Revolution of the Daleks escrita por EsterNW


Capítulo 18
Por obra de ratos ou a revolta dos acordados




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Uma onda que parecia percorrer todo o esqueleto da prisão se fez presente, ainda que naquele andar longe de tudo e encostado à inevitável presença dos Daleks.

A Doutora ergueu a cabeça com um suspiro. Os guardas que haviam vindo para buscá-la também, de certo modo, mas se concentraram em outra coisa, algo em suas cabeças. Acabaram correndo de onde vieram e partindo por um corredor para o qual nunca levaram ninguém.

— Eles desistiram? — perguntou Arijwani da cela, apreensiva ao lado de Ahmar. — O que houve, Doutora?

— Acho que deu certo.

Essas palavras provocaram um arrepio em sua coluna e em sua pele. Estava mesmo acontecendo. Era verdade, podia sentir as vibrações de mil pés abaixo dos seus, lutando e gritando. Talvez regenerando também, o que a deixou infeliz, mas se estavam perdendo de suas vidas para isso, deveria fazer valer a pena. 

— Ahmar, Arijwani, precisam vir comigo. Se ficarem aqui pode acontecer qualquer coisa com vocês, mas ao meu lado eu garanto que não deixarei ninguém lhes tirar outra regeneração. 

— Está mesmo dando certo? — perguntou Ahmar, esfregando as mãos. Esse seu novo rosto tinha ainda uma ansiedade exagerada, a Doutora notou, provavelmente por todas as circunstâncias que o fizeram existir. — O plano que criou com os seus amigos, é isso, não é? 

— Sim. E vocês são parte dele, assim como todos que não são Daleks em Shada, mesmo os guardas.

— Está louca — disse Arijwani, dando um passo para trás. — Não sei se confio em você nesse momento, Doutora, estamos seguros aqui. Se sairmos eles vão atirar em nós.

— Eu entendo que está com medo. — Ela se aproximou mais da cela, estreitando o rosto pelas grades. — Sempre tive medo em prévias de batalhas, mas vocês viveram tempo demais confinados aqui. Chegou a hora de levantar e fazer uma petição, ou melhor, uma revolução.

Eles se olharam e Ahmar pegou na mão dela. Estavam tremendo os dois, a Doutora percebeu, porém ela estendeu as duas mãos também e esperou que retribuíssem seu aperto. Com alguma reflexão o fizeram, e ainda tremiam, mas estavam ao lado dela.

— Se nos tirar daqui, iremos com você — disse Ahmar por fim.

Era uma tarefa complicada. Ela sabia que a chave de fenda não daria certo. Talvez sua estaca diária. Não, era frágil. Foi então que as luzes se apagaram. E não foi algo instantâneo, mas progressivo, como se o organismo de Shada lutasse por um minuto para se manter são, entretanto acabasse decaíndo e levando toda a vida daquele lugar. Mesmo um pequeno deslocamento foi sentido, talvez a estrutura ainda precisasse de motores e estivesse caminhando para algum lugar. Mas isso também estava acabado agora, assim como a trava que mantinha as celas lacradas, e com isso uma passagem se abriu para todos os prisioneiros.

— Por aqui — disse a Doutora, iluminando o próprio rosto. A chave de fenda tornava-se muito útil agora.

Ela estava com pressa. Aquilo não estava exatamente nos planos, apagar tudo, porém era o que precisavam e teriam de agir com isso.

Correu com os amigos de mãos dadas, vendo apenas meio metro à frente e parando de vez em quando para ouvir melhor tudo o que estava se passando.

Em dado momento, se abaixou e sentiu o chão. Queria ter a habilidade de se comunicar com o metal para poder ter uma empatia com toda a Shada, contudo não era de metal que aquilo estava sendo feito. A percepção desse fato a despertou para um sinal no canto esquerdo do cérebro que brilhava fortemente, mas que ignorou até então. Era o mesmo de quando chegou ali, porém agora era quase um grito, e provocou uma variação de sentimentos nela que só poderia sentir quando pisava em sua terra natal. Mesmo agora, sabendo do terrível fim de seu povo, ela se sentiu lá de novo.

— Senhores do Tempo — disse em um gemido baixo. — Gallifreyanos. Meu povo. Nosso povo!

— Certo, Doutora, eles estão lá embaixo — disse Ahmar.

— Já sabemos — complementou Arijwani. — Então devíamos agir logo, não?

— Não estão entendendo. — Ela agora quase se debruçou e se deitou sobre o piso. — Milhares de sinais de vida. Os prisioneiros das câmaras de êxtase estão de pé. E todos os outros que já estavam. E posso sentir com algum esforço mesmo a mente dispersa de um ou dois guardas. Eles estão tomando a prisão, estão lutando!

— Vamos nos juntar a eles? — perguntou Arijwani com algum receio.

— Precisamos nos encontrar com Rani, Mestre, Monge e Khayin antes. Tenho de saber exatamente o que fizeram. Minha nossa, isso é surreal.

Ela passava a mão no cabelo e no rosto, tentando conter os corações. Podia estar dando mais certo ou mais errado do que esperava.

Interrompendo esses pensamentos, contudo, surgiu o barulho cirúrgico que apenas um Dalek era capaz de produzir. Eles estavam vindo e não foi preciso mais do que duas palavras para que os três entendessem isso. Logo dispararam por um corredor em que antes nunca estiveram, para o qual a Doutora viu o último guarda caminhando.

Acabaram desembocando no que parecia ser um labirinto, e apesar de divertido em outras circunstâncias, agora era extremamente desesperador. Haviam seis caminhos, um indo para cima, dois para baixo, dois para a esquerda e um para a direita. A gravidade artificial agira de forma curiosa ali.

— Para baixo — disse Ahmar, tomado pelo pânico do barulho do motor dos Daleks.

— Devagar. — A Doutora bloqueou sua passagem com o braço. — Os andares estão distorcidos aqui. Precisamos ter certeza antes de seguir um caminho.

— Como faremos isso?

— E se tentarmos isso que sempre faz? — disse Arijwani, levantando um dedo. — Um contato, não é? Vamos encontrar mentalmente os rastros dos outros.

— Arijwani, você está corretíssima! Venham cá, encostem as testas na minha cabeça.

Eles o fizeram, e não demoraram a ter os pensamentos encontrados. Os dos dois eram um campo de guerra explodindo entre disparos e explosões, enquanto os da Doutora, além de serem assim, tinham também uma equipe de resgate consertando tudo e amparando os feridos. Desse modo, ajudaram também os dois a se concentrarem, e focaram de onde estavam vindo os rastros dos outros.

— Cima! — disseram os três juntos, encerrando o contato.

Assim, caminharam com cautela pela abertura que se equiparava ao teto. Continuava escuro ali, nem mesmo luzes de emergência se faziam presentes, mas não foi mais difícil continuar do que foi subir.

...

— Depressa, Khayin, pare de olhar para seus pés, estamos todos no escuro — disse o Mestre agitado.

— Não tenho seus olhos de fogo e não quero tropeçar, obrigado.

Eles se guiaram pelas vozes e enfim se tocaram enquanto caminhavam pelo pequeno espaço no qual agora eram livres. Precisavam sair dali, subir e encontrar a Doutora. Mas Rani teve outra ideia.

— Me ouçam essa vez, por favor!

— Por favor? — disse o Monge. — Se superou.

— Podemos ir pelo caminho oposto, vai levar só alguns minutos mas no final não vai fazer diferença. Precisamos ver o que está acontecendo, se o guarda fez tudo direito.

— Concordo — disse o Mestre. — Não sabemos qual a causa desse apagão.

— E quem se importa?! — disse Khayin, quase fazendo marcas no chão pela agitação. — Temos pouco tempo. Sem improvisos ou atitudes idiotas, lembrem-se!

— Creio que é uma atitude coerente com a situação — disse o Monge sacudindo a cabeça, ainda que ninguém pudesse vê-lo.

— Três contra um, está decidido — disse Rani.

Ela deu passos firmes tateando a parede e foi arrastando os outros em uma fila dispersa no escuro. Nenhum deles sabia ao certo o que faria quando começassem a percorrer os corredores, se continuariam aos tropeços ou o quê. Porém, para esse problema pareceu surgir uma solução quando um pequeno brilho azulado se manifestou ao final de um corredor. Era um guarda. Vinha rápido na direção deles, e mais preocupado com realizar qualquer que fosse sua missão do que checar outros pontos, não conseguiu impedir um baque quando os quatro ergueram os pés.

Com o guarda-dalek no chão, Rani só precisou de um movimento rápido e com força precisa para ter em mãos uma arma e uma lanterna.

— Grotesco, mesmo para você — disse o Monge. — Adorei!

Ela usou o olho para guiar o caminho. Conseguiam ver bem agora, e mesmo que com isso seus ouvidos pudessem descansar, não foi o que aconteceu quando começaram a perceber a razão da afobação dos guardas. 

Com alguns metros percorridos nos andares, deram de cara com um perfeito campo de guerra. Guardas de todas as formas disparando contra Senhores do Tempo, também de diversos formatos. O que iluminava tudo, por mais absurdo que fosse, era a energia regenerativa ora laranja ora lilás, ou mesmo verde, dos que haviam caído em batalha, além das luzes dos próprios Daleks.

— Mas que... — O Monge se aproximou das portas e olhou com uma lágrima nos olhos. — Isso é... é... Esplêndido! Admirável. E imperturbável. Não deveremos intervir, é uma obra de arte das mais belas.

— Devo lembrar que eles não têm vidas eternas — salientou o Mestre.

— Você não consegue ver beleza nisso, meu amigo? Pois me decepciona muito. O perfeito equilíbrio entre a pilha de corpos e o contraste das luzes de ambos os lados... Oh, deveras magnífico.

— Deixe essa porcaria pra lá — disse Khayin rangendo os dentes. — O que vocês vão fazer com isso agora? Me digam! Se nada de útil, estamos desperdiçando tempo aqui. Os Daleks logo ficarão a par de tudo e aparecerão. Temos de dar no pé enquanto há tempo e deixar esses idiotas se digladiarem aí. 

Os outros três ponderavam sobre isso aos seus modos, mas foram interrompidos por um grito de amor ou guerra. Caminharam até sua fonte e com algum tempo conseguiram se ver a esbarrar contra um grupo de três pessoas ensopadas.

— Eca, deviam estar nas cápsulas — disse o Monge, notando a substância mucosa que os encobria ainda, mais do que apenas cristais de gelo em derretimento.

— E vocês não — disse Romana, quase encostando o rosto nos deles.

— Vamos logo, não se importem com esses daí — disse Khayin já quase virando um corredor na escuridão —, estão inebriados por terem acabado de acordar. 

— Estamos cientes de tudo ao nosso redor, se me permite a palavra — disse Drax, erguendo a cabeça.

— Está ciente também de que essa é uma prisão produzida para conter os Senhores do Tempo mais vis e cruéis de toda a existência? — perguntou o Mestre, com um sorriso. — E mais, que têm dezenas de Daleks melhorados com energia regenerativa sobre nossas cabeças, caminhando até aqui agora mesmo para acabar com a festinha que seus amigos selvagens começaram?!

Os três ficaram irrequietos, e Narvin deu um passo.

— Vocês estão indo para onde?

— Longe daqui — disse Khayin. — Prestem atenção, vamos sair e podem nos seguir depois de um minuto, se ainda estiverem vivos, mas não vamos cuidar de vocês. Achem seu próprio caminho.

— Quanta generosidade — disse o Monge, aplaudindo em silêncio.

Khayin se apressou em prosseguir, mas o Mestre percebeu, além do clamor dos três desconhecidos ali, a ausência de uma companhia fundamental.

— Onde está a Rani?!

— Rani, ele disse? — perguntou Drax para os dois ao seu lado.

— A maldita nos deixou — disse Khayin, começando a ficar vermelho como uma maçã madura.

— Não, meu caro, a luz ainda está conosco — disse o Monge segurando o olho Dalek. — Foi outra coisa...

— Aqui, seus idiotas! — gritou a Senhora do Tempo ao longe, a voz quase que completamente abafada pela luta que ainda se estendia próximo deles.

O grupo logo se viu diante de uma Rani sorridente segurando um antigo bebê no colo.

— Meu motor de Khartoum! — disse orgulhosa.

— Aquela porcaria que eu chutei pra longe? — perguntou o Mestre com desdém.

— Pode ser muito útil agora.

— Tudo bem, já chega — disse Khayin. — Vamos logo embora daqui.

Ele deu um passo, porém apenas para se deparar com uma espada apontando para seu rosto.

— Calma aí, Corsário — disse a Doutora, respirando com dificuldade atrás da amiga. — Só os pare, não os mate.

— Você sempre simplifica demais as coisas, Doutora.

Ahmar e Arijwani vinham depois das duas, também exaustos, afinal não foi fácil chegar até ali, e seu tempo estava acabando.

— Quem é essa gente toda aqui? — perguntou Rani quase tonta.

— Encontrei minha amiga Corsário nos corredores — disse a Doutora inclinando a cabeça. — Por sorte foi esperta o suficiente para entender que é loucura perder tempo em uma batalha com os guardas.

— Eles estavam em pé de igualdade — disse o Monge passando a língua pelos lábios. — Tinha de ver, Doutora.

— Para chorar por mais de meu povo decaíndo? Não, isso já basta. Ah, esperem aí, vocês três aí atrás... Romana, Drax e... Narvin?! Venham, não tenham medo, sou eu, a Doutora. Doutor, se preferirem. Vocês fizeram isso com as luzes?

— Eu posso ter exagerado, pensando melhor agora — disse Drax, encolhendo os ombros.

— Só poderiam ser esses outros idiotas — disse Rani sacudindo a cabeça. — Sim, eu lembro de você, Drax. Mas admito que sua tática nos ajudou.

— Deixem tudo pra lá por enquanto — pediu a Doutora, abanando as mãos. — Prestem atenção, eu vou colocar uma música para tocar, e quando fizer isso todos vocês devem se concentrar nela, em mais nada. Entenderam?

— Completamente louca — sussurrou Ahmar para Arijwani, que assentiu, mas eles ainda tinham algum tipo de confiança por ela.

— Lá vai.

Ela apertou a chave de fenda sônica, talvez exagerando na dose de ruído, mas foi o suficiente para que tudo se espalhasse pelos corredores de Shada, incluindo na batalha que prosseguia há poucos metros dali. 


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Notas finais do capítulo

Will:
Então agora o circo tá pegando fogo, quase literalmente. Senhores do Tempo vs Daleks e o confronto final já está se desenrolando. Em breve saberão como isso vai terminar. Até lá!


CENAS DO PRÓXIMO CAPÍTULO

[...]
— Isso não faz parte do plano!
— Agora faz.

[...]

— Eu vou ir embora, nada disso fazia parte do plano. Quem quiser, que venha comigo.

[...]

— Isso é inútil. É como atirar com uma pistola contra quem tem um rifle.
— E o que mais podemos usar contra eles? É isso ou as mãos vazias.

[...]

— Preparar para exterminação completa do prisioneiro — o dalek do meio bradou com sua voz robótica.
— Eu não faria isso se fosse vocês, ou vamos todos pelos ares.