Revolution of the Daleks escrita por EsterNW


Capítulo 4
O despertar das ilusões




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Uma pessoa a menos no pátio da prisão. Era isso, agora faltava um prisioneiro, embora não soubesse dizer especificamente quem. Ainda podia contar, mas guardar todos os rostos estava se tornando uma tarefa complicada por alguma razão. Sabia que a Rani e o Monge permaneciam ali, seus velhos colegas e por vezes inimigos. O outro, o que sempre parecia estar no seu pé, também. Então algum dentre os demais sumira. Talvez deixado na cela como punição… Ah, sempre tantas dúvidas! Sua rotina ali era tentar encontrar respostas constantemente, e nesse novo dia não foi diferente.

De cabeça baixa caminhava pelos corredores, sendo guiada pelos guardas. Depois seguia até uma mesa e comia um pouco. Andava tão desanimada que já quase não percebia o movimento. Também não percebeu quando o Senhor do Tempo noir sentou à sua frente, mas logo tratou de fazer-lhe uma pergunta, só para variar.  

— Qual o seu nome? — perguntou o fitando, curiosa. 

Ele pareceu se paralisar no ar por alguns segundos. 

— É verdade, ainda não nos apresentamos efetivamente. Mas não acho que isso importe.

— Bom, eu gostaria de chamá-lo de algo além de você ou ele

Sorriu e pareceu questionar se valia a pena contar, depois a analisou por não pouco tempo, entre uma colherada de mingau e outra dos prisioneiros ao redor. Odiava quando fazia essas pausas dramáticas, mas tornara-se um hábito em suas conversas. 

— Basil… — começou e se interrompeu, pensando um pouco melhor. — Tem ideia do porquê de ter falado com você no primeiro dia?

— Por que sou simpática?

Ele encobriu a boca tentando conter um riso.

— Okay - disse ela se corrigindo. —, então foi por que você é simpático?

— Longe disso. 

Ele parou, olhou ao redor, parecendo confirmar alguma coisa e em seguida voltou à conversa.

— Notei algo em você que não vemos com frequência por aqui, Basil. Você parecia esperta e de fato se provou ser.

— Tá, tudo bem. — Cruzou os braços. — Você se apaixona pela inteligência, mas não estou à procura de um par.

— Eu também não, na verdade estou procurando um grupo. E gostaria de te convidar a participar dele. 

A Doutora olhou ao redor, e tudo parecia igual, mas por alguma razão achou que aquela conversa não fosse apropriada. 

— Tá certo — falou por fim.

Ele ergueu uma sobrancelha e se inclinou.

— É sério mesmo?

— Bom, depende do que você quer. Desconfio que planeja fu...

Se interrompeu ao lembrar das câmeras que Rani mencionara. Ainda não as entendia, mas se estavam sendo observados, talvez fosse essa a razão dele sempre provocar reflexões com jogos, ao invés de dar respostas prontas. 

— Agora entende, não é? Perfeito, achei que teria de expor tudo.

— Mas isso não é... Digo, você sabe que está sendo visto e ouvido, não é?

Ele revirou os olhos. 

— Eu tenho mesmo que te explicar tudo? Ah, Monge, que bom que está aí. Não gostaria de conversar com nossa amiga?

A Doutora olhou para o lado. Mal tinha percebido a presença do Monge, e quando virou a cabeça de volta para a mesa, o outro já não estava mais ali. Fora na direção de Rani, notou depois, e parecia sussurrar algo para ela. A visão que tinha dos dois foi interrompida quando o Monge sentou à sua frente, ocupando agora o lugar. 

— Sei que tem muitas dúvidas — falou concordando com a cabeça, como se soubesse o que ela pensava. — Mas já descobriu muita coisa por aqui, não?

— Ainda persistem alguns mistérios. Pra começar, nem ao menos sei qual a razão de estar aqui.

— Não? - Ele refletiu enquanto mexia com a colher no prato de mingau frio. — Isso é estranho, a maioria tem um porquê. 

— Deve ser. Você, a Rani e provavelmente o metido ali tem muitas razões pra estar aqui, mas não eu. Sou uma dos mocinhos.

Ele a olhou mais de perto, quase a intimidando.

— Nos conhecemos há alguns dias, mas não lembro de ter falado de quem fomos antes desse lugar. Por que presume que é justo estarmos presos?

— Veja bem... — ela procurava uma saída, mas as ideias pareciam lhe fugir. — Eu não pretendia dizer assim, mas vejo que não tenho outra escolha...

— É melhor ter uma boa resposta.

— E eu tenho...

O que dizer? Tantas possibilidades, tantas chances de errar e estragar tudo. Havia os conhecido antes em outra encarnação? Não, poderia levantar suspeitas. Viu um cartaz de procurado deles? Talvez funcionasse melhor na Terra, mas ainda assim...

— Vocês tem fama - disse enfim, dando um sorriso. — Já ouvi comentários das façanhas da Rani e do Monge, às vezes contra um tal de... Ah, como era mesmo? Escultor? Pintor? Nadador...? 

— Doutor.

Ele torceu o nariz, o nome parecendo remeter à lembranças desagradáveis.

— Não sei como ouviu falar disso, mas sim, já estivemos no caminho do Doutor. Ele é um miserável de quinta categoria que destrói todos que não concordam com suas ideias.

A Doutora concordou para não levantar suspeitas, mas não conseguiu evitar de internamente ficar um tanto consternada. 

— Ele sim deveria estar aqui - prosseguiu o Monge. -, depois de tudo o que fez. Mas isso não importa agora. O Khayin deve ter te falado do que planejamos.

Rhayin— repetiu para si mesma, notando a sonoridade. - Então esse é seu nome.

O Monge estranhou.

— Eu disse Khayin.

— Oh, mesmo? - Ela sacudiu a cabeça, tentando deixar de lado pensamentos aleatórios e lembranças que não ajudariam naquele momento. — Bom, esse Khayin só me fala as coisas em enigmas.

— Por que é assim que tinha de ser, pelo menos até hoje.

Enquanto falava, ele fez uma catapulta de mingau com a colher e arremessou um pouco na blusa dela. 

— Obrigado, hein — disse ao se limpar. — E o que tem de especial agora? Hoje é sábado, um dia monótono.

— Você está atrasada demais… Olhe melhor, Basil. Sinta os arredores.

A Doutora não conseguiu entender bem o que ele queria dizer, mas isso não era uma novidade no que as pessoas daquele lugar diziam.

Ah, era isso, não?! As pessoas, os outros Senhores do Tempo, havia algo diferente que mesmo olhando antes não se deu ao trabalho de notar. Estavam... Estavam... conversando?

É natural, disse para si mesma. Mas não era, não para eles. Estavam conversando baixo mas muito avidamente. Vamos lá, ligue os pontos, encaixe as peças, o que havia mudado? O que havia visto? Você tem mapas mentais, os use e encontre o que precisa, está sempre na sua cara e só não vê quando está distraída, então foco!

— Rani — falou por fim, e o Monge sorriu. — Ela desligou as câmeras, eu a vi mexendo nelas outro dia. Já está aqui há algum tempo e só pode ter aprendido como fazê-lo.

— De fato, minha cara. Lhe dou os parabéns, vejo que está resistindo contra a lerdeza.

Ela sorriu um segundo pelo elogio, mas se deteve ao perceber que também era um insulto. 

— Ela fez isso para que enfim pudéssemos acertar os detalhes de nossas ideias sem termos de falar em jogos e adivinhaçõe — finalizou o Monge enquanto fazia desenhos no mingau.

— Então me conte! — suplicou a Doutora, segurando os braços dele. — Se ninguém está ouvindo, pode me contar. Tem um plano de fuga, não é? Eu quero participar do que quer que estejam tramando.

Ele estreitou os olhos sobre ela.

— Não precisa implorar, nós te queremos conosco como uma das cabeças.

— E são em quantos?

— Eu, a Rani e o Khayin planejamos tudo. Ela cuida da parte prática, ele de recrutar pessoas e eu arquiteto o plano.

Então era isso, eles estavam planejando algo e a queriam. Talvez também envolvesse outros prisioneiros, um grande plano, uma rebelião em massa. Mas começou a pensar que poderiam estar loucos de achar que conseguiriam fugir dali. Mesmo que o fizessem, para onde iriam? 

— Há quanto tempo estão aqui? — perguntou ainda a raciocinar, o largando e erguendo a cabeça.

— Hum, nas medidas de tempo de Gallifrey eu diria que... Uns vinte anos.

Aquilo estava acontecendo há mais tempo do que achava, então. Não era uma coincidência todos serem Senhores do Tempo, alguém certamente estava por trás disso, só não conseguia pensar em quem ou porque. Ou, não havia uma prisão para Senhores do Tempo em algum lugar?

— Mas não estamos loucos, se é o que pensa — disse o Monge. — No começo era tudo bem agitado, contudo, houveram mudanças. Me diga, não notou que...

— Que há pessoas faltando? Sim, é uma de minha questões.

— Pois saiba que à cada mês um de nós é levado daqui. Não há padrão algum, pelo o que notamos, simplesmente fazem uma escolha e a pessoa levada nunca mais é vista. — Enquanto falava ele parecia terminar uma escultura no mingau. — Mas sabe por que todo mundo só continua sentado e calado, Basil?

— Ahn... Estão esperando que não sejam escolhidos, não é?

— Isso não adianta. Mas o que acharia da ideia de que na verdade eles estão sempre conversando animadamente como vê agora?

— O quê?

Ela voltou a olhar ao redor. Rostos felizes, rostos tristes. Compartilhavam assuntos aos sussurros, mas definitivamente estavam mais animados do que em outras ocasiões.

— O problema do controle é que você não percebe que tem alguém puxando as cordas.

A Doutora pressionou os dedos contra a cabeça e pensou, repensou e raciocinou, fritando mais neurônios do que deveria ser necessário. 

— Eu também sou um poço de monotonia, não é?

— De fato.

Ao tomar consciência disso tentou focar mais, buscando acelerar os pensamentos. Ela estava devagar como eles, mas não percebia isso agora, como humanos não percebem a Terra girando.

Não sabia bem como isso aconteceu, mas teve mais uma dúvida. Pilhas delas a se acumular, não conseguia pensar direito.

— Então as câmeras...

— Rani mexeu no áudio. Eles podem nos ver como sempre, do mesmo modo que você o fazia no início, mas só ouvem coisas que falamos outros dias.

— Monge! — Ela saltou sobre a mesa, voltando a segurar seus braços, agora com muita força. — Você e os outros dois, os "cabeças" do plano, como disse… Vocês estão livres disso?

— Primeiro me largue, detesto contato direto, ainda mais se está tão exaltada. 

Ela o fez e ele abanou as mangas da roupa enquanto estremecia os nervos.

— Está na água.

— Eu sabia! — disse em um grito baixo, algo que havia aprendido a fazer ali. — Havia percebido algo errado nela.

— Mas também na comida, e mesmo no...

— Ar?

Ele assentiu.

Tudo vinha um pouco mais claro agora, embora ainda precisasse se esforçar bastante para pensar. 

— Eu estou demorando para responder, não é? — concluiu aflita. — Sou só mais um dos zumbis agora.

— Você está mais rápida que os outros, mas não deixa de ser incômodo.

Estava começando a se desesperar. Perdera o controle sobre o que achava ser a verdade ao seu redor, e até ter a garantia de que poderia voltar ao comando de si mesma, não poderia ficar em paz.

— Se não quer se alienar, não coma nem beba em excesso. Apenas o necessário para sobreviver. Eu como meia colher dessa papa insossa por semana.

— Mas se isso está mesmo no ar que respiramos, então... — Ela cogitou uma possibilidade, mas achou algo muito absurdo. — Vocês respiram?

— O mesmo da comida, o mínimo possível.

— Estão mesmo loucos. Como sabem que não são só mais uns zumbis?

— Sabemos que somos os que tem mais controle aqui, e é por isso que vamos sair.

Passos pelo corredor interromperam. Guardas se aproximavam e com isso fizeram todas as conversas pararem.

Mais uma dia se encerrava, com outras dezenas de dúvidas e respostas não tão animadoras.

Em sua cela, a Doutora segurou a chave de venda sônica contra o peito, última lembrança de quando tudo estava aconchegante e seguro. Bom, não exatamente. Sua vida era sempre uma constante de perigos, mas agora mais do que nunca se via perdida, sem ninguém em quem confiava ao seu lado e sem conseguir formular um plano. 

Agora ao menos sabia a razão dessa incapacidade. Não estava velha e cansada demais ainda, estava lenta. Os neurônios começavam a definhar, podia sentir isso com mais clareza. A única saída que havia para acelerar a mente era parar de suprir as necessidades do corpo.

Poderia segurar o fôlego por muito tempo, mas sabia que quando enfim não conseguisse fazê-lo precisaria inspirar muito profundamente. Teria de aprender a diminuir os espaçamentos, e a se alimentar pouco também. Para eles sem dúvidas era mais fácil, aquilo havia se tornado sua rotina. Mas deveria tentar. Precisava sair dali e se encontrar de novo no comando, o universo precisava dela, seus amigos também.

Iria continuar tentando prosseguir ali, até que enfim descobrisse o que se passava e de um jeito glorioso colocasse um ponto final em toda a história. Iria fazer isso por tudo o que sua existência como a Doutora ainda significava. 


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Notas finais do capítulo

Will:
A Doutora descobre que há um motivo para todos nessa prisão agirem tão mecanicamente. Estão sendo controlados por substâncias na água, na comida e mesmo no ar! Ainda há muitas dúvidas que ela precisa sanar, mas pelo menos agora tem mais uma resposta. E acabou entrando para um grupo que planeja uma coisa grande! Nos vemos na semana que vem, até lá!

CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO:



[...]



— Rani não é das pessoas mais fáceis de convencer — disse por fim.

— Convencer do quê, exatamente?



[...]



— Oh, é mesmo? Já que eu estou me integrando ao grupo, saber dos planos de vocês seria ótimo.



[...]



— E qual seria meu teste, então? — Desafiou-o com o olhar. Ele não se intimidou. Nem mesmo um pouquinho.



[...]



— Quão grande é essa prisão? — ela questionou.

— É o que nós duas devemos descobrir.



[...]