Percy Jackson - Uma Nova Profecia escrita por Contadora de Histórias


Capítulo 28
XXV - Dúvidas


Notas iniciais do capítulo

Era para esse relato ter sido postado junto com a Part. III. Mas ocorreu alguns imprevistos, porém ele é bem extenso como recompensa ; D

Boa leitura a todos e que as dúvidas comecem...



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JÚLIO

  Parei com a mão no ar alguns centímetros da porta. Novamente minha coragem havia me abandonado completamente e não sabia o que fazer.

  A nuvem da incerteza pairava sobre mim naquele momento. Uma falha incorrigível, se fosse em batalha, o tempo que gastei duvidando, teria me matado.

  Isso não é uma guerra, então pare de fraquejar e bata logo nessa porta!

  Não faça isso, pode dar tudo errado e você vai se dar mal.        

 

  Que grande besteira! Conseguiu se esconder por todo esse tempo e acha que uma simples conversa pode acabar com tudo?

  É melhor não arriscar...

 -Já chega!!! –Falei com os dentes trincados segurando minhas mãos na cabeça.

  Esperei alguns segundos para ter certeza de que nada aconteceria, então me recompus e respirei fundo.

  Tinha que arrumar um jeito de aprisionar aquelas vozes irritantes novamente. Comecei á ouvi-las assim que recebi minha maldição por mau comportamento, além da aparência humilhante, ainda era obrigado a ouvir meus próprios pensamentos discutindo entre si...

  Com o passar do tempo consegui mantê-los sob controle, mas desde que chegamos no acampamento, elas tem voltado com força total e não há um minuto sequer que eu consiga raciocinar.

  Isso está me deixando louco!

  Tudo bem, todos nós já sabemos do mar de mentiras que você leva consigo, agora volte a se concentrar em bater na porta logo de uma vez.

  Não dê ouvidos ao seu outro pensamento, é melhor não arriscar.

  Murmurei um feitiço de bloqueio e imediatamente tudo ficou silencioso novamente. Sorri com isso e voltei ao foco inicial.

  Olhei no relógio que estava na parede, já havia gastado cinco minutos preciosos e alguém poderia resolver sair do quarto, então eu teria que explicar o que estava fazendo parado na porta do dormitório de uma das caçadoras.

  Senti o impacto antes de escutá-lo na minha mente.

  Todos os pelos do meu braço se enriçaram e minha visão foi se escurecendo...

  Me escorei na parede respirando com dificuldade. 

  O escudo que coloquei a nossa volta deve estar fazendo hora extra. Mesmo depois que a ninfa me garantiu que não era necessário, resolvi fazer um teste e como havia deduzido, o nosso encontro com aquela deusa chamou a atenção de seres indesejados.

  Uma descarga de energia passou pelo meu corpo e minhas mãos soavam e tremiam. Olhei ao redor para ter certeza de que estava sozinho enquanto procurava desesperadamente em meus bolsos.

  Puxei o ar com força tentando manter a respiração regular, mas isso só ajudou para que minha visão ficasse mais embaçada.

  O barulho da embalagem me fez suspirar de alívio. Sorri com o canto da boca enquanto abria o chocolate com rapidez. O devorei em uma só mordida e sentei no chão respirando aliviado. A visão estava clareando e a tontura já havia passado.

  Você deve estar pensando que é algum tipo de chocolate mágico que cura imediatamente quem comê-lo, mas não se engane isso é apenas uma barra comum.

  Já faz um tempo que descobri que um simples pedaço de chocolate pode repor 40% da minha energia, não sei como isso funciona, mas há coisas que prefiro não entender. O importante é que nunca deixo faltar essa fonte de proteína no meu bolso.

  Levantei cambaleante e encarei a porta novamente. Não havia sentido continuar insistindo naquilo. Desde que descobri sobre as caçadoras no acampamento me preparei mentalmente para o caso de encontra-la, porem como nada aconteceu tive certeza absoluta de que havia partido. Mas mesmo assim o fato de vê-la pessoalmente tão próxima e ao mesmo tempo tão distante me deixou perturbado, e não adiantou em nada a cena que Tainara fez logo em seguida...

  Eram tantas perguntas e infelizmente nenhuma resposta.

  Durante todo o jantar resolvi esperar e analisar, sabia que ela também me observava porem tinha que notar cada detalhe para não ser pego desprevenido. Depois que chegamos no apartamento, fui pra segunda etapa. Tentar arrancar algo de Tainara, mas ela estava muito fragilizada naquele momento e não podia forçá-la. O mínimo que pude fazer foi me sentar junto e amparar do melhor jeito possível minha querida irmã e melhor amiga...

  Um barulho me fez despertar.

  Fingi estar apenas passando por lá enquanto buscava sinais de alguém, mas o barulho não se repetiu.

  Suspirei pesadamente e resolvi voltar pra meu quarto. Talvez quando estivesse mais  descansando conseguisse pensar melhor sobre isso...

 -Júlio! -Parei, aguçando meus ouvidos.

  Aquele sussurro vinha apenas de uma direção e apesar de hesitante foi pra lá que segui.                    

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TAINARA

 

  Joguei-me na cama e deixei que as lágrimas caíssem livremente. Não havia mais motivos para segurá-las.

  As imagens daquela noite ainda estavam frescas em minha mente e as perguntas não paravam de surgir...

  Solucei e fechei os olhos com força tentando afastá-las.

  Quando á vi no restaurante, meu mundo virou de cabeça pra baixo e agi por impulso. Desde que voltei dos mortos nunca pensei que fosse reencontrá-la, e também não sabia o que esperar.

   É claro que sua atitude me abalou ainda mais. Então passei o resto do jantar do lado de fora tentando por as coisas em ordem, depois que meus pensamentos voltaram com mais clareza, percebi o que havia feito e tentei concertar, porém não havia explicação. E quando finalmente resolvi usar as estratégias que Júlio me ensinou, para ter certeza de quem era, acabei sendo surpreendida pela saída de todos com uma nova companhia que descobri ser a responsável por boa parte da minha desgraça (isso também não ajudou em nada meu estado mental).

  No caminho de volta, enquanto Andressa explicava sobre a quase batalha que perdi, tentei mais uma vez observá-la e aguardar, porem tudo em vão, não consegui fazer nada além de encarar o chão, e novamente fui uma tremenda covarde em usar Luke como desculpa para sair da sala.

  O fato dele continuar desacordado também não foi nenhum bônus para essa noite. Eles eram o mais próximo que tinha de uma família agora e só de pensar que os estava perdendo, fazia meu coração querer sair pela boca... Pelos céus nunca pensei que ia desejar tanto uma palavra ou um conselho dele como precisava naquele momento...

  Tudo que eu queria era poder voltar a ser como antes de chegarmos no acampamento, só nós três contra o mundo. Sentia falta das noites sem dormir, não por culpa dos monstros e sim porque simplesmente ninguém queria descansar enquanto Júlio contava suas horríveis piadas ou Luke dava conselhos surpreendentes de uma vida repleta de mistério, mesmo que ele tenha sido o primeiro á abrir o jogo, sabíamos que havia ocultado muitas partes, assim como eu e Júlio, que apesar de escondê-los muito melhor que eu, não havia conseguido disfarçar sua surpresa ao avistá-la... e isso me deixava ainda mais intrigada.

  Quando ele apareceu no quarto, sabia que iria fazer perguntas, mas meu estado deveria estar tão deplorável que Júlio deve ter desistido. Claro que o conhecia o suficiente para saber que sofria tanto quanto eu e por isso resolvi deixar de lado o interrogatório. Pelo menos por enquanto.

  Afundei o rosto no travesseiro tentando abafar o grito de ódio que saiu rouco pela minha garganta.

  Minha cabeça latejava e não conseguia pensar em mais nada, tudo que eu queria naquele momento era alguém para me guiar, um conselho familiar... qualquer coisa!

  Mas as únicas pessoas que podiam fazer isso estavam incapacitadas no momento e o fato de não poder ajuda-las fazia com que me sentisse mais inútil...

 -Tum, tum, tum.

  Sai do meu transe e ergui a cabeça. Poderia jurar que aquele barulho era meu coração acelerado, mas o toque persistiu, fiquei em silêncio na esperança de quem quer que fosse achasse que eu estava dormindo.

 -TUM, TUM, TUM.

  O toque ficou mais alto, levantei bufando e imediatamente tudo começou a girar, apoiei-me na cama por alguns segundos. Fui cambaleante até a porta pensando que provavelmente o único louco que ainda estaria acordado seria Júlio. Abri esperando encontrar olhos roxos me encarando, mas para a minha surpresa não havia ninguém. Levei as mãos até minha adaga ao lado do vestido enquanto analisava o corredor procurando por ameaças, mas não achei nada além de uma Camélia vermelha.

  Arregalei os olhos e a peguei com as mãos tremulas.

  Todas as minhas suspeitas acabavam de ser confirmadas e simplesmente não sabia se aquilo era realmente bom...

  Respirei fundo secando os restos das lágrimas e caminhei decidida até o ultimo quarto.                

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LUKE

                              

Eu estava morto.

  Era a única certeza que tinha naquele momento. A sensação de que todo meu corpo estava em chamas e o sentimento de impotência e culpa me tomavam por completo.

  Mais uma vez não havia conseguido...

  Não percebi que meus olhos estavam abertos até enxergar ao longe a silhueta de um ser alado. Mesmo com a considerável distância era possível ver um enorme sorriso de triunfo, ele já sabia de quem se tratava e agora mal podia esperar para por as mãos em mim... de novo...

  Mas por algum motivo, seus olhos cheios de triunfo assumiram uma expressão de espanto enquanto parava bruscamente na metade do caminho e encarava fixamente um ponto acima de mim.

  Tentei virar meu corpo, mas como imaginava eu já não o possuía mais. Seja lá o que viu, foi suficiente para ele acelerar o voo parecendo mais determinado do que nunca vira. Apesar de parecer se mover em câmera lenta, sua imagem tremeluziu na minha frente e vários pontos coloridos começaram a aparecer.

  Em outras situações, ver Thanatos com a fisionomia deformada de tanta raiva me deixaria muito feliz, mas infelizmente a dor tomava conta de cada centímetro da minha alma condenada que parecia tão ansiosa pela sua chegada do que o próprio deus.

  A última visão que tive dele foi esticando ao máximo seus braços para me alcançar, então tudo desapareceu deixando um eco vazio de escuridão.

   Vozes distantes gritavam desesperadas.

  Reconheceria aquele som em qualquer estado em que estivesse... Eram os gritos de desespero dos condenados... daqueles que desafiaram os deuses e pagaram o preço... dos desgraçados que achavam que podiam viver com as próprias regras... Estava nos campos de punição... O lugar dos amaldiçoados!

  Minha atitude não era digna de um segundo julgamento, mas se eu havia sido mandado direto para lá então por que Thanatos parecia tão frustrado e irritado quando desapareci?

  Ou foi ele quem sumiu?

  Seja lá qual fosse a resposta não teria tempo de descobri-las, tudo que importava naquele momento é que havia voltado para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

  Porem as vozes que urravam eram muito mais familiares do que pensei... eu já as escutara antes, mas nunca no Mundo inferior...

  Não.

 

  Tentei esquecer a ideia que surgia em minha mente, mas as vozes persistiam, gritando como se estivessem sendo dilacerados vivos...

  Por favor. Não!

 

  Seria capaz de suportar a punição eterna novamente, mas não deles... nunca dele!.

 

  Me forcei a tentar fazer qualquer coisa, porém não passava de uma subsistência em meio a escuridão...

  Não... Não... Por favor!

 

  Logo em seguida a dor desapareceu e senti um peso sobrenatural me puxando para algum lugar. Então meus lábios começaram a formigar. E essa sensação aumentava aos poucos como se não tivesse pressa de terminar.

  Os gritos desapareceram e uma sensação familiar passou por todo o meu corpo fazendo com que ele relaxasse pela primeira vez.

  Mas infelizmente não durou muito.

  A cena seguinte foi rápida e passou como um borrão, porém era claro o que ela mostrava e isso me fez gritar até que perdesse a consciência.

  A primeira coisa que ouvi foram os sons de ossos triturados, os meus ossos.

  A dor triplicou, e me senti impotente por não conseguiu sair daquela situação. 

  Covarde por ter fugido das minhas responsabilidades me deixando ser morto em um simples ataque.

  Culpado por não ter mantido minhas promessas, fazendo com que confiassem em mim.

  E um monstro por colocar a vida das pessoas que amava em perigo, as minhas famílias que agora estavam condenadas por aquela imagem...

  Usando as ultimas forças que me restavam, fechei os olhos e me entreguei ao destino.

  Aquela era a minha punição eterna e de certa forma sabia que poderia ser pior, os crimes que cometi seriam o suficiente para ser jogado no completo esquecimento.

  Convencido de que fazia o certo, me deixei ser tomado pela dor e apesar de não sentir mais meu corpo, dei meu ultimo suspiro.                       

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THALIA

 

 -Pode falar o que está acontecendo, e nem adianta mentir, te conheço muito bem e só irei sair daqui depois que me contar tudo!

  Annabeth falou assim que entrou em meu quarto, ergui a sobrancelha, mas não questionei.

  Minhas duvidas haviam apenas aumentado desde a última vez que conversamos sobre aquilo.

  Concordei com a cabeça e ela sorriu satisfeita indo em direção a minha cama, fiz o mesmo. Annabeth me encarou encorajando-me, respirei fundo e falei tudo que havia guardado nesses últimos dois dias.

  Geralmente não gosto de falar sobre minha vida, mas com Annabeth é completamente diferente, ela é minha irmã mais nova (apesar de estar mais velha agora) e não consigo esconder absolutamente nada dela, assim como sei que sou a primeira á saber de algo relacionado á sua vida.

  Finalizei contando como havia me sentido no jantar daquela noite, os sentimentos de ódio ao rever a mulher responsável pela morte de muitas caçadoras. Desconfiança em cada palavra que saiam de sua boca. Culpa pelas minhas decisões. E até surpresa ao ver a reação de Tainara e Edvine.

  Annabeth ficou alguns segundos em silêncio, então seus olhos brilharam intensamente e um sorriso travesso se formou em seus lábios.

 -Como não percebi isso antes! –Ela ergueu os braços. -Agora as coisas estão fazendo um pouco mais de sentido, bem que desconfiei que nesses últimos messes você estava diferente, mas  nunca pensei que á veria assim outra vez... –O sorriso aumentou. -Thalia... Você esta apaí...

 -Nem pense em terminar essa frase! –Interrompi com os dentes trincados. –Sabe que não é verdade, fiz uma promessa de que jamais aconteceria novamente e não pretendo quebra-la. Você já perguntou isso há dois dias e minha resposta não mudou, eu sou uma...

  A frase morreu em minha garganta e tive que engolir em seco. Mas não consegui termina-la, ela estava certa.

  Já faz um mês que estou tendo dificuldades de convencer a mim mesma daquela decisão...

  Annabeth sorriu de forma acolhedora e isso fez com que me acalmasse.

 -Sei o que está pensando, às vezes é difícil de admitir e tentamos fazer de tudo para achar outra explicação. –Ela parou por alguns segundos. –Quando você chegou há oito meses no acampamento, com o restante das caçadoras, seu ódio pelos deuses era nítido. Seis meses depois você passou a liderança para Edvine porque estava ciente de que não conseguia mais levar aquilo adiante, isso surpreendeu á todos, já que foi a primeira caçadora da história a desertar sem ter que arcar com as consequências. –Annabeth deu de ombros. -Acho que nossa punição antecipada é castigo o suficiente, já que eles olham apenas para o próprio nariz... –Ela respirou fundo e passou as mãos no cabelo. –Só quero que saiba que confio em você. Nesse ultimo mês percebi que está tentando convencer a si mesma de algo que não é verdade, e essa semana consegui confirmar minhas duvidas. Mas não cabe a mim julgar suas atitudes, há coisas que só devem ser decididas por nós mesmos...

  Ela ficou em silêncio, me dando tempo de assimilar todas as informações. Aquela conversa havia me dado muito mais animo, momentos como esses me faziam notar que Annabeth não era mais aquela garotinha de 7 anos que encontramos sozinha e de pijama em um beco escuro. Ela me enxia de orgulho cada vez mais.

  Com várias lembranças tomando minha mente, fui impulsionada por um choro que começou silencioso, mas aumentava na medida em que as imagens apareciam.

  Annabeth me abraçou carinhosamente e retribui sem pensar duas vezes, notei que ela também chorava, mas não precisei saber o motivo. Isso só acontecia quando simplesmente não conseguíamos mais nos segurar e sabia que ela detestava ser dada como fraca por chorar. Então ficamos assim até que as lágrimas se secaram sozinhas, levando o segredo de toda nossa conversa junto com elas...

  Annabeth me encarou com os olhos vermelhos cheios de gratidão como se eu a tivesse ajudado e sem dizer mais nada, se levantou indo em direção á porta, porem antes de abri-la virou-se para olhar-me.

 -Siga seus instintos, Thalia Grace.                            

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JÚLIO

 -Sei que tem muitas perguntas para fazer, mas não diga nada, apenas me deixe mostrar. Ok?

  Balancei a cabeça atordoado demais para dizer qualquer coisa, mesmo depois de tudo que ela fez, ainda conseguia me deixar completamente desorientado e impotente.

  Seus longos cabelos negros como a noite caiam soltos pelos ombros, a tiara prateada que antes os prendiam, agora dava a volta por toda sua testa, ela tinha trocado a roupa camuflada por um simples vestido de pano e os pés estavam descalços. Nunca á tinha visto daquele jeito e tudo que conseguia pensar naquele momento era como estava incrivelmente linda!

  Não havia palavras para descrevê-la, por um segundo tudo ao meu redor desapareceu e tive que usar todas as minhas forças para controlar o impulso de pegá-la em meus braços e não soltá-la nunca mais. Porem a visão do que havia acontecido apareceu involuntariamente e voltei a ter foco.

  Alguém bateu na porta e enrijeci no lugar, quem poderia ser uma hora dessas?

  Ela, porém estava muito calma e caminhou rapidamente para abri-la, quando passou do meu lado consegui sentir o cheiro de seu perfume de flores, o mesmo que costumava usar quando nos encontrávamos... Pressionei os lábios e abaixei a cabeça afastando esses pensamentos da minha mente.

   Eu deveria estar com raiva! Se não fosse por ela jamais teria que ter fugido.

  Tentei me concentrar nesse novo ódio enquanto observava Edvine abrir apenas um pouquinho da porta para que alguém entrasse.

  Quando á vi não fiquei tão surpreso. Ao julgar pelos ocorridos daquela noite sabia que nossas histórias se interligavam em algum ponto e estava na hora de conseguir as respostas para nossas duvidas.             

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TAINARA

 

  Paralisei na entrada.

 

  Como pude ser tão burra?

  Lá no fundo eu sabia que ele estaria aqui, apesar de não ter a mínima ideia de qual momento estávamos interligados...

  Júlio não parecia muito surpreso ao me ver, mas sua fisionomia mostrava o quanto estava nervoso. Ele ainda vestia o terno daquela noite, mas seu cabelo verde estava todo bagunçado, deixando sua expressão séria ainda mais impactante. Porém minhas atenções estavam fixadas na garota a minha frente.

  Prendi a respiração tentando conter as lágrimas, mais uma vez minhas certezas foram confirmadas e agora não havia duvidas de que era realmente ela. E o modo como penteou o cabelo e o jeito de se vestir deixava tudo o mais claro possível.

  Tinha tantas perguntas que agora entalavam em minha garganta, tudo que consegui fazer foi dar mais um passo para que Júlio fechasse a porta e se colocasse ao meu lado.

 -Sei que devo muitas explicações, mas antes de tudo preciso que vistam isso.

  Quando ela falou minhas pernas fraquejaram. Hesitei em pegar a roupa que me oferecia, Júlio também não pareceu muito à vontade, mas a pegou e foi para o banheiro do quarto sem dizer nada. Seu silêncio poderia ser tão fatal quanto caso estivesse falando e aquilo definitivamente não era bom..

  Forcei meus braços a obedecer os comandos e procurei por algum lugar seguro onde pudesse vesti-las.

 -Há um espaço entre o guarda-roupa e a parede, é pequeno, mas acho que consegue se vestir.

  Concordei com a cabeça e me dirigi rapidamente até lá. O lugar era um pouco apertado, porem foi fácil, já que ainda estava de vestido e a outra roupa não passava de um tecido simples de pano.

  Coloquei os acessórios e tirei os sapatos, respirei fundo saindo do buraco um pouco desconfortável e caminhando lentamente até o meio do quarto onde ela estava parada segurando um amuleto.

  Antes que pudesse dizer qualquer coisa, Júlio saiu do banheiro, fiquei surpresa ao vê-lo. Ele vestia um uniforme do exercito, com várias medalhas em seu peitoral, havia uma placa com o nome “General Horfman” em letras destacadas, nem mesmo o verde e roxo conseguiam se destacar diante daquilo.

  Apesar de tentar disfarçar era possível ver em seus olhos o brilho de satisfação e ao mesmo tempo perturbação; como se um turbilhão de lembranças boas e ruins o invadissem ao mesmo tempo.

  Uma sensação de orgulho tomou conta de mim. Ele já havia contado que tinha feito parte do exercito, mas vê-lo daquele jeito fazia com que todo nosso esforço valesse a pena, apesar de tudo, ele teve uma vida honrosa e sei que pra nós só isso importava, éramos uma família e independentemente do que acontecesse eu ficaria do lado deles.          

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LUKE

 

  Ainda era possível sentir.

  E eles sabiam que isso me afetaria mais do que qualquer outra tortura física...

  Então as imagens começaram...

  Thalia se ajoelhou perto de mim. Ela colocou a mão sobre o ombro da garotinha.

 -Qual é o seu nome, pequena?

 -Annabeth.

  Eu não consegui não sorrir. Nunca tinha ouvido esse nome antes, mas era bonito e parecia combinar com ela.

 -Belo nome. –Falei.

 -Vou te dizer uma coisa, Annabeth. Você é muito corajosa. Uma lutadora como você poderia ser útil. –Seus olhos cinza se arregalaram com o que Thalia disse.

 -Poderia?

 -Ah, sim. -Confirmei.

  Ela sorriu pra mim e todos os meus problemas pareciam ter sumido, senti que fiz a coisa certa.

 -Eu sou inteligente!

  Annabeth falou e Thalia riu despenteando o seu cabelo, agora era certeza de que tínhamos mais uma integrante na família.

 -É melhor irmos. Temos uma casa segura no Rio James. Vamos providenciar roupa e comida para você.

  Coloquei minha mão no ombro de Annabeth, oferecendo-lhe minha adaga. –Você faz parte da nossa família agora. E eu prometo que não vou deixar que nada á machuque. Não vou desapontá-la como nossas antigas famílias fizeram combinado?

 -Combinado!

  Ela respondeu feliz segurando sua nova adaga. Thalia pegou sua lança e sorriu com os olhos brilhando em aprovação, isso fez com que tivesse ainda mais certeza.

 -Agora vamos, não podemos ficar parados por muito tempo.

   Os três se afastaram e senti o momento em que deixava aquele corpo jovem e ia para outra lembrança...

  Estava na Colina do Acampamento meio-sangue, ajoelhado com a testa encostada no Pinheiro De Thalia, de um modo que ninguém pudesse me ver.

  O corte recém adquirido ainda ardia em minha face, porém não era essa a dor que me afligia e sim o que estava prestes a fazer...

 -Sei no o que está pensando, mas não há outro jeito, tem que ser assim.

  Novamente não houve resposta, apesar de já saber que isso aconteceria, a raiva tomou conta de mim e dei um soco na grama.

 –Claro que você não entende! Duvido que possa me ouvir. É apenas uma arvore... –suspirei pesadamente. –Eu tentei... por todos esses anos...

  Trinquei os dentes respirando fundo. -Ela precisa de você, sente sua falta... se não fosse por eles você ainda estaria aqui com a gente... comigo...

  Segurei o soluço e me sentei ao seu lado encarando o céu ensolarado. O clima sempre estava favorável naquele lugar, não importa o quanto as coisas estivessem ruins fora dali...

 –Essa é minha única esperança... –Cerrei os punhos ao lado do corpo. –Já não consigo mais sem v...

  Não consegui terminar, meu tempo estava se esgotando e já tinha tomado minha decisão. Levantei-me e sai sem olhar pra trás, tentando convencer a mim mesmo de que tinha feito o certo.

  Se eu realmente soubesse o que iria acontecer...

  Tudo ficou escuro e aquele corpo também deixou de me pertencer...

 

 

 -Filho? É você mesmo?

  Parei sem conseguir responder, ela estava pior do que me lembrava. O cabelo se projetava em tufos por toda a cabeça, seu vestido simples cor-de-rosa estava coberto de marcas de queimado e manchas de cinzas, quando sorria, seu rosto parecia artificialmente esticado e a luz forte que emanava de seus olhos lhe davam a impressão de ser cega, apesar de eu saber o real motivo para sua aparência deplorável e raquítica, isso apenas me deu forças para seguir em frente.

 -Sabia que você voltaria, senti tanto a sua falta! Entre, fiz seu almoço preferido.

  Hesitei na porta pintada de azul-turquesa enquanto a vi se afastando em direção á cozinha, era possível sentir o cheiro de queimado de longe.

  Evitei olhar no cômodo que passava, não era necessário, pois lembrava de cada detalhe do lugar onde perdi minha infância...

  Fiquei encostado na parede da entrada, a bancada estava repleta de potes empilhados com sanduiches de manteiga de amendoim e geleia, a maioria estavam verdes e bolorentos. Ela havia acabado de retirar uma bandeja de biscoitos carbonizados do forno e na parte de cima era possível ver uma pilha de tabuleiros, cada um continha dúzias de biscoitos ainda mais queimados que os outros.

  Meu estômago começou a embrulhar e me segurei para não jogar toda a minha refeição pra fora. Tomei coragem e antes que ela pudesse me oferecer um dos potes, resolvi ir direto ao ponto.

 -May? –Minha voz saiu esganiçada e quase em um sussurro, mas ela me olhou sorrindo.

 -Me chame de mãe.

  Fechei os olhos tentando não pensar que nunca tive uma mãe que realmente se importasse comigo, mas então lembrava que a culpa da minha desgraça era dos deuses e a pobre mulher foi apenas uma terrível consequência.

 -Mãe?

 -Diga meu filho.

 -Eu... preciso... –As palavras se recusavam a sair, tinha que ser forte, estava quase acabando. Não havia outro jeito. –Eu preciso da sua benção.

  Ela parou e me encarou novamente com um sorriso ainda maior que o ultimo.

 -Nem acredito que esta me pedindo isso. Finalmente depois de todos esses anos... meu filho vai se casar!

  Arregalei os olhos sem saber o que dizer. Aquilo sem sombra de duvida não tinha nada a ver com o meu pedido, porém ela continuou.

 -É com aquela menina de cabelos arrepiados não é? Qual era o nome dela mesmo? –Sua expressão se contorceu como se estivesse tentando se lembrar de algo. -Taylor... Tiffany...

 -Thalia. –Respondi com os dentes trincados.

 -Sim, eu me lembro dela, a garota de olhos azuis... –Ela suspirou. -Tão linda... o que aconteceu com seu rosto?

  Ela se aproximou como se só naquele momento tivesse notado a enorme cicatriz que atravessava minha face. Estava surpreso demais para responder qualquer coisa, não sei o que assustava mais, o fato dela se lembrar de Thalia ou achar que esse era o motivo de eu ter vindo.

  Imediatamente a lembrança da ultima vez em que á encontrei invadiu minha mente. Foi há tantos anos... nesse momento provavelmente estava voltando à vida sem ter a mínima ideia que foi tudo friamente calculado.

  Minha única esperança que dava forças para continuar neste caminho. Sabia que Thalia ficaria do meu lado e apenas por isso concordei em seguir em frente.

 -Você nem imagina o quanto estou feliz de vê-lo novamente, eles disseram que nunca iria voltar, mas eu sabia que não iria descumprir sua promessa... E aqui está você.... assim como disse... chegou bem a tempo para o almoço... e onde elas estão?

  Sua saúde mental estava ainda pior do que pensei, vê-la daquele jeito fazia com que meu coração se encolhesse no peito, mas não podia voltar atrás...

 -Mãe, não é esse tipo de benção que eu preciso.

 -Ah não? -Ela pareceu surpresa com a revelação.  –Então fale meu filho, pode pedir o que quiser.  –May sorriu ao ouvir as próprias palavras.

  Engoli em seco. -Eu tenho que ir para um rio e preciso da sua benção para mergulhar nele.

  Só de pensar no que teria que fazer quando saísse daqui me deixou desconfortável. Ela, apesar de continuar sorrindo, parecia começar a entender aonde eu queria chegar.

 -Bem... se é isso que você quer... eu lhe dou minha benção.

  Concordei com a cabeça e comecei a me distanciar lentamente em direção á porta.

 -Espere!!! –Ela segurou um dos meus braços e me encarou com um olhar suplicante. –Você acabou de chegar... não vai comer alguma coisa? Fiz seu almoço preferido.

 -Já comi obrigado. –Soltei delicadamente suas mãos, porem elas continuaram firmes.

 -Mas para onde você vai?

 -Dar um mergulho. –Ela balançou a cabeça lentamente e afrouxou o toque.

 -Tudo bem... não se esqueça de levar uma toalha... e é bom esperar um tempo antes de nadar, pode ficar com... com...

 -Pode deixar. Eu tenho que ir, até mais.

  Ela me surpreendeu com um grande abraço, e sem perceber meus braços á envolviam delicadamente. Estava tão magra que tive medo de machuca-la, meu coração se partiu e antes que pudesse impedir uma lágrima escorreu pelo meu rosto.

  Tantas coisas poderiam ter sido diferentes se ele não a tivesse levado até lá aquele dia...

 

 Ficamos daquele jeito até que ela resolvesse me soltar, e por mais que não quisesse admitir fui obrigado a me segurar para não abraça-la novamente. Ela beijou meu rosto diversas vezes e não tentei impedir, apesar do lábios secos, os beijos eram macios e acolhedores, algo que nunca senti antes naquele lugar.

 -Você irá voltar para o almoço não é mesmo?

  Seus olhos estavam ainda mais suplicantes do que antes. Tive a sensação de que aquela seria a ultima vez de que a veria e não queria desapontá-la.

 -Sim.

  Ela sorriu satisfeita e deixou que eu passasse. Abri a porta e andei á passos largos para a rua, sem olhar pra trás.

  Estava prestes a desistir de tudo, mas sabia que não era mais possível, e a esperança de que voltaríamos a ser uma família unida novamente me dava forças para continuar,

  Thalia era minha ultima opção. 

  Não podia ter pensado daquela forma...

  O ar ácido queimava meus pulmões, as nuvens cinza e vermelhas deixavam o ambiente ainda mais sinistro. Minhas roupas estavam completamente destruídas e isso possibilitava a entrada da corrente fria nos inúmeros cortes profundos que se encontravam aos montes em meu corpo.

  Andei cambaleante até o rio de fogo, gemi ao sentir os cacos de vidros penetrando em meus joelhos, coloquei o notebook de Dédalo ao meu lado, a adaga estava em minha cintura e ignorando a dor de minhas mãos tomei todo o liquido de uma só fez, imediatamente minha garganta ficou em chamas, mas ao mesmo tempo a dor foi se tornando suportável.

  Levantei e segui em frente sem pensar, caso o fizesse iria desistir ali mesmo. Não fazia ideia para onde deveria ir, nem o que fazer depois, não possuía planos para absolutamente nada além de sobreviver naquele lugar, o resto seria sorte.

 -Arrggh!!!

  Parei olhando ao redor procurando de onde vinha aquele som, poderia ser minha imaginação, mas por algum motivo algo me dizia que aquele som era humano...

  Segui em direção á algumas rochas e me escondi ao ver a cena que se desenrolava.

  Uma garota estava cercada por sete telquines que pareciam impacientes e apreensivos. O mais apressado tentou agarrar a menina, mas seus reflexos foram surpreendentes e com um levantar de mãos, fez com que uma enorme flor aparecesse e o engolisse por completo.

  Esse ato deixou os outros ainda mais bravos e já lambiam os beiços com a possibilidade de devorar uma meio-sangue. Então sem mais delongas atacaram-na de uma só vez; com sua outra mão ela ergueu um muro de espinhos que impediu a passagem de dois, mas infelizmente, aproveitaram-se e lhe deram uma rasteira, a garota caiu no chão de cacos com um grito de dor.

  Aquilo foi o suficiente para que eu me mexesse, coloquei o notebook em um lugar seguro e com uma nova energia pulsando em minhas veias corri até eles. Dei um salto por cima de todos e os surpreendi arrancando a cabeça de um dos que á cercavam.

  As atenções estavam voltadas para mim agora. Contando com os presos pelos espinhos que já se soltavam, ainda havia cinco deles.

  Os desafiei com um sorriso, eles fizeram o mesmo e me cercaram completamente. Um que estava impaciente demais pela demora da refeição pulou encima de mim, mas com uma força que nem pensei possuir, segurei o monstro com meus braços e o arremessei no rio Flegetonte.

  Seu uivo se perdeu no ar.

  Os outros pareceram hesitar por um instante, agora eram quatro.

  Os segundos de espanto me deram vantagem e desferi um golpe no mais próximo, sem dar tempo para reagirem, arremessei a adaga bem no coração do segundo.

  Minha vantagem havia acabado, e agora eles eram dois. Muito mais enfurecidos e nada cansados, já eu estava sem armas, com inúmeros machucados por todo o corpo e quase desmoronando, porém a força misteriosa ainda agia em minhas veias.

  Ambos me empurraram para trás, desequilibrei e sai rolando pela areia, freei com as mãos á milímetros de distância do rio. O ar se tornou ainda mais insuportavelmente quente e ofeguei enquanto me virava de costas. Bem a tempo de ver o primeiro Telquine correndo em minha direção.

  Impulsionei os pés para frente e na hora certa, forcei as pernas pra trás onde a ultima coisa que ouvi foi o grito de espanto do monstro antes de mergulhar nas chamas.

  Levantei-me imediatamente e desatei a correr com uma velocidade sobrenatural até a garota, porém parei no meio do caminho ao ver que ela tinha tudo sob controle com o último deles. Em um simples gesto, o monstro foi enrolado em espinhos e se contorcia na tentativa de se livrar, porem um segundo depois já não havia nada além de cinzas.

  Sorri aliviado e cai de joelhos no chão, a sensação de antes sumiu tão rápido quanto apareceu e a dor havia triplicado. Minha visão começou a embaçar e só não cai de cara nos cacos de vidro porque a garota apareceu bem a tempo e me segurou, ajeitando-me da melhor maneira que pode no lugar. Então desapareceu de vista, voltando logo em seguida com as mãos cheias do liquido quente, despejando-o em meus lábios semiabertos. Novamente minha garganta ficou em chamas, mas respirei aliviado quando consegui ficar de pé sem muito esforço.

  Ela me devolveu minha adaga. -Obrigado. –Falei com a voz seca.

 -Eu que agradeço por me salvar daqueles monstros.

  Sua voz parecia o som de uma lixa, mostrando-se pior que a minha, e não parava por ai. Seu longo cabelo preto estava quase preso por um pedaço de pano rasgado de sua roupa de pele de animal suja e aos farrapos. A pele morena se encontrava repleta de cortes profundos que não cansavam de sangrar, os olhos castanhos revelavam cansaço, dor e uma profunda tristeza, porem acima de tudo traziam uma sensação de conforto, esperança e sinceridade.

  Por algum motivo senti que poderia confiar minha vida aquela garota desconhecida que encontrei no Tártaro.

 -Você é um semideus?

 -Sim, assim como você.

  Ela não pareceu surpresa com a afirmação. –E qual é o seu nome?

 -Luke e o seu?

 -Tainara. –Olhou ao redor, depois me encarou desconfiada. –Por que está aqui?

 -Tenho a mesma duvida quanto á você. –Pensei por alguns instantes, me fazia essa pergunta desde o momento em que pulei naquele buraco. Dei de ombros e gemi com a dor. –Fugi dos campos de Punição.

  Tentei parecer despreocupado, mas o medo de que ela saísse correndo me deixou nervoso por um instante, então lembrei-me que para estar aqui era porque vinha do mesmo lugar que eu.

 -Você também fugiu não é?

  Tainara não respondeu, mas a mudança em seu semblante fez isso por ela. Sorri com o canto da boca, a sensação de confiança crescia ainda mais, de repente não me importava de onde ela vinha ou o que tinha feito, tudo que sabia era que não iria deixá-la correr perigo outra vez.

  Com esse novo pensamento ergui a mão em forma de cumprimento.

 -Colegas de fuga?

  Ela deu um sorriso tímido e me encarando de um jeito determinado, retribuiu o gesto.

 -Colegas de fuga.

  O cenário não mudou porem agora estávamos de costas um para o outro, cercados por um bando de Arais, já tinha ouvido falar desses monstros que eram capazes de passar a maldição que alguém lhe jogou antes de morrer caso ás matasse, por esse motivo acabei sendo cuidadoso e não acertei nenhuma, mas Tainara não sabia e havia esmagado duas com uma simples flor. Infelizmente isso lhe custou uma dor de cabeça latejante e as pernas sangrando.

  Estava olhando em todas as direções para ter certeza de que ninguém á atacaria novamente. Não sabia o que fazer e estava começando a entrar em desespero, assim como era notável a impaciência dos monstros.

  Não iria morrer sem lutar e estava disposta há ao menos conseguir um tempo para Tainara.

  Surpreendi três delas com um arremesso mortal de minha adaga e um salto entre as arvores secas do local, porem as maldições vieram de uma só vez e cai no chão como um saco de bata.

 -Luke!

  Ouvi Tainara berrar meu nome de um lugar muito distante, mas a dor começou a tomar conta dos meus sentidos.

  Minha cicatriz havia sido reaberta, os olhos escorriam sangue e senti uma enorme dor em meu tórax. Tinha tantos inimigos que não fazia ideia de quem poderiam ser os responsáveis.

  Mas não iria desistir tão facilmente, depois do que pareceu uma eternidade consegui ficar de pé e pulei encima da mais próxima lhe desferindo diversos socos. Minha visão ficou turva e senti o gosto de veneno invadindo meu corpo, não sei se consegui mata-la, pois perdi todos os sentidos e a ultima coisa que ouvi foi o grito de desespero de Tainara.

  Aquilo era apenas uma lembrança e eu sabia disso, por esse motivo tinha consciência de que ela continuaria.

 -Bom dia dorminhoco!

  Tainara falou assim que abri os olhos, quase fiquei cego com a claridade do local, quando finalmente minha visão se acostumou levei um susto ao perceber que não estávamos mais no Tártaro. O céu era de um azul intenso e brilhante, o sol se escondia atrás das nuvens e pude sentir a grama macia que me rodeava.

 -Nós morremos?

  Perguntei confuso enquanto me esforçava para sentar. Ela riu e me abraçou, apesar da surpresa fiquei muito feliz de saber que estava tudo bem.

 -Não por falta de tentativas acredite. –Ela se soltou. -Nós fomos salvos por outro semideus.

  Tainara apontou para uma silhueta distante que acenou, mesmo de longe era possível ver seu sorriso.

 -Ele apareceu bem na hora em que as Arais iriam dar o golpe final. –Ela tremeu com a lembrança. –É filho de Hécate a deusa da magia e conseguiu neutralizá-las sem ter que matar, no inicio fiquei desconfiada, mas então ele fez mais alguns feitiços e nos deixou completamente curados.

  Tainara apontou para o próprio corpo e só naquele momento reparei que suas roupas, assim como a minhas, estavam completamente intactas, e não havia nenhum sinal de termos andado pelo Tártaro ou fugido dos campos de Punição.

 -Depois ele nos tele transportou para esse lugar, assim que chegamos o garoto desmaiou e como você também dormia resolvi esperar, mais tarde ele me contou que também é um fugitivo e estávamos no lugar certo e na hora certa por isso nos ajudou. Logo em seguida você acordou.

  Ela parecia tão feliz e confiante que não duvidei de suas palavras. Levantei-me e fui de encontro ao garoto que ainda sorria. Ele vestia uma roupa simples como se fosse um adolescente comum, se não fosse pelos olhos roxos e cabelos verdes que se destacavam.

 -Obrigado pela ajuda.

 -Não foi nada, fico feliz de terem sobrevivido. –Ele deu de ombros colocando a mão nos bolsos da jaqueta.

 -E quem é você?

 -Meu nome é Júlio e o seu é Luke estou certo?

  Balancei a cabeça e o encarei por alguns instantes. Assim como da primeira vez, pude ver toda a sua insegurança, medo e sombras de um passado perturbador, mas ao mesmo tempo a confiança, lealdade e honestidade me atingiram em cheio.

  Novamente sabia que poderia entregar minha vida aqueles dois semideuses desconhecidos, e me vi fazendo a mesma coisa de antes.

 -Colegas de fuga?

  Ele sorriu ainda mais confiante e desafiador.

 -Até o fim de nossa segunda vida cara!

 

  Tudo desapareceu.

 

  A dor voltou imediatamente, mas já não sentia absolutamente nada. Estava completamente anestesiado pelas lembranças que me tomaram naquele tempo de delírio.

  Era preferível que voltasse a minha antiga punição ou fosse definitivamente apagado da existência, do que revivê-las tão reais e nítidas. Agora a dor que me atingia não era mais física, aquilo tudo havia dilacerado toda a minha alma, não restava absolutamente nada... toda a esperança sumiu.

  Os deuses finalmente conseguiram o que queriam, não havia nenhum neurônio sequer ou qualquer outra coisa. Cheguei à conclusão de que minha vida já havia sido programada para a tortura, não importa o quanto tentasse, nunca era o suficiente...

  Mas isso já não importava...

  Luke Castellan estava definitivamente morto.


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Notas finais do capítulo

Camélia Vermelha: Sinal de reconhecimento

★♡★



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