No Horizonte de Um Copo escrita por godEos


Capítulo 2
Dois


Notas iniciais do capítulo

Olá, o capítulo 2 está aqui.

Espero que gostem!!



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No Horizonte de Um Copo

Capítulo Dois

 

Nos últimos dias, Iwaizumi sustentava, com uma frequência absurda, um sorriso discreto em seu rosto. Para aqueles que o conheciam de longa data e sabiam de sua personalidade sisuda, o semblante cordial era, em verdade, uma surpresa assustadora, quase um prenúncio claro de que alguma desgraça aconteceria em breve.

Eram esses comentários pessimistas e curiosos que corriam entre o corpo médico do hospital, ao passo que os funcionários bisbilhotavam em busca de compreender as motivações que despertaram aquele lado bem-humorado de Hajime. De todos, Hanamaki e Matsukawa eram os que possuíam a maior vontade de descobrir a razão de todos o sorrisos leves que o ortopedista exibia. 

Iwaizumi estava em sua sala, sentado na cadeira confortável e com os pés sobre a mesa, dedicando sua atenção exclusivamente para o celular em mãos. O silêncio do ambiente era perturbado pelo barulho rouco de seu riso baixo por mais vezes do que os outros dois médicos pudessem contar. Deveriam estar aproveitando o efêmero momento de descanso para conversarem sobre trivialidades, mas mantinham-se calados, com as feições interrogativas, especulando o comportamento estranho do amigo. 

— De tanto que você anda sorrindo e de bom-humor — Hanamaki começou a jogar uma verde —, acredito que o orçamento desse mês feche em verde. Estou certo? O setor de traumatologia está precisando de alguns equipamentos, acho que é uma boa oportunidade para pedi-los. 

Os olhos de Hajime sequer largaram a tela do aparelho para alcançar os rostos alheios, as palavras ditas por Takahiro perderam-se no vácuo de sua mente — vazia para eles, referta para Oikawa, a pessoa com quem trocava mensagens ao decorrer do dia.  

O encontro casual entre o médico e o barman tinha ocorrido dois dias atrás e, apesar do começo conturbado, o meio e o final se encaminharam para um epílogo agradável. Iwaizumi estaria tecendo mentiras se chegasse a comentar que a postura invasiva do Oikawa não o incomodara em um primeiro momento, dessa forma, ainda era inimaginável para si o desfecho daquela noite insólita. 

Depois de inúmeros copos de whisky e uma conversa cheia de flertes e uma paquera marota, Oikawa salvara o número dele no telefone de Iwaizumi, que não estava em controle absoluto de suas faculdades físicas para realizar tal tarefa. Não se considerava uma pessoa fraca para bebida, mas, naquela noite, fora a primeira vez que experimentara o álcool acompanhado do olhar ávido e cálido de Tooru e, aparentemente, para seu azar, não seria a única  situação em que essa combinação o derrubaria.

No dia seguinte, acordara em casa com uma dor de cabeça forte e ninguém precisava explicar-lhe o motivo, o whisky nunca lhe caía bem afinal. Mesmo com a ressaca, Hajime dirigiu-se para o hospital e, antes que seus pés adentrassem o prédio, o celular em seu bolso vibrara: Oikawa havia mandado uma mensagem de bom dia. 

Fora apenas o começo de uma conversa que não possuía fim, ambos descobriram que possuíam gostos em comum nas mais diversas áreas. Eram admiradores de vôlei, Oikawa, inclusive, era praticante na época do colegial e teria seguido carreira profissional se não tivesse lesionado seriamente o seu joelho.  Também dividiam uma grande afeição por filmes e, raramente, eles perdiam alguma estréia.

 Embora frequentassem o mesmo cinema, Iwaizumi lamentou que jamais notara o outro em alguma estréia, nem mesmo naquelas em que as salas não estavam tão cheias. Oikawa, por outro lado, o reconheceu tantas vezes que os dedos em sua mão não seriam suficientes para contá-las. 

— Por que estamos gastando nosso intervalo de descanso com alguém que não nos dá a mínima importância? — Matsukawa perguntou, balançando os braços na vã esperança de ganhar a atenção alheia. — Devemos ir embora? — Questionou novamente, antes de tomar o telefone de Hajime. 

As mão ágeis de Iwaizumi tentaram, ao máximo, segurar o celular novamente, mas sua derrota fora decretada quando Issei colocou o aparelho no bolso esquerdo do jaleco. 

— Enfim, você está nos olhando — Hanamaki declarou, entre risos, ao notar o olhar de indignação que Hajime sustentava. 

— Me devolva — pediu, o tom levemente raivoso —, estou tendo uma conversa séria. 

— Não duvido que a conversa esteja realmente boa — Issei rebateu, irônico. — Maki mencionou a compra de equipamentos para o centro de traumatologia e você nem mesmo se importou. 

— Me pergunto quem é a pessoa que lhe despertou tanto interesse — Takahiro comentou, os olhos correndo as paredes brancas da sala enquanto tentava fingir um falso desinteresse. 

— Devemos descobrir? — Matsukawa propôs, tirando o celular do bolso para oferecê-lo a Hanamaki. 

— Vocês não sabem o padrão de desbloqueio — Iwaizumi disse, a voz debochando dos amigos. 

— Aposto que é um “L” — Issei falou para Takahiro, ignorando o dono do aparelho presente na sala —, ele tem cara de preguiçoso, não usaria um padrão elaborado. 

Como proposto por Matsukawa, Hanamaki desenhou o padrão sobre a tela e sorriu vitorioso ao ver o aparelho desbloquear, revelando uma conversa entre Iwaizumi e um homem desconhecido. 

— Oikawa, quem é ele? — Perguntou.

— Ele é bonito? — Issei interveio, tomando o celular das mão de Takahiro para checar a foto do perfil do desconhecido. — Ele é lindo — respondeu sozinho a sua pergunta. — Agora entendo o motivo dos seus sorrisos, Iwaizumi. 

— Isso é invasão de privacidade — acusou, embora os amigos estivessem desconsiderando sua presença ali para continuar bisbilhotando as mensagens trocadas. 

— Você ainda não respondeu quem é ele — Hanamaki apontou. 

— Um rapaz interessante que conheci recentemente, isso é tudo que precisam saber. 

— Não seja conciso, Iwaizumi — Matsukawa pediu. — Por favor, desenvolva o enredo.

— Ele trabalha no restaurante do Kuroo, é um barman lá. 

— Oh, ele é gostoso — Issei falou depois de olhar as mídias da conversa e ver uma foto de Oikawa sem camisa. 

Hajime levantou-se às pressas da cadeira, dando a volta na mesa larga para conseguir tomar o telefone de volta para si, mas falhou quando Matsukawa passou o aparelho para Hanamaki. 

— Por deus, não sejam intrometidos — Iwaizumi implorou, sendo alvo das risadas trocistas dos amigos. 

— Isso tudo é vergonha ou ciúmes? — Issei questionou.  — Vocês vão se encontrar essa noite? —  Hajime o olhou incrédulo. — Eu só perguntei porque estou lendo aqui que vocês comentaram sobre jantar juntos. 

Se os olhos de Iwaizumi fossem espadas, Hanamaki poderia se considerar um homem morto, porque o olhar verde-esmeralda o atravessou sem piedades. 

— Chega! — Exclamou, dando passadas firmes e cheias de ódio em direção a Issei. — Isso é meu — falou ao tomar seu telefone para si. — E vocês, fora da minha sala, o hospital não paga os seus salários para passarem a tarde comigo. 

Ainda se divertindo com a situação e com as expressões encabuladas do amigo, os dois deixaram a sala, assim como ele pediu — ou ordenou. O barulho da porta batendo fora o indicativo que Iwaizumi estava sozinho e em paz. Deixado o constrangimento e irritação causados pelos amigos, a ansiedade e o desejo de se comunicar com Oikawa retornou mais intenso e, rapidamente, voltou a responder as mensagens. 

Os resquícios daquela tarde seguiram sem a ocorrência de algum evento extraordinário, de tal forma, Iwaizumi respondia Oikawa entre cada paciente que ele atendia. As consultas era de rotinas e, portanto, não eram demoradas. Combinaram que Iwaizumi sairia do hospital, iria direto para o restaurante e, a partir de lá, iriam decidir onde jantariam. 

Hajime estava em dúvida sobre duas opções de restaurante em que levaria Tooru. O primeiro lugar era confortável e famoso pela culinária local; o segundo era um estabelecimento pomposo, com bastante renome, que servia comida francesa. Até onde sabia, Oikawa gostava de doces e os melhores tinham origem na França. 

Era sexta-feira, dia em que a movimentação dos restaurantes aumentava, inclusive, aquele em que Oikawa trabalhava. Para sorte de ambos e para que não adiassem o encontro do qual faziam tanto gosto, Tooru trocou de turno com um amigo. 

Hajime saiu do hospital um pouco depois das oito horas da noite. As enfermeiras e recepcionistas o olharam com admiração, embasbacadas, com a roupa casual que vestia e o cheiro frutada que o acompanhava. Tentou o seu melhor para impressionar Oikawa e estava torcendo para que o seu melhor fosse o suficiente. 

Parou no estacionamento do restaurante e enviou uma mensagem para que Tooru o encontrasse lá. Em breves instantes, ele surgiu trajando uma camisa lisa de mangas longas e uma calça chino. Conforme se aproximava do carro, a mão grande acenava para Iwaizumi que, protegido dentro do automóvel, encantava-se pela aura suntuosa e beleza arrebatadora que o outro possuía. 

Mesmo naquelas roupas casuais, para Iwaizumi, Oikawa era um rei e ele, sendo um mero servo, sentia-se obrigado a servir ao seu soberano. 

— Iwa-chan — cumprimentou ao entrar no carro, ocupando o banco de passageiro —, bom te ver!

Ainda compenetrado pela magnificência alheia, Hajime limitou-se a respondê-lo com um leve menear de cabeça. Inexplicavelmente, todas as palavras que conhecia haviam fugido-lhe da mente, deixando-o desprevenido contra Oikawa. Não existiam muitas coisas que um servo poderia dizer a um rei além de agradecimentos e elogios. 

Deveria agradecê-lo por sair consigo? 

Deveria elogiá-lo por ser o homem mais bonito a pisar na terra?

— O gato comeu sua língua ou apenas está maravilhado demais comigo? — Refez a mesma pergunta que havia lhe feito no dia em que se conheceram e, como outrora, o ar de presunção estava impregnado em cada palavra. 

Nestes momentos, em que a altivez e o orgulho de Tooru transbordavam, Iwaizumi esquecia-se completamente de qualquer paralelo criado entre ele e a realeza, sua única vontade era socá-lo, com força, para desmanchar a presunção de seu semblante. No entanto, logo em seguida, concluía que não poderia culpá-lo por se comportar daquela maneira com o rosto que possuía. 

Suspirou.

— Às vezes, você me irrita — confessou baixo, o carro deixando a garagem.

— Eu? — O tom debochado fez Iwaizumi suspirar novamente. A ironia, provavelmente, era um item extra que se ganhava ao ter Oikawa para si.  — Vamos ter uma DR antes do nosso primeiro encontro?

— Não — respondeu risonho. — Para onde vamos? Eu pensei em dois restaurantes — comentou, a atenção voltada para a pista. — Um deles é francês, tem doces ótimos e eu sei que você gosta. 

Tooru sorriu, tocado pela dedicação de Hajime ao escolher um restaurante com bons doces apenas porque ele gostava de comê-los. Por trás daquela postura fechada e cara pouco amigável, ele sabia que um homem atencioso e gentil escondia-se. Estava ansioso para descobrir aquela versão e qualquer outra que Iwaizumi tivesse, e possuía certeza que adoraria conhecê-las.

— Você se importa caso eu escolha onde iremos jantar? 

— Na verdade, não — informou, sem surpresas. Depois que Oikawa convidou-se para jantar com ele, Hajime preparou-se para não ser aquele que tomava decisões dentro do relacionamento. — Onde quer ir?

— É um restaurante simples que fica localizado algumas quadras depois do apartamento que moro. 

— Você me perguntou se sou rico apenas para te levar em um restaurante na esquina da sua casa? — Os olhos incrédulos de Iwaizumi deixaram a estrada e se ataram a Oikawa, que estava ao seu lado. 

— Eu te avisei que não queria te dar um golpe — explicou-se, rindo da postura alheia. — Só queria a oportunidade de sair com você. 

As últimas palavras aqueceram alguma parte latente dentro de Hajime, que sentiu-se feliz ao ouvi-las. Atendendo ao pedido, seguiu as indicações de direção feitas por Tooru e encaminhou-se em direção ao estabelecimento escolhido. Um sorriso indisciplinado continuava reivindicando um lugar em seu rosto e, apesar das tentativas de domá-lo, não conseguiu vencer aquela guerra. 

— Qual o motivo do sorriso, Iwa-chan?

— Eu não estou sorrindo — negou rápido. 

— Estou vendo você sorrir, Iwa-chan — levou a mão a boca para disfarçar o riso. — É feio mentir.

— Não estou sorrindo, Shittykawa — afirmou, dessa vez, sério. — Cuide da sua vida. 

— Shittykawa? 

— Você não é o único que pode dar apelidos nessa relação. 

— Temos uma relação? — As perguntas feitas por Oikawa estavam carregadas por um tom incomum de ironia. Definitivamente, ele desejava tirar o último resquício de sanidade de Iwaizumi, seu propósito era enlouquecê-lo. 

— Não! — Exclamou cheio de certeza. — Quer dizer, n-não ainda — gaguejou, incerto. 

— Você é fofo, Iwa-chan.

Com uma precisão invejável, as mãos de Oikawa soltaram o cinto de segurança, ao passo que seu corpo levantava-se do banco. Seu rosto encaixou-se, perfeitamente, na curva do pescoço de Iwaizumi e seus sentidos foram embriagados pelo aroma do perfume alheio. Por breves segundos, esqueceu-se do que estava fazendo, mas logo recobrou o controle sobre seu corpo, depositando um beijo rápido na pele bronzeada e voltando para a segurança do seu assento. 

— Você é cheiroso, Iwa-chan — avisou, afoito. — Não me importo de dormir com meu rosto enterrado em seu pescoço. 

Tooru contemplou, satisfeito, o tom carmesim apossar-se das bochechas de Hajime. Naquele instante, descobriu que, apesar de ele estar corado, a vermelhidão não era intensa e o contraste entre o rubor e a pele amorenada era ainda mais convidativo. 

Iwaizumi, mesmo sem saber, estava cativando Oikawa com cada um dos seus mínimos detalhes.

Mantiveram-se em um silêncio confortável por alguns minutos e, com brevidade, chegaram ao restaurante que Oikawa tinha escolhido. O estabelecimento era discreto, com uma decoração singela e, diferente do lugar em que Tooru trabalhava, não existia o glamour do luxo, era somente um ambiente acolhedor, no qual Iwaizumi gostaria de gastar algumas horas do seu dia divertindo-se com seus amigos. 

— Eu venho a esse lugar desde quando me mudei para Tóquio — murmurou, enquanto sentavam-se em uma mesa próxima à janela.

Outra similaridade que dividiam era que nenhum deles era natural da capital do Japão, ambos nasceram em cidades interioranas — e, para o assombro deles, era a mesma cidade da província de Miyagi. Embora as palavras não fossem enunciadas e ditas em voz alta, eles nutriam um pensamento positivo e esperançoso de que, caso não tivessem se conhecido em Tóquio, o destino uniria-os eventualmente. 

Oikawa e Iwaizumi eram pra ser, simplesmente. 

O cardápio não tinha uma variedade extensa e a maioria dos pratos eram de culinária local. Tooru sinalizou que o lámen tradicional era bastante gostoso e que pediria um para si. Iwaizumi, por confiar nele, reproduziu o mesmo pedido e perguntou-lhe se queria acrescentar alguma bebida, liberando o garçom quando sua oferta fora recusada. 

— Eu sou um bêbado quieto, Iwa-chan — riu soprado. — Esse meu lado não seria interessante para um primeiro encontro. 

Hajime duvidava que, de alguma forma, Oikawa tornaria-se incapaz lhe despertar interesse. Era inegável que ele era dotado de um humor sarcástico e de uma personalidade levemente soberba. Decerto, odiaria essas características em qualquer outra pessoas, no entanto, eram traços charmosos e que serviam bem ao barman. Ao fim de tudo, Iwaizumi gostava e ansiava por mais. 

— Não vou beber porque estou dirigindo — avisou, conforme apoiava os braços sobre a mesa e inclinava o torso para frente. Deixou os olhares encaixarem-se, o verde conectar-se ao pardo. — Vamos conversar sóbrios dessa vez. 

Era pura ingenuidade de sua parte imaginar que aquela interação entre eles poderia vir a ser uma conversação, na maior parte do tempo, fora apenas uma palestra entusiasmada do Oikawa sobre seus gostos. A animação vibrava em cada átomo do corpo dele e Iwaizumi, sentado no lado oposto da mesa, descobriu, enquanto contemplava cada gesto e cada bracejar alheio, que adorava vê-lo naquele frenesi.

Oikawa era fofo quando estava falando sobre as coisas que gostava e aquela era apenas mais uma nota mental que Iwaizumi estava fazendo para se recordar de cada singularidade que ele possuía e despertava sentimentos bons em si. Duas tigelas fumegantes de porcelana escura foram postas diante deles, que assistiam o vapor quente desprender-se do macarrão cozido e do caldo amarelado. Tooru diminuiu o ritmo de sua agitação para conseguir comer e, assim, Hajime conseguiu expressar-se mais.

Iwaizumi detestava conhecer novas pessoas, porque achava extremamente chato e cansativo a ordem dos eventos para conhecê-las. Assemelhava-se a montar um quebra-cabeça: descobrir seus gostos, seus medos e as coisas que amam, tudo isso envolvia um processo custoso, marcado de inseguranças e incertezas. Por esse motivo, não costumava envolver-se com alguém, além de flertes casuais nas raras ocasiões que chegava a ir em uma balada com Hanamaki e Matsukawa.

Todavia, com Oikawa, o processo não era fadigoso, pelo contrário, havia uma ansiedade morna que o impulsionava a querer sempre saber mais. Uma vontade desproporcional e inexplicável rugia dentro de si, levando-o a ansiar o momento em que montaria o quebra-cabeça e desvendaria aquele homem. 

— Qual o seu filme favorito? — Iwaizumi perguntou depois que terminaram de jantar. — Falamos sobre como gostamos de frequentar o cinema, mas não especificamos nossos gostos. 

— Apenas um filme? — Os dedos dançaram sobre a mesa em um ritmo acelerado, ao passo que seus pensamentos tentavam chegar em um veredito. — Apenas um é muito difícil, mas tenho uma saga favorita. Serve?

Hajime acenou com a cabeça, dando-lhe permissão para continuar.

— Stars Wars — revelou animado. — São os melhores filmes de ficção científica que já vi. 

— Então, acho que devo te mostrar filmes bons sobre ficção científica — fez escárnio das predileções alheias. 

— Rude! Rude, Iwa-chan! — Em falsa ofensa, Tooru arregalou os olhos e levou, dramaticamente, a mão ao peito, insinuando que fora insultado.

— Godzilla é o melhor filme de ficção científica — afirmou categórico. — Até o pior filme sobre dinossauros é melhor que esses sobre espaçonaves e afins. 

— Devo admitir que seu bom gosto se limita a homens, Iwa-chan.

Ambos sorriram devido às últimas palavras ditas e Hajime sentiu-se feliz pela facilidade que era estar ao lado de Oikawa. Apesar dos poucos dias que se conheciam, poderiam zombar e tecer comentários trocistas sobre eles e suas preferências. Eles moravam naquela zona confortável de desconforto, em que muitos tinham medo de ir, mas onde haviam se encontrado.   

O garçom apareceu para levar as tigelas vazias e questionar se queriam mais alguma coisa. Oikawa pediu uma xícara de café e um pão de leite e aconselhou Iwaizumi a repetir o pedido como outrora. 

— Tenho que confessar que o motivo de vir aqui com tanta frequência é o pão de leite que eles servem, é minha comida favorita. 

Mais um peça para se colocar no quebra-cabeça. Oikawa gostava de doces e sua comida favorita era pão de leite, ele amava filmes de ficção científica, especificamente Stars Wars. Com naturalidade, os detalhes revelavam-se e, ao deslindá-los, Iwaizumi desenvolvia um afeto mais sólido e mais resistente. 

Novamente, o garçom retornou à mesa, servindo o pedido e os deixando a sós. Iwaizumi levou a xícara à boca, experimentou o gosto da café e se contentou quando o gosto amargo invadiu o seu paladar. A bebida era fresca e cítrica, bem feita, constatou quando sentiu, após o primeiro gole, a persistência do sabor nas suas papilas gustativas. 

Apreciar o gosto natural do café era uma arte que Iwaizumi demorou a se aperfeiçoar, mas, com tempo e esforço, conseguiu domar o seu paladar para admirar a bebida de cor preta. Os instantes breves de contemplação foram interrompidos quando percebeu a quantidade exagerada de açúcar que Oikawa estava colocando dentro da xícara para adoçar o líquido escuro. 

— Shittykawa — chamou a atenção para si —, você realmente adora coisas doces — concluiu e torceu as feições em pavor. 

— Sim! — Respondeu convicto e sem demoras. — Mas eu ainda gosto do Iwa-chan, mesmo você sendo ranzinza e rabugento. 

Iwaizumi corou com a sinceridade imprevista das palavras de Oikawa, voltando a bebericar o café para tentar disfarçar a quentura que se apossou de sua face. O pão era macio e mais saboroso que os pães comuns e pensou consigo que, provavelmente, era devido ao acréscimo de leite na massa na hora do preparo. 

Comeu o pão limpo, sem acompanhamentos e aproveitou o sabor do café. Fingiu uma desatenção que não lhe cabia quando à presença de Tooru, buscando recobrar a postura e mantendo o escrutínio à espreita para espiá-lo. Sequer chocou-se quando o viu colocar geléia de amendoim no pão antes de comê-lo. 

— Devo me preocupar com sua saúde devido a esse consumo demasiado de açúcar? — Questionou calmo, embora o tom de censura estivesse óbvio.

— Não sei — sorriu ladino. — Quer brincar de médico comigo, Iwa-chan?

 Tornara-se comum para Iwaizumi, desde o primeiro contato com Oikawa, engasgar-se com o cuspe devido ao nervosismo ocasionado pelos comentários impudicos e imorais que ele costumava proferir. Naquele momento, não fora diferente, sentiu a tez esquentar mais uma vez e imaginou que o rosto estava tomado pela tonalidade carmesim. 

Oikawa ofereceu-lhe o copo d’água que havia sido servido junto com o café, riu soprado ao assistir a sofreguidão com a qual Iwaizumi tomava o líquido incolor a fim de recuperar a compostura perdida. 

A água fria limpou a garganta e esfriou a face cálida, restaurando a fisionomia teimosa usual. Hajime não saberia explicar a forma como Tooru conseguia tirá-lo do eixo sem tanto esforço, era intrínseco à personalidade dele proferir palavras e tomar atitudes que o empurravam para fora de sua zona de segurança e, mesmo exposto a situações e a sentimentos não corriqueiros, Iwaizumi não se importava de ocupar aquela posição inexplorada.

Estava contente por estar ali e por ser Oikawa aquele que o empurrava para além de seus limites. Nessa noite, diferente de quando conheceram-se, não existia o álcool para poder culpar, estava sóbrio — e até demais em sua opinião.

Contudo, longe de qualquer efeito causado pela embriaguez, Iwaizumi continuava ansiando pelo momento em que teria mais de Oikawa. Saber sua comida favorita e seu filme predileto ou a forma como ele gostava do café não pareciam suficientes. Queria Tooru de todas formas e de todos os jeitos. 

Enquanto estivesse bêbado, enquanto estivesse sóbrio.

Vestido, sem peça de roupa alguma. 

Em uma sexta-feira à noite para poder ir a um encontro, em um sábado de manhã em sua cama. 

Era tão irreal e, ainda assim, queria Tooru para si.

Depositou o copo seco diante de si. Sua mão alcançou a mão de Oikawa do outro lado da mesa, o dedão deslizando sobre a pele lisa e quente. Os olhos alheios estavam encaixados nos seus e pareciam estar dizendo-lhe tudo — segredos não contados, histórias não compartilhadas. — A língua de Iwaizumi resvalou sobre os lábios finos, colocando um fim na sequidão. 

— Eu gosto de você, Tooru — enfim, declarou-se, dando vazão para os sentimentos inquietos e ávidos que o devoravam de dentro para fora. 

Daquela vez, sem resquícios de álcool em seu corpo, Iwaizumi não se importaria com nada que não estivesse além do horizonte daquele copo à sua frente.

Daquela vez, Iwaizumi não se importaria com ninguém, senão com Oikawa.


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Notas finais do capítulo

Preciso admitir que prefiro esse capítulo ao primeiro, amo quando eles dois agem como dois idiotas apaixonadas.

Amanhã postarei o último capítulo, até mais!



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