Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 34
Inspiração




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Louis: Sua mania de desaparecer de última hora é ridícula.

Suspiro. Das pessoas a quem mandei mensagem ela é a única a responder negativamente. Finalmente de volta no meu quarto, tomo um banho e me deito na cama encarando a janela. Por já estar perto da meia noite só alguns apartamentos na frente do prédio continuam de luz acessa provocando um tom bonito de luz baixa.

Não consigo ver as estrelas. Queria ter visto. A viagem até aqui fora gélida e mesmo nos braços de Samir não consegui sentir coisa alguma. Deitada na cama, viro-me para o lado e tiro o celular do carregador finalmente indo responder as mensagens que posterguei tanto.

Começo por Charlie, avisando estar bem. Ainda sinto-me horrível graças ao ocorrido com meu pai e a descoberta do quão fui hipócrita apaixonando-me pela voz de Noah e não por ele em si. Como pude defender o amor ao próprio corpo sendo que me deixei levar só pela voz de alguém? Culpa e vergonha me assolam. Meu estômago embrulha. Deixo-o por último, temerosa por receber áudios. Vou até o mais curto.

Elise? Cadê você?

—Desculpe o sumiço — sussurro ao celular — Mas eu sempre fujo se doer demais.

Passo ao segundo áudio vendo ser bem mais longo. Arrumo-me para o lado e fecho os olhos, cansada ao pressionar o botão de reprodução. Ponho o cobertor sobre a cabeça e deixo o celular ao meu lado, esperando escutar as broncas.

Tá gravando, Tetsuro?

Tô. Espera. É, eu tô. Vai, pode começar.

Beleza. É... Eu disse que iria te mostrar uma música se me deixasse te esculpir... Ao que parece até que deu certo, o Tetsuro me ajudou. Não ficou tão monstruoso quanto a dele. Seguinte... Eu... Espero que goste. É minha primeira música.

Acordes desajeitados. Cordas quebradiças. Soam estranho apesar de saber como ele quer tocar. Relaxo levemente sabendo que não vai ser um áudio dele brigando comigo sobre ter sumido, algo que Louis fez por 7 minutos diretos usando todos os xingamentos existentes.

Noah muda para o acorde C e sorrio. Ele aprendeu a tocá-lo sem problemas agora. O que me assusta na verdade, é sua voz elevando-se. Uma nota. E uma palavra. Ergo-me abrindo os olhos em um salto, encarando a tela esbranquiçada do aparelho como se Noah fosse sair de lá nesse exato instante.

Minha cabeça fica em branco, não consigo pensar ou raciocinar coisa alguma. Esqueço dos meus problemas emocionais, meu pai, a gravidez de Louis, minhas inseguranças e egoísmos. Minha mente inteira é preenchida por Noah.

A voz dele está mais grave, suavizada no final e bem distribuída entre notas. Controla mais sua respiração, não quebra nenhuma palavra, a melodia fica harmoniosa apesar do choro do violão. Noah amadureceu. De diferentes formas. Parece mais experiente, expressa mais pela canção.

Sinto meu peito apertado, o coração acelerando. A letra é sobre uma criança sonhando em ir ao espaço. Simples, sem muitas palavras complicadas. Uma história iniciada da relação dos pais até a morte de ambos, o desesperar de alguém jovem sem chão ou planos. A sustentação provinda de outros. Dos vivos ao seu redor. E a criança volta a sonhar com o espaço e as estrelas.

... É isso, Elise. Tá, eu sei que toquei muito mal. Mas bem que poderia me ajudar nesses acordes, não é?

Esqueço da raiva dele. Esqueço que meu violão foi parar nas mãos de outras pessoas. Esqueço todos os pontos negativos magoando meu coração já maltratado. Entendo inteiramente: Noah me chamou atenção por sua voz, mas durante os últimos meses nenhuma vez sequer o ouvi cantando. Me apaixonei por ele. Ele em seu todo, não só uma das suas características.

Meu peito fica leve como uma pena, a gravidade atrapalhando o contato com o chão. Encaro o teto, de barriga para cima. Escuto o órgão dentro da minha caixa torácica batendo forte e tranquilo, transmitindo a mensagem “tudo bem”.

Ainda estou aqui. Ainda estou viva. As mágoas que me atrapalharam, gastaram meu tempo e atenção parecem insignificantes. Posso ter me interessado pela voz de início, mas e daí? O importante nesse exato momento é que me apaixonei por tudo o que forma Noah. Do sarcasmo até a gentileza, dos dedos até os cabelos, da voz até a cegueira. E mesmo doendo de tanto amor, não me vejo atrapalhando-o com esses sentimentos. Sinto-me em paz.

Contudo, das feridas restam cicatrizes. E essas cantam. Gritam. Porém, não me incomodam. Ergo-me da cama pegando o celular sabendo do meio sorriso no meu rosto. Gravo um áudio rápido a Noah, imaginando que vá escutá-lo apenas na manhã seguinte.

—Oi — começo vendo como pareço feliz — Eu tô bem. Desculpe sumir, prometo que te recompenso. E a música é incrível. Sua voz é a mais bonita que eu já ouvi. Obrigada.

Troco o moletom velho por uma camisa de botões e mangas longas xadrez da qual não me incomodo estar inteiramente folgada. Ponho uma calça velha qualquer que mal chega aos tornozelos e mudo para sapatos fechados tirando as chaves da porta e saindo trancando-a atrás de mim.

Amarro o cabelo bagunçado massageando as costas ao entrar no elevador. Preciso muito de um piano agora. Já sei muito bem o que fazer. O que escrever. Sobre quem compor. Pulo uma parte baixa do muro do campus agradecendo em silêncio por não haverem câmeras. Esgueiro-me pelas sombras fazendo questão de deixar o vigia noturno no meu campo de visão antes de sair do terceiro corredor na ala oeste.

Percorro o piso em passos suaves cuidando para não fazer muito barulho e me manter nas sombras até alcançar a porta do auditório. Continua trancada no mesmo mecanismo e apesar de não ter a chave, uso as técnicas sabiamente passadas de Louis a mim quando ela precisou roubar o gabarito da prova de álgebra já que por mais que a ensinasse e Louis tentasse, nenhuma de nós duas conseguia passar da quarta questão da revisão.

Escuto o estalo da porta destrancando. Silenciosamente entro.

***

Envio o áudio da música para Samir e continuo a rabiscar outras notas que soariam melhores caso substituídas. A melodia continua a mesma, separo ainda algumas partes pretendendo deixar mais claro que se tratam de pessoas diferentes. Bocejo pressionando o centro da testa, uma leve dor de cabeça devido ao estresse e cansaço.

Acomodo-me na cadeira rígida da sala apoiando o caderno no joelho e sentindo a postura ridiculamente torta começar a machucar minha coluna. Deve estar na metade da aula e sequer anotei algo sobre. Sorrio para o que consegui até agora. Soa muito melhor do que tudo o que já havia feito antes. Sequer parece meu.

—Elise. — uma menina põe a mão em meu ombro, nunca vi ela antes — Tem alguém lá fora chamando você.

Quem diabos iria me procurar na sala? Agradeço, sem conseguir memorizar o rosto da menina antes que ela prossiga até seu lugar no final da sala. Fecho o caderno guardando-o cuidadosamente dentro da mochila e caminho devagar na direção da porta tomando cuidado para não atrapalhar o professor.

Saio da sala cuidadosamente fechando a porta atrás de mim. Arqueio uma sobrancelha o mal humor invadindo minha paz interior. Tetsuro está sorrindo, um copo de café na mão e pacote com doces na outra. Parece estar usando a camisa listrada de Noah, o cabelo ainda na base de gel e as sardas no rosto infelizmente mais evidentes pela proximidade.

—Uau, sua expressão muda em tempo recorde quando me vê.

—Se chama desgosto.

—Eu sei.

—Por que me chamou?

Tetsuro entrega o café na minha direção e seguro, achando que ele precisa de ajuda e por azar sou a pessoa mais próxima. Vejo-o retirar o celular do bolso e mostrar a imagem em luz baixa de alguém deitado na cama. De cabelos bagunçados, nariz avermelhado, olhos fechados e careta, Noah parece inevitavelmente...

—Ele adoeceu. — esclarece — Mas me pediu pra te trazer café puro sem açúcar e rosquinhas com recheio de caramelo. Sabe o quanto é difícil achar essa merda?

Tetsuro guarda o celular e empurra o pacote de papel. Arregalo os olhos, confusa ao manter as coisas em minhas mãos sem saber direito como assimilar tudo o que disse.

—Espera... Por que o Noah pediria pra você me trazer isso?

—Ele queria trazer por conta própria, eu que não deixei. — Tetsuro enfia as mãos nos bolsos fazendo bico, como se estivesse tramando algo — Noah disse que você costuma virar as noites e não comer um café da manhã adequado, por isso queria te dar isso aí.

Sorrio. Ele é um idiota. E como sabe tanto sobre mim? Lembro de já ter comentado sobre meus sabores favoritos e contar sobre a rigorosa rotina de treinamento acerca dos instrumentos, porém não esperava algo assim dele.

—Ah! Eu escutei por acaso seu áudio pra ele. — Tetsuro sustenta um sorrisinho presunçoso. — A voz dele é a mais bonita que já ouviu?

—Eu juro que algum dia te mato.


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