Simulation escrita por Kiwriah


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

A hipótese da simulação foi descrita em artigo científico por Nick Bostrom, filósofo sueco da Universidade de Oxford, em 2003



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Depois de um dia cansativo de diplomacias e alguns mal entendidos, Keith se jogou na cama e esperou os pensamentos se dissiparem. Seus cabelos estavam molhados devido ao banho recente, e  se sente satisfeito por esticar as pernas e braços como um gato sobre a superfície do colchão duro.

Estava feliz pelo desempenho do dia. Nenhum constrangimento atípico foi imposto a eles durante missão, e os paladinos conseguiram passar um dia divertido em clear day, no planeta Drazan.

Keith deixou a cabeça pender para o lado e deu um pequeno sorriso ao pensar naquilo, pois tinha sido mesmo um dia legal. Sem querer, focou os olhos na jaqueta azul de Lance sobre a sua escrivaninha. Devia ter ficado lá na última vez que ele viera. Lembrou-se da irritante mania do garoto jogar suas coisas no primeiro móvel que via pela sua frente e suas frequentes reclamações sobre as camas do Garrison serem mais duras do que concreto. Keith havia pedido em namoro a princesa da ervilha.

 

Agora que estavam namorando, Keith andava sorrindo sem motivo e suas explosões de raiva diminuíram significativamente. Talvez porque Lance entendia quando Keith estava irritado e pedia para que se acalmasse, apertando seu braço ou simplesmente fazendo alguma piada. O simples fato de ter alguém consigo fazia as tarefas parecerem menos difíceis, e o peso de liderar um time, menos árduo.

Keith nunca achou que Lance se comportaria daquele jeito, e sinceramente, também não esperava tanto de si mesmo.

 

 

 

Era porque os dois amadureceram muito no período em que estavam no espaço. Se antes Lance fazia de tudo para irritar Keith e Keith fazia de tudo pra não deixar Lance levar a melhor, agora ambos se apoiavam um no outro, como deveriam fazer desde o início. Embora houvessem tido muitas brigas até chegarem naquele ponto e eles batessem boca às vezes, no momento em que deixaram as diferenças de lado, pareceu apenas natural que o relacionamento deles evoluísse àquele ponto. Parecia um sonho do qual Keith não queria acordar.

E claro, não faltou zoação dos outros paladinos. Mas isso era um caso a parte.

Com carinho, e imaginando que Lance poderia estar com frio, Keith pegou jaqueta do outro e seguiu em direção ao seu quarto. Se não se enganava, Lance tinha uma reunião amanhã de manhã.

 

 

Acontece que ao entrar no quarto do outro, Keith não encontrou ninguém. Quando estavam juntos, Lance tinha insistido em reclamar repetidas vezes sobre o quão cansado estava devido às atividades do dia. Então, onde Lance estaria a essas horas?

Curioso e um pouco preocupado, Keith foi procurá-lo nos longos corredores do Garrison. Não importava o horário, sempre havia uma ou duas pessoas nas salas de pesquisa, claramente visíveis pelas janelas de vidro.

"Ei, Marcus, você viu o Lance?" Keith perguntou ao homem loiro das câmeras de segurança, recebendo um não em resposta.

"Tem certeza que ele não está no quarto dele? Mesmo vocês, paladinos, precisam de autorização pra andar por aí depois do toque de recolher."

"Você pode ver pra mim se ele tem autorização?"

"Claro, um segundo..." Marcus digitou algo no computador e se espanta com o que encontrou. "Ele conseguiu autorização para uma sala com experimento de alta relevância. Não sabia que ele fazia esse tipo de experimento!"

Keith arregalou os olhos. Lance + ciência? O que estava acontecendo? Ele precisava encontrar seu namorado rápido.

Os laboratórios perigosos ficavam sempre no subsolo para caso alguma coisa acontecesse. Muitas vezes, precisavam ser esterelizados para evitar contaminação, e se quisesse entrar, você precisava se purificar.

 

A passos rápidos, Keith desceu vários lances da escada de emergência e parou em um longo corredor semi-iluminado. A sala de Lance ficava logo a direita.

Ele parou em frente a porta e deu algumas batidinhas.

"Lance? Você está aí?"

Como ninguém respondeu, Keith abriu a porta e viu seu namorado no chão da sala, com as mãos no rosto. Assustado com a interrupção súbita, ele soltou uma exclamação.

"Ah, Keith, é você." Esfregou os olhos. "Caramba, cara, você não pode ir invadindo o meu cômodo desse jeito, sabe? Eu entendo que os tempos mudaram e a gente divide até isso, mas... pera, como você soube que eu tava aqui?"

Keith deu um pequeno riso.

"Desculpa, eu só queria te devolver isso. Estava no meu quarto... achei estranho não te encontrar." Keith lhe mostrou a jaqueta.

Lance olhou desconfiado e fez um biquinho quando Keith colocou a jaqueta sobre seus ombros. A jaqueta fora motivo suficiente para Keith vasculhar todo o Garrison a sua procura? Keith era desnecessariamente intenso com as pessoas que amava. De qualquer maneira, Lance a vestiu. Estava frio.

"Isso aí é um experimento científico?" Keith já estava olhando para o objeto no centro da sala, que irradiava luz azul.

Era muito parecido com uma cápsula de cura - um tubo cilíndrico translúcido do tamanho de uma pessoa - e de sua base saiam vários fios metálicos que iam direto para computadores potentes ao redor da sala, embutidos. Era um cenário bem intrigante, pra falar a verdade, mas não havia nada lá dentro.

"A Verônica me trouxe aqui porque o experimento do amigo dela finalmente deu certo." Lance ainda estava de joelhos, iluminado, olhando para a capsula. "Consegue adivinhar o que é?"

Keith voltou a olhar para a cápsula de cura, mas ainda não via nada.

"Lance, não tem nada lá dentro. Você tá bem?"

Lance deu uma risada.

"Se fosse uma cobra já teria te mordido. Olha de perto."

Keith estreitou os olhos e fitou a cápsula, mas ela continuava vazia. A princípio, ele achou que estava vendo o reflexo de luzes sobre o vidro da cápsula, mas pouco a pouco, ficou evidente que era mais que aquilo. Keith não conseguia parar de olhar.

Era uma galáxia. Uma minigaláxia formada dentro de uma cápsula hermeticamente fechada.

"Wow..."

Keith observou a galáxia maior mexendo-se em espiral, e a múltiplas galáxias anãs se mexendo em volta da maior, como se ainda estivessem sendo geradas. Como aquilo era possível? Era muito bonito. Luzes provenientes da cápsula saíam de dentro e refletiam ao redor de toda a sala, que agora parecia o próprio universo. Que espetáculo.

Finalmente o mullet tomou coragem para falar.

"Isso... isso é uma minigaláxia. Eles criaram um universo inteiro dentro de uma cápsula."

"Certo, samurai!"

"Como isso é possível?"

Lance limpou a garganta. Exibia um sorriso no rosto, orgulhoso de poder falar um pouco daquilo.

"Parece loucura, né? De acordo com o que me disseram, os pesquisadores usaram de matéria negra e variação de pressão para criar uma espécie de Big Bang in vitro, e monitoraram a cápsula para que as condições de desenvolvimento fossem favoráveis ao começo de um novo universo. Deu nisso. A criação de galáxias, planetas... tudo em uma versão gigante de um tubo de ensaio."

"Isso é muito legal." Keith colocou as mãos sobre o vidro da cápsula, olhando mais de perto sendo sobrepujado por todas aquelas luzes. "E eles já sabem o que vão fazer com isso?"

"Ainda não." Disse Lance, levantando-se e colocando-se ao lado do namorado. "Mas tem gente que supõe que pode até haver vida aí dentro."

Keith ficou um pouco preocupado.

"Bem... Isso significa que não podem desligar a cápsula? Porque senão seríamos responsáveis pela morte de milhares de vidas."

"Basicamente." Lance respondeu. "Keith, você tem alguma ideia do que esse universo significa para nós?"

Keith levou a mão ao queixo e refletiu.

"Eu acho que... Significa que nós já sabemos uma das possibilidades para a origem do universo" Disse Keith, com razão. "Se antes o Big Bang era uma teoria, agora ele foi comprovado e pode oficialmente virar uma possibilidade."

"Tá, E..."

"Tá, E... O que?"

"O que mais? Mais alguma teoria?" Perguntou Lance, fazendo um gesto com a mão, impaciente.

"Eu não sei. É tão óbvio assim?"

"O nosso universo é uma simulação!"

Lance se aproximou, parecendo falar sério, e Keith se perguntou se ele acreditava mesmo naquilo.

"Humm..."

"Keith, pensa comigo, se nós, o planeta Terra, conseguimos criar uma realidade simulada, o que impede várias outras civilizações criarem também?" Lance encara Keith. "Compare nosso nível de tecnologia com o de Alteia, Império Galra, os Olkari... Eles são muito mais avançados que a gente. Quem sabe, eles já têm seus próprios mini universos? Não achariam útil ter um negócio desses pra observar variáveis do universo sem danificar a própria realidade? Extração de minerais, hambúrgueres, bombas? Humm, será que minha marca de hambúrguer vai vender mais que a outra? Será que o pessoal vai comprar? Deixa eu ver na minha realidade simulada."

Keith se perguntou como ele conseguia colocar hambúrguer e bomba atômica na mesma frase.

"Então você acha que fomos criados pra um experimento de marca de hambúrguer."

"Argh, não exatamente!" Lance colocou a mão sobre a testa, e continuou explicando. "Pode ser qualquer coisa. Você não estudou a teoria? No momento em que criássemos uma simulação perfeita, haveria muito mais chances de sermos uma simulação do que a matriz, porque um planeta pode criar várias simulações, enquanto a matriz é apenas uma. Uma ordem exponencial..."

"Lance... Lance! Eu sei da teoria! Não precisa gastar nisso."

A esse ponto, Keith já havia ouvido várias vezes sobre a simulação, e sinceramente, nunca a tinha achado minimamente relevante. Ficar preocupado com aquilo apenas indicava uma coisa: Lance não estava bem.

 

 

Keith aproximou-se mais um pouco e envolveu a cintura de Lance em seus braços. Com delicadeza, abracou-o e esperou Lance colocar a cabeça sobre seus ombros. Afagou a sua cabeça, e ouviu Lance soluçar. Estava chorando.

Eles ficaram algum tempo daquela maneira, abraçados, no conforto um do outro.

Lance não era um cara problemático, mas ultimamente vinha se envolvendo com muitas questões existencialistas que não agradavam muito a Keith. O meio galra já tinha superado aquilo, mas se Lance não tinha, tudo o que poderia fazer é ajudar o garoto.

 

"Somos reais, Lance?" Keith perguntou, por fim.

"Somos, Keith?" Ele perguntou, saindo do abraço, os olhos marejados de lágrimas. "Talvez a gente não seja."

Lance olhou para o peito de Keith com a insígnia do Galaxy Garrison. Contornou o símbolo com o polegar, retendo seu olhar sobre o objeto.

"Talvez nós nunca tenhamos sido paladinos. Talvez nem tenhamos sido alunos do Garrison, e nada tenha valido a pena." Ele fungou. "Nós não somos reais, Keith."

"Pode ser que não." Disse Keith, passando a mão pela nuca do outro e o fazendo voltar à antiga posição. "Mas se eu aprendi alguma coisa nos dois anos que passei com minha mãe no abismo quântico, foi que a realidade é incerta, a gravidade é relativa, e o tempo é questão de opinião. Não podemos ter certeza de nada enquanto seres humanos imersos nessa realidade. Poder ou ciência nenhum faria diferença. Nem mesmo ser matriz. Não é tudo a mesma coisa?"

Lance soltou um soluço e abraçou Keith com mais força. Ambos ficaram apenas desfrutando do prazer de poderem se abraçar naquele recinto virtualmente vazio, mas que continha tantas coisas.

 

 

 

"Então pra mim, não importa as circunstâncias, a vida que estamos vivendo é real." Keith conclui. "Tanto faz se criaram a gente com um propósito maior. Simulação, é nada, eu e você temos vontade própria. A gente existe. Okay?"

Lance mais uma vez engole o choro e olha através do ombro do Keith para a simulação - ou melhor, o mini universo na frente dele - em todo o seu esplendor de galáxias, nebulosas e estrela reluzentes. Tudo mergulhado em um azul marinho que, finalmente, abrigava todo aquele universo com gentileza e refletia em seu rosto.

"Obrigado, Keith."


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Notas finais do capítulo

O que acharam da história?

Tive essa ideia após ouvir sobre a teoria da simulação e assistir um episódio de Rick and Morty em que o Rick cria um novo universo para servir de bateria de carro.

Ao mesmo tempo que isso é meio esdrúxulo, não parece com situação dos nossos meninos? Às vezes penso
que eles estão presos em um universo que não lhes pertence, e que em uma realidade honesta eles poderiam ficar um com o outro.
Essa fanfic bate tanto no coração porque marcou uma despedida a Voltron, lá pelo final de 2019. Deixo aqui mais um universo em que eles poderiam viver, e dessa vez ser felizes :3



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