Audeline escrita por Jardim Selvagem


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Música: A Forest - Bat For Lashes



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/792477/chapter/3

 

Faltavam doze minutos para as três da manhã quando adentraram a suíte dourada. James colocou o aviso de "não perturbe" na maçaneta antes de trancar a porta. Afundou o cartão magnético no receptor. O breu da sala transformou-se numa claridade lustrosa. Ele fitou as sombras nos rodapés das paredes. Uma claridade lustrosa mas traiçoeira, como a pelagem de um lobo branco.

Sentou-se na ponta do sofá, desabotoando a camisa. Giulia acomodou-se em frente a ele, pisando na poltrona para tirar as botas de salto alto uma de cada vez. A saia de lã deslizou acima dos joelhos, revelando a cinta-liga e a calcinha de renda francesa. Exatamente como ele dissera que preferia. Ela tirou o casaco, e os olhos dele fixaram-se na mancha vermelha da blusa.

— Vou tomar um banho e aí aproveito para limpar com sabão.

— Deixe isso aí. Vamos mandar para a lavanderia.

— Não precisa de tudo isso, meu amor. Com sabão essa manchinha sai com certeza.

Os dois terminaram de tirar as roupas de sair, os corpos cobertos apenas pelas peças íntimas.

Levantaram-se ao mesmo tempo.

Encararam-se. Olhos castanhos contra olhos azuis, Giulia buscando em James respostas para perguntas mudas. O silêncio no cômodo tensionando-se.

Estirando-se.

Estirando-se cada vez mais até —

Romper-se.

— Vou tomar um banho.

Giulia!

Ela correu da sala e ele foi logo atrás, impedindo-a de trancar a porta do banheiro e empurrando-a para dentro. James fechou a porta com um estrondo.

— Que merda foi aquela no jantar? Hein?!

Giulia afastou-se dele o máximo que conseguiu, apoiando as costas no vidro do box.

Me responda!

James empurrou os frascos de perfume da bancada da pia, derrubando-os no chão, os cacos e líquidos cor de caramelo formando um vitral doentio.

— Estava gostando do seu showzinho, não estava, Giulia? Queria chamar atenção daqueles filhos da puta, não queria? Ser comida com os olhos, como se eu não estivesse ali! Como se você não pertencesse a mim!

Ele avançou e Giulia entrou no box, pegando a ducha e mirando em seu rosto, o jato de água bloqueando sua visão por um instante. James estendeu os braços à sua frente, buscando pistas feitas de ossos e pele de tigresa.

As mãos tatearam as linhas da clavícula, fechando-se no pescoço de Giulia. O fio da ducha caiu, ricocheteando em sua perna. James abriu os olhos e a encontrou pálida, a cor fugindo das bochechas com a privação de oxigênio.

Adrenalina correu nas veias de James, injetando excitação em seu corpo. Ele estava no topo. Tinha o controle absoluto. Poderia matá-la se quisesse. Giulia era uma boneca de porcelana em suas mãos, olhos arregalados e vítreos, pele branca como giz, a boquinha aberta sufocando. Tão linda sob seu poder. Sentiu o impulso de beijá-la.

Soltou as mãos de seu pescoço e puxou-a para ele, enfiando a língua no fundo de sua boca.

Depois de comprarem os ingressos e passarem pelo registro dos visitantes, Leah, Rosalie e Bree finalmente entraram no Olympic National Park. Tinham decidido fazer o passeio pouco depois do almoço, e o sol agora caía impiedoso sobre seus rostos e roupas. Leah olhou para suas leggings pretas com desgosto. Elas agora grudavam-se em suas pernas, esquentando a pele lentamente como se a cozinhassem em banho-maria. Bree também não parecia lá muito animada com a perspectiva de caminhar pelas próximas cinco horas. Rosalie era a única com um sorriso largo no rosto. A última vez que Leah a viu tão entusiasmada daquele jeito foi quando tinham enterrado uma estaca no peito de uma criatura da noite.

Leah suspirou, tirando do bolso o mapa com as indicações das trilhas. Rosalie tomou-o de suas mãos.

— Nananinanão, mapas foram feitos para turistas perdidos, não para pessoas como nós…

— Pessoas como nós? — Bree repetiu.

— Ah, você sabe… — Rosalie aproximou-se e sussurrou: — Caçadoras de vampiros.

Claro, como se aniquilar vampiros implicasse um senso sobrenatural de direção, Leah pensou.

— Como espera que a gente vá pelas trilhas certas sem o mapa, Rosalie?

— Explorando o caminho conforme a gente avança, oras.

— Não sei não… — Bree murmurou.

— Ah, deixem de ser estraga-prazeres! Assim vai ser mais divertido. Ou vamos mesmo deixar um pedaço de papel dizer o que a gente deve fazer?

Os olhos de Leah percorreram a entrada do parque, os grupos de turistas, os guias e seus bastões de espantar cobras, o rosto cansado de Bree, o sorriso na boca de Rosalie, o céu límpido e o sol tórrido. Avançou, as duas apressando os passos até alcançá-la.

O início da trilha parecia fácil o suficiente, o terreno ainda plano e as árvores ao redor ainda finas e pequenas. Rosalie parava a cada dez minutos para tirar fotos da vegetação e fazer selfies. Quando o labirinto inicial deu lugar à imensidão do parque, com um longo e reto caminho ainda a ser atravessado, Rosalie deu uma virada brusca para a esquerda, adentrando a mata que parecia se fechar cada vez mais.

Rosalie! Não vá muito lon…

Ela logo sumiu diante dos olhos de Leah. Bree olhou para ela como uma criança pedindo orientação a uma professora.

— Vamos segui-la. Não quero perder ninguém de vista.

A cada passo, a dificuldade para Leah andar aumentava e sua paciência diminuía. O terreno parecia cada vez mais íngreme. Seus joelhos reclamavam e as panturrilhas já ardiam. O sol queimava seu pescoço, e as gotas de suor começavam a descer lentamente pelas costas.

Bree vinha logo atrás, às vezes pegando-a de surpresa quando apoiava-se em seu ombro para não cair.

Depois de intermináveis minutos de caminhada, encontraram Rosalie em meio a um declive. Leah olhou em volta. Não havia mais ninguém ali. Ela não conseguia mais ouvir o falatório dos outros visitantes, nem os passos dos guias. O único som vinha do farfalhar das árvores, que agora eram altas e selvagens.

— Rosalie, acho melhor irmos emb…

— Ah, não acredito! Olha, gente! — Rosalie chamou, a voz injetada de um entusiasmo súbito. Leah ouviu o barulhinho do flash do celular.

Assim que ela e Bree aproximaram-se para verem o que era, Bree arregalou os olhos e imediatamente saltou para trás. A menos de dois metros de distância, descansando em uma rocha, havia uma longa e gorda cobra. Ela as encarava com languidez, ainda sem agitar a cauda. Não parecia se importar com as fotos que Rosalie continuava tirando.

— Rosalie. Vamos sair daqui. Agora.

— Tá com medo, Leah? — Rosalie deu uma risadinha. — Relaxa. Não vai acontecer nada, a cobra tá praticamente dormindo.

— Acho melhor a gente voltar para a trilha do mapa — Bree opinou, os olhos ainda fixos no animal.

— Rosalie, cadê o mapa? — Leah perguntou entredentes.

Ela finalmente parou com as fotos e se afastou da cobra.

— Que mapa?

Que mapa?, as palavras ecoaram na mente de Leah.

— O mapa que você arrancou da minha mão antes de a gente entrar no parque.

Leah observou Rosalie procurar nos bolsos e depois abrir a mochila, enfiar as mãos lá dentro e voltar à superfície com elas vazias.

Leah cerrou os dentes, a última gota de paciência escorrendo pela testa junto com o suor. Por que Rosalie tem que ser tão irresponsável, por que cargas d'água eu não a impedi quando —

— Cadê. O. Mapa.

O sorriso amarelo de Rosalie foi o suficiente para fazer Leah dar meia-volta e marchar em direção ao percurso inicial, as duas correndo atrás dela.

Tudo ficaria bem se não houvesse um pequeno problema: quanto mais ela andava, menos reconhecia o caminho.

Bree chegou ao seu limite físico. Agora só queria voltar para o hotel, comer um bom prato de macarrão com molho de tomate e cair na cama. As pernas estavam doloridas depois de tanto andar, subir e descer pelos terrenos acidentados e íngremes, cheios de pedras escorregadias, ansiosas para vê-la cair e ralar os joelhos.

Tinha ficado para trás, mas o cansaço era tão grande que nem se importava. Via as silhuetas de Leah e Rosalie lá na frente, discutindo alguma coisa à boca pequena. Também não se importava com o que era. Dane-se. Chega. Só quero voltar. Vamos voltar, por favor…

Parou. Enxergou no montinho de terra à sua frente uma espécie de graça divina. Sentou-se, as costas desabando. Apoiou a cabeça nas mãos, os fios de cabelo emplastados na testa. Inspirou fundo e soltou o ar pela boca. Olhou ao redor. Na sua frente, a mata estendia-se como se fosse infinita. À esquerda, a vegetação alta. À direita, as duas se afastando, tornando-se dois pontinhos no horizonte. Atrás dela…

Bree se virou.

Havia o início de uma trilha obscura, a entrada bloqueada por um pedaço de pano encardido preso no tronco de duas árvores. Escrito com tinta preta, o aviso: "não ultrapasse". Ela teria deixado para lá se não tivesse visto as pequenas manchas de sangue no chão.

— Meninas! — gritou sem pensar, continuando até as outras voltarem.

— O que foi, cacete, o que foi? — Rosalie disse, atropelando as palavras enquanto olhava Bree de cima a baixo, à procura de um machucado ou picada de cobra.

Bree apontou para a trilha. Leah ficou de cócoras para analisar a mancha de perto. Depois olhou para Rosalie com uma expressão grave no rosto.

— Você está sentindo o cheiro, não está?

Cheiro? Do que estavam falando? Bree não sentia absolutamente nada. Rosalie pareceu lutar com as palavras antes de dizer:

— Sim, mas e daí? Pode ser só um animal morto e…

— Mas você está sentindo o cheiro.

Leah ignorou o aviso na fita puída. Abaixou-se, engatinhou até o outro lado e encarou as outras como uma mãe paciente. Rosalie descruzou os braços e atravessou sem mais cerimônias. Bree fixou-se na trilha adiante, absorvendo os degraus de pedras traiçoeiras e o emaranhado de folhas mortas barrando a entrada do sol. Engoliu em seco.

— Não vai demorar, Bree — Leah prometeu. — Só vamos dar uma olhada aqui, certo?

Não ultrapasse. O gosto ácido do arrependimento subia pela sua garganta. Bree poderia ter ficado de boca fechada e simplesmente fingido que não tinha visto nada.

Rosalie bufou.

— Se você não vier por bem, virá por mal, novata.

— Não acho que isso seja uma boa ideia.

Mesmo assim, Bree agachou-se e juntou-se a elas, tomando a frente e subindo a escadinha irregular.

Conforme avançavam, a luz do sol diminuía até desaparecer por completo. O chão tornou-se pegajoso, e Rosalie xingou baixo quando molhou os tênis novos. As árvores engolfavam-nas na escuridão e o silêncio cobria suas cabeças como uma mortalha. Bree lembrou-se de um desenho animado da infância, no qual a garotinha desavisada adentrava a floresta à noite e as árvores então ganhavam vida, os galhos chacoalhando como braços esquálidos e os troncos balançando como corpos humanos. Para ela, a única diferença ali era que no caso não havia uma garotinha desavisada, mas três.

— Não tem nada por aqui, já vimos o que tínhamos de ver. Por favor, vamos vol…

Clack. Um barulho de madeira quebrando-se inundou o local, e Bree trocou o sussurro pelo grito. Seu cérebro processou a queda, mas o corpo não conseguia levantar-se. Bree achou até compreensível. Afinal, suas pernas estavam muito ocupadas deslizando para o abismo à sua frente.

A cabeça de Rosalie era um nobilíssimo desfile de palavrões. Não poderia deixar a novata morrer. Não ali, não daquele jeito estúpido. Quem iria sacanear sem Bree por perto? Ainda xingando, olhou para a queda d'água, calculando a altura e rezando para que a novata fosse esperta o suficiente para ter sobrevivido.

— Acho que encontrei um caminho… Por aqui, venha… — Leah chamou, já descendo por uma ladeira de terra.

A passos cuidadosos, enfim chegaram à planície, livres da escuridão asfixiante da mata. Não que fizesse muita diferença; o sol já se punha no horizonte e logo mal conseguiriam enxergar novamente. Rosalie escaneou as pedras ao redor da cachoeira, em busca do azul da camiseta de Bree. Enquanto isso, Leah aproximava-se da água, gritando o nome de Bree com o pouco de ar que restava nos pulmões.

Assim que Rosalie avistou um azul escuro e enlameado perto de um tronco coberto de fungos, correu para ele com desespero. Leah chegou em seguida, mas Bree não as escutava.

Seus olhos estavam abertos e saltados, presos como em um transe ao que estava à frente. Rosalie desviou a atenção do vermelho preocupante que tingia o azul da roupa de Bree e decidiu olhar para o que quer que fosse que a novata encarava. E quando Rosalie viu, inaugurou mais um belo cortejo de palavrões.

A cabeça de Bree parou de girar e ela enfim conseguiu manter a concentração necessária. Aquilo era um... Quadro, decidiu. Uma daquelas telas renascentistas típicas de museus. A água da cachoeira descia feroz para então acalmar-se e formar um lago imóvel e esverdeado, brilhante com os últimos raios de sol, algumas flores caídas refletindo adoravelmente na água. A mata em volta, uma espécie de cerca protetora ao redor da paisagem. E a protagonista da cena — a ninfa de cabelo dourado e vestido translúcido, flutuando como uma bonequinha. Os olhos fechados e a expressão serena no rostinho pálido davam a impressão de que ela tinha apenas caído no sono durante uma tarde letárgica na cachoeira.

Se não fosse por aquela trilha de sangue seco no seu pescoço.

— Temos mais um — Leah murmurou, apática, numa casualidade como se discutisse a lista de supermercado.

Bree ignorou a dor lancinante nas costelas e chegou perto, apoiando-se na margem do lago, e arriscou mais uma olhadela no pescoço da mulher.

— Quem fez isso não parece… — Pausou, olhando para o alto como se buscasse a palavra certa em seu dicionário mental. — Particularmente violento.

Rosalie engasgou na própria saliva.

— Você só pode estar de sacanagem com a minha cara... O corpo dela está seco, cacete, seco. Não parou de sugar a pobre coitada enquanto não drenasse até a última gota. — Trincou os dentes. — Deus, eles me dão nojo.

— Não é isso — Bree interveio. — É a… É a cena. A cena é imaculada. Quase como se… Se arrependesse do que fez.

Rosalie arregalou os olhos, retorcendo a boca numa careta.

— O que você andou comendo no café da manhã, hein?

— Acho que está formando um padrão — a voz permanentemente entediada de Leah sentenciou.

— Ah, merda…

— Espere aí, vocês estão querendo dizer que já existia um outro assassina…

— O descontrole é apenas questão de tempo.

Bree estremeceu, despedindo-se das férias que acabara de perder.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Muito obrigada por ler! Vou amar receber um comentário seu! *olhar pidão*
Boa semana, pessoal! Obrigada!!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Audeline" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.