50 Tons de uma Salvação escrita por Carolina Muniz


Capítulo 12
Capítulo 11




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Capítulo 11 - Rebubine sua voz

 

"O meu povo deveria cair, depois, certamente, eu farei a mesma coisa, confinado nos confins das montanhas, chegamos muito perto das chamas..."

 

Enquanto Christian caminhava em direção à poltrona do interrogatório, de frente para dezenas de profissionais da clínica Priory, de seus pais, dos pais de Ana, do advogado Hardware e ao lado do Juiz, ele se lembrava de cada frase de uma conversa que teve há quatro dias, um pouco longe dali, do outro lado do estado.

Portland, terça-feira

Christian suspirou pesado assim que o táxi estacionou no meio fio em frente há uma loja de penhores. Legacies tinha uma faixada sofisticada e bonita, a porta de madeira polida e com letreiro  um pouco intimidante.

O psiquiatra saiu do carro, decidido, havia voado até Washington, não ia sair dali sem fazer o que fora fazer.

Ele sabia que era ela no momento em que olhou para a bancada no fim da loja, a mulher mexia no celular e levantou o olhar no momento em ouviu o sino da porta tocando, indicando que alguém havia entrado. Ela continuava com os naturais cabelos ruivos que Christian vira na foto, agora mais curtos que antes e havia tatuagens por seus braços e pescoço.

— Olá, boa tarde? Bem vindo a Legacies, deseja algo em específico? - ela falou simpática.

A loja era um antiquário antigo, e era mais assustador e escuro do que Christian se lembrava que um antiquário poderia ser.

— Não, na verdade, eu gostaria de falar com você mesmo - ele foi direto.

A mulher se retesou, espalmando as mãos no balcão, fechando o sorriso simpático.

— Eu te conheço? - ela questionou.

Christian balançou a cabeça e se aproximou totalmente.

— Não, mas conhece essa garota - ele falou enquanto pegava a foto que seu advogado havia conseguido.

Era Ana com apenas sete anos e Tiffany no auge da adolescência, no parque quase em frente a casa da morena, as duas estavam no banco da praça e Ana segurava um algodão enquanto sorria para a câmera e Tiff tinha seus braços segurando a garota.

Tiffany arregalou os olhos ao mirar a foto, dando um passo para trás.

— Desculpe, não tenho nada para falar sobre esse assunto - ela murmurou enquanto se virava, provavelmente para fazer nada, mas começou a mover os pequenos objetos na prateleira.

— É importante - Christian insistiu.

— Eu não tenho nada a ver com essa menina mais.

— Mas já teve um dia.

— Eu estou trabalhando, se o senhor não veio comprar... - ela falou num tom mais alto.

Christian pegou um dos chaveiros pendurados ao lado e colocou no balcão sem nem olhar.

— Pronto - vociferou.

— Isso não muda nada - a mulher respondeu, pegando o objeto e passando pelo registro.

— Eu só preciso que você vá ao tribunal e...

— Não. Eu nem sei o que está havendo, mas eu não vou passar por isso de novo. Essa garota é louca e ponto. Um dia eu estava cuidando dela e então no outro ela estava surtando. Ela sempre foi meio estranha mesmo. Os próprios pais dela não sabiam o que havia de errado, até que se voltou contra mim e ela quase acabou com a minha vida.

Christian balançou a cabeça. Tiffany ao menos questionou sobre ele, apenas proferiu uma frase que deveria dizer a todos que perguntavam sobre Ana.

— Então você admite que tem algo errado? Ninguém "surta" do nada! - ele acusou.

— Quem é você? - a garoa questionou desconfiada, estendendo a mão com a nota do artefato comprado.

Christian suspirou.

— Namorado dela - ele falou, apontando para a foto que ainda permanecia no balcão e antes de entregar uma nota de 50$ à ruiva.

A mulher abriu a boca, surpresa.

Ele sabia que se falasse que era o psiquiatra com certeza perderia qualquer credibilidade e Ana também.

— Ela não está numa clínica de alguma coisa para pessoas como ela? - questionou, a voz mais branda.

— Isso não vem ao caso. E ela não é incapaz, na verdade é bastante consciência sobre a própria vida.

Ele nao estava realmente mentindo. Acreditava de verdade que Ana não era louca, apenas não sabia se expressar e claramente era um pouco instável mentalmente. Mas não incapaz.

— Ana passou anos tentando fazer as pessoas acreditarem nela, até que começou a acreditar no que diziam sobre ela e suas memórias foram bloqueadas. Ela acredita que algo ruim realmente aconteceu com você, é isso foi um estopim para algo muito maior do que apenas uma memória esquecida. Você não é o centro de tudo o que aconteceu com ela, mas acredito que possa ser um começo.

A ruiva lhe entregou o chaveiro num saquinho e desviou o olhar.

— Nada aconteceu comigo - ela murmurou.

— Eu sei que aconteceu - ele rebateu. - Eu vi como se retraiu quando eu entrei mesmo que tenha se forçado a ser simpática, eu vi suas mãos a mostra como se para provar que não estava escondendo nada, as tatuagens a mostra só para provar que é durona... alguma coisa aconteceu com você. Ana era só uma criança, ela não entendia o que estava vendo, ou sentindo, mas ela viu e sabia que era ruim.

A ruiva inspirou o ar profundamente, e logo virou o rosto ao limpar uma única lágrima que escorreu.

— Eu não tenho nada para falar - respondeu. - Se o senhora já terminou - indicou a porta.

— Ela é inocente e não é louca. Talvez você possa não acreditar nela, talvez tenha se forçado tanto a não pensar que era verdade que não acreditou nela, talvez nem você saiba o que aconteceu mesmo que sinta que algo aconteceu. De qualquer forma, é importante - Christian foi sincero, e então se virou para ir embora.

— Eu não entendo - a ruiva confessou num tom baixo.

— É, ela também não.

Ele saiu do antiquário e voltou para Seattle no mesmo dia, sabendo que havia sido em vão aquela visita, mas precisava ter tentado.

Havia algo a mais naquela equação, percebeu.

Tiffany pode não ter mentido, mas também pode ter se agarrado tanto na ideia de não ser verdade o que Ana contava, que ela apenas declarou que não era. O caminho mais fácil era sempre mais fácil, afinal.

Christian sabia daquilo desde o começo e ligou o "foda-se". Agora sua vida e liberdade já estava por um fio.

Okay, foi um pouco exagerado.

Mas realmente, ele tinha tido sua reputação indo pelo ralo no momento em que aquele julgamento foi exposto na mídia: o psiquiatra renomado que assediou uma paciente completamente incapaz.

Ele não sabia o que irritava mais em todas aquelas manchetes que estampavam as capas de revista e jornais nos últimos dias, o fato de fazer Ana parecer uma louca inocente e incapaz, ou o fato de começarem a questionar o seu intelecto como psiquiatra e todos aqueles anos de trabalho.

Mesmo com todo aquele julgamento exagerado e xingando o mundo, Christian sabia que estava errado, ele só não admitia, mas com certeza sabia.

Meu Deus, ele havia se envolvido com uma paciente! Não importava o quanto ele dizia a si mesmo que Ana tinha consciência do que fazia, ele havia beijado uma paciente!

E ele estava na droga do próprio julgamento agora...

— Prometo - o médico respondeu ao habitual juramento da verdade antes de começar a ser julgado.

Não houve saudações ou apresentações, a primeira coisa que Hardware fizera fora pegar o controle da TV e aumentar o som depois de colocar um pendrive plugado.

Aquela merda de gravação. Christian já não aguentava mais escutar, e mesmo que todos se questionavam o fato de ter alguns cortes, ainda assim, era a voz de Ana claramente dizendo coisas sobre ele.

Quando a gravação foi encerrada Christian não mirou as pessoas ao seu redor, nem seus pais sentados ali na primeira fileira, ele mirou a porta, onde ao mesmo tempo entrava Elliot... e a antiga babá de Ana.

A garota, que hoje era uma mulher feita, os cabelos arruivados e olhos castanhos claros, se sentou num dos bancos de trás, longe de todos, apenas observando tempestuosa a expressão surpresa de Christian, enquanto Elliot caminhou calmamente até a mesa onde Leonel permanecia sentado e lhe entregou um papel ao falar baixo em seu ouvido.

O coração de Christian batia muito rápido, tão rápido quanto quando deixou Ana o beijar, tão rápido quanto quando via Ana ter uma crise longa demais e ele simplesmente não conseguia fazer ela parar.

Ele teve de responder perguntas até um pouco ofensivas sobre seu trabalho e sua posição em Priory. Até que finalmente Leonel pôde tomar a frente, se levantando de sua cadeira e ajeitando o paletó enquanto se encaminhava para o juiz.

— Eu gostaria primeiro de ressaltar os anos de prestígio do meu cliente, nunca sequer uma má avaliação sobre seu comportamento tanto pelos pacientes quanto pelos responsáveis do mesmo. Até mesmo os colegas de trabalho só tem elogios.

— Até ele aliciar uma paciente - Hardware comentou.

— Peço que se contenha, senhor, já teve sua chance - o Juiz foi firme. - Leonel, estou ciente dos tributos do Dr. Grey, agora, por favor, comece sua defesa se essa não for a única forma que tenha.

Leonel assentiu com a cabeça. Ele sabia que o Juiz Hendson era um dos mais bravos. Não era pelo fato de ser firme e autoritário demais, mas sim por defender especificamente as mulheres, e ter uma mulher considerada mentalmente incapaz, para ele era o cúmulo com certeza, ele não deixaria aquilo passar.

— Dr. Grey, algo que me deixa equivocado sobre seu método de tratamento com Anastasia é a falta do uso de medicamentos, nos primeiros dias já não usava nenhum tipo de droga. Mesmo depois de anos de prontuário e evoluções claramente expondo o quanto Anastasia pode ser agressiva, ainda assim insistiu em não achar necessário.

— Desde o primeiro dia eu percebi que Ana, quer dizer, Anastasia não era uma paciente como os outros. Ela ainda estava um pouco dopada no primeiro momento, mas ainda assim foi a paciente mais lúcida que já conheci - Christian explicou. - Ela tinha medo de dormir, de se machucar, de muita coisa, foi uma das primeiras coisas que ela me disse, eu percebi que aquele era o motivo para ela se manter acordada, e até mesmo uma pessoa considerada mentalmente estável pode se tornar bem agressivo quando se priva do sono, isso é comprovado.

— E ela tem alucinações - Leonel comentou enquanto passava os olhos pelas cópias de evolução escritas por Christian no prontuário de Ana. - E o senhor fez várias e várias anotações sobre como as alucinações foram se tornando cada vez menores com a falta do uso das medicações e também como a imunidade de Anastasia se elevou.

— Os medicamentos eram muito fortes para a idade dela, alguns seu corpo até mesmo já absorvia pelo tempo que o usava - Christian respondeu.

— A terapia foi por parte do Dr. Kavannag, o senhor se achou incapaz de fazer o próprio julgamento após algumas semanas.

Christian engoliu em seco. Aquela era a parte em que ele não queria chegar e o Leonel simplesmente a jogou em cima dele nos primeiros vinte minutos.

— Eu percebi que Anastasia estava, hã, apegada demais a mim. Na maior parte das vezes ela tinha sessões com o Dr. Elliot e logo me contava ainda mais sobre elas, o que era um bom resultado no fim.

— Por que achou que ela estava apegada demais?

Christian deu de ombros, tentando não parecer tão nervoso.

— Anastasia me queria por perto o tempo inteiro.

— Não acha que era pelo fato de finalmente poder estar consciente e lúcida sem as drogas fortes que eram injetadas constantemente em seu organismo, ela pôde finalmente se permitir ter alguém por perto que não apenas a "furava"?

Christian sentiu um baque no coração. Ele nunca pensou por aquele lado, nunca pensou que talvez Ana apenas estivesse consciente agora e por consequência carente de algo que não se lembrava mais de ter. O ser humano precisa de outro ser humano, precisa de atenção. E atenção era o que mais Christian dava a Ana.

E se fosse aquilo?

Se ele apenas era quem não machucava ela e então ela precisava ter ele por perto pois era o único que lhe dava o que ela nunca teve?

Se fosse, Ana não estava apaixonada, apenas carente. Não é?

E se fosse, ele não podia ter beijado ela!

— Eu não sei - ele respondeu sincero, ignorando as batidas lentas de seu coração agora.

— Houve toques em algum momento, Dr. Grey. Como eles começaram?

Christian se mexeu na cadeira, desconfortável, sentindo o gosto amargo na boca.

— Foi de repente, ou talvez eu que não havia percebido. Para mim foi como se em um único dia, de repente, ela houvesse decidido. Ela queria que eu a abraçasse, que eu ficasse em seu quarto até depois do horário, queria eu segurasse sua mão e...

— Se beijaram?

— Protesto - Hardware se levantou mais uma vez. - Temos anos e anos de prontuário médico e tratamentos sem fim para provar que Anastasia é mentalmente instavel, portanto incapaz de decidir e fazer escolhas por si mesma. Não posso aceitar que seja declarado que "se beijaram" quando a filha dos meus clientes não tem capacidade para essa escolha.

— Tudo bem - Leonel levantou as mãos em rendição antes mesmo que o Juiz desse o veredito sobre o protesto. - O que qualifica a paciente Anastasia Steele, Dr. Grey?

— Tenho consciência e total seguro em declarar que Anastasia é lúcida e mentalmente estável, completamente capaz de decidir por si mesma e tem entendimentos que talvez nem mesmo eu possa ter algum dia - ele declarou sincero.

— E o senhor a beijou sendo claro disso?

— Sim, eu a beijei.

Não houve tempo do burburinho começar pois logo Leonel disparou em mais perguntas e declarações.

Ele falava rápido e confiante. Sua primeira estratégia era provar que Ana era mentalmente estável, para então colocar em prática o status de Christian para livrá-lo da pena sobre ter beijado uma paciente. Era arriscado e inseguro, mas era o que tinham. Até que no ultimo ato Ana havia sido jogada para escanteio.

Havia.

— Defendo sobre a tese medicinal em questão, por certo também gostaria de expôr um ultimo acontecimento - Leonel falou enquanto pegava o envelopo que Elliot havia lhe entregado.

— Protesto - Hardware se levantou. - É indevido o uso de provas que não foram expostas antes do julgamento.

— Devo ressaltar que eu disse "expor um ultimo acontecimento", não declarei que iria usar como prova, isso já é com o meretíssimo e o júri - Leonel rebateu.

— Protesto negado - o juíz declarou e Hardware bufou enquanto se sentava novamente.

Christian franziu o cenho ao ver Loenel expor o que parecia folhas de exame no data show do tribunal, mostrando imagens de células e amostras para todos ali.

— Uma amostra da êmese expelida por Anastasia Steele essa manhã foi enviada a laboratório, e segundo Elliot Kavannag algo mais que suco de laranja, que é o que consta como a única coisa que a paciente injeriu desde ontem as 20h até hoje, foi encontrado - ele falou enquanto trocava as folhas e mais exames apareciam na tela. - Penicilina. Esse foi o medicamento encontrado na êmese.

Houve uma movimentação onde os pais de Ana estavam, mas o silêncio permaneceu.

— E agora sim, eu tenho uma prova - Leonel se virou para Hardware com o olhar presunçoso. - Anastasia Steele é alérgica q penicilina há anos, e esse fato é declarado em cada folha de prontuário e também em sua identificação localizado no pulso direito. Ela também é claramente consciente sobre suas alergias e até mesmo pergunta constantemente sobre suas medicações para ter certeza de que ninguém estaria "se confundindo".

— Sr. Leonel, o que está querendo provar aqui? Seja específico - o Juiz mandou.

— Anastasia não apresenta qualquer quadro paliativo para que seja necessário uso de penicilina, logo não teria o porque de está fazendo uso da droga, mas ela foi encontrada na êmese expelida por ela essa manhã, os sintomas claros de um choque anafilático também pôde ter sido apresentado a todos. Alguém deu a droga a ela, apenas um médico poderia receitar. Gostaria de chamar para testemunhar e nos dizer o porque do uso indevido, imagino que seja até mesmo um caso impessoal, um crime. Um choque anafilático em grau maior poderia até mesmo fazer Anastasia ter uma convulsão, um infarto, uma parada cardíaca e até levar a morte.

O silêncio absoluto foi encoberto encoberto por uma aurea de suspiros horrorizados e então o burburinho começou.

— Silêncio! - o Juiz bateu o martelo duas vezes antes de todos calarem a boca.

— Não tenho mais perguntas para o Dr. Grey - Leonel declarou.

— Intervalo de trinta minutos - O Juiz decretou. - Vamos avaliar, eu quero uma nova amostra sobre a êmese expelida de Anastasia Steele.

— Imagino que a blusa usada pelo Dr. Grey seja uma ótima amostra, meretissimo - Leonel sugeriu.

O juiz concordou com a cabeça e então fez um gesto com a mão chamando um dos policiais que resguardavam a porta do corredor para a parte interior do tribunal.

— Quero Anastasia de volta ao tribunal - informou o juiz em voz baixa.

Leonel sorriu para Christian após escutar o juiz, fazendo um sinal positivo com as mãos.

Ana voltaria ao julgamento, e se a amostra da êmese provasse o uso do medicamento indevido, muito mais deveria ser revelado naquele tribunal.

Christian mexia no objeto em suas mãos, jogando de uma para a outra, numa mania que havia adquirido nos últimos dias. Ele percebeu que talvez fosse um sintoma de ansiedade.

Sinceramente, esperava que não.

Seria pessoa desenvolver aquela doença naquela altura do campeonato. Mas também poderia ser apenas nervosismo. Sua carreira inteira estava ali e sem nenhum spoiler de como seria o final.

Então ele tinha apenas o seu molho de quatro chaves em mãos e o chaveiro que havia comprado do antiquário Legacies há alguns dias, somente quando pegou o carro naquela manhã que percebeu o objeto esquecido no banco.

Era um apanhador de sonhos, pequeno e feito a mão, com uma assinatura de alguém que ele não conhecia mas também fora feita mão. Entalhado em algo que parecia marfim, moldado e com peninhas falsas do mesmo material.

Nos conte sobre Ana...

Ele não sabia se estava ansioso para ouvir o que viria a partir dali. Ele sabia sobre a Ana que conhecera nas últimas semanas, sabia sobre a Ana descrita em centenas de prontuários médicos, mas ele não saía sobre aquela Ana.

Ray encarou o chão do tribunal sem realmente ver, as lembranças rodiando sua mente. Algumas pessoas poderiam pensar que ele não teve muito tempo com Ana, mas a verdade é que ele teve sim. E não importava os últimos anos, ele teve a melhor vida com ela e tinha tantas, mas tantas memórias que ele se achava até mesmo estranho por se lembrar tanto de cada uma delas.

— É nossa única filha, foi a coisa mais planejada e esperada da minha vida e do meu casamento - ele começou. - Ela era... cheia de vida. Sempre queria subir nas árvores mais altas, ir nos brinquedos mais rápidos, brincar com as crianças maiores. Ela... ela nao tinha medo de nada - ele suspirou alto, o indicador e o médio contra os lábios, lembrando da infância da menina. - Mas acho que... a planejamos tanto, a queríamos tanto que tínhamos medo de descobrir que tinha algo errado com ela. Ana estava bem afinal, era completamente feliz e tornava o mundo feliz ao redor, não tinha não sorrir perto dela. Não importava o que ela tinha, ela era perfeita para nós. Até que um dia, ela mudou. Depois de um fim de semana que viajei com minha esposa, Ana havia ficado sob os cuidados da babá, seria seu aniversário no dia seguinte, mas ela estava diferente. Ela falava e falava, mas era como se nada fizesse sentido. E ela também mudava os acontecimentos. Falamos com Tiffany, a babá dela na época, e nada, ela disse que os dias haviam sido normais, que não entendia o que estava acontecendo com Ana. Mas minha filha cismava que algo estava errado, que Tiffany havia sido machucada, e as vezes ela dava detalhes sobre algo que ao menos deveria saber. A babá até mesmo fez exames de delito na época, e tudo estava normal. Ana começou a ficar agressiva, na mesma semana ela havia quebrado o quarto inteiro, se machucava sem perceber e nós não sabíamos o que fazer. Até que um dia ela... - Ray engoliu em seco. - Ela tentou machucar alguém além dela. E eu e minha esposa entendemos que era hora de acabar com aquilo, precisávamos de ajuda. O psicólogo ao menos chegar perto de Ana, um psiquiatra decidiu que ela deveria ficar internada. Primeiro por dias, até que se tornaram semanas. Ela chegou a ir para para casa por alguns dias, mas então ficava cada vez pior. Até que não podíamos mais tocar nela, ela recusava qualquer tipo de carinho, e quando estava acordava mais parecia estar em crise o tempo inteiro, e era tão agressiva que nem mesmo eu conseguia segura-la. Não entendia como uma criança poderia ter tanta força dentro de si. Os anos se passaram, os tratamentos se intensificavam em vez de diminuírem, o Dr. Flynn fora quem permaneceu mais tempo com ela. Ninguém sabe o que ela tem... até o Dr. Grey estar com ela.

Carla se remexeu na cadeira, encarando Ray com a expressão fechada.

— Eu não posso negar que minha filha quase parece com minha filha agora. Eu nunca mais a vi deixar alguém chegar tão perto. E acredite, ela nunca teria vindo por livre e espontânea vontade e se sentado nessa cadeira há dois meses, ninguém aqui jamais conseguiria ao menos uma resposta dela. Ela não expressaria qualquer emoção, ninguém saberia dizer se ela estaria triste, com raiva... com medo. Ela se isolou completamente em si mesma. E hoje, só nesse tribunal, eu vi mais emoção boa na minha filha do que nos últimos dez anos.

— Sem mais perguntas, Sr. Steele - Hardware declarou, os dentes trincados e a respiração engatada.

Ainda não haviam tido uma resposta sobre a amostra de êmese de Ana, então a garota não poderia voltar ao tribunal sem uma prova de que aquilo havia sido sintomas de um choque anafilático e não apenas uma reação de Ana.

— Gostaria de chamar Jackson Hyde para depor - ele declarou.

Hardware precisaria correr contra o tempo, enquanto Leonel estava disposto a usar cada segundo mais lentamente possível.

Porém, os dois foram surpreendidos enquanto Hardware interrogava Hyde, quando um enfermeiro entrou no recinto, pedindo licença ao juiz e lhe entregando um envelope.

— Penicilina - O Juiz declarou.

— Eu gostaria de chamar Anastasia Steele para o julgamento, meretissimo - Leonel foi rápido em falar, mas logo foi interrompido por alguém.

— Eu gostaria de depor - a mulher disse, caminhando pelo corredor entre os bancos.

— E quem seria a senhorita? - o juiz questionou.

— Sou Tiffany Cordeiros, fui babá de Anastasia - a ruiva declarou.

— Desculpe, meretissimo, mas o que a babá de uma Anastasia com oito anos teria para depor nesse julgamento? O Dr. Grey aliciou Anastasia, uma incapaz, não vamos perder o foco - Hadware vociferou.

— Eu gostaria de interrogá-la - Leonel interrompeu.

— Sr. Leonel, entende que esse julgamento é sobre o Dr. Grey, quem já até mesmo admitiu ter beijado uma paciente, e não sobre Anastasia Steele ser mentalmente capaz ou não?

— Sim, senhor meretissimo, e juro terá fundamento com o julgamento - Leonel insistiu.

O juiz suspirou alto.

— Hardware, mais perguntas ao Dr. Hyde? - questionou.

— Não, meretissimo - Hardware respondeu a contra gosto.

Christian encarou Leonel e mordeu o lábio inferior, não sabendo o que responder sobre o olhar taciturno e confuso do outro.

Sinceramente, Christian não sabia se era uma boa ideia ou não ter Tiffany ali. Seu primeiro pensamento era sobre ela ser a única pessoa que poderia saber o que realmente aconteceu, além de Ana, ela era a única que poderia contar e também era a única que seria levada em consideração. Mas para ele mesmo, ela em nada poderia ajudar. E o juiz já estava sem paciencia, ele não aceitaria nada que não fosse ser levado em consideração Christian.

— Prometo - Tiffany declarou após o policial ler seus direitos e deveres.

— Tiffany Cordeiros foi babá de Anastasia quando a mesma tinha oito anos, mais especificamente quando os surtos começaram.

— Mais uma chance, Sr. Leonel - O juiz avisou.

Leonel assentiu com a cabeça.

— Conhece meu o Dr. Grey, Srta. Tiffany? - O advogado questionou.

Tiffany encarou o médico e então assentiu.

— Sim, o conheci há alguns dias. Ele foi até meu antiquário, ele queria saber sobre ela - a ruiva contou. - Acho que... eu também não sei sobre ela, mas talvez eu saiba algumas coisas e talvez as coisas que doces sabem não seja verdade. Eu levei bastante para entender isso, e sinceramente se entendi agora ou só... - ela suspirou alto. - Ana sempre foi diferente das outras crianças, eu cuidava dela desde que tinha seis anos. Ela era perfeita, muito feliz e simpática. Mas eu sabia que tinha algo errado. Sempre teve. Os pais dela pareciam não querer ver, as vezes eu comentava, mas eles apenas desconversavam ou me dizia para parar de ver coisa onde nao tinha. Mas era estranho. Ana não chorava, não se importava em se machucar... Uma vez ela caiu e não me contou, somente uma semana depois descobri que ela havia trincado uma costela. Eu fiquei com medo de contar ao Sr. e a Sra. Steele, não sabia o que fazer. Eu tinha um... amigo. Ele estava cursando medicina ou algo assim. Foi quando descobri sobre a Riley-Day. Ana não era capaz de sentir dor, não importava o que acontecia, ela não sentia nada, foi aquela explicação que tive. No primeiro momento, eu confesso que me senti aliviada. Ana nao podia sentir nada, então estava tudo bem. Esse meu amigo me ajudou a cuidar dela e logo tudo ficou bem.

Tiffany sorriu pequeno ao se lembrar.

— Ela só tinha seis anos, ela se achava especial, uma super heroína. Fiquei ainda mais cautelosa a partir daquilo, sempre olhava seu corpo, perguntava tudo a ela, se havia caído ou esbarrado em algo. Tudo. E ela contava todo o seu dia, mesmo que eu não tivesse saído de seu lado. Ela estudava em casa, sempre foi rodeada de pessoas e cuidada até demais, hoje eu percebo. Até que eu me descuidei um dia. Eu não sei o que houve, mas eu ensinei Ana a me contar tudo seu dia e ela...

A ruiva limpou o rosto, já não conseguindo conter as lágrimas.

— Estávamos na minha casa, eu tinha uma prova importante no outro dia, não conseguia me concentrar e estava muito ansiosa. Eu... eu nem sei quando decidi, eu apenas... Ana já estava dormindo, eu havia ido em casa apenas para pegar alguns comprimidos por causa da insônia. Eu acordei no meu quarto muitas horas depois, já havia amanhecido. Eu corri para a casa dos Steele para ver Ana, quando cheguei lá, ela havia se machucado. A testa dela sangrava, e ela nem percebia aquilo. Ela me pedia desculpa por sujar o tapete do quarto e... ela dizia que não sabia o que havia acontecido, eu ao menos questionei, mas ela começou a contar. Ela falava sobre alguém ter entrado no quarto, sobre ter me chamado e eu não ter escutado. Ela perguntava porque eu não havia escutado, que eu só fiquei na cama sem acordar. Levou horas, eu tive de dar pontos na testa dela, e somente quando ela finalmente me deixou levá-la para tomar banho, eu entendi que ela dizia que alguém entrou no meu quarto, e não no dela.

A ruiva encarou o juiz.

— Ela não estava mentindo. Ana sempre disse a verdade. Ela era muito pequena para entender o que havia visto, mas inteligente o suficiente para saber que foi traumático. Eu não queria acreditar, a adrenalina não me deixou perceber o que havia acontecido naquele momento, mas depois... eu sabia.  Eu não fiz o corpo de delito, mas eu disse que havia feito. Eu tinha dezoito anos, aquilo iria acabar com a minha vida, em alguns meses para a faculdade, então apenas adiantei e fui embora antes que tudo piorasse. Eu não soube o que havia acontecido até há alguns dias - ela olhou Christian de soslaio. - O que importa é que... Ana disse a verdade.

 

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Notas finais do capítulo

Eu não demorei, é vocês que leem muito rápido!!! Mas então, obrigada por quem não desistiu da fic, espero continuar com vocês até o fim... o que acharam??? O que será que vai acontecer??? Prometo não demorar tanto assim!!



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