Amanhecer: Novos Começos escrita por Sarah Lee


Capítulo 19
Pelo o que eu luto - Parte 2


Notas iniciais do capítulo

Eu não sei nem direito como começar essas notas. O cap acabou de sair da betagem e eu vim correndo postar para vocês. E eu ouso dizer que: esse é meu melhor cap até agora. Eu não quero deixar as expectativas lá em cima, mas não sei nem começar a explicar a sensação de orgulho que eu tenho por ter escrito isso, tudo se encaixou tão bem para mim, que sei lá, só estou orgulhosa de mim mesmo. Esse cap certamente entra na minha lista de top 5 (e aliás, uma boa pergunta, quais são seus caps preferidos até agora? Deixa lá no coments, vamos discutir). Então eu oficialmente declaro fechado o arco do Paul na fic. Mas não se preocupem, ele ainda dará as caras por aqui.
Já adianto também que o final dele pode não agradar muita gente, porém eu não via como acabar isso de outra forma. Amanhã eu vou soltar um extra não planejado, contando algumas explicações finais que eu deixei em aberto para vocês, então não se preocupem.
E antes de eu solta-los para a leitura, eu vou escrever lá nas notas finais um pequeno textinho sobre a personagem de Paul e Joshua, se você quiserem ler para conhecer um pouco mais a mente da escritora que vos escreve, fiquem a vontade.
Enfim, boa leitura.



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No caminho que seguimos durante a viagem, Joshua me explicou que ele e seu pai estavam com problemas. “Eles são um grupo de caçadores da região. Eles tinham sumido durante um tempo, depois que nós tentamos envolver o prefeito, mas agora voltaram novamente. E nem a polícia consegue nos ajudar, por que eles não tem pessoal o suficiente para deixar à disposição. Acontece que boa parte dessas terras são da minha família. Minha mãe não era só um membro da agência de proteção ambiental, ela também era uma grande ativista dos direitos dos animais. O sonho dela era registrar vários quilômetros dessa floresta, até o parque nacional Rainier como área de proteção ambiental. A fazenda que fica a Central, é parte disso. Ela queria fazer um santuário de cavalos lá. Mas enfim, como são nossas terras, a caça é proibida em boa parte delas, mas não é como se isso adiantasse muita coisa. Enquanto não for tombada como uma área de proteção ambiental, não tem muito o que podemos fazer para nos ajudar a proteger as espécies que vivem aqui. Mas agora as coisas estão piorando, e o que eram invasões ocasionais se tornaram mais frequentes. Já encontrei armadilhas e cartuchos pela floresta. Mas se eles acham que podem vir aqui e fazer o que quiser, eu vou mostrar como estão enganados. Tenho que proteger o que a minha mãe criou aqui.”

— Ela parece ser realmente uma mulher determinada. — Respondi. Não que eu estivesse mesmo interessado na história da sua família, mas eu tinha uma dívida a cumprir. — Ela estava lá na fazenda também? — E pensei em como não tinha visto nem um sinal de uma mulher enquanto eu estive lá, muito menos alguém se referiu a ela.

Mas eu tive a minha resposta no momento que Joshua engoliu seco, e seu olhar escureceu por um momento. Droga, eu e a minha boca grande. — Ela faleceu há dois anos — Ele confirmou o que eu já tinha deduzido tarde demais.

— Desculpe… — Mais uma vez ferindo as pessoas, boa Paul.

— Está tudo bem, você não sabia — Ele tentou se iluminar novamente, mas eu sabia que isso a lembrança o tinha afetado. — E não é como se ela tivesse realmente ido embora. Esse é o legado dela, a floresta e os animais que vivem nela. É como se a minha mãe estivesse em toda parte. — Eu tinha que admitir que era uma visão bonita das coisas. Mas o jeito carinhoso que ele se referia a ela, era quase doloroso para mim. Eu senti inveja, pois nunca tive essa sensação.

— De qualquer maneira, me parece muita responsabilidade para uma pessoa tão nova arcar sozinho. — Continuei, tentando mudar o rumo macabro que a conversa estava tomando. Só de pensar nos meus pais, já sentia meu sangue começar a ferver.

— Tão nova — Ele debochou. — Já  tenho 20 anos, está na hora de começar a pegar algumas responsabilidades para mim mesmo.

— Espera, 20 anos? — Não aprecia ser verdade, alguma coisa em seu rosto não batia com essa informação.

— Sim…? Quantos anos achou que eu tinha?

— A minha idade, pelo menos, ou quem sabe mais novo. — E pensei em Sam e Leah, eles sim aparentavam ter 20 anos ou mais, não esse homem do meu lado.

— Quantos anos você tem?

— Dezoito.

— Sério? — E ele ficou surpreso, como se eu fosse o louco por pensar nisso. — Só vi caras grandes assim aos 18 após uma boa dose de anabolizantes.

Então esse era o problema. Ele estava tentando tratar isso com parâmetros de pessoas normais, o que acabou me fazendo rir. — Você vai perceber que a taxa de crescimento entre os lobisomens é um pouco maior que isso. — E agora eu lembrei de Jacob, e de como ele era maior e mais forte do que eu, mesmo em sua forma de lobo, apesar de ser um ano mais novo. Sam dizia que era coisa de alfa, mas eu não sabia ao certo o quanto disso era verdade, e o quanto era apenas seu ego falando.

— Mas de qualquer maneira, eu não estou sozinho. Tenho o meu pai. — Ele completou depois de um tempo. E eu não consegui deixar de me sentir um pouco amargurado novamente. — Meu pai é um pouco severo demais, mas ele tem que ser assim. —  Ele suspirou fundo, e eu vi novamente a semelhança entre eles. — Logo após a morte da minha mãe, as coisas ainda estavam tensas na luta no senado. Meu pai recebia cartas com ameaças, e diziam que iam atrás de mim e da minha irmã caso não abandonássemos o caso e as terras, e não fugissemos da cidade. Ele teve que ser muito forte para dar continuidade ao projeto de preservação dessa área. Ele pode não ter o mesmo carinho pelos animais que a minha mãe, mas é alguém que não desiste fácil. Ele está disposto a levar isso comigo até o fim

— É eu percebi que o carinhoso era você mesmo. — E eu lembrei novamente dele me chamando de “anomalia”, e apesar de doer, não deixava de ser verdade. De qualquer forma, o papo sobre o papai querido já estava torrando a minha paciência.

— As vezes ele diz que eu me apego demais aos animais e ao sonho da minha mãe, mas não vejo como um defeito. Ele só não quer que eu sofra mesmo. De qualquer forma, a minha mãe era uma pessoa incrível, eu me orgulho muito do que me tornei por influência dela… — E seu rosto tinha tomado novamente aquele brilho especial de quando lembrava dela com carinho. —  Mas e seus pais?

Minha mandíbula se contraiu automaticamente com a pergunta. É lógico que nós tivemos que vir para esse assunto. — Os meus? — Respondi depois de tomar um momento para me acalmar. Tive que lembrar que Joshua não sabia de nada, e que ele não estava falando sobre isso comigo para ser um babaca. Mas mesmo assim, tive que apertar forte minhas mãos em punhos, para que elas não começassem a tremer. —  Digamos que não tenho muito orgulho do que me tornei por causa deles. — A resposta saiu com mais veneno do que eu gostaria, mas esperava que fosse o suficiente para encerrar o assunto.

— Oh, me desculpe… — E eu senti novamente a dor por machucá-lo de novo.

— Está tudo bem, isso não me afeta mais. — Mas não podia estar mais estampado no meu rosto que afetava. Na verdade, eu não tinha o problema com a minha criação ferrada em si, eu realmente tinha superado as merdas que aconteceram comigo. Gosto de pensar que tudo que tive até agora foi com a minha força, o que não deixava de ser verdade. Mas de qualquer forma, era uma história triste, e todo mundo sabe o que vem depois de se contar sobre o seu passado triste para alguém. — Minha mãe me abandonou com o meu pai quando eu era pequeno. — Eu continuei falando, para provar para Joshua como aquilo realmente não me machucava. E para tentar tirar um pouco daquela expressão de culpa que ele tinha agora, por tocar em um assunto que ele percebeu ser delicado para mim. — Mas eu não a culpo, teria feito o mesmo se pudesse. Mas eu fiquei, e meu pai é um péssimo exemplo de pai. Mas você não vai querer saber da história toda. — Tentei manter a história o mais limpa possível, ele não precisava saber de todas as partes ferradas.

— Eu realmente sinto muito… — E junto com as suas palavras vieram o que mais me enjoava, a voz de consolação acompanhada do olhar de pena. Isso só me fazia sentir ainda mais patético. E é por isso que eu odeio contar sobre meu passado de merda, é sempre um erro quando eu entro nesse assunto.

— Não sinta, você não tem nada a ver com isso. Mas está livre de sentir pena no pobrezinho do Paul se quiser, eu estou acostumado. — Tentei transformar a situação toda em uma grande piada, para me livrar desse desejo de socar alguma coisa. Por algum motivo, eu estava preocupado em não assustá-lo.

Mas Joshua apenas me olhou com duvida, o que me chocou por um momento. — Não acho que você seja alguém que precise da pena dos outros para alguma coisa. — Ele completou. E pela primeira vez em muito tempo, eu fiquei sem palavras.

— Então, qual o plano mesmo? — Perguntei depois de retomar o controle dos meus pensamentos. E a minha voz desceu alguns tons quando eu disse isso, como um maldito adolescente. O acabou me deixando irritado de novo. 

— Verdade, eu não cheguei a te explicar muito bem. Mas basicamente, eu quero que você dê um susto neles.

— UM susto? — O que era isso? Estávamos lidando com crianças agora?

— Amedrontá-los, sabe?. Eu pensei em você virar o “Paul, o lobo gigante”, e sei lá, uivar, rosnar, babar na trilha. Alguma coisa que os faça sair daqui e nunca mais volte.

— Você quer que eu assuste eles com a minha baba de lobisomem? Entendi. — E eu pensei por um segundo como que eu tinha me metido nisso. Joshua claramente era do tipo que é gentil demais para conseguir pensar em algo que realmente prejudique alguém. Mas apesar de isso ser claramente um plano furado, eu não consegui deixar de rir. De qualquer forma, poderia ser divertido.

— Não é isso! — Ele ficou irritado, mas retribuiu o sorriso.

— Então, que tal… — Continuei, tentando propor uma estratégia que não pareça tanto como um roteiro de desenho animado. — Eu simplesmente não me jogar em cima deles como um lobo gigante? Talvez até rasgar algumas coisas com as minhas garras, ou até uma mordida de leve na perna? Isso sim assustaria eles de vez.

Talvez eu tenha sido um pouco sombrio e detalhista demais na minha ideia, pois quando eu virei novamente para encarar Joshua, ele estava com uma expressão de horror crescente nos olhos. — Sem machucar ninguém!

— Eu não ia matá-los… — Disse, contrariado. O que ele pensava que eu era? — Planejava fazê-los se borrar mesmo, e talvez serem taxados de loucos quando tentarem explicar a história do lobo gigante.

— Acho melhor não… — O pânico havia diminuído, mas ele ainda estava desconfiado com as minhas intenções. Ótimo, mais essa agora. — Você se esqueceu que eles podem estar armados? Balas de prata não podem ser seu ponto fraco, mas acho que balas normais já causaram um bom estrago em você. — E de fato fariam. Eu posso me curar rápido, mas não queria experimentar a sensação de receber um tiro no peito. — Só assustá-los deve ser o suficiente. Talvez criar a lenda de que um monstro vive por essas terras os afaste de uma vez por todas. E assim, ninguém corre riscos. — Ele voltou a sorrir para mim. Então ele também estava preocupado comigo? Se alguém fosse sair ferido de toda essa situação, provavelmente seriam os caçadores.

— Ou… Só os estimula a montar grupos ainda maiores para vir caçar o “tal monstro”. — Foi só uma piada, mas fez Josh engolir seco por um momento.

— Espero que eu esteja mais certo sobre isso.

— Desculpe, foi só uma brincadeira. — Eu o tinha machucado de novo, qual o problema comigo? E qual é o meu problema com todas essas desculpas também?

— Tudo bem, mas essa não deixa de ser uma possibilidade. — Ele tentou disfarçar o máximo o seu incômodo quando completou. — Só tente assustá-los de vez então.

— Assustá-los de vez, entendi. — Eu faria aqueles caçadores desejarem nunca mais pôr os pés aqui novamente. E então, finalmente poderia sentir que tinha pago a minha dívida com ele, e poderia cair fora também.

— Normalmente eles vêm de manhã, eles sabem as horas das minhas patrulhas, e por isso tentam me evitar. Mas já consegui pegar alguns deles no ato algumas vezes, e a coisa ficou feia. — E eu pensei em como ele era frágil. Joshua não tinha força, ou nenhuma outra arma para se defender caso alguma coisa desse errado. Fico surpreso por ele ainda estar vivo.

— Já pensou em comprar uma arma? — Perguntei despreocupadamente.

— Não sou do tipo que mata. — Ele me olhou desconfiado por um momento, o que acabou me incomodando.

— Não seria bem para matar. — Provavelmente Joshua não saberia usar uma corretamente de qualquer maneira, mas pelo menos assustaria alguém que quisesse se meter com ele.

— Armas só servem para matar, Paul. Se não for isso, elas não têm qualquer outra utilidade. E eu não vou matar ninguém. — A voz dele tinha um tom acusatório que me feriu.

Eu estava tentando controlar meus nervosos com Joshua, mas sentia que já estava chegando ao meu limite. O problema era que ele não tinha feito nada de errado até agora. O real problema sempre foi o Lobo.

— Mas se eles são assim tão perigosos, porque… — Eu comecei a tentar me explicar, não queria que fosse essa a impressão que Joshua guardaria de mim quando eu me fosse. Mas não tive tempo de completar o pensamento, pois fui interrompido por um barulho de espingarda.

— Merda! — Ele gritou. E antes que eu conseguisse dizer para que ele esperasse no carro, eu o vi saltando pela janela e entrando na mata.

— Joshua, pare! — Ele corria, e era difícil segui-lo com a minha perna que estava se recuperando. Ela ainda liberava correntes fracas de eletricidade toda vez que eu pisava no terreno irregular, o que acabava me atrasando.

Josh corria como se conhecesse cada tronco e galho dessa floresta, se abaixando e passando tranquilamente pelos lugares. Eu imagino quantas vezes ele já não fez isso na sua vida. O que era extremamente perigoso.

Então ele parou de supetão, e eu tive que jogar meu corpo na árvore que estava ao seu lado, para não acabar batendo nele e derrubando nós dois. — Droga, não pare assim do nada... — Eu ainda tentava recobrar o fôlego, estava muito fora de forma para uma corrida dessas ter conseguido me cansar.

Joshua continuava paralisado no lugar, agora apoiado na mesma árvore que eu. Quando vi o seu rosto pálido, como se ele estivesse prestes a desmaiar, eu soube que algo estava muito errado. Eu tive que contornar a árvore que estava na minha frente, para conseguir ver que, no campo aberto, perto de um riacho, estavam dois homens e um filhote de urso. O filhote havia sido morto com um tiro na cabeça.

— Você estragou a cabeça, imbecil! — Gritou um dos caçadores. Ele era baixinho e usava um boné surrado de beisebol e uma roupa surrada de caça. — Agora não vou conseguir pendurar ele na minha parede.

— Calma, a mãe dele deve estar perto, eu ajudo a pegar ela para você. — O outro era mais alto, loiro e o cabelo comprido estava preso em um rabo de cavalo mal feito. Ele estava ajoelhado em cima do pescoço do filhote, e a calça jeans estava marcada com o sangue dele.

— Josh… — Quando eu finalmente voltei a encarar seu rosto, lágrimas rolavam pelos seus olhos, em um choro silencioso. Nós estávamos atrasados demais.

Eu não podia aceitar isso. O jeito como aqueles homens falavam e tratavam o corpo do filho, me dava nojo. E tudo só piorava por Joshua estar chorando. Eu tinha falhado com ele, e a raiva que eu sabia que viria, subiu como vômito pela minha garganta, e fez meu corpo começar a tremer em espasmos. Eu sentia o calor extremo escalando a minha espinha, e ficou claro o que viria a seguir. O Lobo tomaria conta.

Mas eu não podia deixar isso acontecer, não com ele tão perto de mim. Eu precisava me segurar mais um pouco, para mandá-lo se afastar. Mas era difícil, quase doloroso tentar manter o Lobo trancado. — Joshua… — Eu me esforcei para deixar as palavras saírem, pois tinha medo que se relaxasse demais, eu pudesse explodir. Mas não consegui terminar o pensamento, quando eu dei por mim, Josh já estava correndo em campo aberto. Na direção dos caçadores.

— Seus malditos! — Ele gritou enquanto avançava para cima dos homens. Por um segundo pensei que ele iria socar alguém, mas acabou parando antes de chegar muito perto. — O que estão fazendo aqui! — Seus punhos estavam cerrados de ódio, e as lágrimas não paravam de descer.

— Olha! Ei Toddy, não é o filho daquele lá? — O loiro falou, e o sotaque caipira carregado me pareceu extremamente artificial nele.

— Hum… É ele mesmo! Daquele lá, e aquela mulher lá. — O de boné apontou para Joshua, a arma ainda em punho. — Aquela da TV e toda a merda sobre animais.

— Essa mesma! Você é a cara dela! — O loiro sorriu, expondo uma fileira de dentes amarelados.

— Calem a boca! Eu perguntei o que vocês estão fazendo aqui! Essa é uma área proibida de caça

— Sério? achei que a gente tava na área certa sô. Devemos ter nos perdido — Mas algo no sorriso zombeteiro dele me fazia acreditar que eles sabiam muito bem aonde estavam.

— É realmente uma pena... — O baixinho concordou de maneira irônica. —  Bem, logo mais a gente vai tá saindo tá? Só falta pegar a mãe desse que fugiu, e a gente segue o nosso rumo

— Vocês vão sair agora! — Ele gritava, eu nunca tinha visto Joshua assim tão machucado. — E eu vou chamar a polícia para ir atrás de vocês dois, seus merdas!

— Ei, Ei… Vai com calma amiguinho, a gente não tá aqui ofendendo ninguém. — O de boné falou, mas o sorriso só aumentava no seu rosto. Por algum motivo, eu tive a impressão que ele estava conseguindo exatamente o que queria.

— É verdade, estamos só nos divertindo — O loiro concordou com o amigo.

— Se divertindo matando outras coisas? Vocês são uns lixos!

Eu não tinha percebido que meu corpo tinha parado de tremer, por causa do choque com a cena que se desenrolava na minha frente. O menino tinha bravura o suficiente para enfrentar um vampiro se ele quisesse, isso eu teria que reconhecer. Mas em um segundo eu havia voltado a convulsionar ferozmente, com a cena que se seguiu.

— Eu mocinho, é melhor você calar essa sua boca suja. — O baixinho apontou a arma para a barriga de Joshua. — Já estou perdendo a paciência.

— É verdade, acho que ninguém mais sabe que a gente tá aqui. — O outro concordou, com seu sorriso podre voltando a se abrir. — Se a gente desse um fim nele, será que alguém ligaria?

— Provavelmente nem saberiam que a gente tava aqui, eu sei que o pessoal lá do clube ia ficar bem feliz.

— Verdade, que nem quando aquela lá morreu né. — E foi a referência à mãe de Joshua que fez eu voltar a me mover.

Eu poderia ter deixado o Lobo tomar conta, como ele gritava para que eu fizesse. Mas seria fácil demais, rápido demais. Eu precisava olhar nos olhos desses imbecis enquanto sofriam, uma morte rápida era uma recompensa que eles não mereciam ganhar. Eu sai correndo, mais rápido do que eu podia imaginar. Em um segundo estava no limite da floresta, e no outro, segurando o primeiro deles pelo pescoço.

— O que…? — Eu não conseguia pensar bem o suficiente para formular a frase. Em vez disso,  eu apertei ainda mais forte a garganta do camuflado, o que fez soltar a arma.

— Paul! — Joshua gritou de surpresa. Mas agora a sua voz era apenas um murmúrio se comparado ao rosnado do Lobo no meu ouvido.

— Larga ele! —  O outro caçador gritou também, enquanto apontava a própria arma para mim. Mas ele estava lento pela surpresa, então foi fácil pegar o cano da espingarda, e retorcer como se fosse feita de argila. —  O que?—  Ele soltou, e ainda tentou vir para cima de mim. Mas foi preciso só de um soco em seu rosto para derrubar o caçador, inconsciente.

— Não consigo... Respirar… — O primeiro grunhiu e eu ri com a ideia de que era exatamente essa minha intenção. Mas foi então que eu senti. O cheiro nauseante da bebida estava impregnado em seu hálito, e me trazia de volta lembranças dolorosas. Lógico que ele tinha que estar bêbado. 

A minha visão escureceu conforme o cheiro podre tomava conta do meu olfato, e eu senti aquela sensação familiar de que eu não me importaria em arrancar a cabeça dele. Eu poderia facilmente fazer isso com uma das minhas mãos. Era só apertar um pouco mais forte. E seria incrível a sensação, eu o faria e ninguém se importaria com a vida desse mundo. Quem sabe até joshua me agradeceria. - Joshua… -, a menção ao nome dele me fez lembrar que eu não estava sozinho aqui, e que havia uma certa pressão em volta do braço que eu estava usando para segurar o pescoço do caçador. Josh tentava inútilmente puxar minha mão para libertar o homem.

— Paul, solte! Ele vai morrer! — Eu demorei um pouco mais para conseguir distinguir o que ele estava gritando.

— E isso não seria ótimo? — Eu pensei, e o pensamento me agradou mais do que devia. Ele não via o favor que eu estava fazendo para ele? — Aposto que o mundo seria um lugar bem melhor sem eles. 

— Não, você não pode fazer isso! — Ele continuava puxando meu braço, como se algum dia ele conseguisse vencer a minha força.

— E por que não? Eles são como monstros, Joshua! — E ter que explicar toda a situação para ele estava me irritando ainda mais. — Matam por prazer, e sem pensar nas consequências.

— Eles são! — Josh gritou mais uma vez, e fez um último esforço para soltar o homem. — Você, não! Você não é que nem eles, Paul. — E retomando o fôlego. — Você não é um monstro… — A palavra chamou a minha atenção, o que me fez olhar para seu rosto. E foram seus olhos, verdes como as copas das árvores, que me fizeram parar de tremer. 

Então tudo voltou muito rápido, e a ferida estava aberta novamente. Bella me abraçando na campina, me falando que eu não era quem eu achava que era. Um monstro irracional. E desse momento de confusão, Josh conseguiu libertar o homem do meu aperto.

Eu continuava olhando para a minha mão, envergonhado. Eu tinha lutado tanto, por tanto tempo, para manter essa parte minha sob controle. A parte minha que vinha diretamente de algo muito obscuro. A covardia e a violência estavam em mim, mas eu não queria ser igual a ele, e não era por isso que eu estava lutando tanto? A dor de decepcionar os outros, todos aqueles que já acreditaram em mim, era pior que um soco no estômago. “Se você precisar de uma pessoa que acredite, então eu serei essa pessoa”, foram as palavras dela que ficaram cravadas na minha cabeça. Mas no final das contas, não era ela quem precisava acreditar nisso. Bella podia ser um apoio para mim, mas era eu que teria que tomar responsabilidade pelo o que eu sou. E eu não queria ser um monstro. Não queria ser igual a todos esses monstros que eu já conheci. - Quando eu era pequeno, eu tinha jurado me tornar um caçador de monstros, só para ninguém mais ter que sofrer -. Quando eu me perdi?

— Saia daqui. — Eu disse para o homem ao qual Joshua ajudava a recuperar o fôlego. — Saia e leve seu amigo, e nunca mais volte. Da próxima vez, vocês, ou qualquer intruso que vir aqui pra caçar, não vão ter a mesma sorte. Eu juro.

Eu deixei Josh ajoelhado ao lado do homem e seu amigo, e me aproximei do filhote de urso que ainda estava no chão. - Não vou te deixar aqui -, eu pensei enquanto pegava ele nos braços. O urso era tão pequeno, e nunca poderia ter uma vida por causa de pessoas que se acham melhores que outros seres vivos. Pensar em tudo que ele podia ter e não conseguiu, me fez ter vontade de chorar também. Eu o levei para o jipe, era ainda mais desconcertante como ele cabia exatamente dentro da traseira do carro.

Eu ainda tive que esperar vários minutos para Joshua voltar. Ele estava com a expressão destruída que eu sabia que estaria, o que me deixava ainda mais desconcertado. Eu não conseguia encará-lo enquanto ele entrava no carro, e dava a partida.

— Desculpe… — Foi o que eu disse, após longos minutos de silêncio. Mais uma vez, as malditas desculpas que não resolviam merda nenhuma. — Eu perdi o controle.

— Está tudo bem… — Ele concordou, mas não me olhava. — Eu não posso dizer que não perdi o controle também. — E após mais algum tempo. — O que nós dois fizemos foi idiota.

— O que você fez foi idiota. — O gosto de sangue veio junto à visão que eu tive dele naquela hora. Sem vida, igual ao filhote de urso, com um tiro na cabeça. — Mas o que eu iria fazer, me transformaria para sempre em um assassino. — E não era essa uma das poucas coisas de que eu me orgulhava? Não ter tirado a vida de alguém? E pensar que eu estava perto de abrir tão facilmente a mão da minha última qualidade de humano.

— Eu não acho que você teria matado ele Paul...

— Você não me conhece -, eu pensei. Pois, naquela hora, eu também não me reconhecia. Aqui lá não era o Paul, e sim, uma mistura dele com o Lobo. E aquilo poderia ter facilmente matado aqueles homens.

— Você pode achar que não, mas eu não costumo estar errado sobre as coisas, principalmente com animais. E quando eu vi seus olhos pela primeira vez, mesmo em forma de lobo, eu sabia que você era incapaz de machucar uma mosca. — Ele disse essas palavras com a convicção de uma certeza absoluta, como se eu fosse idiota por não ver isso. — Por que você acha que eu sempre fiquei tão perto?

— Isso não faz sentido. — Respondi, alguma coisa ainda me faltava, e eu me sentia cada vez mais como uma presa.

— Você acha que está escondendo suas dores em um cofre fundo no seu peito, mas eu não vejo isso. — Ele riu, seu sorriso reafirmando o quanto eu era idiota, por não me ver do mesmo jeito que ele me vê. — Está tudo na superfície Paul, é só a água que está muito escura.

Foi então que eu virei para ele, só pra encarar aqueles olhos que me incomodavam. Não era como se ele lesse realmente mentes, Joshua era capaz de ver ainda mais fundo, dentro do poço que eu achei que tinha cavado dentro de mim. Mas ele também não conseguia esconder as coisas. Tinha algo ali, também no fundo do lago de seus olhos, que agora brilhava como ouro, chamando a minha atenção.

— Freie. — E quando ele não obedeceu. — Agora! — Ele apertou o pedal forte, o que jogou nossos corpos com força para frente. Josh me olhava assustado, e eu também estava pelo o que iria fazer. Eu não sei onde eu estava com a cabeça, mas se ela não estava comigo, então não teria quem me julgasse agora. Mesmo se desse errado, eu não carregaria arrependimentos.

Eu deixei que a sensação me consumisse totalmente quando olhei novamente para ele. Eu finalmente havia compreendido por que olhá-lo assim me causava tanto desconforto. Joshua via através de mim, não importa o quanto escuro eu fosse por dentro, ele conseguia ver, e isso me assustava antes. Porque há coisas que fiz e não me orgulho, porque há dores que a escuridão é boa de esconder. Eu me agarrei à paz que a floresta me trazia, e que estava estampada na cor dos seus olhos. Não deixaria que ser visto me assuste mais. 

Eu não percebi quando minha mão se moveu, quase que sozinha, para atrás da sua nuca. Eu afaguei seus cabelos encaracolados, que se agarram automaticamente em volta dos meus dedos, e senti como se fosse uma grama macia. Foi natural, e ele não ofereceu resistência quando puxei seu rosto junto ao meu, e retribuiu com satisfação o beijo que eu dei nele. Era diferente, a respiração dele que se misturava com o ar e me inundava. Em comparação com o meu corpo, tudo nele era frio. Mas a sensação não era nada menos do que eu poderia querer para o resto da vida. Aliás, me pergunto como eu nunca tinha ido atrás disso antes. O contraste da temperatura dele na minha pele, o coração que saltava em um ritmo diferente do meu, e a minha mão se entrelaçando com os seus cabelos cacheados, como se esse fosse o lugar dela. Como eu consegui existir até agora sem Joshua perto de mim? Essa sim, me parecia a maior injustiça da minha existência.

Em algum momento do beijo eu me perdi. Me perdi no tempo e espaço, e era como se eles não fossem mais importantes de qualquer jeito. A gravidade não me segurava mais junto à terra, era tudo Joshua. Eu descobri finalmente a onde eu pertencia, e esse tempo todo, era ao lado dele. 

E eu não precisava ser um gênio para saber que sensação era essa.


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Notas finais do capítulo

Ter o Paul, em um contexto de tamanha importância na minha história, que o levaria a ter capítulos somente focados nele, nunca esteve nos meus planos antes. Quando eu criei esse projeto lá em 2016/17, eu tinha planos de desenvolver e dar outro final a somente mais uma personagem, além de Jacob e Bella. Que no caso seria Leah. Eu não estou brincando quando disse que não sei como Paul se tornou uma personagem tão querida para mim, inclusive foi nesses tempos que eu descobri que ele tem um fandom só dele.
Meus planos iniciais, lá na primeira parte ainda, eram de matar a personagem dele. O coma e tudo mais, foi algo extremamente não planejado, o que é estranho, pq eu tenho minha fic inteira esquematizada antes de escrever. Mas ele não morreu, e apesar de eu não comprar muito aquela ideia de “personagens vivos que agem sozinhos dentro das histórias”, se isso realmente existir, Paul seria um deles. Ele se tornou algo muito especial para mim, então eu só poderia dar um final mais do que digno para ele. Que no caso, é esse cap.
A personagem de Joshua foi uma coisa mais simples, eu acho meio sufocante trabalhar sempre com personagens dos outros, pois mesmo que eu mude muitas coisas, há coisas impossíveis de mudar sem descaracterizar totalmente a personagem. Então Joshua também foi criado para me dar esse respiro. Eu estava com saudades de criar algo novo, que eu pudesse moldar, e Joshua foi moldado inteiramente para Paul. A personalidade de pacifista, amante dos animais e protetor da floresta, foi feita especialmente para contradizer e completar a dele. E espero que a personagem tenha agradado vocês também.
Por agora é isso, eu não quero que as notas fiquem muito cansativas, então vou parar por aqui. Quem quiser estender essa conversa nos comentários, também é sempre bem vindo. Então, mais uma vez.
Elogios, críticas construtivas ou surtos, escrevam nos comentários.
Até logo ♥



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