Revolution of the Daleks escrita por EsterNW


Capítulo 14
Três ratos cegos




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Quando a Doutora adentrou de novo a cela, viu uma Arijwani com um rosto mais velho do que antes. De fato, seria considerada uma mulher de trinta anos na Terra. Ahmar, também acumulando suas pelancas, foi jogado na cela antes da Doutora. Ele despencou no chão, sem forças para respirar, enquanto Arijwani o segurava e olhava seu novo rosto.

— Ele está bem? O que houve? Uma nova regeneração, é? Pois vai ficar tudo bem, eu sei que vai.

A Doutora, que observava os seus carrascos voltando pelo corredor, a fitou com surpresa.

— Você é a otimista agora? Nossa. É como dizem, nessa coisa de regeneração você nunca sabe o que esperar.

Ela se escorou na parede e deslizou até o chão, inclinando a cabeça para olhar Ahmar. Ele respirava com dificuldade, mas abriu os olhos.

— Eles vão fazer isso outras vezes, Arijwani — disse a encarando. — Do mesmo modo que fizeram antes. Vamos morrer todos os dias até morrermos definitivamente, não há esperança.

— Não diga isso, é claro que há! Nós... Nós vamos dar um jeito. Enquanto houver vida há...

— Esperança — a Doutora completou. — Você também ganhou um pac de frases motivacionais?

— Mas o que realmente houve lá?

— Eles estão extraindo energia de regeneração. Truque velho, você precisa admitir, mas dessa vez estão mais espertos. Talvez isso tenha a ver com os CyberMestres, se eu não tivesse certeza de que eles já eram... Ah, espere um minuto, eu não tenho. Deve ser isso, então, embora eu também não possa afirmar com certeza. Que droga, quando eu achei que estava recuperado o controle, tudo se perde outra vez. É como dizem, no que diz respeito às grandes coisas, o ideal é não fazer nada. Mas eu fui estúpida demais por achar que teria algum êxito aqui. Agora eu estou falando como vocês dois, em regenerações diferentes. Mas isso não importa. Não sei se algo dará certo, não sei como agir aqui, mas devo encontrar um modo logo, ao menos eles estão perdendo tempo com aquela tradução barata. Vocês estão dormindo? Sim, façam isso, é o melhor que cada um de nós pode fazer, esse fluxo de consciência já durou tempo demais. 

Eles haviam se recolhido um sobre o outro, entre lágrimas. Nem mesmo um otimismo exacerbado era o ideal para aquela situação.

A Doutora raramente dormia, sendo o que era, mas naquele momento também não pôde evitar. Envolveu o sobretudo imundo de modo a confortar a cabeça e fechou os olhos, ouvindo apenas o som das paredes de Shada rangendo, contendo a vastidão de um lugar sombrio do universo.

Sentiu os pensamentos enchendo sua mente, eram muitos como sempre, e se concentrar era extremamente complicado, mas procurou focar em uma coisa e as outras eventualmente a deixaram. Quando menos esperou voltou a se ver em um lugar bonito, como a alucinação que teve com o Mestre e... os outros.

Eu tenho sonhos repetidos, então — pensou. — Que sem graça. 

Mas as vistas foram mudando, como se peças ou blocos de montar se encaixassem na realidade à sua frente, e acabou por se ver em um altar em meio ao escuro. Apenas seu próprio corpo podia visualizar. Sendo assim, sentou-se com as pernas dobradas, e viu mais um altar.

Não estava esperando ninguém em Oklahoma. O que você quer, sombra? Vamos lá, não seja tímida. Quantos anos tem?

Mais de mil — disse a sombra. — Ou menos de dez, não lembro, e posso ser muitos.

Pois apenas se mostre como preferir.

A sombra tomou forma e sentou-se também no altar. Era um rosto familiar para a Doutora, um que sua terceira encarnação muito enfrentou.

E quem seria você? — perguntou após alguma análise da situação, ainda que fosse um sonho.

Ora, Basil, não me reconhece?

Ele mudou de forma para o rosto do Mestre que estivera aprisionado ali há mais tempo do que qualquer um podia medir.

Assim fica mais fácil. Mas me diz, resolveu invadir meu mundo por quê?

Precisávamos nos falar, não? Eu estive tentando isso há horas, finalmente sua mente se acalmou o suficiente para chegarmos nesse ponto.

E trouxe companhia?

De modo algum, essa é uma conversa privada. Vamos apenas tomar um chá ou um café e...

Sem essa. Acha que não deduzi o que houve? Sei muito bem que nunca te deixariam sozinho de novo.

Por trás do Mestre outra sombra então se revelou. Era Khayin, vestindo um manto acinzentado enquanto segurava uma corrente. Como se antes estivesse invisível, de repente brilhou ao redor do Mestre e revelou-se presa ao seu pescoço.

Muito bem — disse o prisioneiro. — Isso já está humilhante o suficiente para vocês?

Eu acho que ficaria mais confortável de joelhos — disse Khayin rangendo os dentes.

Pare com essas futilidades — pediu a Doutora. — O que ele fez, afinal? Não pude pensar em tudo com precisão, estive ocupada.

Ele nos entregou para os Daleks, ora! Você continua lenta, Basil, tem certeza que não estiveram lhe injetando substâncias de contenção?

Aquilo era parte da estratégia deles, assim como o encerramento da fuga. Nem o Mestre, eu, você, nem ninguém poderia prever o que aconteceu.

Defendendo seu amigo, não é mesmo? Mas agora parece bem segura de si.

Porque eu estive com os Daleks como prisioneiro, e vi mais do que você pode pensar, se é que já não esteve com eles também. Eu diria que não, já que ainda tem essa mesma cara fofa de alguém que tenta parecer mal.

Ele deu um passo, mas se conteve para não cair do altar. Então sorriu.

Me diga o que sabe, então.

Pra quê?

Para darmos continuidade ao plano, sua louca.

Ah, mas eu não tenho mais nada a ver com o plano.

Vai fingir demência?

Não preciso fingir isso. Eu na verdade digo que se estiverem tão divergentes uns com os outros, eu não quero mais ter relação alguma com seu grupo. Fiz meus próprios novos amigos.

Não vai conseguir sair daqui sem a nossa ajuda.

Ela abriu bem os braços, como se estivesse em uma poltrona. 

E quem disse que eu quero isso? Estou ótima. Agora que sei do plano dos Daleks vou poder fazer parte dele, e liderar a revolução que estão tramando.

A testa de Khayin estava franzida, enquanto o Mestre passava a língua pelos lábios.

Está blefando.

Sim, do mesmo modo que você fazia. Gostou disso?

Ele foi percebendo a situação e relaxou, descendo os ombros e sacudindo a cabeça.

Mas não vou contar mais do que o necessário para vocês, já que não posso ter certeza do que andaram fazendo.

Nós? Estivemos presos. Diferente da maioria dos que sobreviveram, ficamos em celas separadas. Conseguimos esses contatos às vezes, mas é arriscado, eles têm câmeras sobre nossos rostos.

E por que Rani não as desativou como fez com as do pátio?

Deixe-me lhe dizer, cara Basil — disse o Mestre. — Porque ela nunca conseguiu.

Precisamente, meu amigo!

Parem com isso — bradou Khayin. — Vamos focar no que importa agora. Comece, Basil, diga tudo o que descobriu desde que nos separamos. Não vai negar isso pra mim, vai? Eu te ajudei no dia da fuga, não é culpa minha se esse idiota chamou os Daleks.

Ele não chamou. — Deu de ombros. — E você é como os outros. Na verdade deve ser pior, porque você diminui as pessoas para que as tenha aos seus pés. Esse é seu objetivo, não é? Definitivamente faria isso com os demais prisioneiros se eu não estivesse lá. Você destrói os outros para depois estender a mão, porque estando tão fundo, você se entrega a qualquer um.

O que acha que sabe de mim? — Ele sorria com o canto da boca, com uma mão na cintura. Parecia mais do que nunca um detetive noir, tentando parecer durão para obter informações. Foi isso o que a Doutora pensou.

Eu estive desenterrando memórias — Ela prosseguiu. — É claro que há lugares que não posso acessar, mas também sou muito astuta, e deduzi algumas questões. Você — ela apontou com um tom de acusação — era parte de uma ordem muito antiga de Gallifrey. Uma ordem que podia ter feito coisas boas, e talvez realmente tenha chegado a fazer, mas desconfio que é muito além disso.

Não se prolongue.

Por quê? Está com medo do que sua mente pode projetar se eu disser a palavra? Pois ouça com atenção...

Cale-se!

Não, Khayin, me permita dizê-lo que sei qual era sua função no planeta Natal. Você era da Divisão! 

Uma série de imagens se formou atrás dele. Usava roupas típicas de Gallifrey, e tinha reuniões em quartos pequenos com pessoas incisivas. Também esteve em vários planetas e épocas, ao que a Doutora pôde ver.

É claro — disse o Mestre. — A Divisão! Só podia ser, como não deduzi isso antes?

Você não faz ideia do que é, não é? 

Ele sacudiu a cabeça.

Khayin esbravejou e puxou com força a corrente, apertando a garganta do Mestre.

Quer brincar, então, Basil? Vamos ver o que ele me diz de você. Porque eu tenho orgulho do meu passado, mas do seu nada sei. O que a Senhora do Tempo monótona mas espertinha pode ter feito para acabar em Shada? Acho que o Mestre sabe algo, sendo vocês tão próximos. 

A corrente foi pressionada com ainda mais força, e o Mestre mudou de forma, voltando para seus antigos rostos por um momento, até parar como uma criança que enlouqueceu ao ver o vórtice do tempo em seu planeta.

A Doutora deixou a garganta percorrer em uma onda, mas se conteve.

Você a reconhece, pequeno Mestre? — perguntou Khayin com o rosto ao lado do do menino.

Nunca a vi.

Mentiroso! — Ele puxou a corrente e a forma voltou a mudar para o rosto mais velho.

Não quer mesmo saber quem sou — disse a Doutora. — Eu já vivi mais do que você poderia contar. Mais do que eu posso contar. 

Então mostre-se, já que deseja tanto sinceridade por aqui.

Ela hesitou, mas olhou o Mestre aprisionado. Escondeu sua identidade por tanto tempo, talvez fosse a hora de se mostrar. Já não importaria mais o que eram inimigos ou amigos ali, todos deveriam lutar contra os Daleks ou jamais sairiam de Shada. Não haviam mais motivos para se esconder.

Ela então se ergueu e abriu os braços. Fechou os olhos, lembrando de todos que já foi.

Você sabe, você sempre sabe — disse para o Mestre. — Nós dois sempre sabemos, embora desejemos que não seja verdade. Não reconhece nem isso? — Ela tirou a chave de fenda do bolso. Os olhos do Mestre acenderam.

Não é...

Acho que é sim, meu velho amigo.

O corpo dela então se modificou em dezenas de outras versões, velhas e jovens, até acabar como um garotinho assustado também, e iria para antes disso se tivesse certeza de todos que já foi.

Doutor!

Khayin ficou confuso um minuto, mas olhou para os dois e abriu a boca.

Então é você! Rani e Monge falaram muito mal de você.

Ela voltou à sua forma atual e agradeceu.

Sabia que não era tão estúpida quanto queria que todos pensassem — disse o Mestre. — Muito bem, Doutor, muito bem! Eu vou até lhe aplaudir. Você foi ótima para uma inversão de lados.

Você faz tanto esse jogo que comecei a achar legal. 

Tá, parem com isso — disse Khayin com o braço doendo por segurar a vela e a corrente. — Então você é mais esperta do que se disse, Basil? Digo, Doutor.

Me chame de Doutora. E eu sou mais esperta do que todos vocês juntos.

Tão esperta que não sabia dos Daleks — disse o Mestre gaguejando em um sorriso. — Mas nos conte o que sabe agora, Doutor, e discutiremos o que fazer. Tenho certeza que esses idiotas me ouvirão se confirmar que nada tenho a ver com isso.

A Doutora ponderou e acabou começando por onde de nada eles sabiam. Contou da separação que fez entre Rani, de achar as câmaras de êxtase e da cela. Depois descreveu sem falta de riqueza de detalhes os acontecimentos no laboratório dos Daleks. Contou também sobre como estavam errados por achar que sabiam o que estavam fazendo.

Eles no entanto traduziram a placa de Rassilon errado — dizia. — Ou algum dos primeiros Senhores do Tempo que sequestraram os enganou. De todo modo, o erro já está aparente, alguns Daleks dando defeito. Isso é porque eles não foram feitos para se misturar, e do modo como estão extraindo energia tudo vai ruir uma hora.

Então nada precisamos fazer — disse o Mestre, com as pernas cruzadas e o colar de metal brilhando. — Deixemos que se destruam, já que eventualmente estarão todos mortos.

Mas eles estão conosco, gênio — disse Khayin. — E não podemos resistir, vão nos levar uma hora.

Tem razão — concordou a Doutora. — Não vão parar tão cedo, até atingirem uma aniquilação restaria apenas meia dúzia de Senhores do Tempo aqui.

Mas isso é maravilhoso!

Não se anime, Mestre. Eles já planejam pegar eu, você, e a trupe inteira. Fomos os que se mostraram mais inteligentes ao liderar uma rebelião e tomar, mesmo que não tenha sido de fato o que houve, o controle de uma parte de Shada.

Orgulhosos como sempre. Qual a diferença dos lindos da regeneração de um idiota?

Esse é o ponto. Acredito que dessa vez eles estão planejando algo além de apenas usar a energia, mas não pude descobrir ainda

Ao que vejo, precisamos pensar em um plano de ataque, um que dê certo.

A culpa foi do Monge pelo outro ter ruído — disse Khayin em defensiva. — Ou de todos, não sei, nenhum de nós podia imaginar isso.

Espera aí, você cedeu, foi? — perguntou a Doutora espantada. — Para um Senhor do Tempo de organizações tão restritas, é um coisa brilhante!

Esqueça isso — disse o Mestre. — Nós na verdade já pensamos um pouco sobre o que fazer. À princípio, o primeiro passo é escapar das celas.

E como pensa que farão isso?

Rani tem trabalhado em experimentos — disse Khayin. — Com sorte, conseguiremos pegar alguns guardas e entrar na mente deles.

Sorte não, competência.

Entrar na mente deles? Como pensam que farão isso?

Ora, Doutor, você pode achar que me pegou dessa vez, mas quando não tem muito tempo para pensar pode ser extremamente lenta. Os guardas são também Senhores do Tempo, minha cara! 


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Notas finais do capítulo

Will:
Excepcionalmente hoje não teremos o gostinho do próximo capítulo, mas saibam que vem muita coisa por aí ainda, pois já passamos da metade e nos dirigimos para a reta final :x Até próximo sábado!