Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 45
Bebida




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Entro no quarto. Minha atenção pousa diretamente em Noah, ainda deitado na cama, de costas para mim. Fecho a porta com cuidado, sem querer acordá-lo. Sento-me na mesa pousando as flores retiradas do chão do corredor e tomando o embrulho em mãos.

Tiro devagar sua decoração. Encaro o caderno de capa azulada antes de abri-lo e me deparar com uma partitura de piano escrita cuidadosamente por alguém. Rendo-me á culpa e arrependimento a cada página terminando de ler em segundos, o peito apertado e o gosto amargo na boca. O nome de Samir no final.

Encolho as pernas na cadeira, abraçando a música, uma mão na testa e a outra agarrando o caderno contra o peito tentando aproximá-lo do meu coração, uma busca fútil por consolo. Passam-se minutos e só consigo pensar sobre Samir. Sobre a besteira que fiz ao perde-lo, por escolher Noah mesmo com alguém que me aceita logo a minha frente.

Disse que não podia ficar com Samir por amar Noah. Agora tenho outra certeza estranha. Limpo os olhos, ficando de pé e indo até o garoto dormindo. Aperto seu ombro, sem me sentar ao seu lado. Movo seu corpo, tentando acordá-lo.

—O que é, Tetsuro? — a voz arrastada e sonolenta.

—Sou eu. Precisa ir.

Noah vira-se para mim, erguendo o tronco devagar.

—Aconteceu alguma coisa? Você tá melhor?

—É, eu tô. Obrigada por cuidar de mim, mas pode sair? Se quiser te pago o remédio.

Noah ergue as sobrancelhas.

—Eu fiz algo errado?

—Não. A culpa foi minha — passo a mão pela nuca, suspirando — Pode ir?

Devagar, o vejo erguer-se da minha cama. De alguma forma, sinto que perco ele e Samir no mesmo dia.

***

—Você não parece animada, querida.

Tento sorrir para minha mãe conforme afasto o pedaço de carne até o canto do meu prato. Sentada de frente para ela, a qual se traja elegante com uma saia de alguém famoso em tecido fino cor creme e uma camisa que deixa seus ombros expostos e se liga como manga nos cotovelos até o pulso. O cabelo longo em ondas a deixa mais jovial, tal qual a maquiagem leve. Uma mulher linda nos seus quarenta e tantos anos.

—É cansaço — pontuo pressionando os lábios e passando os olhos a Joseph — Como vai o restaurante?

Ele, talvez tentando combinar com minha mãe, está com uma calça cáqui e camisa de botões. Deixa seu corpo robusto em destaque. Os olhos continuam desafiadores e suaves na minha direção.

—Agitado. Sua mãe sempre aparece lá, então a mídia vem junto.

—Propaganda gratuita. — minha mãe dá de ombros.

Sorrio. Os dois parecem naturais um ao lado do outro. Não preciso me preocupar em momento algum. Durante os dias da semana desde minha súbita separação com Samir não tive nenhuma notícia dele nem mesmo na mídia. Noah também parou de me levar rosquinhas e café.  Charlie está ocupada com as provas práticas finais. Louis se ocupa no trabalho e pré-natal. Yuri sumiu. Cada um dedicado ás suas respectivas vidas.

—Elise.

Ergo a cabeça na direção de Catherine.

—O que aconteceu? Não te vejo aérea assim faz tempo.

—Não é nada, mãe.

—Nate está piorando a carga horária? Posso conversar com ele.

—Eu tô bem — afirmo e desvio o olhar para Noah do outro lado do restaurante energeticamente falando com Kya.

Passo a mão pela nuca. Perdi Samir por ele. De que diabos isso adiantou? Não posso ficar com Noah. Já é tarde demais para não culpa-lo da perda de um amigo valioso a mim. Soaria como algum tipo de traição extra pesando ainda mais minhas costas pelo que fiz a Samir.

—Na verdade, mãe...

Ela ergue a sobrancelha, esperando.

—Posso beber com vocês hoje?

O pedido surpreende a mulher, mas Joseph solta uma risada animada e bate nas minhas costas, assentindo e pedindo imediatamente uma taça de vinho para mim. Ergo-me, sentando na cadeira mais próxima da mulher ficando inevitavelmente de costas a Noah e Kya.

O primeiro copo aparece. O líquido é amarelado, em mais escuro do que eu imaginava. Tomo um gole superficial. Amargo, doce e ardente mancha minha garganta e quase cuspo na mesma hora. O que tem de errado comigo? Acho mesmo que álcool vai me ajudar a resolver alguma coisa? Desse jeito não vou só ficar parecida com meu pai?

Lembrar dele dói. Lembrar de Samir dói. Lembrar de Noah piora ainda mais. Quero saber a razão do meu pai passar tanto tempo na beira de um bar afogando-se em bebidas mesmo tendo conhecimento de que eu precisava dele. Por que me deixou? Por que nunca lutou por mim mesmo após sua recuperação do vício?

Viro o copo com gosto amargo evitando os arrepios passando pela minha perna. Tento agir mais animadamente, fingindo estar bem para minha mãe e Joseph. Por que eu estou assim? Em que momento meus sentimentos por Samir se misturaram aos de Noah? Quando a dor de não ter nenhum deles chegou a levar-me de volta a perda do meu pai?

Devo estar com sérios problemas. O segundo copo já me deixa um tanto quanto tonta e preciso confirmar repetidas vezes para minha mãe que estou bem. Sinto arrepios percorrendo meu corpo, parte do que comi beirando a garganta. Passo a engolir a bebida bem mais rápido que antes.

Catherine e Joseph só vão embora após me deixarem em frente a porta do dormitório. Vejo o carro dela, um sedan preto e discreto, sumir na esquina. Ponho as mãos dentro do bolso da jaqueta e começo a andar devagar, a noite iniciando de verdade. Considerando estar em uma área universitária não demoro para encontrar um bar. É o mesmo que bebi com Noah. Quase solto uma risada.

Encosto-me na beirada do bar, próxima da parede e um tanto longe do banheiro ficando quase invisível em meio a tantas pessoas. Aproveito minha descrição para lentamente me acostumar com o gosto da bebida. Deixo boa parte do meu dinheiro da carteira em cima da mesa e tento esquecer do que diabos estou fazendo. Isso não é saudável. Nem físico e muito menos mental. Vai me deixar sequelas. Então por que não me incomodo? Talvez eu queira isso. Queira uma cicatriz.

Realmente devo ter algum problema. Uma pessoa normal reconhecendo seus erros, sabendo que não deveria fazer isso, não o faria. Se eu tenho tanto conhecimento por que venho cometendo os mesmos erros, sempre perdendo? Me irrita e entristece ao mesmo tempo. Então por que não acabar com tudo de uma vez?

Tudo já está girando e tenho pouca consciência das minhas ações. Forço minha mão no interior da jaqueta e tiro o celular. Por reflexo, sem conseguir discernir diretamente o nome da discagem. Demoro para encontrar o A, mesmo ele sendo a primeira letra. Passo até o último e pressiono o botão de ligar. Levo o aparelho até a orelha e aguardo.

Oi! Faz tempo que não me liga —a voz dela não tá meio estranha? —Diz aí, Elise, como vai?

—Eu tô... — um soluço escapa da minha boca e faço uma careta — Tô apaixonada pelo Noah. Desde a primeira semana de aula. Não... Acho que antes também. E isso me fodeu legal. Samir queria tentar comigo, mas eu não consegui. Beijei ele.

O outro lado fica em silêncio.

—Sabe o quanto é difícil ficar do lado do seu irmão, Andrea? — meu peito dói e levo a mão livre até lá como se fosse mudar alguma coisa — Tudo parece um sinal de que ele me corresponde e eu tenho essa esperança esquisita de que no final do dia ele me mande uma mensagem dizendo que me quer.

Por que minha voz está trêmula? E por que Andrea está tão quieta?

—Andrea? Pode dizer isso pra ele?

Você tá bêbada?

—Eu não sei. Nunca fiquei antes. Se fica assim?

Tem alguém contigo?

—Só o bar inteiro.

Onde você tá?

Olho ao redor. Qual era o nome desse lugar?

—Eu não sei.

Passa pro barman. Agora.

—Não, não precisa vir aqui — passo a mão pelo rosto —Eu tô bem.

Tô vendo. Passa pra ele, Elise.

Faço uma careta, obedecendo.


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