O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 42
∾ Há uma chama que continua queimando em meu coração.


Notas iniciais do capítulo

Olá, olá! Como estão?

Bem, eu dei uma folga por ter sido meu aniversário na última semana, portanto tirei os dias para fazer nada além de comer. Acho que é só pra isso que serve aniversário depois dos 20 anos, penso assim.

Enfim, aqui estamos de volta!



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Era uma noite fresca, com uma brisa que anunciava a chuva no horizonte, quando Alice apareceu em sua porta. 

Durante o dia, Nirav havia passado longas horas no mercado e depois dedicado a preparar o jantar. Algo simples, um espaguete de massa caseira com molho especial, que sua mãe o havia ensinado quando decidiu morar sozinho. Agora, a cozinha parecia perfumada com o cheiro de especiarias e vinho. Uma pequena taça jazia pela metade, apoiada na pia da cozinha, da qual ele bebericava e temperava o molho. 

Estava tudo quase pronto quando escutou as batidas na porta. Seu pai tomava banho, considerando o constante barulho do chuveiro ressoando pela casa. Como já havia tomado o seu, só precisou ajustar as mangas da blusa social, prender o cinto na calça jeans e pentear os cachos úmidos com os dedos. Desligou o fogão e adiantou-se até a porta. 

A mulher que o aguardava estava preparada para um baile de gala, não um mero jantar. Alice estava exageradamente bonita, usando um longo vestido verde esmeralda, com alças finas que exibiam seus ombros e o colo dos seus seios. Seus longos cabelos estavam atados em um coque firme e ornamentado com algumas presilhas brilhantes. Uma pequena bolsa de couro pendia do seu braço direito. 

Nirav sentiu a voz falhar diante dela, tão bela que estava. E também por se sentir quase intimidado. Era apenas um jantar qualquer, com um cardápio simples em sua casa humilde. Não era necessária tamanha pompa, exceto se aguardasse algo a mais. 

— Aonde pensa que vai tão bela assim? — ele perguntou com um sorriso genuíno, admirando a própria namorada enquanto a conduzia para dentro. Ela pareceu reluzir sob seu olhar, satisfeita. 

— Conhecer meu sogro. — respondeu, sorrindo com os lábios tingidos de batom. Não tinha reparado na maquiagem, como quase nunca reparava, seu eterno pecado. As maçãs de suas bochechas estavam coradas, os olhos delineados de preto e os lábios cor de cereja. Uma visão de tirar o fôlego. 

Ele estalou os lábios, meneando a cabeça. 

— Não é justo que se vista assim para ele e não para mim — brincou, arrancando um riso tímido dela. Dificilmente exibia os dentes brancos em seus sorrisos contidos. — Cá entre nós, não acho que ele mereça tudo isso. 

Percebeu o vento mais frio do que o costume para a época. Antes de fechar a porta, espiou o céu, reparando nas nuvens escuras que ofuscavam a lua e as estrelas. Não seria impossível esperar uma chuva pela madrugada. 

Dentro de casa, o clima era mais agradável, quase abafado. Suas paredes apertadas em cômodos pequenos tornava o ambiente mais aconchegante. Enquanto Alice acomodava a bolsa no sofá, Nirav retornou até a cozinha para terminar de preparar a comida. Só precisava montar a travessa com a massa e o molho, e mais alguns acompanhamentos como queijo ralado e molho de pimenta. 

— Uau, realmente se dedicou! — ela disse, pegando-o de surpresa. 

Com um sorriso orgulhoso, ele colocou a travessa sobre a bancada que dividia o ambiente da sala para a cozinha, onde o jantar iria acontecer. Não conseguia deixar de pensar que precisava de uma mesa de jantar, mas onde, naquela casa tão modesta, a colocaria? 

— Então, o que acha? — perguntou com expectativa, limpando as mãos na toalha de prato. 

Ela aproximou o rosto para apreciar o cheiro proveniente da travessa. Seus olhos se fecharam e ela acenou com a cabeça. 

— Bem, se estiver tão saboroso como está cheiroso... está perfeito! 

Retornando a taça de vinho, ele a ofereceu o último gole. Só então, se dispôs a pegar a garrafa que estava na geladeira. Já estava aberta há algum tempo, sem muito uso já que não gostava tanto do gosto forte de vinho, sempre preferiu cerveja. 

— Sabe, devo dizer que já gosto do seu pai. — ela comentou com casualidade, depois de provar do último gole, balançando os ombros. 

— Não deveria dizer o que não sabe, mocinha. 

Ela se aproximou, depositando um beijo em seu ombro, deixando ali uma fina marca de batom. 

— Bem, ele conseguiu fazer você cozinhar para mim — pontuou, olhando para seus lábios. — Já é um ponto positivo. 

Com um riso bobo, Nirav se curvou para beijar sua boca, sentindo o gosto do batom misturado com o vinho. Então, apontou para que ela se acomodasse enquanto terminava de arrumar a cozinha e August resolvesse dar o ar da graça. 

Demorou até que as panelas estivessem devidamente limpas e guardadas para que seu pai, enfim, aparecesse. Conseguia ver em seu semblante a ansiedade de conhecer a nora, assim como estava explícito no cuidado com suas roupas. Era a primeira vez que o via tão bem arrumado desde que chegara. A camisa branca, bem passada, presa para dentro do cós da calça cinza-lápis e sapatos bem lustrados. Seus cabelos grisalhos penteados para trás, cintilando de umidade, e o grande bigode bem aparado. Um aroma amadeirado provinha dele, a partir de alguma fragrância bem forte. 

Conforme August se adiantava até Alice, um pensamento melancólico ocorreu no fundo da mente de Nirav. Alice agora conhecia sua mãe e também seu pai. E nenhum deles conheceu Juno. Como teria sido apresentá-la ao invés de Alice? 

Não soube bem o porquê de se questionar aquilo, era tão inútil quanto insensato. E, no entanto, difícil ignorar tal pensamento. Ela era importante. E ninguém parecia conhecê-la, exceto ele próprio. Era quase como se aquilo que os unia só existisse para eles e ninguém além deles. 

Tentou afastar o pensamento e foi difícil trazer o sorriso ao rosto novamente. Por sorte, sua barba espessa escondia o trêmulo resquício de empolgação que trazia ao rosto. 

— Então, você é a namorada? — August perguntou com educação, tomando a mão dela entre as suas. — Alice, estou certo? 

Alice inclinou a cabeça, com um aceno cortês. 

— Até onde eu sei, sim — deu uma olhadela para Nirav, que forçou um riso nasal. — A própria e única. 

August irrompeu em um riso divertido e sonoro, preenchendo toda a casa. 

O-ho, boa garota, boa garota! — em aprovação, deu palmadinhas em suas mãos. 

Nirav apontou com a cabeça, sugerindo que se sentassem. Assim, adiantou-se com o vinho, servindo-os enquanto conversavam. 

— Oh, não imaginava que você era assim! — August pontuou, piscando em direção a Alice. 

— Imaginou que eu seria como? 

Ele encolheu os ombros. 

— Não tão bela como é — elogiou, deixando-a sem com as bochechas ainda mais coradas. — Não podia sequer desconfiar da sorte que meu filho deu. 

— E eu não fazia ideia do galanteador barato que o senhor é. 

Alice levou a mão ao rosto para rir, escondendo seu sorriso e sua risada. Tão diferente, Nirav deu por si percebendo. 

Logo, organizaram-se ao redor da bancada com seus pratos e talheres. Nirav sentava ao lado de Alice do lado oposto de August. Enquanto se serviam, o assunto entre os dois continuou a render. 

— Nirav contou que se conheceram no trabalho — August disse, tendo o prato servido pelo filho. 

— Ah, sim — Alice concordou, tomando mais um gole de vinho antes de continuar. — Eu tinha acabado de ser contratada e, bem, sempre é um golpe ser a pessoa nova. Nirav me ajudou bastante a me encaixar, me sentir confortável... 

Ela pousou a mão em seu ombro ao dizer aquilo, um toque repleto de gentileza e gratidão. 

O-ho, mas que filho solicito tenho eu! — provocou, piscando em sua direção. 

— Quando dei por mim, já estava encantada. 

Alice deu a contar todos os detalhes da história que Nirav havia resumido em tão poucas palavras para o pai, e ele parecia de fato entretido com o assunto, rindo e brincando ao respondê-la. Um doce de criatura quando bem queria, pensou Nirav. Não teria dificuldades em cativar Alice. Se ao menos tivesse feito o mínimo de esforço ao cativar a própria família, a cena não pareceria tão artificial. Entretanto, não era certo Nirav destruir aquele jantar. Era injusto demais, cruel demais. 

Enquanto Alice e August conversavam, Nirav permanecia em seu silêncio taciturno, perdendo o controle de seus pensamentos que insistiam em deslizar para longe. Longe daquela casa, através das ruas e vielas, procurando e procurando por um outro alguém, perguntando se estivesse ali, como seria? Seus sorrisos exagerados, seu raciocínio afiado, suas brincadeiras mordazes, seus olhos brilhantes... 

Quando deu por si, um tempo depois, todo o assunto ao seu redor resumiu-se a um silêncio contemplativo, sendo o único som a existir o tilintar dos garfos contra os pratos. Por isso, e só por isso, ninguém pareceu perceber seu devaneio. No entanto, sentiu-se culpado mesmo assim. Tomou um gole de vinho e limpou a garganta, antes de dizer: 

— Vou tomar esse silêncio como elogio. 

Seu pai sorriu, limpando a boca com as costas da mão. 

— Certamente! Sua mãe ensinou você bem demais, pelo que posso ver. Que ótima cozinheira ela era! — seu elogio fez Nirav dar a honra de um sorriso. August se desleixou na cadeira, suspirando. — Ah, ainda me lembro dos bolos que ela fazia. Nunca mais comi nada parecido. 

Nirav assentiu. Já tinha um bom tempo desde a última vez que Adhira o presenteou com um de seus bolos, mas se lembrava bem do sabor que tinham. Tinham gosto de lar e nostalgia. 

— Eu nunca tive a chance de provar. — Alice lamentou. 

— Bem, se se comportar, talvez eu peça a ela para fazer um. — Nirav brincou. Alice franziu o cenho e abanou as mãos, sem responder. 

August tomou uma deixa para contar a sua história. 

— Lembro de uma vez, num aniversário de Nirav, devia estar fazendo seis ou sete anos, coisa assim — começou após tomar um breve gole do vinho. — Pela primeira vez, tínhamos um lar fixo por mais de um ano. Era em uma cidade pequena, bem menor do que essa. Você foi matriculado numa escolinha humilde, se lembra disso? 

Nirav teve de negar, apesar do contexto lhe parecer um tanto familiar, não conseguia se lembrar. Fez algum esforço ao vasculhar suas próprias memórias que agora lhe faltavam, quase conseguiu sentir o cheiro de tal lembrança e nada encontrou. 

— Não — encolheu os ombros em pesar. — Acredito que não. 

— Uma pena. Você parecia tão feliz. — August suspirou um tanto melancólico. — Bem, acontece que era o primeiro aniversário que você daria uma festa e teria amigos a quem convidar. Antes, sempre eram resumidos a nós três, no máximo seu avô. E por isso, eu e sua mãe achamos uma ótima ideia convidar a sua turma inteira! 

Alice fez uma careta, rodando o vinho na taça. 

— Isso não pode ter dado certo. 

— E não deu! — ele riu, pondo as mãos na barriga magra. — A casa era menor do que esta, tínhamos de dividir o mesmo quarto. E, de repente, estava cheia com umas trinta cabeças de pirralhos! 

— Parece uma visão do inferno, não me admiro de não me lembrar! 

Eles riram sonoramente e o jantar foi esquecido, largado esfriando entre eles, inertes demais para comer qualquer coisa a mais. 

— Como conseguiram dar conta de tudo isso? 

— Ah, Adhira salvou o dia com seus bolos. Merecia uma medalha de honra por seu serviço prestado. — August continuou a história, dando risada conforme se lembrava. — Ela fez três bolos de uma vez só. Daqueles retangulares, bem baixos e bem extensos, daqueles que cabem uma porrada de velas — gesticulou com as mãos para demonstrar o tamanho. — E eles comeram tudo! Não sobrou um restinho de cobertura ou recheio para contar a história! 

— Temo imaginar essa quantidade de criança com esse tanto de açúcar no sangue — Alice meneou a cabeça. — Difícil querer ter filhos depois de uma situação dessa.

— No fim, estávamos tão cansados e empanturrados, que quando fui arrumar a sala, acabei dormindo no sofá e Nirav dormiu logo em cima de mim, pressionando contra minha coluna. — aquilo o divertiu mais do que toda a história, fazendo-o rir até quase lacrimejar. — Minha coluna nunca mais foi a mesma, graças a você, seu folgado! 

Nirav deu risada junto de Alice. Nesse instante, quis mais do que tudo poder se lembrar do momento, mesmo que bem pouco, mesmo que só um relance. Ao menos, agora sabia que havia acontecido. E dependeria de sua própria imaginação para fazer da história uma lembrança, ainda que artificial. 

Vendo sua namorada rir ao ter seu pai gracejando histórias suas, foi difícil se lembrar de tanto ressentimento. Quase quis agradecê-lo por ter lhe dado a chance de conhecer um momento bom antes de tudo o que estava por vir. Se pudesse, teria gravado aquilo em si, em sua própria pele, para nunca esquecer. 

Quando o fim do jantar chegou, Alice pediu licença para ir ao banheiro aliviar a bexiga depois de tanto vinho e risada. Nirav adiantou-se para a pia, pois não queria ter de lavar a louça noite adentro, muito menos deixar para o dia seguinte. Para sua surpresa, August o ajudou a retirar as louças e arrumar a cozinha. 

— Acho que Alice gostou de você. — Nirav comentou, dando os pratos já secos para ele guardar. 

August sorriu satisfeito, quase orgulhoso. 

— Ah, eu espero que sim. Ela é uma boa garota, meu filho — August parou e estudou o filho. — Deveria se casar com ela. 

Nirav hesitou. Sempre retornava ao casamento. Sempre terminava no mesmo assunto. E apesar da pressão não o agradar, ele balançou os ombros e deu a resposta mais honesta que encontrou em si: 

— Não sei se quero me casar. 

O-ho! — August pareceu incrédulo. — O rei do discurso da estabilidade não quer se casar? Eu entendi bem? 

Ele obrigou-se a dar um riso sem graça, fechando a torneira quando terminou de limpar os talheres. 

— Eu quero me estabelecer, sim. Só não tenho vontade de formalizar nada, fazer votos solenes e toda essa burocracia... 

— Bem, nisto concordamos. — o pai suspirou, assentindo. — Não precisa de um circo para provar nada, eu diria. 

Nirav inclinou a cabeça, dando a razão ao pai. Nunca pensou que estaria discutindo casamentos – e concordando - com seu pai, logo seu pai. De todas as pessoas do mundo, ele era o ser menos confiável quando o assunto era formar uma família. E ainda assim, deu por si encostado na pia, gesticulando ao expressar suas incertezas. 

— Sim, é isso, mas... — um suspiro longo escapou de seus lábios, ele coçou a própria barba pensativo. — Continuam me dizendo que a essa altura eu já deveria estar procurando algo assim. Não sou tão mais novo, sei disso. Só que... — hesitou, pois, a imagem que veio aos seus pensamentos não era a de Alice. — Não sei se é a oportunidade que eu quero, que estou procurando. 

— E o que está esperando? — o tom incisivo de seu pai desvaneceu seus pensamentos em um piscar de olhos. Ele pôs a mão em seu ombro. — Não vai ter oportunidade melhor do que essa, Nirav. Acredite em mim. É pegar ou largar. 

Não tinha resposta para suas palavras. E não queria pensar mais no assunto. Por sorte, Alice já tinha retornado com a maquiagem retocada e um sorriso pleno no rosto. Obrigou-se a afastar os pensamentos dúbios que o fazia questionar sua própria moralidade. Nada mais bastava, além da mulher à sua frente. Ou nada mais deveria bastar, pelo menos. 

August tentou sugerir um jogo de carteado para passar o tempo e Nirav até achou uma boa ideia, embora Alice tenha a descartado depressa. 

— Eu não tenho muita paciência para esses jogos, sinto muito em desapontar vocês. 

— Isso é desculpa de perdedor! — August desdenhou, arrancando um riso nasal dela. 

— Vocês podem jogar sem mim, vão se divertir mais. 

Então, Nirav decidiu declinar o convite igual. Seu pai, dando de ombros, alcançou o maço de cigarros e adiantou-se até a porta. 

— Acho que é hora de os pombinhos ficarem a sós. — e se retirou para fora da casa. 

Assim que foram deixados sozinhos, Nirav levou Alice para o quarto. Com seu pai dormindo na sala, a privacidade permanecia intacta. Ele sentou-se na cama de casal, observando-a retirar os sapatos antes de se juntar a ele. Juntos, encostaram-se na cabeceira, apoiados em travesseiros.  

Com a luz apagada e o céu noturno nublado, o quarto inteiro estava engolido pela escuridão. Apenas quando um carro ou outro passava pela rua, a luz do farol infiltrava pela janela e iluminava a parede. Permaneceram no escuro e no silêncio por um bom tempo. 

— As coisas estão mais fáceis entre vocês dois, pelo visto. — Alice comentou, encostada em seu ombro. — Não estão? 

Nirav tomou um tempo para responder. Era fácil dizer que sim depois de um jantar agradável como aquele, só não era o suficiente para apagar e consertar todos os erros. 

— Alguns dias mais do que outros, mas ele não pode dizer que não estou tentando. 

— Ele me pareceu bem feliz — ela virou-se de bruço, apoiando o queixo em seu peitoral. — E eu adorei conhecer ele. 

— Algum lado bom tinha de ter, não acha? 

Alice revirou os olhos, abaixando o rosto contra seu corpo. 

— Por que tem de ser tão cabeça dura? — murmurou contra sua roupa, deixando sua voz abafada. 

— Então não seria eu. 

Ela riu, rolando de cima dele para o outro lado da cama. Deitada ao seu lado, levou uma mão até sua barba. Ele adiantou-se, pousando um beijo sobre sua boca, delicado e breve. 

— Aquilo sobre conhecer seu pai ser como dar mais um passo... — ela sussurrou com tom sugestivo, bem próximo ao rosto dele, após separar os lábios. 

Os olhares se encontraram, tão próximos e íntimos. Deveria tê-la beijado outra vez, encerrado o assunto com outro motivo mais plausível. Porém, deu por si desviando o olhar. 

— Só não precisa ter pressa para dar os outros passos. — respondeu, passando a mão sobre os próprios cabelos. 

— Começo a acreditar que está mesmo me enrolando, como meus amigos dizem que está. 

Havia dito em tom provocativo, mesmo assim Nirav sentiu o peso da verdade por trás da brincadeira de qualquer forma. 

— Eu só acho que o que temos já é bom o suficiente. — alisou a própria barba, brincando com os fios numa tentativa de se distrair do olhar dela. — Não precisamos de um circo para provar nada. — sentiu-se quase surpreso por reutilizar as palavras de seu próprio pai. 

— Eu sei, eu sei... — Alice tornou a se aproximar, extinguindo a distância que o assunto parecia criar entre eles. — Só pensava que, talvez... Bem, podíamos morar juntos. Meu apartamento é grande o suficiente para nós dois. E não seria um passo muito apressado... 

A ideia de deixar aquela casa o desagradou um tanto. Era uma casa tão pequena quanto velha, era verdade, mas era a sua casa. A casa que o endividou por anos, que o obrigou a trabalhar duro para conseguir pagar, que precisou de mais reformas do que podia imaginar. E, no entanto, a casa que o acolheu durante todos esses anos, desde o primeiro dia em que se mudou para Florencia. A casa que abrigou seus sonhos, seus medos e quase todas as suas lembranças. Cada cômodo daquele pequeno lugar tinha uma história a contar, uma história sua. Era seu lar. E não é tão fácil se desfazer do seu lar. 

— E por que não ficar aqui? — a pergunta nasceu morta. Alice jamais abdicaria do bom apartamento que os pais lhe deram para morar em uma casa que sequer tinha uma área de serviço decente. 

— Eu adoro a sua casa, não me leve a mal — ela respirou fundo, tentando medir as palavras para não lhe ofender. — A questão é só que... 

— Seu apartamento é mais chique, espaçoso, confortável, bonito e novo. É isso? 

Alice grunhiu, batendo a cabeça contra seu corpo de leve. 

— Eu não disse isso! 

— Eu sei que não, eu entendo. Está tudo bem. — Nirav mentiu, levando os dedos para acariciar seus cabelos depois de ver o alívio em seu semblante. — Acontece que não é uma boa hora. Meu pai continua por aqui e eu não sei quando vai embora. Na verdade, não sei se ele tem a intenção de ir embora. Já é um velho e constantemente se queixa do fim da vida. E eu prometi para minha mãe que daria conta dele. Não é como se eu quisesse ou tivesse pedido por isso, mas se bem me lembro, você também me pediu isso. 

A desculpa veio fácil aos seus lábios, apesar de Alice não ter tido tanta facilidade para engoli-la. Conseguiu ver em seus olhos a insatisfação, mesmo que tenha se dado por vencida. 

— Eu entendo. — disse por fim, e ele sabia que não entendia. Talvez, sequer acreditasse nele. E não podia culpá-la. 

Sentindo-se culpado, Nirav rolou para cima dela, prendendo-a sob seu corpo. Alice deu um suspiro surpreso e não o afastou. 

— Bem, podemos dormir juntos hoje. Só para treinar, sabe. 

— Com seu pai em casa? — ela fingiu espanto. 

Com uma risada maliciosa, Nirav fez cócegas em sua cintura até ela se contorcer embaixo de seu corpo. 

— Não venha dar uma de recatada agora! 

E assim, ele beijou seu pescoço até que ela suspirasse. No entanto, quando ela afastou as pernas para que se encaixasse entre as saias de seu vestido e beijou sua boca até perder o fôlego, Nirav sentiu-se inerte à luxúria. Quase anestesiado. 

“Nunca vai ter oportunidade melhor”, tornou a se lembrar das palavras de seu pai. Olhando para o rosto de Alice, temeu encontrar outra face, mas era somente Alice. Talvez todos estivessem certos. Era a hora de ceder, aceitar a oportunidade que a vida estava lhe dando. Não teria outra chance, com outra pessoa. Não teria, certo? 


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Notas finais do capítulo

Eu gosto de ver esses momentos tranquilos entre a Alice e o Nirav, eles são fofos. No entanto... Nirav, você está enrolando dona Alice, sim ou claro? Seja sincero!

E que oportunidade é essa que o senhor espera... Se já esperou 7 anos, o que é esperar mais um pouco, não é mesmo



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