50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 6
Capítulo 05


Notas iniciais do capítulo



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Capítulo 05 – Eu quero algo em troca
"Eu daria qualquer coisa para ouvir você dizer mais uma vez que o universo foi feito só para ser visto pelos meus olhos."



O dia amanheceu nublado – o que era comum em Seattle – e Ana acordou antes de Christian entrar em seu quarto – e isso não era comum. 

— Bom dia – ele a cumprimentou, surpreso em ver a garota acordada, apoiada na janela, observando o jardim la em baixo. 

— Estamos em que estação do ano? – ela questionou, virando-se para ele. 

— Outono, Srta. Educação – ele respondeu. 

Ana riu.

Perfeita.

 E então revirou os olhos, logo fazendo uma careta para os materiais na mão do médico. 

— Eu preciso que você venha até aqui, estique seu braço e me deixe tirar seu sangue – ele falou, apontando para sua cama. – Como foi sua noite? 

— Para que? – ela questionou, andando lentamente até ele. – E eu não tive pesadelos, se é o que você quer saber. 

— Você teve em seu corpo mais de 30ml de sedativos e calmantes há dois dias, preciso ver sua taxa de plaquetas e leucócitos, a Riley-Day não deixa seu cérebro te avisar que tem algo errado, mas o seu corpo avisa. 

— O que eu ganho com isso? – ela cruzou os braços, aproximando-se da cama. 

Christian bufou. 

— Eu não vou nem responder isso – ele murmurou. 

— Quer tirar meu sangue e eu não ganho nada em troca? Não é justo – ela reclamou, sentando-se na cama. 

— Você ganha em troca eu mandando seu sangue para o laboratório ver se tem alguma alteração. 

— Muito chato isso aí.  Não, não quero. 

Christian revirou os olhos e esticou a mão, indicando que ela deveria esticar o braço. 

— Você não vai sentir nada, prometo – ele falou. 

Ana bufou. 

— Engraçadinho – ela resmungou. – Você pode me beijar. 

— Que mudança brusca de assunto – ele observou enquanto colocava as luvas. 

Ana sorriu de lado. 

— É pegar ou pegar... no caso, à mim. 

Christian riu. 

— Quem está te ensinando essas coisas? 

— Sabia que passa The Vampire Diaries na  TV do refeitório depois do toque de recolher? Isso é meio mórbido para uma clínica psiquiátrica, vai que alguém acha qué um vampiro de repente e começa a cortar gargantas por aí... 

— Se é depois do toque de recolher, como você sabe disso? 

A garota abriu e fechou a boca, ainda mantendo os braços cruzados. 

— Ops – murmurou, a expressão se quem foi a no flagra. 

Christian balançou a cabeça em descrença e pediu novamente seu braço. 

— Nada feito – ela murmurou. 

— Sorte sua que eu estou com paciência hoje – ele devolveu. – Vamos, me da o seu braço que eu te dou um beijo. 

Ana levantou uma sobrancelha. 

— O que? Não é o que você quer? 

A garota ficou sem reação, mas esticou o braço e permitiu que Christian tirasse seu sangue. 

— Boa garota – ele sussurrou quando a menina nem ao menos se mexeu quando ele enfiou a agulha. 

Ana sorriu, mostrando seus dentes pequenos e a covinha única na bochecha esquerda. 

Christian perdeu o ar, amava o sorriso dela. Não era de um jeito romântico, era de um jeito de gostar mesmo. Ela tinha um sorriso bonito, daqueles que você quer ficar admirando, e quando se pensava na vida dela, o seu sorriso era a coisa mais importante. 

— Você sabia que seus olhos brilham toda vez que você pega minha veia de primeira? É fofo –

Ana comentou. 

Não era porque ele achava a veia dela de primeira, era porque ela sempre sorria quando ele acertava de primeira. Mas claro que não iria corrigi-la. 

— Eu sei que pode machucar. 

— Eu não sinto dor – ela garantiu. 

Ele a encarou, depois de retirar a agulha e colocar um adesivo de algodão no pontinho único de sua pele furado. 

— Isso não é verdade – ele falou. – Você sente, só não sabe lidar com isso e aí... está aqui. 

Ana mordeu o lábio inferior. 

— Ainda acho que é porque você gosta de mim, por isso que... 

— Por que está tão obcecada? – ele a interrompeu. -  Não foi certo o que você fez ontem, eu sou seu médico, posso ser demitido se alguém tivesse visto – ele foi firme. 

Não havia nem considerado um beijo, havia sido um selo bem rapido, não importava que ele – vergonhosamente – havia tido seu coração disparado por aquilo e quis mais. Não havia sido um beijo. Mas havia sido errado de qualquer forma. 

— Eu não quero que seja demitido – ela murmurou.

— Então para com isso, não podemos, tudo bem? 

—Ninguém pode saber – ela concluiu. 

— Não, não é que ninguém pode saber, não vai acontecer.

Ana balançou a cabeça e engoliu em seco. 

— Nunca quis tanto uma coisa quanto eu quero você – ela disparou. 

Christian fingiu não se abalar. 

— Por que tem que ser eu? Sabe, tem uns pacientes que pode fazer o seu tipo, posso ate arrumar uma terapia em grupo junto para vocês. 

A garota bufou. 

— E isso não é errado? Relacionamento entre pacientes? 

Christian ficou calado. Ele não sabia se errado ou não, nunca havia pensado naquilo. 

— É que você me faz ser melhor – ela falou baixinho. – Por isso eu estou “obcecada” por você, porque você me faz melhorar, até nos dias ruins você me faz melhorar. Você é a única pessoa no mundo inteiro que me faz sentir assim, não sei lidar com isso também, ao que parece. 

Christian desviou o olhar do dela e inspirou o ar. 

— Eu não vou embora, okay? – Ele garantiu. – Eu não vou te deixar, mas é errado qualquer tipo de relação entre um médico e um paciente. Você não é considerada capaz de responder por si, então eu posso até ser preso se... 

— A gente não tem que namorar, calma. Eu só não quero que você seja apenas o meu médico. Sabe, eu entendo que não podemos, não por ser errado, mas ser contra as regras, e eu não quero que seja demitido, só você pode cuidar de mim. Mas é legal ver você tentado a me beijar e... 

— Eu não fico tentado! 

Ana riu e consequentemente Christian também. 

— Você tem que parar com isso – ele falou. 

— Não fiz nada – Ana se defendeu. 

— Você fica agindo como se não fosse uma paciente e eu acabo caindo nessa – ele respondeu.

Ela sorriu de lado. 

— Terminou? – questionou quando ele jogou o material descartável no lixo. 

— Sim – respondeu, recolhendo os materiais para jogar no descarpate. 

A garota sentou -se ereta na cama e encarou Christian, uma sobrancelha levantada e um sorriso de desafio. 

— Ah, claro – Christian lembrou do acordo, voltando a se aproximar da menina. – Seu beijo... – ele sussurrou contra boca dela, perto o suficiente para fazer o coração dos dois disparar, e então levou os lábios para a bochecha dela, deixando um beijo delicado, logo se afastando por completo. – Pronto. 

Ana abriu a boca, indignada.

— Mas isso não é o que... Ah, sim. Eu não especifiquei – resmungou, cruzando os braços. – Agindo assim parece que não quer me beijar. 

Christian riu e se virou para ela. 

— Você é minha paciente, só lembre-se disso, tudo bem? 

Ana deu de ombros. 

— Um dia eu não vou ser – ela garantiu. 

— Então, quando esse dia chegar, a gente conversa – ele falou. 

Ana inclinou a cabeça e o encarou. 

— Pode demorar um pouquinho. Você espera? 

Ele se aproximou, retirou uma – insistente - mecha de cabelo dos olhos dela e sorriu. 

— O tempo que precisar – prometeu, logo dando um beijinho na ponto de seu nariz. 

A garota engoliu em seco, o coração batendo rápido. Parecia uma cena de filme – totalmente clichê. 

— Sou o amor da sua vida mesmo – ela brincou, mas no fundo queria que fosse verdade. 

Para Ana tudo era sempre preto e branco, mais branco do que preto, mas enfim... ela sabia o que queria, sabia como era. Se ela gostava, ela amava; se não gostava, ela odiava. Ela gostava de Christian, ele era gentil com ela, engraçado, bonito e tinha o melhor cheiro do mundo. E não importava que ela não viu o mundo ainda, ela sabia que não iria precisar dele se tivesse Christian. Apesar de tudo, Ana tinha um senso de vida maior do que de muitas pessoas que já viajaram o mundo e viveram no limite. 

— Se você diz – Christian falou. – Agora eu tenho que ir. 

Depois do banho e do café da manhã – que Christian a obrigou comer no refeitório com outros seres humanos, Ana foi  para o jardim. O jardim era o único lugar qual ela ia por por vontade própria, sem Christian ter de persuadi-la. 

La era bonito, e lembrava o mundo fora dali, as flores eram iguais. La fora, depois dos portões de ferro automatico da Clínica Priory, o girassol também era amarelo, as peonias também era m brancas e as rosas eram bonitas de uma forma que tirava o fôlego. 

A morena estava sentada num tronco de árvore, observando o mar de rosas a sua frente, o caderno de desenho no colo e o giz de cera – que ela jurava toda vez que percebia que era mesmo um giz de cera – fazendo seu trabalho desenhando-as. 

— É bonito, muito bonito - alguém disse enquanto pegava uma das rosas. 

Ana se virou. 

Era uma garota, ela usava um pijama de unicornio e uma coroa de flores na cabeça, e olhava descaradamente para o desenho de Ana. 

— Obrigada... Eu acho – a morena respondeu, percebendo o olhar vazio da outra. 

— Eu gosto de flores, são sempre lindas – a outra comentou. 

Ana balançou a cabeça e voltou para o seu desenho. 

A menina se ajoelhou ao seu lado e a encarou de perto. 

— Olha, eu não sou doida, tá? Não vai rolar conversa de doido entre a gente – Ana falou. - Vai procurar os doidos.

A garota balançou a cabeça e se levantou, uma rosa na mão e um sorriso no rosto.  

— Ta bom – sussurrou a menina de forma triste. 

Ana voltou para seu desenho, mas a garota continuou por perto, agora conversando com as rosas, e as vezes ela falava de Ana, e falava bem, dizia o quanto ela era bonita, mas não era louca então não queria ser sua amiga. E Ana sentiu algo como compaixão e empatia. Talvez para a garota, Ana era com os outros eram para Ana. Ninguém acreditava nela e só julgavam, nunca sequer tentavam começar com um pensamento diferente do que o que já imaginavam saber: ela era louca e ponto, eles tinham que seguir daí e não regredir. 

A morena se levantou e seguiu a menina, ela estava no meio das rosas vermelhas e falava agora de como ela deveria se sentir bonita porque as rosas eram bonitas. 

Ana não entendeu nada. 

— Ah, você está aqui – a garota disse ao se virar para ela. – Eu estava contando de você. 

— Percebi – Ana respondeu. 

— Tem muitas rosas aqui... E são rosas com muitas cores. 

— Mas é outono, elas vao cair logo logo. 

— Não, não, não! 

Ana arregalou os olhos. 

— Tudo bem, então elas não vão cair então – ela se corrigiu. 

A garota mexeu as mãos e pegou outra rosa. 

— Não, não vai cair... É muito bonita... você tambem. 

Ana balançou a cabeça e deu um sorriso. 

— Como você - respondeu. 

A menina deu um sorriso de lado e girou. 

— Fazendo amigos? 

Ana sobressaltou quando a voz veio de muito perto do seu ouvido. 

— Christian – ela resmungou, virando-se para ele. 

O médico sorriu. 

Nunca havia visto a garota sequer olhar sem ser com raiva ou nojo para outros pacientes e médico, mas ali ela estava sorrindo para Isabella. E até fora gentil. 

— Terapia – ele informou a menina. 

Ana havia começado na tarde anterior com a terapia individual, Christian  havia decidido que ainda não era hora de muitas pessoas ao seu redor, mas ela precisava de outro profissional lhe fazendo perguntas além dele. Apesar da menina confiar nele aparentemente, ela não falava, não gostava de responder perguntas pessoais e odiava a hora da terapia. Entao Christian teve de colocar Elliot no caso, apenas por alto. Até agora Ana tinha falado seu nome para ele, e isso porque o médico em questão havia lhe chamado pelo apelido – Ana – qual ela veementemente observou num tom alto e ácido que não havia permitido tal coisa. 

Mas era um progresso. 

— Eu sou mesmo obrigada a ir? 

— Uhum. 

— Dr. Grey – a menina comemorou quando o viu ali, aproximando -se do mesmo. 

— Ola, Isabella – ele a cumprimentou. 

A garota sorrriu envergonhada e ficou na ponta dos pes para falar em seu ouvido. 

— Ela é bonita – sussurrou. 

Christian sorriu e concordou com a cabeça. 

— Muito. Muito. Muuuito – a menina continuou sussurrando. 

— Ela é mesmo – ele respondeu num tom baixo. 

Ana levantou uma das sobrancelhas e cruzou os braços. 

— E a terapia? – questionou. 

A menina – Isabella – se afastou e virou -se para ela. 

— Você tem que dizer tudo, tem que ser gentil, tem que falar... só que-querem ajudar. Ajudar muito – ela falou. 

Ana mordeu o lábio inferior. 

Era um pouco deprimente, a garota era obviamente era uns bons anos mais velha que ela e parecia uma criança. 

Ana era considerada a mais louca.

— Ela está de branco. Tem muito branco – a garota continuou, voltando a “sussurrar” para Christian. 

O medico olhou para Ana. 

Todos os pacientes da Ala Z precisavam usar a roupa da clínica, não era permitido usarem cores ou roupas que não fossem leves, sem bolso e fáceis de rasgar. Só Deus sabia como eles eram inteligentes na hora de tentar se matar ou matar alguem. E também era uma forma de reconhece-los, os medicos sabiam que não podiam tentar ter autoridade com um paciente que estivesse com a roupa branca de Priory se ele não fosse o seu paciente. 

— É que ela é especial – Christian respondeu. 

Isabella sorriu largo e mirou Ana. 

— Especial. 

— Isa, vamos nessa, é hora da dança – uma médica chegou dizendo. 

Isabella bateu palmas e sorriu, entregando a rosa na mão de Ana e entao lhe abraçando de repente, o que fez os dois médicos retesarem. A fama de Ana não era das melhores quando se tratava de contato físico. 

— Okay, chega – ela sussurrou para a menina, empurrando-a de forma delicada. – Vai dançar – incentivou quando a garota continuou agarrando-a. 

— Bonita – a garota voltou a dizer quando a soltou. 

— Sim, vem comigo, Isa – a médica a chamou gentilmente. – Dr. Grey. Srta. Steele. – cumprimentou enquanto levava Isabella pela mão. 

Ana observou enquanto a garota ia de bom grado, falando sobre as flores e sobre ela. 

— E aí? Está pronta? – Christian chamou sua atenção. 

Ana balançou a cabeça em negação, mas o seguiu de qualquer forma. 

— Sabe, eu prefiro que seja você – ela falou, quando já estavam na porta do consultório 2. 

Christian sorriu. 

— Elliot é confiável, eu confio nele – ele respondeu. 

Ana suspirou, sentindo os olhos encherem d’água. 

— O que foi? Ei, você está chorando? – ele aproximou dela totalmente, tocando seu queixo com o polegar e o indicador. 

— Eu só... É que eu não sou louca – ela murmurou. 

Só um pouco bipolar. 

— Eu não estou dizendo que você é. 

— Mas também não acredita em mim. 

— Não sou idiota, eu sei que tem algum problema comigo, mas eu não a esse ponto, eu não sou louca.

— Nós precisamos resolver esse problema, é o que eu estou tentando fazer, mas sem sua ajuda não da – ele limpou suas lágrimas. 

— Você não acredita em mim – ela insistiu. 

Christian suspirou, olhando ao redor percebendo o corredor vazio. 

— Então me fez acreditar, me conta o que você sabe e sente – ele segurou o rosto dela entre as mãos. – Confie em mim. 

— Eu confio – ela respondeu. – Mas... Eu não sei, okay? Não sei o que acontece comigo. 

— Então deixa o Elliot saber. Eu entendo você, sério, eu entendo que é difícil  você confiar em pessoas que só te machucaram a vida inteira, ninguém te escuta e acha que você não é capaz de fazer nada sozinha. Eu só preciso que voce tente, me deixa entrar. 

Ana mordeu o lábio inferior e descansou a testa no peito do médico, fechando os olhos. 

Christian tocou seu cabelo e beijou a lateral da sua cabeça.

Ana inclinou a cabeça para tras, mirando os olhos cinzentos de Christian.

— Ana... - ele sussurrou como um aviso quando a garota aproximou a boca da dele, mas nao se afastou.

Droga, ele queria beija-la!

Tudo durou alguns segundos, mas pareceu a eternidade, até a maçaneta da porta se mexer e os dois se afastarem. 

— Oi, Ana – Elliot saudou. – Pronta? 

Christian deu sorriso de incentivo para Ana e deu um passo para o lado, dando espaço para a garota.

A garota tinha o coração disparado e a respiração engatada. 

— Tudo bem... – Ela sussurrou para si mesma e seguiu para o consultório, mas se virou em seguida. – Aqui – estendeu a rosa vermelha para Christian. – Cuida dela até eu voltar.

Às vezes, não tem nenhum aviso, as coisas acontecem num segundo. E tudo muda. Você está bem. Você não está. E as coisas continuam. Era desse jeito a vida de Ana. Num segundo ela estava mirando a rosa vermelha na água em cima de seu criado mudo e no outro milésimo ela estava mais uma vez a sala se Elliot. 

— Eu quero que você visualize, que você se lembre de detalhes... Que roupa você esta usando? Que cheiro tem o lugar? O que você sente? 

Ela permaneceu imóvel, deitada no sofá grande no meio sala. 

— Volte lá, aos seus sonhos... o que você está fazendo? Quem está la com você? 

Ana piscou, mirando a janela do chão ao teto. 

Ela não queria voltar, nem sabia como fazer aquilo. Mas era para o seu bem, Christian havia lhe dado um milhão de motivos para que confiasse em Elliot. 

— Eu não sei... – murmurou baixinho. – Eu não lembro. 

— Se esforce. O que tem la? O que te faz ter medo? Por que você está tão parada? 

Ana respirou fundo e continuou mirando sem ver a janela enquanto enrolava uma mecha de cabelo no dedo indicador. 

— Eu não consigo me mexer, eu fico presa - ela respondeu em seu estado longínquo. – É... difícil respirar, não sei... é esquisito tudo. 

— Como você está presa? 

Ela balançou a cabeça. 

— O que está esquisito? 

A garota se virou para o médico e se sentou no sofá. 

— Aqui – apontou para o próprio coração. – Está apertado, como se tivesse alguma coisa prendendo, fica assim sempre quando eu acordo – ela engoliu em seco e mirou o chão. 

Já era final do dia e Ana já estava naquela sessão há grandes horas. Estava mentalmente exausta e só queria se deitar.

Porém, somente mais uma hora depois Elliot a liberou para o quarto, onde Christian já a esperava. 

Havia um acordo mútuo e silencioso entre os dois: depois das sessões, Ana não era uma pessoa amigável, então ele não forçava uma conversa. 

O medico apenas a ajudou com o banho e a deixou sozinha no banheiro quando a mesma deu um passo para trás ao que ele pegou sua roupa: era um aviso de que ela não queria que ele a ajudasse naquilo. 

Logo a garota voltou para o quarto, uma toalha secando a ponta dos cabelos e a expressão de quem precisava deitar imediatamente. 

Sem uma única palavra, a garota se sentou no parapeito da janela enquanto Christian pegava sua escova de cabelo no armário trancado. 

O céu já escuro lá fora não carregava nenhuma estrela, e a cor quase preta fazia parecer uma madrugada e não uma noite. 

Christian penteou gentilmente seu cabelo úmido, passando os dedos pelos fios e consequentemente os olhos de Ana quase se fecharem. 

— Obrigada – ela sussurrou quando ele terminou e se levantou. 

Christian guardou a escova e voltou a bloquear o armário enquanto Ana se sentava na cama. 

— Eu imagino o quanto é difícil, e eu estou muito orgulhoso de você por não desistir. 

Ana deu de ombros e mirou a porta fechada atrás de Christian. 

O medico comprimiu os lábios um no outro e se afastou. 

— Trarei seu jantar em uma hora – avisou e então se virou para a porta. 

— Não estou com fome – ela resmungou. 

Christian se virou. 

— Eu vou trazer mesmo assim – ele devolveu. 

Era um dia em particular em que o medico não estava com paciência. Denver havia tido uma recaída, estava na sala vermelha amarrado ate os cabelos e entupido de sedativos.

Definitivamente Christian não estava tendo um dia bom, seu humor estava tão ácido que até com Ana ele estava medindo as palavras para não vacilar com ela. 

— Não está mais afim de falar comigo? – ela questionou de repente. 

Christian suspirou, passando a mão pelo cabelo. 

— Eu estou falando com você. Que tal descansar e daqui a pouco jantar? – ele tentou 

— Eu não quero – ela bufou, batendo com a mão no colchão da cama. 

Christian fechou a não em punho. 

Deus, ele adorava Ana, sério. Ele gostava dela de um jeito que sabia que não deveria, mas gostava. Ela brilhava para ele. Porém, Ana não deixava de ser uma paciente. É as vezes o trabalho de Christian o estressava tanto que ele queria ser internado também. 

E aquele era um daqueles momentos. 

— Ana, você precisa... 

— Eu já disse que não quero! 

— Então faz o que você quiser! 

Ana se assustou claramente, as mãos apertando o lençol da cama e os olhos arregalados. 

Christian nunca havia gritado com ela, ele não era como os outros. 

Ele era? 

— Desculpa, eu não... droga, as vezes você me tira do sério, Ana – ele murmurou. – Quer dizer, me desculpe. Não é culpa sua. Nada é culpa sua. 

— Vai embora – ela pediu. 

— Ana... 

— Sai do meu quarto! 

Ana era uma bomba relógio, e Christian podia contar cinco segundos e antes que ele terminasse, a garota teria explodido. 

Então ele preferiu sair e deixá-la sozinha. 

Ela era uma paciente da Ala Z, afinal, se ela não queria um médico ali, ele não podia estar. 

Aquele era o grande problema de tudo: Ana era uma paciente definitiva - da Ala Z, a ala que ninguém saía – e aquilo era como uma sentença de algo que nunca poderia acontecer. 

Ana tentou não se importar com a cena de Christian, ela não havia sido totalmente irritante, ela não havia sido estressante, apenas disse que não queria jantar. O que de tão ruim havia em ela dizer aquilo? Havia tido uma sessão terrível, pior do que as outras. De qualquer forma, ela se importou. Ela sabe que se importou porque não ficou com raiva, não sentiu vontade de quebrar o mundo. Ela ficou triste, ela não queria ser estressante para Christian. 

Uma hora mais tarde, Christian levou seu jantar, esperou sentado na poltrona, mas a garota nem mesmo tocou nas bandejas por dez minutos inteiros. 

— Ana, por favor, você pode comer? – ele questionou lentamente. 

A morena recostou a cabeça na cabeceira da cama e cruzou os braços. 

Uma perfeita criança. 

Mas claro que Christian não proferiu a frase em voz alta. 

— Por que você está tão difícil hoje? – ele perguntou. 

A garota se virou para o médico. 

— E por que você gritou comigo? – ela rebateu. 

— Eu não gritei com você, amor... Bom, pelo menos não foi minha intenção. 

Ana mordeu o lábio inferior e continuou encarando o médico. 

— Eu não quero comer – ela voltou a dizer. – E não grite comigo como se tivesse e o direito porque está tendo um dia ruim. 

Christian sentiu o rosto ficar vermelho. Ele ter um dia ruim não era nada comparado aos dias de

Ana desde sempre. 

— Me desculpe – ele repetiu. 

—  Eu só não quero que faça de novo – ela murmurou. 

— Eu prometo – ele falou. 

Ana balançou a cabeça. 

— Podemos ir lá fora agora? 

Christian mirou o ceu atraves da janela e então voltou para Ana. 

— Deve estar muito frio lá fora, é melhor não. 

Ana suspirou. 

— Só por alguns minutos... e eu posso usar um casaco. 

Ela odiava casacos.

— O que você quer fazer la fora? 

— Quero olhar o céu, mas sem ser através do vidro. Por favor. 

Christian bufou e se levantou. 

Até parece que ele iria conseguir dizer não depois de ter gritado com ela. 

— Tudo bem, mas é só por alguns minutos. 

Ana sorriu de mínimo e se levantou da cama. Christian lhe entregou seus sapatos e um casaco, logo guiando-a para fora do quarto, sendo discreto para não serem pegos depois do toque de recolher. 

Ele não acreditava que estava mesmo fazendo aquilo! 

— É proibido estarmos aqui fora? – Ana sussurrou enquanto Christian usava sua biometria para abrir a porta para o jardim. 

— Sim – ele respondeu. 

— Entendi. 

Ele revirou os olhos. 

— E ainda assim não quer voltar – ele comentou. 

Ana balançou a cabeça em negação e entrelaçou as próprias mãos quando o ar gelado bateu contra si assim que a porta se abriu. 

— Tem certeza que...? 

— Vamos – ela chamou, andando na frente, caminhando para o jardim completamente deserto. 

— Ana! 

A morena parou no canto jardim, onde uma árvore de flores rosa já começava a ser desmoronada pela chegada do outono. 

— É a minha estação preferida – ela comentou, pegando no ar uma pétala que caía pelo vento frio que lhe bateu. 

— O outono? Ninguém gosta do outono. É frio, mas nem tanto, o que é uma droga, os jardins ficam feios e o céu está sempre nublado – Christian respondeu parando ao seu lado. 

— É, mas isso não é ruim. As folhas caem para nascerem de novo, o céu fica cinza para se preparar para neve, e a neve é tão linda... O outono é como se fosse uma preliminar, ele está preparando as coisas para serem mais bonitas, ele mostra que nada é para sempre, nada é tão perfeito que não possa melhorar... quando ele chega você sabe que tudo passa. A minha vida é como se fosse um outono eterno, sabe? Eu estou sempre me preparando para melhorar, sempre esperando as coisas bonitas chegarem – ela se virou para Christian e o encarou nos olhos cinzentos e brilhantes. – Bom, já chegou você, parece que o outono está acabando. 

Christian sentiu o impacto direto no seu coração, de repente o órgão que bombea sangue estava tão disparado que o medico sentiu dificuldade em respirar. 

— Você pode pensar nos dias ruins como um outono, eles estão te preparando para melhorar – ela falou. 

Christian continuou apenas encarando-a, sem saber o que dizer.

— O que foi? Por que está me olhando assim? – ela questionou, corando. 

Foi fofo.

— Nada, é que... você é tão você às vezes. 

A garota sorriu. 

— O que? Às vezes eu pareço ser menos louca do que eu sou? 

Christian riu. 

— Você consegue me fazer rir até quando eu estou de mal humor – ele comentou. 

Ana sorriu largo, mesmo sentindo o frio entrar por seus ossos. 

— Bom, nós vamos nos casar, preciso te conquistar antes – ela falou com petulância. 

Christian mordeu o lábio inferior.

— Eu acho que dessa parte você já passou – ele sussurrou quase inaudível.

Ana levantou uma das sobrancelhas, mas não comentou.

De repente pingos de água começaram a cobrir o chão e eles dois, primeiro fracos e lentos, mas já ganhando força.

— Vem, vamos entrar logo – Christian puxou a menina pela mão. 

— Não, espera- ela o parou. – Só mais um pouco. Eu nunca sinto a chuva.

— Você pode ficar doente.

— Vai valer a pena. E você é medico de qualquer forma.

Christian suspirou e contra a própria vontade deixou a garota aproveitar a chuva ainda fraca, mas fria, ainda segurando sua mão. 

Os pingos de chuva ficaram mais fortes e por fim o cabelo de Christian já estava bagunçado e molhado juntando a sua  roupa.

Era a perfeição.

Ana sabia.

A garota sorriu pequeno.

— Eu acho que... Que eu nunca vi alguém tão bonito- ela sussurrou.

Christian riu, mas sua risada parou no momento que Ana voltou a falar.

— Eu estou apaixonada por você – ela disparou. – Eu sei que é meio louco uma pessoa como eu dizer isso, mas eu nunca fui tão sincera na minha vida. É eu também sei que existem muitos motivos para não ficarmos juntos e os motivos são enormes...

E ele a beijou.

Ele simplesmente beijou.

E era a porra de beijo na chuva!

Christian a puxou pela cintura e a apertou contra si, uma mao em sua nuca mantendo o cabelo fora do caminho enquanto seus lábios tocavam nos dela. O beijo durou longos segundos, os dois perdidos com os corações acelerados e a respiração empacada, até que os pulmões pareciam que iria explodir.

A respiração voltou ofegante e lenta, um contra o outro, tão próximos quando possível. 

— Você me beijou – Ana sussurrou num fio de voz.

— Beijei – ele respondeu contra a boca dela.

— Você me beijou mesmo.

— É... – ele sussurrou agora com os labios encostados em sua testa.

Ela sorriu completamente, mas então desfez o sorriso, encarando-o de baixo.

— Se arrependeu? 

— Hã, eu...

— Se se arrepender não me diz.

— Eu não me arrependi – ele foi sincero

Tinha sido muito errado, tão errado que ele deveria se sentir envergonhado, mas não se arrependia.

Ana voltou a sorrir de verdade.

— Droga, para de sorrir desse jeito – Christian resmungou derrotado, afastando-se da menina.

— Que jeito?

— Como se eu tivesse te dado o Nirvana.

— É melhor do que isso.

— Okay, para.

Ela riu. Parecia uma poesia.

— É melhor a gente entrar, você está toda molhada – ele mudou totalmente o assunto.

— Hãã a chuva não está pegando só em mim... nós estamos molhados.

Ele revirou os olhos.

— Mas você é a paciente.

Ana bufou baixinho.

— É, eu sou a paciente. 

Christian não respondeu, apenas voltou a puxa-la para dentro da Clínica e 

Ana secou o rosto com uma toalha menor enquanto observava Christian trancar novamente o armário.

— Eu ainda não sei como eu poderia machucar alguém com toalhas e escova de cabelo – ela falou.

— É para você não machucar a si mesma... e é claro que você sabe como machucar alguém com toalhas e uma escova de cabelo – ele disse e então se virou para ela, logo sentindo partes do seu corpo mais acordadas do que deveriam. 

Ana havia tirado o casaco, e a blusa branca estava completamente colada a seu corpo.

Ela era perfeita demais!

— Está tudo bem? – a morena perguntou sarcástica.

Christian balançou a cabeça. 

— Aqui, troca a roupa, vou esperar lá fora.

— Mas eu não posso sozinha.

— Você pode sim.

— Você é o meu médico!

— Isso, sou seu médico

— Então me ajuda a tirar a roupa, médico.

Christian abriu a boca e fechou. A fala de Ana havia saído de forma tão sexual que ele não conseguia acreditar que a garota que podia ser tão inocente podia falar daquele jeito.

Ele se aproximou dela e colocou a roupa seca em cima da cama.

— Eu não vou te beijar – ele murmurou assim que tocou na barra da blusa da menina.

Ana sorriu maldosa.

— Sei...

— É claro que eu não vou.

— Eu duvido 

— Agora que eu não vou beijar mesmo.

Os dois tinham a boca tão perto da outro que já quase se esbarram.

— E eu continuo duvidando.

— Para com isso.

— Você me quer – ela disse confiante, num tom de segredo. - É que você sabe que não pode me querer... agora. Mas não tem ninguém aqui, você pode me beijar.

— Não, eu não posso te beijar.

Ana sorriu de um jeito perfeito e inclinou a cabeça.

— Então, tira a minha roupa – ela disparou.

Christian balançou a cabeça e mordeu o lábio, olhando descaradamente para a blusa molhada da garota.

Ana sentiu o corpo inteiro se arrepiar.

— Isso é muito errado – ele repreendeu a si mesmo.

A morena se encostou nele e o olhou nos olhos.

— Você vai me beijar – falou.

— É, eu vou te beijar – ele declarou antes se puxa-la pela nuca e beijar seus lábios.

O beijo foi diferente dessa vez, a tensão aumentou e não havia apenas gentileza, havia algo a mais... algo que os dois queriam, e isso só aumentou quando Christian deixou uma das mãos percorrer o corpo de Ana e então tocar em sua bunda, arrancando um gemido sutil da garota, que reverberou todo o corpo dele. 

Ana se sentia de um jeito que nunca sentiu antes, estava fazendo coisas que nunca fizera antes, e quando Christian fez uma das mãos entrar por baixo de sua blusa foi como um ápice, como um milhão de estrelas em seu corpo... foi como amar pelo mundo inteirinho.

O medico desceu os lábios por seu pescoço, beijando, chupando... fazendo a garota enlouquecer no melhor sentido que podia.

— Porra – ele gemeu de forma grave quando empurrou a garota para parede e pressionou o próprio corpo contra o dela, mais do que excitado. – Preciso parar – sussurrou contra o pescoço dela, parando com a boca em pele alva após perceber que havia deixado uma marca ali.

Onde ele estava com a cabeça? 

— Não precisa parar – Ana falou. – Está tudo bem.

— Não, não está tudo bem – ele respondeu, voltando os olhos para os dela após deixar um beijinho em seu pescoço. – Eu quero, sério, você não faz ideia.  Mas não está tudo bem porque é errado... agora.

Ana mordeu o lábio inferior, mas concordou. 

Christian sorriu de lado e beijou sua testa antes de se afastar completamente.

— Troque de roupa que eu preciso fazer a mesma coisa, já volto para você jantar e entao dormir – ele falou mais do que gentil.

E Ana amava aquilo.

A garota concordou novamente.

— Não demora muito, agora eu estou com fome – ela falou.

Christian riu enquanto caminhava para a porta.

— Eu prometo, amor – respondeu, fazendo o coração da garota falhar. – Ei – chamou já com a porta aberta atrás de si. – Eu prometi que ia te esperar, não tem com o que se preocupar... leve o tempo que for – e então se foi.

Ana permaneceu contra a parede, um dos contra o lábios, sentindo a textura diferente que eles tinham naquele momento pela pressão dos de Christian enquanto tentava guardar para sempre na memoria a sensação das mãos dele em seu corpo. 

tudo muda.

 


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