuma esperança, mas era tarde. Ela tinha todas as suas esperanças bobas renovadas. — Espero que esteja desenhando um vestido para você também.

— Ah, sim, estou. Não está pronto, mas acho que vai ficar bacana, andei pesquisando e buscando referências em algumas revistas trouxas que Victoire trouxe pra mim de Paris. Vai ser um pouco diferente do seu, é claro. O meu é mais prateado e lunar, eu diria.

— Como Yin-Yang.

— Como o quê?

— É uma filosofia chinesa — explicou Anna. — Sobre conceitos antagônicos e complementares. Acho que nós duas funcionamos um pouco como Yin-Yang.

Dominique a encarou, ainda sem entender. Aquilo era bom? Parecia bom. Anna balançou a cabeça e riu, empurrando-a de brincadeira. Sorrindo, Dominique entrou naquele jogo estúpido de empurra-empurra. Era fácil se sentir bem quando Anna estava por perto. Ela se sentia como uma criancinha, a cabeça leve e sem preocupações, e era como se o tempo estivesse suspenso. Quando se acalmaram, Anna voltou a falar, dessa vez mais séria:

— Eu nem sei mais como te agradecer pelo dia de hoje. Acho que não posso, na verdade, porque nada do que eu diga ou faça vai ser suficiente. Eu nunca tive uma festa de aniversário antes e nunca achei que precisasse de uma, até você fazer tudo isso...

— Essa foi a sua primeira festa de aniversário? — interrompeu. Dominique suspeitava que a amiga não tivesse aniversários grandiosos no abrigo onde vivia, mas Anna nem sempre foi órfã. Antes disso, deveria ter tido.

— Você sabe que meus pais morreram quando eu ainda era muito pequena, não sabe? — Dominique aquiesceu. — E que fui criada pela minha avó materna? — Novamente, a garota anuiu. Anna virou o rosto em direção ao mar, o vento bagunçando os seus cabelos. Ela tomou o seu tempo, até finalmente continuar: — Eu e vovó nunca tivemos muito dinheiro. Natal, aniversários, páscoa, nada disso era uma prioridade para nós duas. Mas ela costumava me levar no McDonald’s. Era o que vovó podia fazer na época.

— McDonald’s?

— É uma rede de fast food trouxa. Uma escolha bem questionável, se quer saber minha opinião, mas quando se é criança... é diferente e meio mágico. E eu sabia que era um daqueles momentos especiais e raros, que não acontecem com tanta frequência. Além disso, os lanches sempre vinham com brinquedinhos legais, dos filmes que faziam sucesso. Eu nunca vou esquecer como era, principalmente porque vovó ficava feliz por me ver feliz.

— E no abrigo...? — Dominique incentivou. Anna não costumava compartilhar muito sobre sua vida pregressa e parecia significativo que tivesse se abrindo agora.

— Lá é muito pior. São muitas crianças, muitos aniversários e a situação nunca foi das melhores. E eu nunca tive muitos amigos no abrigo, Domi. Não tive tempo para fazer amizades, na verdade, porque recebi a visita do professor Longbottom apenas três meses depois que vovó morreu, me explicando que eu era bruxa e que poderia estudar em Hogwarts. Mesmo que tivesse tido tempo, não sei se as crianças de lá continuariam gostando de mim... É injusto que eu possa passar o ano letivo em algum tipo de escola particular super bacana e elas não. Tudo que é desigual não é justo.

— Eu sinto muito — sussurrou. — Por você, por elas e por termos que viver nesta merda de mundo.

— É, eu também sinto — Anna voltou a encará-la. — O mundo foi injusto comigo e continua sendo com muitas outras pessoas, de diferentes maneiras. Mas hoje é um dia feliz, não? E, apesar de tudo, eu tive sorte. Sorte por ter tido uma avó carinhosa, por ser bruxa, por ter Hogwarts e um milhão de amigos incríveis e por ter você agora.

— Você sempre vai me ter — prometeu. E aquilo era verdade. Anna sempre a teria, não importava de que modo. Como amigas. Como namoradas. Definitivamente não importava.

— Por que você foi embora daquela maneira? — perguntou Anna.

Dominique pensou no que dizer. Ela tinha duas opções: se omitir mais uma vez e inventar uma mentira qualquer ou ser corajosa como a grifinória que não era e contar a verdade. Ela sabia qual dos dois caminhos queria seguir.

— Eu gosto de você — disse rapidamente, escondendo o rosto entre as mãos. Ela não podia encarar Anna naquele momento. — Eu gosto de você não como amiga... Quero dizer, eu gosto de você como amiga, mas não como amiga. — Merda, merda, merda! Dominique queria se amaldiçoar por aquilo! — Eu gosto tipo “sou apaixonada por você”.

Dominique fez uma careta, o rosto ainda escondido. Ela esperou por uma reação de Anna e então ouviu uma risadinha doce. Espiando por entre os dedos, viu a menina pegar o cupcake que estava apoiado em sua perna estendida e acender a velinha com um isqueiro que tirou de dentro do bolso do casaco. Dominique se endireitou no lugar e a olhou, confusa.

— Peguei uma velinha do meu bolo para você — contou Anna, com um sorriso bonito. — Faça um pedido.

— Mas não é o meu aniversário...

— Eu estou te dando o meu pedido — cortou-a. — De toda maneira, acho que o seu pedido vai ser muito parecido com o meu.

— E se não for?

— Então eu vou ficar contente por ter desperdiçado o meu desejo com você.

Dominique fechou os olhos. Ela respirou fundo, fez um pedido e assoprou a velinha. Antes de abri-los, contudo, sentiu os lábios de Anna pousarem sobre os seus muito brevemente. Foi um toque rápido e suave, mas grandioso o bastante para fazer o seu corpo estremecer e uma felicidade genuína invadi-la.

— Eu também gosto de você, Domi — Anna se afastou. — Já faz algum tempo e, para ser sincera, tive medo de estar nessa sozinha, porque... bom, você não é exatamente clara quanto ao que sente e já saiu com meninos antes. Então, quais eram as chances de você gostar de meninas também? Só nos meus sonhos mais absurdos mesmo.

— Não tão absurdos assim, ao que parece.

— Que bom que não — concordou. — É realmente um alívio saber disso. 

— Eu fiquei com ciúmes de você e do Albus. Me desculpe.

— Do Albus? — riu Anna. — Ele é um ótimo garoto, mas... eu não gosto de garotos. Esse é o fato que estou encarando agora. Eu gosto de você.  E ele é quase um bebê!

— Ei, não é verdade! Ele só tem um ano de diferença. — Agora que o primo não representava qualquer perigo, Dominique sentiu necessidade de defendê-lo.

— Continua sendo um bebê para mim — repetiu Anna, convicta. — E então... você realizou o seu desejo?

— Um pouco.

Um pouco? — surpreendeu-se.

— Eu não pedi só um beijo, sabe? — brincou. — Eu pedi vários e infinitos beijos.

Anna abriu um sorriso luminoso e contagiante, fazendo com que Dominique sorrisse também.

— Ah, sim... Então eu acho que devo continuar te beijando, até a gente conseguir atingir uma infinidade de beijos.  

— Isso é possível?

— Graças a Deus, não — Anna riu e a beijou novamente.

O primeiro beijo das duas foi breve e delicado, mas aquele segundo? Aquele segundo foi bem diferente. Foi intenso, tórrido e lento, absurdamente lento, como a realização de um desejo fantástico e há muito reprimido. Enquanto a beijava e vivenciava sua própria definição de paraíso, Dominique não quis pensar em nada. Não quis pensar no amanhã nem nas suas consequências. O mundo era, na sua concepção, agridoce — assim como ela própria. Entretanto, naquele instante sagrado e profano, só existia a doçura absurdamente ridícula dos primeiros amores, e Dominique desejava apenas viver o momento como uma adolescente que acredita que o universo pode acabar no dia seguinte. Porque, afinal, aquela poderia mesmo ser a última oportunidade que possuía para viver o seu conto de fadas em meio a uma realidade injusta e, muitas vezes, cruel. E não a desperdiçaria.


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Notas finais do capítulo

Então, gente, é isso. Um pouco meloso demais? Sim, mas acho que personagens LGBT+ merecem todo o açúcar e o clichê bobo do mundo. De toda forma, a proposta desta fanfic era justamente ser algo muito doce e sem grandes complicações. Dominique gorda é um headcanon que utilizo desde The Girl Next Door, acho interessante ela não ter uma beleza tãããõ padrão como a mãe ou a irmã. Ela é linda e é gorda e é isso. Além de uma representação LBGT+, eu acho muito válido trazer também outras vozes. E desculpem se a Dominique é descrita como alguém meio azedinha, mas ela é uma adolescente de 16 anos e acho que é normal ser assim nessa fase cheia de contestações, medos e descobertas sobre si. Eu mesma fui uma adolescente desse tipo “desagradável”, mas a gente amadure e fica mais razoável. Além disso, ela é um amor com a Anna e tem um coração muito bom, né? É o que importa. E desculpem também se pesei a mão na história da Anna, quando eu vi já não tinha mais como fugir do drama com ela e deixei assim mesmo HAHAHA. Coitada da menina.

Se tiverem curiosidade, eu criei alguns aesthetics de como imagino as personagens (não de maneira exata, mas parecida):
Dominique: encurtador.com.br/aeqz7
Anna: encurtador.com.br/xN056

Espero que tenham gostado!
Beijos e até a próxima :*



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