O Caminho das Estações escrita por Sallen


Capítulo 40
∾ E por falar nas futilidades do amor, como estamos nós dois?


Notas iniciais do capítulo

Olá, amigos. Como estão?

Gostaria de me desculpar pelo atraso, dessa vez, foi por total erro meu. Comecei a produzir o capítulo e quando já estava na metade, percebi que estava escrevendo um capítulo muito futuro. Ignorei três ou quatro capítulos, pensa bem na bagunça! UHEUH tive que recomeçar tudo outra vez.

E bem, aí está, agora o capítulo devidamente correto.



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Estava mais do que atrasada quando o táxi a deixou diante do muro de tijolos vermelhos. Já não havia resquícios do dia ensolarado no céu escuro, tudo estava coberto pela escuridão da noite. Tinha estado presa no trabalho, além do horário usual, mais uma vez. Quando enfim foi dispensada, sequer teve tempo de tomar um banho ou trocar a roupa. Tudo o que conseguiu fazer foi correr atrás do primeiro táxi e indicar o endereço da nova casa de Hester, e torcer para que tivesse escutado corretamente. 

Então ali estava, usando suas roupas demasiadas formais e cabelos desajustados depois de um longo dia de trabalho. O rabo-de-cavalo estava frouxo, fazendo com que mechas se deslocassem por seu rosto e parecia inútil tentar arrumar. Antes de se aproximar, conseguiu ajustar as mangas da camisa social dobrando-as até os cotovelos e enfiando o comprimento para dentro da calça de cintura alta. Sua bolsa de couro permaneceu pendurada em seu ombro. Não estava perfeita, mas teria de bastar. 

Com um arquejo ansioso, deu o primeiro passo em direção a propriedade com os portões abertos para dentro do tímido jardim. Pôde ver pela primeira vez como se parecia. E era encantadora. Um gramado bem cuidado cintilava com gotículas, mostrando ter sido irrigado recentemente. Um caminho de cascalhos a levava direto para a casa, que roubava toda a atenção com seu charme. As luzes penduradas pelo lado de fora, banhavam a parede de pedra antiga, deixando-as quase douradas. E as janelas, todas abertas, escancaravam cortinas brancas, que esvoaçavam para fora de um jeito quase mágico. Juno sentia como se estivesse entrando em um conto de fadas. 

Seus dedos apressados e nervosos tamborilaram pela madeira envernizada da porta, tocando mais vezes do que o comum. Conseguia escutar as vozes vindo de dentro e também uma música baixinha. Não os culpava por não lhe esperar, deveria ter se organizado melhor. Pensou em gritar, caso não tivessem escutado, tornando a somente bater as juntas dos dedos na porta outra vez. E esperou. 

A noite abafada a fazia lembrar dos tempos de verão. Como sentia falta. O calor fazendo sua pele transpirar, obrigando o uso de roupas mais leves e até ousadas. As ruas movimentadas até tarde da noite, os risos mais fáceis, os corações mais leves. Em uma noite assim, era fácil de se transportar para um tempo há muito deixado, repleto de lembranças e saudades. Quando o vento soprou, bagunçando seus cabelos, Juno olhou para além dos muros vermelhos, fitando a estrada escurecida pela noite. Uma estrada sinuosa, recém construída, que um dia antes fora de terra batida. Uma estrada que não lhe era estranha. Com o coração acelerado, percebeu que conhecia aquele caminho. E onde ele iria chegar. Era... 

— Juno?! 

Deu por si quase saindo no portão, de novo. Seu repentino lampejo de lembrança a fez caminhar até lá, só para espiar a estrada que a levaria de volta para uma antiga cachoeira. Sete anos se passaram desde a última vez que andou por tal estrada. Agora estava de volta e quem chamava seu nome era Alice. 

— Quase pensamos que não viria. 

Juno se aproximou, um pouco insegura. Havia calor em sua voz e um certo brilho apiedado em seus olhos. De Alice, esperaria desconfiança e antipatia, embora pudesse soar infantis tais disputas. Será que sabia da verdade? Teria Nirav contado a ela? 

— Eu me atrasei no serviço — respondeu em tom de lamentação, batendo as mãos na coxa. — Sabe como é, vida de estagiário... 

Alice sorriu, um sorriso curto e apertado, não desprovido de cortesia. 

— Venha, os outros estão esperando. 

Ela estava devidamente vestida. E tão bonita, que fazia Juno se sentir envergonhada. Seus cabelos tingidos estavam presos em uma longa trança embutida, que caía por suas costas desnudas, no vão da camisa de seda verde, presa dentro de uma longa saia branca. Ela era alta, esguia e modelada. Conseguia ver muito bem o que Nirav tinha visto em uma mulher como ela. Os dois pareciam tão sortudos que quase, por muito pouco, Juno não sentiu raiva. 

Retirando seu olhar da bela moça, Juno estendeu a vista ao entorno, admirando a casa em que acabava de entrar. Por dentro, era ainda mais encantadora do que por fora. O chão de taco reluzia sob as luzes do lustre e demais velas espalhadas pelo cômodo. Reconheceu a decoração antiga do apartamento de Theo, a mesma que ajudou a empacotar semanas antes, contrastando com tantas outras novas. 

Helena veio em sua direção, de braços abertos, vestindo um belo macacão jeans tingido de amarelo. Agarrou sua cintura, apertando-lhe até soltar a mais alta das gargalhadas. Juno encheu seu rosto de beijos, soltando da amiga apenas para abraçar a namorada dela, Sarah. Seus cabelos parcialmente raspados estavam penteados como um moicano, um tanto diferente. E ela trajava jeans claro, com um blazer preto sobre uma blusa de banda qualquer. 

— Vocês estão tão bonitas, estou me sentindo prejudicada. — disse, estendendo o comentário até Alice, que inclinou a cabeça. 

No entanto, a mais bela era a dona da casa. Com seus cachos delineados rodeando seu belo rosto felino, usando um vestido longo e azul, com uma bela fenda que se estendia pela perna direita até a coxa. Hester veio lhe receber, abraçando-a com afeto. 

— É incrível — Juno comentou sobre a casa, assim que a soltou. 

— Não viu nada ainda. Vem. 

De braço dado com Hester, Juno a seguiu. Helena e Sarah vieram juntas, apenas Alice se afastou. 

— Onde está seu digníssimo futuro marido? — Juno perguntou com um sorriso. 

— Adivinha? Bebendo com Nirav — ela revirou os olhos. 

Homens... — Sarah completou, causando risinhos. 

Elas a conduziram pelos cômodos amplos da casa, apresentando cada um para Juno. Começaram pela sala de estar, que não parecia tão grande devido aos dois sofás beges e grandes, dispostos em frente à grande televisão e cercados pelas paredes preenchidas de quadros.  

— Ah, essa casa me faz ter vontade de mudar. — Sarah comentou com um suspiro longo. 

— Talvez já esteja na hora de vocês duas procurarem um canto só de vocês. Não acham? — Hester ponderou, piscando em direção de Helena. 

— Quem sabe não podemos casar todos na mesma data? — a irmã sugeriu, com certo deboche. — Você e Theo. Eu e Sarah. Até Nirav e Alice. O que acha disso? 

Hester fez uma careta. 

— Não quero ninguém roubando meus holofotes! — repreendeu de brincadeira, depois voltou até Juno, que ria da brincadeira. — Além do mais, iriam deixar Juno de fora. 

— Oh, não, não! — mais do que depressa, Juno abanou as mãos. — Não me envolva nisso, por favor! Podem me deixar de fora o quanto quiserem, eu agradeço. — elas riram. 

Depois, seguiram para os quartos, dois no total, um ao lado do outro. Um guardava a grande cama de casal e estante de livros enquanto o outro guardava apenas uma escrivaninha e armário, apesar de Juno desconfiar já imaginar seu futuro residente. Fizeram visita até mesmo ao banheiro de mármore preto. Por fim, seguiram para a cozinha e sala de jantar, de onde vinha um delicioso cheiro de jantar. 

Depois de andar por cômodos e mais cômodos, Juno deu por si sorrindo de satisfação. Era mesmo a casa dos dois, era perfeita para eles. Conseguia vê-los morar, casar, ter filhos e envelhecer dentro dessas paredes. Não os conseguia imaginar em nenhum outro lugar, senão este. Dessa forma, a saudade do antigo apartamento já parecia não doer tanto. 

— Pelo menos, essa casa tem uma mesa decente onde se sentar para comer! — Helena provocou, trazendo memórias dos dias em que estavam sentados no chão para se acomodarem no antigo apartamento. 

— Isso me faz pensar que eu também preciso de uma mesa — uma voz masculina aproximou-se junto delas, enchendo o ambiente da cozinha. — Ou vocês nunca irão me visitar, pelo visto. 

Quando Juno seguiu a voz, encontrou Nirav. Seus cabelos cacheados dançaram entre seus dedos enquanto os ajeitava. Usava uma bela blusa vinho de mangas curtas, uma calça jeans clara e justa, com tênis simples. O grande relógio de prata brilhava em seu pulso, mas não era metade do brilho de seu sorriso. Sorriso que deu quando a viu. 

— Ei, você — cumprimentou, enfiando as mãos nos bolsos da calça, deixando os polegares de fora. — Achei que não fosse vir. 

Juno sentiu algo revirar em seu estômago ao estar sob o olhar dele. Percebeu seu próprio nervosismo ao dar por si estalando os dedos uns nos outros. Sentia-se como uma garota adolescente, tão imatura quanto iludida. 

— Se dependesse dos meus patrões, talvez não viesse mesmo — respondeu, arqueando as sobrancelhas. 

— Você viria — Helena disse, sentando-se em uma das cadeiras. — Nem que eu tivesse de ir lá te buscar. 

— Alguém, por alguma gentileza, pode me ajudar com as comidas? — Hester perguntou em alto e bom som, interrompendo a conversa. 

Assim que Juno se voluntariou a ajudar, encontrou Louise na cozinha, terminando de arrumar os pratos e travessas. Seu curto vestido preto realçava suas belas e rechonchudas curvas. Tinha o rosto avermelhado do calor do fogão e enxugava as mãos em uma toalha pendurada sobre o ombro. Foi pega de surpresa quando Juno a apertou por trás. Tinha um delicioso cheiro de tempero em seus cabelos. 

— Não acredito que já está inaugurando a cozinha de Hester! 

Lou segurou seus antebraços, apertando-os com carinho entre os dedos. 

— Como uma cozinha dessa, estava quase pensando em me candidatar a empregada deles! — e a cozinha era de fato incrível, talvez o maior cômodo da casa, toda colorida, rodeada por armários de madeira e com uma grande ilha no meio, repleta com pratos de carne, vasilhas com arroz, tigelas de petiscos e travessas de salada. 

De repente, notou uma certa pessoa, atravessando o portal que levava da cozinha ao jardim interior e roubando algumas azeitonas assadas. Ao ver que foi descoberto, Theo cobriu a boca com as mãos, fazendo-a rir do seu semblante culpado. 

— Prometo não contar nada. — murmurou brincando, roubando algumas de suas mãos. 

— E então, o que achou? — ele perguntou, enfiando o restante direto na boca, sem dar-lhe chance de roubar mais. Estava elegante, usando suas camisas estampadas entreabertas com as tatuagens à mostra e bermuda branca. 

Hester adentrava novamente na cozinha, obrigando-os a se portarem com dignidade. 

— É incrível — respondeu, adiantando e tomando uma travessa com salada temperada nos braços enquanto Hester recolhia o recipiente com arroz. — É o lugar perfeito para se morar junto para o resto dos dias. 

— Sabia que iria gostar — ele deu um sorriso reservado. — Mas ainda sinto saudades do antigo apartamento. 

— Todos vamos. Demora um pouco até a gente se sentir em casa, mesmo estando onde deveríamos estar. 

Eles puseram a mesa enquanto os demais já se sentavam e se serviam. A mesa redonda na sala de jantar era a melhor escolha para um grupo tão extenso. Juno sentou-se entre Helena, à sua direita, e Louise, à sua esquerda. Do outro lado, encontrava Hester e Theo, lado a lado, seguidos por Nirav, Alice e Sarah. 

Em um instante, a casa estava movimentada com o som de vozes que conversavam e riam, no minuto seguinte, tudo o que se ouvia era o tilintar de garfos e facas batendo nos pratos e vasilhames. Apenas de quando em quando era possível escutar um suspiro de deleite, um comentário satisfeito e uma respiração alterada. Quando o assunto era a comida de Louise, o silêncio era um ótimo sinal. 

Hester, então, foi a única a erguer a voz: 

— Ainda não é o momento para discursos, eu sei. Só gostaria de dizer que essas portas sempre estarão abertas a qualquer um de vocês, sempre — anunciou com voz branda, com um quê de emoção. Seu olhar percorreu a mesa, olhando cada um deles até pairar sobre seu noivo, Theo. — O plano inicial era para ser uma surpresa. Só iria trazer alguém nessa casa depois do casamento, mas vocês nos ajudaram tanto com tantas coisas, que não me pareceu certo esperar. Queria partilhar dessa conquista junto de vocês, porque vocês fazem parte dela também! 

Depois de suas palavras, um brinde barulhento com vozes altas e taças se chocando. 

Não conseguia descrever bem a sensação de estar ali, outra vez, rodeada por todos eles. Ver Helena provocar a irmã Hester com suas piadas ácidas enquanto Theo dava risadas, escutando Nirav conversar com Louise que corava com os comentários sobre sua comida. E até os novos integrantes, Sarah com seu estilo chamativo encaixando-se entre eles junto de Alice que, com seu jeito tímido, era toda sorrisos e olhares. Não sabia bem como descrever, mas era como estar em casa. Finalmente, sentia-se de volta. 

Deu por si desejando permanecer no instante em que estava, assim como em tantos outros que sempre desejou eternizar. Porém, além de todos, esse em específico. Quando todos tinham um sorriso pintado em seus lábios, os semblantes satisfeitos, os olhos brilhantes e a superação das desavenças. Nesse exato momento, não havia nada entre eles, senão apenas o laço que os unia. Um laço com diversas voltas, alguns nós aqui e acolá, mas um nó forte, resistente. 

Quando o jantar chegou ao fim, coube a Helena, Sarah e Theo retirar a mesa enquanto Hester e Louise descansavam conversando e tomando sidra. Juno estava enjoada da bebida, talvez por ter comido demais. Deixou os amigos sendo embalados pela conversação e música baixa, e partiu para o jardim interior, a única parte da casa que não havia visitado ainda. Um grande portal da sala de jantar a levou até lá, apesar de ter outra saída pela cozinha também. Primeiro, estava em uma varanda com algumas cadeiras confortáveis de madeira e, em seguida, caminhou em direção ao gramado. 

A noite cobria o céu como um manto azul escuro, bordado com centenas de estrelas rodeando a lua crescente que se estendia por trás da grande árvore antiga. Suas folhas pareciam renovadas, brilhando um verde esbranquiçado pela luz das estrelas. Seu tronco marrom e retorcido parecia quase preto à noite. E ela crescia imponente, tomando conta de todo o jardim, projetando a luz da lua pelas brechas de suas folhas e galhos. Uma visão entorpecedora, irresistível. Juno se aproximou, colocando a mão sobre o grande tronco. Que história não contaria essa árvore se pudesse falar? 

De repente, notou uma sombra do outro lado do grande tronco. O contraste contra a luz da lua transformava a sombra no contorno de uma silhueta, entregando o homem, quieto e tímido, com as mãos enfiadas nos bolsos. 

— Consegue se lembrar onde estamos? — Nirav perguntou, sabendo que era ela sem precisar olhá-la. 

A pergunta pegou Juno de surpresa, embora a esperasse de alguma forma. O que deveria dizer? Que se lembrava sim, pois nunca foi capaz de esquecer? Ou que não saberia dizer, pois não deveria se lembrar? Com um suspiro, olhou para Nirav e depois para o horizonte. 

— Como poderia esquecer? 

Ele acomodou-se de frente à ela, encostando-se no tronco de modo despojado. O jeito que tanto gostava de admirá-lo. Retirou do bolso um maço de cigarro, resgatando um único e pondo entre os lábios. A chama do isqueiro oscilou com a brisa noturna por um segundo e acendeu a brasa. Juno contemplou a fumaça branca rodeando seu rosto. 

— Então, estamos bem? — perguntou debilmente quando o silêncio entre eles se tornou desconcertante. — Finalmente fizemos as pazes? 

— Espero que sim. A gente precisa dessa trégua. — ele emitiu um ruído anasalado. — E pensar que você, logo você, voltou antes do meu próprio pai. 

Juno franziu o cenho, um pouco confusa. Por um instante, pensou sentir um tom acusativo em sua voz, então percebeu que estava enganada. Seu jeito ácido era, na verdade, puro sarcasmo. 

— O que quer dizer? 

— Meu pai voltou. — o jeito que falou pareceu tão casual, que sentiu dificuldade de compreender o que ele estava contando, por mais clara que fosse a sua resposta. 

— Está falando sério? 

Nirav arqueou o cenho, erguendo o olhar até ela. Juno sentiu-se estúpida por suas débeis perguntas. 

— Depois de todo esse tempo, ele resolveu voltar. Quer conversar, consertar as coisas — explicou com certo desdém, o semblante em seu rosto era de desgosto. Juno lembrava-se da relação conturbada que tinha com seu pai, como havia contado anos atrás. — É um velho no fim da vida, procurando por perdão. 

Juno o observou com atenção, ponderando a notícia e a resposta que lhe daria. No fundo, não tinha o que dizer a ele, considerando a lacuna que tinha no lugar de um pai. O que ela faria caso o pai resolvesse aparecer? 

— Como está sendo? — deu por si perguntando com curiosidade genuína, queria saber a sensação de ter um pai, ainda que um péssimo pai. 

— Depende — deu de ombros, terminando outro trago. — Alice acha que eu deveria perdoá-lo, afinal ele continua sendo meu pai. Minha mãe acha que eu devo dar mais uma chance a ele antes de ser tarde demais. Diz que vou me arrepender depois. 

— E você? — questionou com tom penetrante. — O que você acha? 

Nirav retribuiu seu olhar, tomando um bom tempo antes de responder. Em seus dedos, o cigarro se consumiu um pouco mais. 

— Eu acho que não é tão fácil assim — declarou, enfim. — Não consigo deixar de pensar que só está procurando perdão com medo de morrer e ir pro inferno. 

Juno arqueou uma sobrancelha, pensando no que ele disse enquanto se aproximava um pouco mais. 

— Não sabia que acreditava nessas coisas. 

— E não acredito. Mas talvez ele acredite. 

Deram risada juntos, tirando alguma diversão fútil da situação. Então, ele a olhou com a cabeça erguida e o cigarro entre os lábios, perfeitamente encaixado no cavanhaque de sua barba. 

— E seu pai? — surpreendeu-a ao perguntar. 

— Que pai? — uma risada nervosa fugiu de sua boca, quase desconcertada. 

Era sempre estranho pensar em seu próprio pai. Não sabia como imaginar o que nunca esteve ali, muito menos seus sentimentos para com uma figura tão mitológica. Era como pedir que imaginasse uma nova cor que nunca antes existiu. Quase impossível. Com desdém, ela balançou os ombros e fungou o nariz. 

— Quase tive esperanças de encontrar ele no funeral da minha mãe — confidenciou, a voz baixa como se contasse um segredo que até mesmo ela temia escutar. — Pelo menos isso, sabe? Ela merecia que ele estivesse lá por ela, pelo menos essa única vez — ao menos pela sua mãe, Juno queria acreditar que tinha ido. Não por ela, não importava, mas por sua mãe. — Depois, percebi que mesmo se ele tivesse de fato estado lá, eu jamais saberia. Não conseguiria encontrar alguém que não conheço. Sequer sei como ele é. 

Ao reencontrar o olhar de Nirav, viu certa identificação ali para confortá-la. Ele concordou. Tinham aquilo em comum, além de tudo. Podiam até não se entender em mais nada, ao menos no que se dizia respeito a pais, entendiam-se muito bem. Um olhar bastava. 

— Se pudesse encontrar seu pai, conseguiria perdoar? 

Ela inclinou a cabeça, desviando o olhar dele para o céu, apenas por um breve instante. Por fim, fez uma careta e meneou a cabeça. 

— Perdoar o quê? Não tenho como perdoar o que não sei. Ele nunca existiu. — ela deu um riso anasalado. — Se o problema é o pai, mas você não tem um, então você não tem problema nenhum! 

Nirav deu-lhe o ar da graça, gargalhando de seu gracejo, contagiando sua risada mais divertida. Aquela em que exibia todos seus dentes, exagerada e espontânea. Ele pareceu contemplar o momento. 

Logo que os risos se transformaram em apenas sorrisos, Juno estava escorada na árvore, bem ao lado de Nirav. O braço dele roçava em seu ombro e ela precisava olhar para cima para poder ver seu rosto. Um traço da luz da lua banhou sua pele marrom, tornando-a brilhante. 

— E você? — retomou o assunto ao perceber que precisava amenizar a atenção que seus olhos davam à beleza dele. — Vai perdoar o seu pai? 

— Estou disposto a tentar, mas não tenho certeza se sou capaz — confessou, com o cigarro já extinto entre seus longos dedos. Seu tom era baixo e grave, como uma confissão de verdade. Apesar disso, ele também soava aliviado. — Mesmo se o perdoar, não vou ser capaz de esquecer o mal que ele fez tanto a mim quanto à minha mãe. A verdade é que eu o odiei por tanto tempo, agora só me sinto indiferente a ele. E mesmo assim, não vou esquecer. 

Novamente, ela deteve o olhar em seu rosto encoberto pela sombra da árvore, com um único ponto iluminado. Seu olhar era pura apreensão e confusão. Ele estava lutando, conseguia ver isso de forma clara como a luz que iluminava parte de sua face. Só não conseguia saber como lutar. E pelo quê. 

No segredo da sombra daquela árvore, Juno tocou seu pulso com a lua de testemunha. Como fizera uma vez antes, há sete anos quando o escutara cheio de raiva e ressentimento falar do tal pai que agora reapareceu. Ele não afastou seu toque. 

— Você não tem que perdoar alguém que só fez mal para você, Nirav. Não se sinta culpado por não ser capaz de superar uma dor que te causaram. — aconselhou cheia de experiência própria nas entranhas de suas palavras. Juno podia não saber muito sobre a vida, e de fato não sabia. Porém, entendia o que era um perdão. E quando não era merecido. — Perdão é algo muito nobre, é verdade, mas não é a resposta para tudo. Algumas dores são... particularmente difíceis para serem resumidas a um perdão. E, no fim, nunca é sobre seu dever de perdoar. É sobre a culpa de quem magoou você, em primeiro lugar. 

Sob as sombras, eles se entreolharam. A mão de Juno deslizou de seu pulso até ficar próxima da mão. Os dedos, por um mínimo instante, se roçaram. 

— Gosto que me diga o que preciso ouvir — ele murmurou com a voz rouca. — Mesmo quando não é o que quero ouvir. 

— E não é o que amigos fazem? 

Um grande sorriso iluminou seu rosto com seus belos dentes brancos. 

— Hm, de repente passamos de uma simples trégua para amigos? — brincou, acotovelando seu braço de leve e arrancando-lhe uma risada. 

— Bem, eu nunca deixei de pensar em você como um. 

O sorriso permaneceu, mas a proximidade se extinguiu. Talvez ele tivesse qualquer coisa para responder, contudo, seu nome foi gritado do outro lado, de dentro da casa. Juno não soube dizer se a voz era de Alice ou de outra pessoa, só conseguiu prestar atenção no vazio que ficou quando ele a deixou. 


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Notas finais do capítulo

Ai, ver esses dois se reaproximando, reconectando... Tudo pra mim!



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