Percy Jackson - Uma Nova Profecia escrita por Contadora de Histórias


Capítulo 31
XXVIII - Respostas Part. III


Notas iniciais do capítulo

Primeiro capitulo do Ano de 2021!!!

Feliz Ano Novo a todos. Desejo o máximo de Felicidade, sorte e amor para todos vocês.

Sei que provavelmente o último ano não foi um dos melhores para ninguém, mas parabéns por todos os obstáculos que você enfrentou e conseguiu vencer ❤️

Não importa o que os outros digam, você é dono da sua própria história ; )



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NAIÁ

 -Eu te amo. Eu te amo... –Apertei fortemente seu corpo sem vida entre meus braços. –Por favor não vá... Está me ouvindo? Tainara! –Deixei que as lágrimas caíssem com ainda mais força, enquanto sussurrava diversas vezes. –Por favor... Por favor... Por favor...

Por favor não me deixe...

 -COMO VOCÊ PODE FAZER ISSO COMIGO!!!

  Os berros da senhorita Perséfone ecoavam por todo o lugar enquanto encarava friamente o senhor das Trevas que havia acabado de recobrar a consciência.

 -JÁ NÃO BASTAVA TER ACABADO COM TODA A SUA FAMILIA? COMO PODE? VOCÊ PROMETEU!

 -Eu lhe avisei para mantê-la longe, mas ela teve a audácia de invadir a minha casa e me desafiar!

 -PORQUE VOCÊ ACABOU COM TODOS QUE ELA CONHECIA!

 -Eu lhes dei a oportunidade de escolher. –Sua voz se mantinha firma e calma. –Mas não imaginei que ela escolheria a caça.

  Encolhi-me á apertando ainda mais diante daquelas palavras completamente verdadeiras.

Como pude fazer isso?

  Eu era a irmã mais velha, o exemplo á ser seguido, meu trabalho era protegê-la. Mas ao invés disso me deixei levar pelas mudanças. Pelo gosto da liberdade e adrenalina que acompanhavam aquela oferta...

Eu fui a responsável...

A culpa é minha!

 -A minha pequena... –Solucei. –Me perdoe...

 -Você não pode estar falando sério!

 -Está duvidando? –Não sei se ele respondeu baixo para que eu não ouvisse, mas ela pareceu não se importar. –Apenas eu tenho que ser a esposa perfeita? A que nunca faz absolutamente nada e é fiel á você? –Sua respiração estava se acelerando.

 -Eu nunca guardei rancor de seus filhos! Nem me importo com o fato de não possuirmos um nosso... –Sua voz falhou. –Mas quando finalmente tenho a honra de dar a luz á flor mais bela de todo o Mundo... Minha preciosa menina... Minha filha... -Seu rosto se desmanchou em lágrimas e ela caiu de joelhos com as mãos na face. -Você acabou com sentido de toda a minha existência... Seu Monstro!

  Passaram-se alguns segundos em silêncio, e como aparentemente ele não tinha nada de útil pra falar, esperou que a senhorita Perséfone continuasse. E depois de um longo suspiro em meio ás lágrimas, ela colocou-se de pé e falou com a voz ainda mais fria do que da primeira vez.

 -Graças aquelas malditas romãs eu não poderei partir. Mas guarde bem essas palavras. O tempo em que eu estiver aqui, farei com que você implore pelas torturas vindas das profundezas do Tártaro e se arrependa completamente de possuir a imortalidade.

  Depois dessas palavras o silêncio predominou por um longo tempo até que senti suas delicadas mãos em meus ombros. A pressionei contra meu corpo.

 -Sei que dói, mas se me permite gostaria de despedir-me.

  Apesar de hesitante, sabia que ela possuía tantos direitos quanto eu, ela era a mãe de minha pequena e á acompanhou, mesmo que distante, em todos os passos de sua vida, enquanto eu sonhava em uma ridícula lenda de um falso deus da lua...

  Finalmente cedi e observei enquanto Perséfone á segurava gentilmente, analisando cada detalhe de minha pequena.  Seus dedos eram delicados enquanto os passava em seu rosto, memorizando todos os traços de Tainara e fechando delicadamente aqueles calorosos olhos castanhos...

  Nunca mais voltaria á ver aquele brilho intenso que possuía em cada gesto e sorriso...

  Seu rosto estava vermelho e inchado de tanto chorar e as lágrimas não sessavam enquanto distribuía diversos beijos nas faces gélidas de Tainara.

  Ela a colocou gentilmente no chão e começou a falar palavras em grego (que mais tarde descobri ser uma espécie de benção) e em segundos o corpo de minha pequena já não era mais visto em meio às flores. Suas palavras se transformaram no canto preferido de Tainara.

  Juntas cantamos, enquanto observávamos as diversas chamas coloridas desaparecerem com os últimos sinais da dor de nossa flor preciosa.

***

 -Tainara!

  Acordei desesperada olhando ao redor na esperança de que tudo não passasse de um sonho. Ainda estaríamos em nossa oca e ela estaria deitada ao meu lado dormindo profundamente depois de um longo dia de atividades. Porém a realidade bateu com força na minha cara e tudo que encontrei ao olhar naquela direção foi uma garota mais nova que eu, com a pele clara, olhos da cor amarelo prateado e com seus cabelos castanho-avermelhados presos para o alto, sua expressão era de compreensão.

  Sentei-me e passei as mãos no cabelo bagunçado. -Perdoe-me por lhe acordar Lady Artemis. Foi apenas um sonho e prometo que não irá se repetir.

 -Não há do que se desculpar minha jovem guerreira, não está proibida de sonhar. Além do mais, eu já estava acordada faz um bom tempo. –Ela sorriu carinhosamente. –Resolvi checar se todas estavam bem, talvez até ver se nenhuma precisa conversar um pouco.

  Não aguentei segurar mais e deixei que todas as lágrimas caíssem enquanto lhe dizia tudo o que me atormentava desde aquele fatídico dia.

 -Eu simplesmente não aguento mais. –Solucei. –Achei que com o tempo as coisas iriam melhorar, mas para onde quer que eu olhe lá está ela me lembrando a cada momento do que fiz. Graças a mim ela se foi...

 Senti uma de suas mãos pousar  em meu ombro enquanto a outra limpava delicadamente as lágrimas que continuavam a cair.

 -Nada do que aconteceu é culpa sua, não pense que poderia fazer qualquer coisa para impedir porque infelizmente não podia. –Sua voz era macia e acolhedora, mas isso não  fez com que me sentisse melhor.

 -Mas se eu não á tivesse feito dormir naquela noite e resolvido fugir então...

 -Então você estaria junto com todos os outros mortos no incêndio, e sua irmã não hesitaria em procurar por respostas. A diferença é que ninguém estaria lá para avisá-la, e Tainara seria mais uma das almas presas no sobre tudo do meu tio. –Estremeci com a ideia, mas ela continuou. –O que aconteceu na sua aldeia foram consequências dos atos de seu pai, de nada iria adiantar a sua presença.

 -Se eu tivesse me aberto e digo a verdade a ela... Nós duas poderíamos estar trilhando esse caminho juntas... -Solucei.

 -Ah minha guerreira, esse lugar não é para ela, não podemos alterar profecias, ou decisões tomadas, muito menos mudar o passado. Tudo que nos resta é seguir em frente sem olhar pra trás. -Sua mão começou a fazer movimentos delicados nas minhas para me acalmar. -Não se destrua com esses pensamentos, Tainara não iria querer isso. Acredite.

  Arregalei os olhos. –A senhora falou com ela?

  Lady Ártemis abaixou a cabeça e sorriu timidamente. –Infelizmente eu não possuo um contato direto com a morte, mas ninguém que se importa de verdade com outra pessoa quer que ela se culpe por algo que não fez, e tenho certeza de que Perséfone deu um jeito de manda-la ao campo dos Elíseos.

  Sorri intimamente com esse pensamento, mas aquilo só me fez ter a certeza de que eu não poderia cometer aquele erro duas vezes.

Nunca mais abandonaria ninguém que precisasse de mim.

  ***

  -Naiá! Cuidado!

  Olhei á tempo de desviar das garras de um dos pássaros metálicos, acertei-lhe duas flechas seguidas, mas não esperei para ver se a criatura havia morrido, pois desatei a correr em direção á uma das inúmeras rochas próximas ao Lago Estínfalo.

Agachei ofegante tentando por em ordem meus pensamentos.

 -Concentre-se. Você pode fazer isso.

  Segurei com força o colar dourado com uma flor que possuía um brilho intenso e reconfortante, ele era a única coisa que me prendia á minha antiga vida, sua ultima lembrança...

 -Como tu está? Ele te feriu? –Seu nariz ligeiramente arrebitado estava sangrando, mas ela não parecia se incomodar enquanto me estudava de cima a baixo.

 -Eu estou bem Zoë, não se esqueça que sou mais rápida que esses monstros.

  Sorri tentando conter as lágrimas que insistiam em cair, mas seus olhos marrons me encaravam com alivio e repreensão ao mesmo tempo.

 -Não quero subir de cargo tão rapidamente Naiá.

  Ri enquanto lhe entregava um lenço da minha bolsa para limpasse o sangue do ferimento. -Acredite que se depender de mim, terás que esperar sentada.

  Ela riu baixinho aceitando o tecido e limpando seu rosto cor de cobre. -Ótimo. -Ah guerreira guardou o pano para se livrar dele depois e ficou séria. -Agora precisamos voltar, a luta está quase no fim.

  Concordei com a cabeça e sai em disparada para o meio da batalha, que assim como Zoë falou, estava acabando.

  Disparei algumas flechas nos pássaros que tentavam encurralar uma caçadora, depois lady Ártemis levantou as mão para que parássemos e como uma, todas abaixaram seus arcos ao mesmo tempo.

 -Meus parabéns jovens guerreiras, mais uma caça concluída...

  Ela parou imediatamente e arregalou os olhos em minha direção, com o arco já em mãos começou á gritar, mas por algum motivo não conseguia ouvir absolutamente nada.

Foi então que me dei conta do que estava acontecendo.

Iria reencontrá-la.

 

  Nem mesmo a dor lancinante que tomou conta de todo meu corpo, foi capaz de tirar a alegria que sentia naquele momento.

  Então eu á vi, correndo em minha direção com o rosto apavorado. Não foi essa a reação que esperava, mas quando ela se aproximou, foi Zoë quem apareceu.

 -Não há de se preocupar, tudo vai ficar bem.

  Lady Ártemis apareceu junto com as outras caçadoras. -Precisamos de néctar!

  Eu sabia da capacidade de cura que esse antidoto possuía e fui obrigada a reunir todas as minhas forças para falar.

 -Não... Por favor!

  Lady Ártemis fez sinal de que parassem então me encarou tristemente. Zoë ficou impaciente.

 -Minha senhora, permita que eu mesma vá buscar o néctar.

  Nós duas balançamos a cabeça, não foi necessário explicações, lady Ártemis sabia exatamente qual era a minha decisão, ela se inclinou e me deu um beijo na testa, enquanto murmurava palavras em grego. A benção final.

  Zoë começou a chorar descontroladamente e abraçou meu corpo ensanguentado.

 -Lutaste com bravura. Nunca esquecerei de ti minha querida irmã.

  Concordei com a cabeça, sem conseguir dizer qualquer coisa, as lágrimas escorriam pela minha face. Não era digna de ser chamada de irmã, mas ainda sim não pude deixar de pensar em todas as caçadoras e o tempo que passamos juntas como uma família.

 -Tu és a melhor líder de todas, ninguém será capaz de substitui-la.

  Queria tanto poder dizer alguma coisa, mas infelizmente meus lábios não se moviam e antes que notasse tudo escureceu...

 

 

 

  O processo de transação entre a vida e a morte foi confuso demais e quando me dei conta estava dentro dos Campos dos Elíseos.

  É impossível descrever a sensação de estar em um lugar como aquele, assim que entrei foi o suficiente para tirar todas as minhas preocupações e medos. Porém depois de vasculhar cada centímetro daquele lugar majestoso comecei a desesperar-me.

  As poucas pessoas (a maioria sendo jovens) que estavam por lá se ofereceram para ajudar, mas de nada adiantou, ninguém nunca havia ouvido falar de uma garota como Tainara, pois ela não tinha sido mandada para os Campos dos Elíseos.

   Fiquei encolhida próxima á um lago sem saber o que fazer, todas as minhas esperanças haviam sumido completamente.

 -Sei como te ajudar.

  Levantei-me imediatamente, procurando pelo meu arco que já não existia mais, fiquei em posição de luta, mas o garoto (uma pouco mais velho que eu) levantou os braços em rendição.

 -Calma. Desculpa, não queria te assustar.

  O olhei de cima a baixo, para ter certeza de que não possuía ameaças, apesar de saber que nada de ruim poderia acontecer ali. Ele tinha cabelos pretos encaracolados e eletrizantes olhos azuis.

 -Quem és tu? E o que quer comigo?

 -Eu sou mais um dos objetos utilizados pelos deuses para salvar o Mundo. Acredite, são muitos como nós espalhados por ai, mas aparentemente nem todos são “heroicos” o suficiente para estar aqui.

 -Tainara era a pessoa mais corajosa de toda a minha existência. –Trinquei os dentes.    -Ela que tinha que estar aqui e não eu. –Minha voz ficou embargada e tive que segurar as lágrimas.

 -Tenho certeza que sim. –Ele desculpou-se. –Todos nós já passamos por isso, acredite. É decepcionante passar por aqueles portões e não encontrar as pessoas que você ama e que já haviam partido. Mas com o tempo começamos a entender que as coisas são assim.

  Encarei a água, desejando profundamente que ele desistisse de uma vez por todas e me deixasse em paz, mas infelizmente o garoto prosseguiu.

 -Eu sou uma das pessoas mais velhas de todo esse lugar. Os heróis tendem a ter uma vida curta como deve ter notado. –Ele sorriu tristemente. –Mas não precisamos passar a eternidade por aqui... –O encarei esperando sua explicação . –Podemos recomeçar do zero, sem lembranças passadas. Uma nova vida.

 -Não entendo.

 -Alguns acham que podem melhorar ainda mais caso tenham uma segunda ou terceira chance. Se você renascer três vezes e em todas elas, for um grande herói, é mandado direto para o Campo dos Afortunados. –Ele apontou para uma ilha um pouco distante de onde estávamos. –Caso escolha renascer, não se lembrará de absolutamente nada.

 -Quer dizer que eu não lembrarei do que aconteceu comigo, da minha família, das caçadoras e nem da... Minha... Irmã?

  Ele balançou a cabeça tristemente. –Seria como se jamais os tivesse conhecido. Na maioria das vezes eles escolhem fazer isso para não cometer os mesmos erros.

 -Mas como saberão o que fazer?

 -Não sabem. A esperança de que possuam um pouco das antigas lembranças é o que os incentivam a arriscar.

 -Você já tentou?

 -Sinceramente nunca tive vontade. -O garoto balançou os ombros. -Acho que já fui objeto dos deuses por tempo de mais. E apesar de eu não ter tido a melhor nem mais longa vida de todos, ainda sim não quero esquecê-la jamais, pois foi nela em que eu encontrei o grande amor da minha vida.

  O olhar do rapaz ficou distante e com um brilho intenso como se estivesse revivendo cada lembrança naquele exato momento.

  Então imagens da minha própria vida começaram a aparecer descontroladamente, algumas lágrimas caíram sem que eu pudesse impedir.

  O encarei decidida e ele me explicou o que fazer, agradeci e virei-me para partir.

 -Espere! –Parei e o olhei. –Espero que consiga encontrar a felicidade e quando você voltar, caso se lembre, meu nome é Perseu.

  –Naiá.

  Sorri amistosamente e corri rumo ao desconhecido.

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   EDVINE

AGOSTO DE 1943

Lembranças, lembranças, lembranças.

Para onde quer que eu olhasse era tudo que via.

  Desde que Júlio me mostrou aquele livro e começou a contar sobre mitologia e deuses, não parava de pensar naquilo.

Quem eram aquelas pessoas?  

Porque só conseguia enxergar á elas?

  Era como se eu tivesse entrado em um dos meus livros de história, e isso não fazia sentido algum.

  Mandei para longe esses pensamentos e continuei a caminhar. Cheguei em casa e pulei a janela do meu quarto, como vinha fazendo no ultimo mês, quase todas as noites. Tirei o casaco e joguei-me na cama, fechando os olhos logo em seguida e torcendo para que a noite não me levasse para nenhuma aldeia em chamas ou para um castelo feito de trevas...

 

  Acordei em um salto olhando ao redor, com a respiração entre cortada. Outro sonho e mais lembranças que não me pertenciam.

  Abri a janela para tomar um pouco de ar. Ainda estava de noite e a lua era a única fonte de luz de todo o lugar.

  Respeitei fundo e fiquei observando o céu estrelado, imaginando o quão imenso era o Mundo...

  Talvez aquilo fosse apenas um efeito de todas as histórias que Júlio me contava e dos poemas que eu andava lendo sobre o assunto... Logo as coisas se acalmariam e nós dois poderíamos ir embora juntos, pra bem longe de tudo e todos...

 Um barulho me chamou a atenção. Olhei para a rua e vi uma enorme sombra preta com grandes presas vindo em minha direção.

  Abafei um grito e comecei a afastar-me da janela, porem em um salto, a coisa já estava em meu quarto, corri para a porta, mas o bicho barrou minha saída. Paralisei no lugar, tentando encontrar minha voz para poder gritar por socorro.

  O monstro a frente parecia um enorme cachorro, juntei as peças e de acordo com as histórias de Júlio ele era um cão infernal. Precisava de uma arma de bronze celestial para mata-los.

  Ele havia me dado uma adaga para o caso disso acontecer, no inicio achei bobagem, mas agora fiquei aliviada em ter aceitado.

  Sem muitos movimentos, peguei a arma em minha bota, porem ele rosnou em minha direção e como se tivesse recebido um sinal, pulou em cima de mim assim que arranquei a arma.

  As coisas aconteceram rápido demais e antes que percebesse, estava caída no chão, ainda segurando a adaga, por um segundo achei que havia conseguido, mas o monstro desviara. Antes que eu pudesse fazer qualquer coisa uma flecha atravessou meu quarto e fincou-se bem no olho do animal, o bicho rosnou abafando meu próprio som de desespero. Então várias outras flechas surgiram, até que não restou nada além de poeira.

  Levantei-me ofegante e dei de cara com várias pessoas encapuzadas com arcos nas mãos. Uma delas deu um passo á frente.

 -É ela minha senhora.

  Não sei com quem falava, pois olhava fixamente pra mim; sem esperar por resposta, a pessoa deixou seu rosto à mostra. Fiquei espantada ao notar que a garota na minha frente fazia parte de minhas lembranças.

 -Zoë! –Estava quase sem voz, mas como que para confirmar minha resposta, ela prendeu a respiração e olhou para trás.

 -Isso é realmente possível minha senhora?

 -Na verdade não tenho tanta certeza. –Uma voz, também feminina e muito familiar, veio entre as outras pessoas. –O processo de transação entre a morte e a vida é muito complicado. Creio eu que seja diferente com cada um.

  Então essa mesma pessoa deu um passo a frente e retirou seu capuz. Apoiei-me em minha penteadeira, tentando recuperar os sentidos.

 -Senho...ri...ta Ártemis...

  A menina de aproximadamente quatorze anos, sorriu satisfeita.

 -Não há duvidas de que é ela.

  Zoë abraçou-me fortemente. -Ah meus deuses, não creio que sejas mesmo tu! –Seus olhos ficaram úmidos, enquanto me segurava. –Pensei que nunca mais á veria novamente, minha irmã.

  Continuei paralisada, sem saber o que fazer, mas a menção daquele termo me deixara mais tensa ainda, mesmo que não as visse totalmente como ameaça, Júlio me ensinará que os monstros poderiam usar truques para te levar a acreditar em algo que não existia.

 -Não sou sua irmã.

  Zoë se afastou bruscamente diante das minhas palavras. Mágoa verdadeira descontava de seus olhos, mas antes que me dissesse qualquer coisa para provar seu ponto, Ártemis pousou uma de suas mãos em seu ombro.

 -Sei que está feliz, mas tudo é muito confuso pra ela também. Vamos ir com calma.

  Zoë imediatamente desculpou-se enquanto se afastava, retomando sua posição, mas ainda com o olhar fixo em mim.

  Ártemis me olhou afetuosamente e estendeu sua mão.

 -Não tenha medo. Está tudo bem. –Ela sorriu o que me fez acompanha-la. –Se me permitir, gostaria de lhe trazer de volta suas lembranças. –Ficou séria por um segundo. -A não ser que não esteja pronta.

  Podia estar sentindo muitas coisas naquele momento, mas nenhuma delas se pareciam com medo, pavor ou tristeza. Tudo que eu queria era entender o que estava acontecendo, e se aquela mulher podia me dar às respostas, não hesitaria em acompanha-la. E foi exatamente o que fiz.

***

Duas semanas depois... 

    Caminhava rapidamente sem chamar atenção. Apesar de saber que a proteção de Júlio me acompanhava para onde quer que eu fosse, meus instintos de sobrevivência estavam ainda mais aguçados desde que descobri sobre minha antiga vida.

  Agora sim as imagens em minha cabeça faziam sentido. Lady Ártemis me mostrou algo que nunca pensei ser possível, mas mesmo assim parecia a única explicação para o que eu vinha enfrentando nesses últimos dias.

  Júlio também me ajudou muito, mesmo que não soubesse o porquê de todas as minhas incessantes perguntas sobre gregos, monstros e deuses; ele as respondia sempre com um lindo sorriso no rosto, sem hesitar. Era surpreendente ver como aprendera quase tudo em menos de um mês.

  Escalei a árvore que dava direto na janela do meu quarto, entrei como de costume sem fazer nenhum barulho. Quando se faz isso quase todas as noites acaba se tornando algo normal, ainda mais com minhas antigas habilidades de caçadoras aparecendo constantemente.

  Tranquei a janela, tirei meu casaco e fui em direção ao meu colchão, desfazendo o amontoado de travesseiros. Passei a mão pelos lados até encontrar o zíper que abria o único local seguro de toda a casa, onde guardava tudo de mais valioso.

  Segurei firme com as mãos trêmulas o colar dourado com um pingente de flor, nunca soube por que gostava tanto daquele objeto e sempre achei que haviam sido um presente de meus pais quando nasci, mas na verdade esse pequeno colar veio comigo para esta nova vida. Já passou por mais coisas do que eu. Minha única lembrança de Tainara e também o único motivo que me fez tomar essa decisão...

  A proposta tentadora de Lady Ártemis ainda ecoava em minha mente, apesar de tê-la recusado no mesmo instante. Não importa o que elas dissessem, eu sabia que havia sido responsável pela morte da minha pequena... Tão nova... Com uma vida inteira pela frente... Que foi tomada pelo ódio e traição...

  Deixei que algumas lágrimas caíssem; não podia cometer o mesmo erro duas vezes, com outra pessoa que amava.

  Ele não merecia isso.

  Minha garganta ficou seca, abri a porta do meu quarto cuidadosamente para que elas não acordassem e comecei a descer as escadas nas pontas dos pés.

 -Falas mesmo a verdade minha irmã?

  Parei imediatamente em modo alerta. Era a voz de minha tia Elisa, ela perguntava algo muito sério para minha mãe, que não hesitou em responder.

 -Que um raio caia em minha cabeça caso esteja mentindo.

  Olhei para o teto torcendo para que Zeus não levasse isso á sério, era apenas uma expressão que minha mãe costumava usar quando queria mostrar que falava a verdade.

 -Isso é algo muito sério Eleonor. Está me dizendo que Edvine foi encontrada na rua?

  Silêncio.

  Desci as escadas e me escondi atrás do criado mudo do qual um caríssimo vaso de porcelana com água mantinha a vida de um lindo buquê de flores.

  Minha mãe olhou cima desconfiada.

  -Não há com que se preocupar, acabei de vê-la e dormia tranquilamente.

  Mamãe respirou fundo e passou as mãos nos cabelos castanhos ondulados... Totalmente diferentes dos meus pretos e lisos.

 -Como sabe eu e Carlos tentávamos ter um bebê á muito tempo, mas infelizmente não tínhamos sorte.

 -Claro que me lembro, pois fui eu quem lhe dei apoio e enxuguei todas as suas lágrimas.

 -Então se não lhe falha a memória lembrasse que fomos viajar para a cidade vizinha, pois Carlos dissera que havia um médico que poderia averiguar nosso caso.

  -Vocês ficaram alguns meses fora e voltaram radiantes com Edvine no colo. Cerca de um ano depois Pedro apareceu com Júlio, alegando que ele havia sido abandonado pela mãe em uma lata de lixo. –Sua voz ficou amarga. –Aquele canalha.

 -Acalma-te, que não há motivos para se estressar por algo que ocorreu á mais de dezessete anos atrás.

  Elisa bufou. –Tem razão, agora eles não estão mais aqui de qualquer forma. Finalmente me livrei daquela maldição.

  Cerrei as mandíbulas, tentando conter a raiva que parecia irradiar do meu corpo naquele momento. Minha mãe apenas suspirou, ela já havia desistido de tentar convencer sua irmã de que Júlio nunca tiveram culpa de nada. Ao invés disse continuou.

 -O médico não conseguiu fazer muito por nós. Depois de semanas de testes, acabamos perdendo as esperanças, e estávamos prestes á voltar para a casa quando Deus ouviu nossas preces e... Bem... Á encontramos na sarjeta, apenas um bebê indefeso. –Ela sorriu perdida em lembranças. –Voltamos ao médico e ela foi internada em estado grave. Ficou meses em observação até que finalmente fomos liberados. Então ficamos detidos por mais algumas semanas para poder acertar as papeladas da adoção, e finalmente pudemos voltar pra casa com nossa nova filhinha.

  Prendi a respiração, contendo as lágrimas. Elas ficaram em silêncio por alguns segundos, até que Elise tomou a palavra.

 -E quando foi que percebeu o erro que havia cometido? –Ela não respondeu. –Pois era isso que estávamos conversando antes não é mesmo? Desde que Carlos morreu na Guerra você disse que se soubesse o que aconteceria jamais á teria adotado.

 -Sei muito bem o que falei Elisa. –Eleonor olhou de relance para as escadas novamente. –Mas aquilo foi na hora da tristeza eu nunca me arrependi de tê-la como filha. Ela é minha menina, doce, linda, gentil e...

 -Solteira!

 -O quer dizer com isso? –Ela estava começando a ficar irritada.

 -Não me leve á mal, mas o único pretendente que estava disponível era o Júlio e nunca foi a melhor opção. Porem agora que ele sumiu, Edvine está sozinha, já tem 18 anos e vai acabar virando uma solteirona sem filhos.

  Mordi os punhos para conter a raiva, porem minha mãe falou com os dentes trincados.

 -Já chega Elisa. Não acho que esteja apta para falar de minha filha, pois se não me falha a memória, você casou-se com 25 anos, depois que papai fez um quinto acordo com o pai de Pedro.

 -Claro! –Ela falou indignada. –Pedro era um homem rico e influente no auge dos negócios, não foi difícil convencê-lo de que eu era a mulher ideal.

 -Não é assim que me lembro...

 -Esse assunto não desrespeito á mim, pois sou uma mulher viúva e muito bem de vida. Mas não acho que Edvine terá tanta sorte assim na vida, não é mesmo?

 -Basta! –Mamãe levantou-se bruscamente. –Me acho no direito de lembra-la que essa casa ainda é minha e não gosto do modo como desrespeita minha filha dessa maneira. Que fique claro que você é uma convidada.

  Não fiquei para escutar a resposta; corri o mais silenciosamente possível de volta ao meu quarto e joguei-me na cama com lágrimas secas e um sorriso indecifrável no rosto.

***

SETEMBRO DE 1943 (um dia depois do pedido)

Mais lágrimas.

  Ultimamente sempre que possível eu ás liberava. Estava deitada em minha cama, com todos os pensamentos divididos entre a noite anterior e aquela fatídica manhã.

  Nada que fazia dava certo, mais uma vez minha ignorância havia sido responsável pela dor de outra pessoa que amava...

 -Ficarás o dia inteiro neste quarto ou fará algo de útil?

  Finquei as unhas no travesseiro e respirei fundo, estava prestes á dar uma resposta nada educada, porém ao encará-la foi possível ver toda sua dor e sofrimento. Naquele momento ambas sofríamos pelo mesmo motivo. Limitei-me a levantar da cama.

 -O médico já foi?

 -Acabou de sair. E ela perguntou por você.

  Passei por Elisa e andei á passos largos até seu quarto, assim que entrei fechei a porta silenciosamente inalando o adocicado aroma de seu perfume preferido, dado pelo meu pai antes dele partir.

  O quarto deles poderia ser chamado de sofisticado e aconchegante; com cores claras nas paredes, um enorme guarda-roupa de madeira, ao lado uma porta cor de vinho dava no banheiro particular deles, do outro lado havia uma penteadeira com todos seus perfumes e maquiagens que papai á presenteou, e no centro, de frente pra janela havia uma enorme cama com cobertor vermelho e felpudo que a cobria quase totalmente.

  Mamãe me olhou com um maravilhoso sorriso, na tentativa de esconder toda sua dor, porém seus olhos azuis revelavam tudo. Ela fez sinal para que eu me sentasse ao seu lado. Dei a volta na cama e aconcheguei-me em seus braços.

  Ficamos daquele jeito por alguns minutos, apenas apreciando a presença uma da outra; então quando ela falou sua voz frágil foi capaz de causar uma enorme dor em meu corpo.

 -Recebi uma visita hoje.

 -O doutor acabou de sair, ele disse que você está melhorando e isso é ótimo.

  Nem deu para ouvir seu riso. –E você mente tão mal quanto seu pai. –Antes que pudesse responder ela continuou. –Na verdade, depois que o doutor me passou as receitas ele misteriosamente se transformou em uma jovem de cabelos avermelhados com a pele quase que prateada...

  Prendi a respiração e á encarei. –A senhora á viu?

 -Ela é uma garota muito simpática. –Não precisou de uma resposta direta. –Claro que no inicio me assustei e até cheguei a pensar que era um anjo vindo me buscar. –Estremeci diante de suas palavras, o que á fez segurar minhas mãos o mais forte que seu estado permitiu. –Mas Ártemis me mostrou a verdade e confesso que até alguns minutos atrás eu não tinha tanta certeza do que lhe dizer... –Um sorriso tímido brotou de seus lábios. –Tudo que você fez, suas aventuras e... –Seus olhos brilharam intensamente. –Sempre tive tanto orgulho de você filha e agora, sabendo tudo que passou, só tenho ainda mais satisfação em tê-la em minha vida. –Ela limpou carinhosamente uma lágrima que escorreu dos meus olhos. –Porém você deixou que a culpa tomasse conta de seu corpo; sempre carregou essa carga extra, mas ela só se tornou ainda pior desde que descobriu sua origem...

  Engoli em seco. -A senhora não sabe de toda história...

 -É ai que você se engana. Eu vi tudo, desde os momentos felizes e cativantes, até os tristes e perturbadores, e quero que saiba que independente da sua escolha, não induziria em nada o caminho dos outros. A diferença seria no resultado final...

 -Não entendo.

 -Além de sua pequena não ter a irmã ao lado nos seus últimos minutos. Carlos e eu seriamos as pessoas mais infelizes de todo esse Mundo. Você! Sendo do jeito que é iluminou o caminho de muitas pessoas.

  Mais lágrimas cairam e ela as limpou com as mãos trêmulas.

 -Creio que á essa altura você já saiba do seu nascimento. –Concordei com a cabeça. –Sei que devíamos ter contado antes, mas pretendíamos falar com você quando ele voltasse...

  Á interrompi com um abraço apertado. –Não me importo. Vocês são meus pais e eu os amo do fundo do meu coração.

  Nós duas irrompemos em lágrimas. Minutos se passaram e mamãe me olhou ternamente.

 -Então siga seu coração. –Á encarei confusa. –Não deixe que o passado te impeça de fazer o que realmente quer. Crie seu próprio destino, um novo caminho a seguir junto com a caça.

  Arregalei os olhos. –Eu não posso deixa-la, á tanto o que fazer aqui com a senhora, titia e... E...

 -Júlio? –Abaixei a cabeça um pouco vermelha. –Ele deve amá-la o bastante para confiar seu esconderijo apenas a ti. Sei que se encontra com ele quase todas as noites, ou acha coincidência o fato da dispensa ficar sempre destrancada e as roupas dele estarem “escondidas” no quarto ao lado do seu?.

  Não sabia o que responder, minha mãe não só sabia que eu o ajudava como também facilitava para que Elisa não descobrisse...

  Ela deve ter visto algo em meus olhos que a fez concordar e continuar  –Mas também sei que está confusa e dividida... Ou pelo menos acha que está.

  Pressionei os lábios e esperei, mamãe segurou minhas mãos novamente e depois de um suspiro, prosseguiu.

 -Desde o começo você sempre foi diferente das outras pessoas; queria fazer algo mais da vida, mudar o destino... E agora mais uma vez um novo, porém conhecido, caminho está aberto pra você seguir sem medo de errar.

 -Mas...

 -Eu não poderia pedir coisa melhor pra minha filha do que ela fazer o que sente no coração. E pode ter certeza que todos que te amam de verdade só querem ver a sua felicidade... Sua vida... E destino.

  Não sabia o que responder, muitas coisas passavam em minha cabeça naquele momento, uma nova oportunidade apareceu com uma luz na escuridão, porem ainda não me sentia pronta para segui-la.

  Ela me abraçou novamente, e depois de vários beijos por quase toda a minha face, sorriu carinhosamente.

 -Apenas siga seu coração, suas escolhas não poderão interferir na vida de ninguém além da sua. E não importa o que escolher, todos estamos profundamente orgulhosos de você minha joia rara, a flor mais linda de todas. –Ela parou para um acesso de tosse, meu coração se encolheu dentro do peito. –Não estarei aqui pela eternidade, mas não importa o que aconteça sempre estaremos com você.

  Não foi mais necessário o uso de palavras, ficamos acolhidas nos braços uma da outra até pegarmos no sono e todos os problemas desaparecerem.

***

SETEMBRO DE 1943 (uma semana após o pedido)

 -Tens certeza do que quer?

  Lady Ártemis fez a mesma pergunta que eu fizera para Júlio uma semana antes, e a que minha mãe me perguntara dois dias atrás antes que sua doença á tivesse mandado para outra cidade em estado grave, sem direito á mais que uma acompanhante...

  Encarei o colar em minha mão. Já havia planejado tudo, pois não tive coragem de contar a verdade pra ele, seria doloroso demais a despedida. Escondi um colar falso em meu colchão para que não fosse possível me rastrear e tentei convencer a mim mesma que só estava levando o anel porque poderia ser usado para me encontrar... Repassei o plano em minha cabeça. Então respirei fundo e á olhei determinada.

 -Eu me comprometo com a deusa Ártemis .

  Dou as costas para a companhia dos homens, aceito a virgindade eterna e me junto á caçada.

 -Eu aceito. –Lady Ártemis sorriu.

  As chamas dos braseiros se avivaram, lançando no ambiente um brilho prateado. Sorri com a sensação que tomou todo meu corpo, era conhecida, mas ao mesmo tempo nova e maravilhosa.

 -Bem vinda de volta, minha irmã.

  Zoë acolheu-me em um abraço apertado do qual retribui imediatamente.

  Sabia que as coisas não seriam fáceis, minha vida não mudaria de uma hora para outra e os problemas também não sumiriam. Mas agora, pelo menos fazia parte de algo muito maior. Sem arrependimentos.

E dessa vez, não olhei pra trás.


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Notas finais do capítulo

★♡★



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