Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 42
Afeto




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O cheiro de Noah me acalma. Amadeirado. Faz meu estômago ficar tão tranquilo quanto após o momento do chá. Eu o odeio. Odeio por querer ele tanto. Por desejar ler entre suas ações. Por sofrer tanto. E sei que não é culpa dele e sim minha.

—Pronto.

Mediante as instruções de Tetsuro, Noah me coloca na cama ficando ao meu lado, a mão segurando a minha próxima do seu rosto, algo ao qual evito sequer deixar o campo de visão se aproximar. Fico desconfortável de ver Tetsuro avaliando meu quarto, desde o prato cheio de comida em cima da mesa até as panelas no fogão, o cômodo com os instrumentos e a janela. Avaliador. Ele se volta mais para a cozinha revirando alguns dos meus armários e partindo para a geladeira.

—Ei! — reclamo tentando me sentar.

De imediato Noah levanta-se comigo tentando me fazer voltar a deitar. Seu toque é tão macio e afetuoso que meu peito chega a doer mais que o estômago. Afasto-me dele, cansada de sentir tanta dor.

—Tetsuro! O que acha que tá fazendo?

—Seu estômago tá um lixo, não é? — ele questiona fechando a porta da geladeira exibindo uma caixa de leite na minha frente — Metade das coisas industrializadas na sua geladeira já se estragaram.

Junto as sobrancelhas. Lembro-me de que não faço compras tem um bom tempo e vinha economizando comendo vagarosamente minhas duas refeições em casa ou no trabalho. Ter que concordar com ele me traz um gosto amargo na boca e cinco mil feridas no orgulho.

—Sai da minha cozinha.

—Tecnicamente ela é da universidade.

Um movimento apressado na minha direita. Noah está tirando algo do bolso, estendendo para o lado algumas notas amassadas. Meu cérebro ainda demora para entender que está tentando aponta-las na direção de Tetsuro.

—Compra remédios pra ela — ordena — E a sopa de legumes do restaurante do seu pai, também. Pode ficar com o troco se vier rápido.

Tetsuro solta um muxoxo. O hábito parece ser fruto de Noah, ou dele e foi aceitado pelo garoto ao meu lado. Meu estômago dói e contrariada, encolho as pernas na cama, uma careta de dor me consumindo. O cara com gel no cabelo, a contragosto, pousa o leite em cima da minha mesa e pega as notas da mão do cego.

—Eu pago — protesto.

—Elise, tudo bem.

Olho o rosto de Noah. Por que parece tão preocupado? Quero esbofeteá-lo. Ele inteiro me manda mensagens que me doem por saber serem apenas afeto de alguém que nunca vou ter. Dói.

—Por favor — ele pede baixo.

Sem os óculos. Por que o vejo tanto sem óculos? Achei que sentisse vergonha dos próprios olhos. Esse fator o deixa mais como si mesmo. No início tentei vê-lo sem sua cegueira, mas agora me parece um insulto. Noah é quem é, sem enxergar. Entendo por que ele afirma tanto ser cego... Entendo muitas coisas. Me faz lembrar que se trata da pessoa a qual admirei por anos e venho estado apaixonada há meses. O inferno se inicia dentro do meu peito e deito segurando as lágrimas o máximo possível.

—Tenta baixar a febre dela — escuto Tetsuro dizer — E é melhor parar de ser um babaca.

A porta fecha. Puxo o cobertor para perto, pensando em dar as costas a Noah, porém me faltam forças. Ele continua levando minha mão até as suas, beija o nó dos meus dedos e até os leva para o seu rosto. Sinto a pele macia recém-barbeada.

—Preciso que me conte onde estão as coisas — fala baixo, sua respiração contra minha palma.

—O que veio fazer aqui?

—Eu... Fiquei com medo que tivesse acontecido alguma coisa.

Outra onda de dor. Encolho-me, involuntariamente apertando a mão de Noah. Ele passa a sua esquerda pelas minhas costas conforme me curvo para não olhá-lo de uma vez. Faz movimentos circulares e calmos, uma delicadeza e afeto que desisto de tentar não ver como algo mais. Aceito-os, é um processo bem menos doloroso.

—Só porque eu faltei uma aula?

—Você já sumiu uma vez. Não sei o que faria se acontecesse de novo.

Bufo, quase rindo. Meu estômago protesta e solto um gemido. Só querendo que passe logo começo a descrever cada centímetro do meu quarto para Noah e o mesmo me ajuda a ficar sentada com o intuito de vê-lo caso acabe ficando confuso em alguma parte do local. Ele se levanta e tenta chegar até o banheiro, pegando uma toalha de rosto limpa após o som de algo sendo derrubado soar constrangedor pelo lugar. Sai com ela molhada e caminha até mim.

Ele começa o mesmo procedimento de tocar no meu braço e subir até meu rosto, porém o impeço colocando suas mãos diretamente contra o ponto de enfoque dele logo me deitando outra vez. Noah afaga minha bochecha. É algo tão íntimo... Quero questioná-lo, mas as palavras não saem da boca, presas em um nó. Nos rendemos a um silêncio. A toalha está gelada e ele também.

Noah passa os dedos desembaraçando meus cabelos, sem comentar o corte. Deve ter ouvido sobre isso de Tetsuro, ou até tenha ficado atento ao momento em que Samir comentou acerca disso ontem. Seus movimentos são fluidos, passa pelos fios até voltar ás minhas feições. Pousa o polegar por meio segundo a mais no meu lábio inferior, pressionando-o. Sua mão está molhada.

Passo a atenção para o rosto dele. Noah, diferente de antes, parece aliviado. Desce as mãos por meu pescoço e para nos ombros, voltando para arrumar a toalha em minha testa.

—O que tá fazendo?

O silêncio dele ainda dura alguns segundos.

—Quer mesmo que eu diga?

O órgão em meu peito falha uma batida. Recuso-me acreditar em qualquer coisa até escutá-lo pronunciar todas as palavras necessárias deixando tudo ás claras. É minha vez de não responder e ficamos por isso mesmo.

Periodicamente Noah se levanta usando a parede para orientação pretendendo chegar até o banheiro para umedecer a toalha com água gelada e voltar, todo um processo vagaroso que assisto coberta pelo lençol. Sinto o afeto de Noah. Perco a conta de em quantos momentos ele afaga meu rosto, ou percorre meus braços com a ponta dos dedos. Fico estática, desfrutando da sensação.

—Ainda está acordada?

Assinto, só para me xingar em seguida. Esqueci que ele não pode ver esses movimentos corporais.

—Estou.

—Posso te perguntar uma coisa?

Minha garganta parece seca, minha voz saindo rouca.

—Pode.

—Você... E aquele cara de ontem...

—Que cara?

Noah leva minha mão até seu rosto.

—O do saxofone.

—Ah. Samir?

—É. Estão juntos?

Continuo olhando Noah. Até poderia dizer que existe medo em suas ações, ciúme em suas palavras. Suspiro.

—Tanto quanto você e Kya.

Considero uma boa resposta. Não entendo o teor do relacionamento dos dois, tal como Noah não entende meu relacionamento com Samir. Olhando agora, tenho certeza absoluta, nunca vou ter com ele o que sinto por Noah. É muito diferente do que algum dia imaginei, me faz sentir vergonha do ser humano que era e tentar melhorar. Me faz querer que ele seja feliz, mesmo a dor no meu peito aumentando. Eu o quero ao meu lado, mas não vou morrer se não estiver.

Noah junta as sobrancelhas, quase rindo.

—Eu não tenho nada com a Kya. Ela é só uma amiga.

Fico dividida entre alívio e culpa. Deveria mentir. Deveria falar que Samir também é só um amigo, mas depois de ver Noah e Kya de mãos dadas, não sei se o significado de “não ter nada” dele se equivale ao meu.

—Então o Samir... — Noah encolhe os ombros, apesar de tentar soar casual — Tetsuro me disse que viu ele no elevador ontem a noite.

—Como o Tetsuro sabe quem ele é?

Vejo-o pressionar os lábios, lutando com as próprias palavras.

—Eu... Escutei vocês dois e achei que tinham se beijado. Ouvi o nome dele e comentei com o Tetsuro.

Bufo.

—Aí ele pesquisou sobre o Samir?

—No Google. Depois chegou no nosso quarto ás plenas uma da manhã falando que viu ele no elevador.

—Por isso me ligou?

O rosto de Noah fica avermelhado.

—Eu atrapalhei?

Levo alguns momentos pensando em como responder. Pego sua mão entre as minhas e a direciono até meu rosto. Fecho os olhos, o toque gelado me acalmando em meio a dor no estômago e a dor no peito. Acabo por não responder a pergunta dele.


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