50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 3
Capítulo 02


Notas iniciais do capítulo



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Capítulo 02 - Inspire e expire

Agora que a guerra acabou comigo, eu estou acordando, eu já consigo ver que não resta muito de mim, nada é real além da dor agora; segure minha respiração enquanto desejo a morte.

Metallica 

O quarto completamente branco, frio, como todos os outros, sem nada especial.

— Anastasia - Christian chamou, quando viu que a garota estava acordada, olhando para cima.

A menina virou a cabeça devagar na direção do médico.

— Quem é você? - ela perguntou.

— Christian Grey.

Ironicamente, uma coisa que Ana se orgulhava de ter era a boa memória. Ela conseguia se lembrar de coisas, de detalhes que nem mesmo eram importantes. Ela se lembrava da cor da roupa que sua mãe usara no seu primeiro dia de aula, no jardim de infancia, se lembrava do gosto do sorvete com calda de morango que tomou quando foi ao parque de diversoes quando tinha seis anos. E, é claro que ela se lembrava do sobrenome Grey, ela se lembrava de todos os integrantes da família Grey.

Ela sabia quem era Christian Grey. Nunca havia o visto, muito menos conversado com o mesmo. Porém, sua mãe, Grace Grey, já a furou muitas vezes.

Foi bem no começo, quando tudo era desesperador e assustador. Seus pais eram amigos de longa data dos Grey, mesmo que quando fizera seus oito anos, Ana ja nao os visitava mais. Porem, quando as coisas começaram a piorar, quando tudo foi acima do limite porque Ana, aparentemente, começara até mesmo apontar facas para os funcionarios de casa que a irritavam, Grace Grey fora quem sugeriu uma clínica psiquiátrica. Mesmo que nunca realmente tivera Grace como sua medica, a mulher ja a teve de segurar em muitos surtos.

— Médico - completou o outro.

A garota semicerrou os olhos.

— Psiquiatra - ele se corrigiu.

Ana não gostava de médicos/psiquiatras. Eles geralmente eram maus. Ana odiava pessoas más. Não importava se ela soubesse quem era.

A garota se levantou devagar, olhando ao redor, calmamente colocou as pernas para fora da cama e se pôs de pé no chão.

O psiquiatra a olhou desconfiado, dando um passo para trás, esperando pelo o que a garota iria fazer. Quase não ficou surpreso quando ela avançou para cima. Quase. Pois a menina não tentou derrubá-lo e sim enforcá-lo, colocando as duas mãos envolta de seu pescoço.

Ele retirou as mãos dela com força e a imprensou na parede.

— Me solta! - ela gritou.

— Se acalma - ele pediu, calmamente.

— Para! Me solta! - ela gritou alto o suficiente para a ala inteira escutar.

A porta do quarto foi aberta e dois enfermeiros entraram.

— Eu vou matar todos vocês - ela gritou, ainda tentando se soltar.

— Não vai nada - Christian disse para ela calmamente, e olhou para os enfermeiros por cima do ombro. - Podem ir. Eu lido com isso.

Ana tentou tirou tirar proveito de sua distração, mas ele só a apertou mais contra a parede, segurando seus pulsos contra a barriga.

— Tem certeza, doutor? - um dos enfermeiros perguntou, olhando com uma desconfiança descarada para a garota.

— Sim, podem ir. Tranquem a porta - mandou.

Eles saíram devagar do quarto, ainda achando que o psiquiatra precisaria deles. Mas isso não aconteceu.

— Você é forte - ele se surpreendeu, sabia como una crise de raiva podia desencadear forças até de uma criança. - Fica parada - mandou.

— Não. Eu vou arrancar os seus olhos.

— Eu não duvido já que quase fez isso com um dos enfermeiros.

— Com você não vai ter quase! - ameaçou ela.

— Okay. Fica calma.

— Me soltaaaaaaa! - ela continuou a gritar.

Christian não soltou, somente ficou parado, segurando a garota contra a parede, e ela continuou gritando, como se estivesse disposta a estourar os tímpanos do psiquiatra. Passaram-se segundos, minutos, talvez até horas. Christian perdeu a noção de quanto tempo ficou a segurando, impedindo que ela tentasse literalmente arrancar seus olhos. Até que ela suspirou, talvez cansando finalmente, amolecendo os próprio membros.

— Eu vou te soltar - ele disse, após alguns segundos em que ela parou de resistir. - Você vai parar?

A garota não respondeu, apenas o encarou em desafio, com o nariz empinado, como se estivesse certa o tempo inteiro.

Christian inspirou o ar profundamente, e devagar, a soltou, em alerta para o caso da garota surtar de novo. Quando ele a soltou totalmente, ela saiu de perto dele e sentou-se no chão, encostando-se a parede do canto, cruzando as pernas e ficando ereta, sem nunca desviar os olhos dos do psiquiatra.

— Eu não vou te machucar - ele garantiu.

Ana ergueu o queixo um pouco, colocando as duas mãos espalmadas no chão, encarando-o em desafio como se dissesse com petulância: tente.

Christian deu um passo para frente, cauteloso, e a garota desviou os olhos para o seus pés, direcionando a visão para o movimento de seus sapatos no chão do quarto branco. Ela reparou que seus sapatos também eram brancos. Subindo mais os olhos, percebeu a camisa em gola V também branca, mas a calça não. A calça era preta.
Suas sobrancelhas se franziram, entranhando a cor diferente no homem. Só então, depois de realmente prestar atenção, ela viu a cor de seus olhos. Eram cinzas... Tão claros e brilhantes... Muito brilhantes. Mas a calça era preta e jeans. O cabelo castanho e bagunçado. Tão castanho. Não tão castanho. Mas era castanho. Ou talvez acobreado. Ela não entendia muito de tons das cores.

A garota levou os olhos ao chão quando percebeu que o homem percebeu que ela o analisava de forma minuciosa e quase encantada. Não, ela não é assim. Ela não fica reparando nas pessoas.

O médico deu mais um passo, se aproximando, até que deu mais outro, e ela ligou o sentido de alerta: ele estava perto demais.

— Podemos conversar? - ele perguntou, ao lado da lateral da cama.

A menina balançou a cabeça de um lado para o outro, encostando a mesma na parede, o cabelo caindo em volta dos ombros até a cintura numa cascata escura como um abismo; o rosto pálido de não ver o Sol há semanas, assustado e em alerta, as olheiras de não dormir por longos dias; as mãos no chão, rígidas, as unhas pequenas tentando arranhar o piso branco, provavel; nos braços, os hematomas causados por mãos fortes eram visíveis por conta da camisa branca de manga curta; nos pulsos, era possível ver a marca de três dedos certos.

O psiquiatra sabia que não foi culpa dos enfermeiros, que eles não queriam realmente machucá-la. Assim como ele não quis fazer aquilo nos pulsos da menina. Mas mesmo assim... Era impossível não se sentir mal vendo os hematomas ficando roxos, ainda com um leve tão de vermelho.

— Tudo bem... Você quer ficar quieta, não é...? - ele começou.

Ela não respondeu, apenas o encarou.

— Não precisa ter medo de mim. Não vou te machucar - insistiu.

A menina não desviou o olhar. Como se esperasse que ele atacasse a qualquer momento, a desconfiança em seus olhos era nítida.

— Me desculpe por seus pulsos... Não era minha intenção ter apertado tanto - Christian tentou novamente.

A garota olhou rapidamente para o pulso esquerdo e hesitou em voltar os olhos para o psiquiatra, mas o fez mesmo assim. Não era novidade, era rotina. Ela sempre tinha algum hematoma, geralmente por algum enfermeiro ter tentado segurá-la. Já não se importava mais. Ela nunca via até alguém falar que ela estava com algum hematoma, ou perguntar onde ela conseguiu... Como se ela fosse saber responder! Porém, naquele momento, ela não se sentiu com raiva, apenas um tipo de arrependimento, talvez? Por ter feito algo sem que tivessem feito nada com ela. Vai ver ela é justa demais.

Dois minutos inteiros haviam se passado, lentos e contáveis, e a menina não baixou a guarda em nenhum dos cento e vinte segundos, nem mesmo desviou o olhar.

Christian deu mais um passo à frente, e a garota não reagiu, apenas o seguiu com os olhos, e então ele se sentou de frente para a mesma, no chão, se recostando na cama.

Ana podia levantar, podia correr e tentar passar por ele. Sua mente maquinava possibilidades de passar pelos enfermeiros lá fora, sabia que eles eram fortes. Mas quem se importa?
Ela consegue.

Porém, seus planos não deram certo, na verdade, ela nunca saberia, afinal, não os colocou em prática. Eles desapareceram como uma nuvem num desenho animado quando o psiquiatra falou novamente.

— No que está pensando? - ele perguntou.

— Que vou me levantar sorrateiramente e então passar por você - ela respondeu, xingando-se mentalmente logo em seguida.

Como pôde revelar um de seus planos desse jeito?

Terá que pensar em outro.

Pode tentar nocauteá-lo.

Não, ele é forte demais.

Se bem que isso não foi problema para os outros, na Sert.

— E você acha que vai dar certo? - Christian perguntou.

— Agora que eu te contei, provavelmente não - ela respondeu, olhando-o sem realmente vê-lo.

— Então por que me contou?

— Não sei. Vai ver você é tipo aquele cara de Jéssica Jones.

— Hipnose? É, tá.

— Acha isso engraçado?

— Não, na verdade, acho isso ridículo.

Suas sobrancelhas se franziram.

— Não pode falar assim comigo - ela o repreendeu.

— Não?

— Não.

— Ah, fala sério. Acha mesmo que poderes são reais? Isso soa meio infantil demais para uma garota da sua idade.

— Não pode dizer essas coisas para mim. Eu sou diferente e especial. Tem que falar calmamente comigo e ser gentil.

Ele levantou uma das sobrancelhas.

— Eu tentei ser gentil antes, mas você parece não se importar com isso. Então por que eu me importaria?

— Por que você é o médico. É sua obrigação.

— E você é a paciente, mas não é por isso que tem que agir como uma criança - ele rebateu.

A menina podia sentir aquela coisa subindo novamente, passando por suas veias, indo até o coração.

— Cala a boca! - gritou.

— Com quem você acha que está falando? - ele perguntou, irritado, os olhos queimando.

— Me deixa em paz! - ela disse, colocando as duas mãos nos ouvidos.

— Por quê? Não gosta de ouvir a verdade?

— Cala a boca! - ela repetiu, juntando os joelhos ao peito, os dois pés repousando no chão.

— Eu vou te dopar e então fazer você dormir por dias, como todos os outros fizeram.

— Para!

— Vai ser assim pelo resto da sua vida. Ninguém vai poder te salvar. Nunca.

— Eu vou te matar!

— Nunca... Você nunca vai sair daqui... Nunca...

— Para, por favor...

Seus olhos se fecharam com força. Os sons terminaram. Ela sentiu uma mão tocando a sua, que ainda estava na cabeça, tampando os ouvidos. Abriu de relance um dos olhos e viu o psiquiatra ao seu lado, na mesma altura que a sua.

Seus olhos estavam meio embaçados com as lágrimas que insistiam em se formar, mas não cair, mesmo assim ela podia ver claramente a profundidade do cinza - como uma tempestade - nos olhos do homem, tão perto agora.
Piscou duas vezes para afastar de vez as bolotas de água, fazendo duas lágrimas certas caírem e seus olhos ficarem secos rapidamente.

Delicada e hesitantemente o psiquiatra limpou seu rosto com as costas da mão. A gentileza exalando de cada movimento lento.

— Respire - ele sussurrou para a menina, retirando a mão de seu rosto e sentando sobre os calcanhares.

Ela deixou uma das pernas se esticarem no chão e respirou fundo. O cheiro do médico entrou por suas narinas. Não era totalmente metálico, ou remédios, algo super esterilizado como hospital que ela estava acostumada. Era diferente, era bom. Era como uma coisa quente e familiar, mesmo que não seja nem um pouco familiar para ela. Era como quando você vira uma rua na primavera e sente aquele cheiro de jasmim por onde passa.

— Você está bem? - ele perguntou.

Ela balançou a cabeça, olhando para o chão. Mais uma alucinação. Essa foi tão rápida, ela nem percebeu. Geralmente, ela sabia o que era real e o que não era. Ela entendia quando estava alucinando e só esperava terminar. Mas agora... Pareceu tão real. E impossível de distinguir a realidade da fantasia. As alucinações - ela não sabia explicar bem como eram - mas Hyde sempre dizia que era por causa da falta de sono.

— Vai ficar tudo bem - o psiquiatra disse, e ela o encarou.

Era claro que não ia ficar tudo bem. Nunca. Por que eles sempre mentiam dizendo aquilo? Pode ser mais fácil para eles dizerem, mas não é fácil para ela escutar. Não quando ela sabe que não é verdade. Mentiras é o seu ponto fraco, é o estopim das alucinações. Ninguém pode mentir para ela. Mas ela é tão boa nisso. Em enganar, manipular... Mentir.

Engoliu em seco e voltou os olhos para o chão.

Ana gosta de encarar as pessoas nos olhos, assim elas se sentem intimidadas e percebem que quem manda é ela. Mas a garota nunca sabe como agir depois de uma alucinação, ela fica vulnerável, quase fraca.

Não, fraca não.

Ela não é fraca.

Nunca.

São só alguns minutos passageiros em que ela não sabe como agir, em que fica em cima do muro, esperando sua deixa.

Ela deixou uma das mãos cair, propositalmente deixando-a tocar a de Christian no chão. Ele nao hesitou em segurá-la, sentindo a pele gelada e muito pálida sobre a sua quente.

Ana encarou enquanto ele acariciava as costas de sua mão com o polegar, sua mão sendo engolida pela dele que era tão maior que a sua.

Ana sempre foi meio baixinha e magra demais, talvez por sua condição em morar em clinicas, não fazer exercícios e ser movida a remédios. De qualquer forma, sua mãe era pequena também, e ela secretamente gostou daquilo quando a de Christian segurava a sua como se a protegesse, a garota se sentiu quente, sentiu o coração batendo rápido e a respiração engatando, era como ter certeza de que estava no mundo, estava segura... Quando nunca esteve segura.

— Eu vou cuidar de você - Christian murmurou em voz baixa antes de levar para mais perto a mão da menina,  virando seu pulso e tocando levemente os lábios no hematoma que ele mesmo havia feito.

Ana não dormiu, ela apenas se levantou e se deitou na cama. E ficou. Christian sabia que a hora estava passando, seu relógio já marcava 21h35min de um horário de 20h14min quando entrou naquele quarto. As únicas palavras que ouviu da garota foram bem ofensivas junto a ameaças, antes do surto. E então ela apenas estava imóvel em sua cama, deitada de forma reta, olhando para o médico sem nunca desviar o olhar. Era desconfortável, muito na verdade, para ele. O psiquiatra havia admirado todo o quarto e a menina nem mesmo piscou mais demorado.

Até que seu bipe, bem, fez um bipe, anunciando que o mesmo tinha que ver outro paciente.

Christian se levantou do chão, que ainda estava, e se preparou para se despedir de Ana, informá-la que era hora de dormir, porém a garota se levantou.

Estranhamente, o psiquiatra não se assustou, ou esperou que ela atacasse novamente, talvez pela forma tão lenta que a garota se levantou, ou pelo fato da menina de repente ter os olhos cheios d'água.

Grey já havia vistos muitos e muitos pacientes em surtos, em estados realmente deprimentes, casos que ele mesmo sentia como se nada valesse a pena, situações em que chegou a questionar a existência de Deus. Ele já viu crianças pedindo para que as matassem, viu adultos implorando pelo mesmo. Aquilo foi barra. Ver Ana, uma garota totalmente marcada por hematomas, o medo expelindo em cada poro, tão perdida, era uma das piores cenas que ele já presenciara.

— Por favor - ela sussurrou, claramente com dificuldade para proferir as palavras.

A garota engoliu, o nó na garganta doendo pelo choro travado, o coração apertado sendo disparado de repente, as mãos apertando tanto o lençol da cama que os nós de seus dedos estavam mais brancos do que sua pele - e aquilo não deveria ser possível.

— Por favor, não me faz dormir - pediu ela. - Eu vou ficar quietinha, prometo.

As lágrimas escorriam, as bochechas e a ponta do nariz ficaram automaticamente vermelhas.

Christian se aproximou.

— Ei, está tudo bem, não se preocupe. Ninguém vai te dopar.

Ana fungou.

— Eu não quero dormir, eu não gosto. É ruim.

E de repente ela parecia uma criança, os olhos magoados e pidões, as fungadas lentas e os dedos das mãos se apertando um no outro.

— Você precisa dormir - Christian tentou.

— Não!

— Anastasia, eu não vou te dopar, mas você precisa dormir, eu sei que dá medo, mas você precisa...

— Você não sabe como é acordar todos os dias com medo de ter se machucado. Você tem noção que eu tenho que me olhar o tempo todo para ver se não estou machucada? - seu tom não foi bravo nem irritado, mas quebrado, as palavras saíram corretas e carregadas de lágrimas em cada sílaba.

Christian mordeu o lábio inferior e apertou o bipe em sua mão.

Precisava ver Denver e dar seu remédio.

— Tudo bem, eu já volto - ele disse a garota e saiu da sala, destrancando-a e deixando aberta.

Ana mirou o corredor branco e silencioso, logo se levantando e indo fechar a porta. Não gostava de portas abertas, não quando elas lhe permitiam sair do lugar e ir para o perigo.

A garota voltou a se sentar na cama e recostou na parede.

Estava com sono, quase não se aguentava mais, porém, não podia dormir. Sabia disso. Fungou, seu nariz já estava entupido e sua cabeça pesava pelo esforço.

Christian não demorou a voltar, como havia dito, e dessa vez com um cordão em mãos e um prontuário.

Ele fechou a porta atrás de si, colocou a pasta na poltrona ao lado da cama e se aproximou da garota.

— Aqui - ele lhe mostrou o colar.

Ela simples, apenas um cordão com uma espécie de luz vermelha com várias cores no meio. Estranho, no mínimo. Mas as cores chamaram a atenção de Ana, que pegou o objeto e analisou. Ela não era vaidosa, não tinha nenhum parâmetro para ser, o único acessório que usava era a pulseira de plástico em seu pulso que dizia "alergia a látex". Mas havia gostado e queria o objeto para si.

— É bonito - ela fomentou, analisando as luzes pequenas.

Christian sorriu.

— É um bipe. Bom, um bipe adaptado, ele vai piscar alerta e bipar um aparelho quando o seu cérebro estiver em sofrimento. Basicamente, quando tiver sentindo dor. O seu cérebro tenta processar mas não consegue, por isso você não sente, mas o esforço faz com que ele entre em sofrimento.

Ana abriu a boca.

— Então se eu tiver tendo um pesadelo...

— Você vai querer se mexer, mas seu cérebro não vai processar e vai entrar em sofrimento.

— Vai bipar - ela levantou o colar, ainda surpresa.

— Sim - Christian confirmou.

— E o que vai acontecer?

— Esse aparelho vai apitar - ele mostrou seu bipe e eu vou saber que você está tendo um pesadelo, então posso te acordar e cuidar para que não se machuque - ele concluiu.

— Como vou saber que vai fazer isso? Não sei se posso confiar em você - ela murmurou, mas já abrindo o feixo do colar para coloca-lo.

— Aí é com você - Christian respondeu, pegando o colar de suas mãos para ajudá-la a colocar. - Nós dois sabemos que você precisa dormir, eu arrumei uma solução.

— Mas e se você não chegar a tempo? - ela perguntou, tirando o cabelo grande e despenteado do caminho.

— Eu não saio desse andar - ele falou enquanto a garota virava de costas. - E eu acho que você confia em mim - sussurrou ao ver que a menina nem hesitou com o ato.

Sua pele era realmente muito branca, chegava quase ao azul em muitas partes pelos hematomas, a nuca, sem nenhuma manchinha sequer, denunciava a palidez quase mórbida da garota.

Ela precisava pegar um sol. E a primeira coisa que ele faria no dia seguinte, era tentar tirá-la do quarto.

Ana se arrepiou ao sentir os dedos quentes do médico em sua pele sempre tão fria. Foi uma reação exagerada, ele quase não a tocou, foram milésimos de um segundo apenas com a ponta dos dedos. Mas para Ana foi mais do que mais, foi surpreendente e único. Ela não era tocada por ninguém, não de forma gentil pelo menos, era sempre quando virava ser segurada, e ela sempre se afastava dos toques de seus pais, até que eles nem tentavam mais. Foi um Passos enorme virar de costas para alguém e se tornar vulnerável por um simples toque.

— Eu ainda estou confusa - ela murmurou. - E se você não chegar a tempo? E se estiver com outro paciente. Eu não gosto.

— Do que você não gosta? - Christian questionou enquanto pegava o prontuário na poltrona.

Precisava lê-lo e escrever naquela noite ainda.

— Que os meus médicos tenham outros pacientes - ela respondeu direta. - Eu sou especial.

Ela era especial. Sempre ouvira aquela frase durante sua vida. Seus os diziam para as outras crianças sobre ela, diziam para os adultos e os médicos também gostavam de usar aquele termo quando se referia a ela ter uma síndrome muito rara com efeitos colaterais complicados. Aquela palavra, sobre ela ser especial, sempre a fez ser única, ser a mais cuidado, com mais atenção. Talvez receber aquele título a fez ficar mimada, tudo sempre tinha que ser dela e para ela, em primeiro lugar sua vida e depois os outros paciente. E era sempre assim com o tanto de dinheiro que seus pais davam por aí.

— Você é diferente - Christian corrigiu. - Eu dou conta dos meus pacientes, não se preocupe.

— Mas e se eu precisar de você e...

— Tudo bem, tudo bem - ele suspirou. - Que tal eu ficar aqui até você acordar? Eu tenho isso tudo para ler e ainda escrever - ele balançou a enorme pasta com todos os exames e relatórios de Ana.

A morena balançou a cabeça, dada por satisfeita.

— Me acorde se precisar sair - ela pediu enquanto se deitava.

Christian balançou a cabeça e apagou a luz, deixando o abajur virado para a poltrona e se sentou na mesma.

— Boa noite, Ana - ele enfatizou quando a garota continuou com os olhos abertos e encarando-o.

A morena mordeu o lábio inferior e suspirou alto, virando-se lado.

— Tudo bem, vou dormir - prometeu.

Ela segurou o bipe com pequenas luzes vermelhas e coloridas bem firme com uma das maos para o caso de se mexer e acabar perdendo-o pela cama e fechou os olhos.

Christian tentou se concentrar no prontuário de uma garota havia sido internada em clínicas desde os nove anos de idade, mas tudo o que conseguiu fazer foi observar a respiração uniforme de Ana e suas expressões faciais enquanto dormia.

Claro que aquele colar não servia para o que ele disse a ela, era apenas um rastreador que todas os pacientes da Ala Z tinham que usar, caso se saíssem de seus quartos. Pelo estatuto das regras, eles não era confiáveis. Christian se sentia mal por ter mentido, mas sabia que era o único jeito de a garota dormir sem medicamentos e também que ela usasse o rastreador sem ter que passar por uma cirurgia de implantação. Ele sabia o que era uma paralisia e terrores noturno, sabia como a pessoa com esses distúrbios ficava praticamente petrificada quando estava tendo uma crise. Mas se ele estivesse certo - e geralmente ele estava - Ana não teria mais nenhum episódio de crise noturna se o problema fosse os calmantes intensos que agrediram até mesmo seu cérebro.

Então Christian ficou ali, velando o sono da garota que ainda segurava o cordão na mão, ressonava levemente num sono fundo, procurando algum indício de desconforto ou medo em suas expressões cada vez mais tranquilas.

Grey se dedicava aos seus pacientes, ele se preocupava e passava noites e noites acordado procurando alguma solução para eles, mas nunca havia se permitido dormir no quarto de um deles. Não era seguro e nem muito ético. E se ele caísse no sono? E se o paciente acordasse? Ele foi ensinado em seus já sete anos de medicina que nunca deveria confiar em seus pacientes psiquiátricos a ponto de se colocar vulnerável na sua presença. Mas ele estava ali, agora já nem mais prestando atenção nas muitas folhas em suas mãos e - secretamente também não prestava mais atenção nas expressões de Ana a procurava de um pesadelo. Ele mirava tudo, admirava, sem pudor algum. Ela era linda. Como um verdadeiro anjo. Mesmo que tão errada e cheia de defeitos, ela era linda, beirando a perfeição. Até as manchas roxas e o cabelo embolado a deixava em contraste com a beleza.

E Christian sabia que aqueles pensamentos eram perigosos e errados.

Ele olhou em volta, desviando o olhar da garota.

O quarto continuava completamente branco, frio, como todos os outros, só com uma garota especial.


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