Redenção escrita por Pollyanna Felberk, Salgarello


Capítulo 4
Capítulo III


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo é mais curtinho pois tem apenas um ponto de vista. Boa leitura!



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Não sei quanto tempo fiquei apagado, mas meus sonhos eram uma fuga da realidade que me era muito necessária. Minha mente ainda não havia processado a perda terrível que havia sido imposta pelo monstro. Muito pelo contrário, eu estava num mundo paralelo: abraçando Leo e minha mãe, meu pai estava na forja e o retinido de seu eterno martelar era estranhamente reconfortante.

O acordar veio devagar, primeiro os sons, a risada de meu irmão não era mais audível, depois o sorriso da minha mãe começou a ficar difuso e, por último, pouco antes de voltar para a realidade, meu pai me olhou diretamente nos olhos e disse com sua voz retumbante:

—Vingança ou redenção, filho?

As palavras dançavam na frente das minhas pupilas e ressoavam como sinos nos meus ouvidos quando acordei. Abri os olhos devagar e o local onde me encontrava parecia mais improvável do que os sonhos.

Era um quarto belíssimo, tapeçarias de lã cobriam as paredes, coloridas e tecidas com cuidado. Uma delas retratava a cena de uma árvore sendo plantada e o sol resplandecia como que ungindo a planta, nas extremidades da tapeçaria havia um brasão de heráldica: uma flor de lis, três pontas desabrochando em uma eterna primavera.

Flor de lis... Foi aquela heráldica que me deu um sobressalto e tentei me sentar na cama. A dor foi instantânea e me encolhi um pouco, os pulmões ainda ardiam, minha cabeça estava extremamente pesada e minha nuca parecia em chamas. O motivo do meu sobressalto foi o reconhecimento da heráldica: aquela flor era o símbolo da casa de Edwaine, a família de Aila! Eu estava na casa da garota que eu amava, porém não era assim que eu imaginava entrar aqui. Isso era péssimo, o pai dela não podia me ver nessas condições, como eu conseguiria convencê-lo?

Aos poucos meu corpo foi se acostumando com a dor e eu pude ter uma noção melhor dos meus arredores. O quarto era muito diferente do meu, enquanto que eu tinha um estrado onde dormia e uma pequena bacia de metal para higiene pessoal, que eu mesmo havia forjado, esse quarto era rico em decoração e mobília, com uma escrivaninha de olmo em cima de um tapete felpudo, alguns livros em uma prateleira e as belas tapeçarias nas paredes, sem contar que a cama era extremamente confortável e as pesadas cobertas que me abrigavam exalavam um cheiro peculiar.

Meu corpo doía, mas estava limpo, não tinha cheiro de fumaça nem estava sujo de fuligem, havia uma bacia prateada ao lado da cama, porém a água já havia sido drenada. Roupas limpas me esperavam em cima da escrivaninha.

—Argh... – murmurei enquanto tentava me levantar e senti uma tontura muito forte, caí no chão de joelhos, provocando um forte “thud” quando atingi o chão de pedra.

—Pelo grande martelo! – A porta abriu e um anão irrompeu dentro do quarto. Ele era realmente baixo, mas não tão baixo como as histórias davam a impressão, em pé ele bateria pouco acima do meu cotovelo, mas ajoelhado do jeito que eu estava, tinha que olhar levemente para cima.

O anão era troncudo, quase roliço, mas dava para ver que era extremamente constituído, os músculos eram aparentes por baixo da cota de malha. No cinto, do lado direito, havia um machado de aço damasco e com diversos detalhes dourados, uma arma bem feita, digna de um rei humano. Tamanho nível de detalhes nunca poderia ser forjado por um ferreiro como meu pai.

—As histórias são verdade... – disse embasbacado enquanto olhava para a arma.

—O quê? Essa velharia aqui? – A risada do anão retumbou pelo quarto. -Achou bonito? Meu pai me deu, e pertenceu ao meu avô antes dele! – disse com uma poderosa voz. Sua barba se mexia enquanto ele falava, e que barba! Era enorme, cheia e trançada, com um anel de ouro no meio da trança. Seus cabelos também eram crespos e rebeldes, de uma cor de ferrugem, e seu nariz torto dava a impressão de ter sido quebrado centenas de vezes. -Meu nome é Thrain. – disse ao me ajudar a levantar. Observou-me com um ar preocupado em seus olhos azuis claros e seu rosto coberto de cicatrizes: esse anão havia visto bastante combate em sua vida. -Desculpa, garoto... Eu te dei uma pancada na cabeça mais cedo. – Ficou um pouco vermelho com suas palavras. -Mas você não parava de se debater e queria entrar naquela casa em chamas! – Ele olhou para mim de cima a baixo e coçou a barba antes de continuar: -O fogo consumiu seus pelos? Humanos são muito limpos, pelo grande martelo! Até bebês anões têm mais pelos que vocês!

—Minha família estava dentro daquela casa, por isso eu não queria sair... – disse de forma taciturna, fitei o chão e devagar me arrastei até a escrivaninha. Coloquei a roupa sentindo cada centímetro do meu corpo doer e sentei na cama.

—Ah... – resmungou Thrain parecendo envergonhado. Abriu a boca e a fechou logo em seguida, como se pensasse melhor no que dizer. -Dragões são assim, garoto. São um flagelo nesse mundo. Meus antepassados os caçam desde que o sol passou a arder no céu. – disse com orgulho.

—Você caça dragões? – Olhei para ele cheio de esperança.

—Sim, sim! Meu bisavô Thror ceifou Greth, o Pesadelo. Todo mundo sabe dessa história né? Mas o que não contam é que o velho era um verdadeiro enfado. – O anão olhou para cima e acariciou a barba enquanto contava as histórias de sua família. -Pelo grande martelo! Resmungava pelos corredores do castelo, velho demais para brandir o machado e orgulhoso até os ossos. – Soltou uma risada sarcástica. -Meu pai sofreu muito em sua mão, mas ele deixou esse machado e também essa escama. – Levantou a barba e expôs a fivela do cinto: era esculpida de um material diferente, robusto e brilhoso, vermelho carmesim, escama de dragão.

—Castelo? – perguntei de fato curioso.

—Sim! Minha família pertence ao clã Petrakasca e somos uma família muito antiga, por isso recebemos um castelo ao norte, nas montanhas, não muito longe daqui.

—Espera... Você é bisneto do Thror das histórias? – perguntei incrédulo enquanto olhava com mais atenção para o anão.

—Sim! Sou Thrain Petrakasca, filho de Terk Petrakasca, filho de Thror Petrakasca, filho de Tergh Petrakasca... – Ele começou a citar os nomes de seus antepassados com uma precisão infalível. -Bom, vejo que você não está conseguindo acompanhar, vocês humanos vivem vidas muito curtas e por isso não guardam muito bem os nomes dos seus antepassados né?

—Vidas muito curtas?

—Sim... Pelo que me disseram são poucos os que passam dos oitenta invernos. Bom, nós anões vivemos pelo menos duzentos e cinquenta invernos, mas meu bisavô viu trezentos e um, o bastardo... – disse com um sorriso.

—TREZENTOS? – Olhei assustado para ele.

—Pois é, o maldito não queria de jeito nenhum ir desta para melhor... – Mais uma vez seu riso sarcástico, que começei a perceber ser sua marca registrada. -Mas quando ele finalmente foi, o castelo ficou vazio... Parecia faltar alguma coisa, seus resmungos já faziam parte da atmosfera.

Eu olhei tristemente para o anão, ele estava descrevendo a sensação de perda que sua família tivera com o falecer de um ancião. E agora eu estava passando por uma sensação muito pior, pois não perdi apenas uma pessoa, e sim três.

Percebendo que eu estava escorregando de volta para a minha depressão, Thrain se sentou ao meu lado na cama e soltou um comentário:

—Que alto... – Suas pernas troncudas não alcançavam o chão por alguns centímetros, não aguentei e soltei uma risada abafada. -O que foi isso? – perguntou com a sobrancelha levantada.

—Um espirro. – Menti na cara dura, mas o anão estava com um sorriso no rosto também.

—Ah, sim... um espirro, né? Tá certo. Afinal, essas cobertas estão cheias de poeira, né?

—Pior que não, mas estão com um cheiro diferente. – comentei genuinamente curioso.

—Deixa eu ver. – O anão se levantou e puxou o cobertor de encontro ao nariz torto. -É amaciante, cheiro de limpo!

—É o quê? “Amanciante”?

—Garoto, você não sabe o que é amaciante? – Thrain olhou indignado para mim.

—Pior que não, é algo importante?

—É sim, ora essa, claro que é! Uma cama cheirosa e uma caneca de cerveja, nada melhor depois de lutar uma batalha.

—Cheirosa... – Minha referência de cheiros bons era o pão que minha mãe fazia e o cabelo de Aila. Aila! Eu estava em sua casa, então... Ela devia estar em algum lugar por aqui também, não? -Ei... senhor anão? Thrain... O senhor viu uma mulher nessa casa? – perguntei um pouco sem jeito.

—Mulher? Uhm... Sim! Vi algumas. Por quê?

—Você viu uma mulher alta, cabelos negros até o quadril, olhos verdes? – Minha esperança foi crescendo e senti um frio na barriga de antecipação.

—Sim, eu vi essa jovem... – Mal o anão terminou de falar eu estava de pé, o corpo ainda doía, porém Aila estava aqui e eu precisava vê-la.

—Mestre anão, tenho que me ausentar! – disse com um grande sorriso.

Porém, quando eu terminei de calçar as botas e fui abrir a porta, ela se abriu de uma vez.


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