Amanhecer: Novos Começos escrita por Sarah Lee


Capítulo 16
O que me persegue


Notas iniciais do capítulo

Ora ora ora! Olha quem voltou.
Seguinte, um aviso antes de começar a leitura desse cap meus xuxus. Ele acabou ficando um pouco mais pesado do que eu gostaria, então a tia aqui sugere que vocês leiam ele com calma ok? Eu estava muito ansiosa para postar logo esse cap, e ele acabou ficando melhor do que eu esperava! Aqui começa um arco de um personagem que eu gosto muito, então espero que vocês também aproveitem.
Boa leitura, e até as notas finais.



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Correr. Saltar. Correr. Correr. Ódio. Dor. Correr.

Minhas patas pesadas batiam com força na terra, fazendo o chão tremer, apesar de haver quase nenhum som. Estava cansado, cansado demais, só queria desistir. Mas não iria parar de correr até estar longe o suficiente, longe o bastante para nunca mais lembrar o caminho de volta.

Correr. Desviar. Correr. Sangue. O cheiro de sangue. E o gosto dele.

As vozes de Jared e Quil haviam se calado faziam horas, então era mais fácil pensar agora. Ou melhor, não pensar. Tentava manter tudo o mais simples possível, apagar as escolhas e deixar tudo ser movido pelo instinto. Era assim que tínhamos conversado.

É assustador o quão fácil é deixar o Lobo tomar conta dos meus movimentos. Me tornar mais animal do que homem. Foi Jacob que trouxe esse assunto pela primeira vez, discutindo qual seria a sensação de abandonar a nossa parte humana de uma vez por todas. Sem preocupações, dúvidas ou remorsos. Apenas correr, dormir e se alimentar. Nos tornarmos, finalmente, os lobos que deveríamos ser. - Jacob… -, o nome reverberou na minha mente, me fazendo raciocinar novamente. Eu vacilei por um momento, não podia voltar a mim agora, era muito doloroso. - Vamos! Lembre-se de manter instintivo. Correr, apenas correr o mais rápido possível. Ignorar a dor na minha pata direita, e o sangue que prendia no meu pelo -.

Lembrar da expressão que ele tinha quando eu fugi, fez a minha cabeça girar. A garota.  - Droga, a Bella... -. Eu o tinha traído de uma forma cruel, até mesmo para mim. Ele era uma das poucas pessoas que confiavam em mim, apesar do meu temperamento e comportamento destrutivos, ele confiava em mim. E mesmo assim eu o feri. - Não sou melhor que meu pai, não sou melhor que ninguém! -.

A dor das lembranças me deixou consciente, consciente demais. Pisei em falso em algo enquanto corria, e rolei muitos metros dentro da floresta. Só parando quando bati minhas costas em uma árvore. O ar fora retirado dos meus pulmões, de uma forma que eu já conhecia antes. Como naquela vez, na clareira. E Bella, a garota errada. Errada para mim. Mas mesmo agora eu não consigo odiá-la, ela salvou a minha vida, e me maravilhou de uma forma que nenhuma outra teria conseguido antes. Fitei o céu azul com meus grandes olhos de animal. - A quanto tempo eu estou correndo? -. Não me lembro de sentir vontade de comer ou beber. O cheiro do sangue ficando ainda mais forte agora que eu estava parado, e não precisaria ser um gênio para saber que ele vinha de mim. Haviam pequenos cortes pelo meu corpo, provavelmente mais do que eu conseguia ver, então meu pelo estava empapado de sangue. As feridas devem ser profundas, e não fecharam com o meu esforço durante a corrida. Mais uma olhada rápida pelo meu corpo, eu vi que tinha uma pata quebrada. Era pior agora, que a minha consciência voltava pouco a pouco. A solidão de ser um lobo sem matilha era esmagadora. Eu estava completamente sozinho.

Talvez seria melhor só morrer mesmo. Não fazia mais sentido, eu não tinha mais para quem voltar e recomeçar. A minha família foi tirada de mim uma primeira vez, e a segunda, que eu consegui criar com tanto esforço, eu havia arruinado. Imagino o que Sam estaria pensando, ou Emily. Jared e Embry certamente estavam com Jake. Seth e Leah, talvez me odiassem um pouco menos. Apostava que Leah pelo menos sentiria pena de mim. Fugir era a única opção, mas era, certamente, a pior. E por mais que eu quisesse deixar os instintos do meu lobo me dominarem, a dor e a vergonha me traziam de volta. Como um soco no meu estômago, me lembrando de como eu sou patético. 

De todas as garotas da reserva, eu tinha que ter me aberto para a única que não podia. Ele havia visto, quando me transformei por impulso, tudo que eu tinha pensado, como meu coração estava perdidamente ligado à ela. E eu tinha tomado tanto cuidado durante todo esse tempo, para não me transformar com nenhum deles. Era triste, mas é verdade. Eu estava amando Bella, de uma forma totalmente nova. Não era como as outras garotas que eu já tinha posto as minhas garras, era melhor, eu não precisava bancar um tipo específico de pessoa. Como o garanhão da reserva, ou o badboy misterioso que entra na sua casa para uma diversão de uma noite. Eu queria cuidar dela, ajudar ela. Será que isso era o Imprinting? Com certeza não era tão intenso como Sam e Emily, mas e se houvessem outras formas? Quil havia chegado para mostrar que não existia uma regra clara. Talvez fosse ficando pior com o tempo, então a minha escolha de me afastar foi a certa. Provavelmente a última coisa certa que eu tinha feito.

Já não conseguia mais levantar, e nem ao menos tentei muito. Queria apenas ficar ali, me concentrar no sol batendo nas copas das árvores, e ignorar a dor que eu sentia. Tinha corrido por tanto tempo, que agora finalmente poderia descansar. E droga, como estou cansado. Cansado de tudo na verdade. Pelo menos a vista é linda, mais linda do que alguém como eu merecia. 

Eu definitivamente não era melhor que meu pai, largando tudo e a todos por puro egoísmo. Traindo os mais próximos por burrice, e recusando ajuda por arrogância. Minha mãe teve sorte de fugir enquanto havia tempo, ele certamente a teria deixado para morrer. E como ela disse aquele dia, o dia que eu finalmente a encontrei naquela casa bem cuidada. A casa que eu nunca poderia ter porque meu pai gastava tudo que tínhamos em bebida. - Eu queria ter te levado comigo, mas é que você me lembrava tanto dele. Mesmo agora, você é muito parecido com o seu pai… -, e ela tinha muita razão nisso. Lembro das surras que ele me dava, quando faltava dinheiro para a bebida, e ele me acusava de tê-la roubado. Meu deus, como eu me arrependo de nunca ter revidado. Mesmo agora, com essa força extra que eu tinha, teria dado uma bela surra no velhote. Se eu soubesse que meu carma cósmico me deixaria nessa posição de qualquer maneira, eu certamente teria lhe dado alguns socos antes disso. Mas não importa mais, eu estou muito cansado, e quero descansar. As folhas continuavam dançando, e eu pensei em como deveria ter aproveitado mais as vistas na minha vida, principalmente com esses novos olhos que eu havia ganhado. Talvez devia ter aprendido a pintar, Emily sempre disse que era terapêutico. Uma droga de vida sem construir nada de útil mesmo.

Alguns passos no fundo me chamaram a atenção, fazendo minhas orelhas levantarem e se virarem para a direção que eu achava que estavam vindo. Mas minha audição também estava ruim, então não foquei por tanto tempo para que eu tentasse entender do que seriam, ou se estavam vindo até mim. Talvez fosse algum predador da área, como um leão da montanha ou um puma. E eu torci secretamente para que pelo menos fosse carnívoro, assim o meu fim seria certeiro. Eu estava cansado da dor, cansado dos problemas e do que sentia. Eu já havia passado por tanto nessa merda de vida, que a Deusa ou sei lá o que, que jogou essa maldição em mim, me devia pelo menos isso. Algum descanso.

Eu lutei contra meus instintos animais, para me colocar de pé e me defender. E também lutei contra tudo que havia acreditado até agora, de nunca cair sem dar o último soco. E me entreguei com uma paz de espírito até que impressionante para o inevitável. - Que pelo menos seja rápido -, foi o que eu pensei antes de apagar completamente.

***

Eu demorei alguns segundos para perceber que estava consciente, e mais alguns para entender que eu poderia abrir os olhos se quisesse. Mas estava com medo, medo do que eu encontraria quando "acordasse''. Se existisse um inferno dos lobisomens, certamente teria sido enviado para ele. Ou talvez um céu, acredito já ter ouvido a  expressão “todos os cães merecem o céu”. Desejei por um segundo não ser exceção à regra, mas a dor ainda estava lá, tanto mental quanto física, apesar de estar mais atenuada. Então deveria estar no inferno.

Esperei para ouvir um pouco mais, como que se parar de ter certeza se não havia gritos ao longe, de pessoas sendo torturadas ou coisa parecida. Mas não havia. Apenas consegui perceber uma respiração. Suave e compassada.

Ainda relutante, abri meus olhos, pouco a pouco, como uma criança que espera encontrar o bicho papão te olhando no quarto de noite. As manchas se transformando em imagens que eu consegui compreender, e ali estava o som. Vinha de um homem, eu tinha certeza, deitado de uma forma estranha sobre a mesa. Ele estava dormindo profundamente. A próxima coisa que percebi foram as grades que me separavam dele, eram grossas, mas não tão grossas que eu não conseguiria arrebentá-las no passado. Era uma gaiola, e mais a frente tinham algumas parecidas, mas menores em tamanho. Meu raciocínio sempre foi lento, mas estava quase juntando todas as peças do quebra cabeças quando vi a minha pata. Ela estava enfaixada, de uma forma cuidadosa, e meu peito estava mais limpo também. Havia uma parte, na minha pata traseira, que estava com uma tala, junto a uma grande cicatriz. Então eu tinha sido tratado, por quem e para que finalidade? Será que eu apenas não podia morrer logo!? A irritação repentina me fez grunhir, o que acordou o homem na minha frente. Após alguns segundos de letargia, ele se colocou em alerta em um salto. Provavelmente não poderia estar dormindo, e eu presumo que seria por minha causa. Ele me olhou cuidadosamente, os olhos verdes-claro me encarando a fundo, primeiramente ansiosos, e após isso, cuidadosos.

Nós também já tínhamos considerado isso anteriormente, antes de tudo que já havia dado de errado, como uma medida preventiva. Se acaso algum de nós fosse capturado, e os outros não pudessem nos ajudar. Tínhamos, em qualquer tipo de hipótese, proteger o segredo da reserva. Que não era apenas o nosso segredo. Seria catastrófico se algum dia descobrissem que há magia no nosso sangue, e não podemos nem pensar nas experiências que com certeza fariam na gente. E é claro, as opções para proteger o segredo eram muitas, desde fugir, até as mais extremas. Se morrêssemos na nossa forma de lobo, não voltamos para a forma humana. O que facilitava muito as coisas. 

O homem continuava me observando, e eu também o fazia agora, para avaliar o quanto ele sabia. Se tivesse alguma desconfiança de quem eu realmente seria, eu teria que silenciá-lo. Um arrepio percorreu pelo meu corpo quando pensei na hipótese. Isso não me tornaria melhor que os vampiros que nós caçamos, muito menos melhor que meu pai. Então só me restava aguardar. Também não senti que conseguiria fazer alguma coisa nesse momento, o que também me irritava.

— Ei amigão, você acordou… — Ele falou sem convicção, mas estava ainda mais alerta, e havia levantado da cadeira.

Eu olhei confuso por algum momento, e vi que o jovem estava dando pequenos passos para fora da sala branca, se atentando para não se mover muito rápido. Eu deduzi então que, com sorte, ele apenas pensava que eu era um lobo muito grande. O que já era bem estranho se tratando da situação, mas que era melhor que saber que eu era um humano que se transformava em um lobo muito grande.

Minha mente ficou louca pelas possibilidades, eu tinha que preservar o segredo, eu devia ao menos isso para eles. “Eles”, pensar nos meus irmãos me causou uma dor gigantesca novamente, pior do que a minha pata machucada, o que me fez gemer. O homem se assustou quando eu rosnei, e então parou de se mexer.

— Vamos com calma amigão. Você deve estar faminto eu sei, mas eu já adianto que eu não tenho um gosto muito bom. — Ele tentou brincar, e deu uma risada forçada. Mas eu senti o medo emanando de seu ser. E como se ele tivesse tocado um sininho, meu estômago roncou alto. Eu não sabia quantos dias faziam que eu estava aqui, mas certamente estava faminto. — Alguns minutos de confiança, ok? É tudo que eu peço. — E após alguns segundos esperando uma resposta que não viria de qualquer forma. — Juro que não te farei nenhum mal. — O pedido me deixou surpreso por tempo o suficiente para ele sair da sala. Droga, eu havia perdido minha oportunidade.

Estava começando a ficar desesperado e, por consequência, irritado. Eu queria saber que droga de lugar era esse, e quem seria esse homem. Meus olhos começaram a buscar freneticamente por uma saída, talvez uma janela aberta ou um elo fraco na gaiola, quando percebi algo. No canto da parede, logo acima da cadeira de plástico que ficava junto à mesa igualmente branca, estava um calendário surrado. Eu demorei para conseguir focar, e atrás de uma caligrafia horrível, estava circulado o dia 8 de junho. — Merda, eu fiquei dormindo por 5 dias? — A surpresa foi ainda maior, e se eu pudesse gritar eu gritaria.

Eu tinha ficado muito tempo fora. - E o que os outros pensariam? Eu tinha que voltar para casa e… -. Um gosto amargo tomou conta da minha boca. Eu não tinha mais casa, muito menos um lugar para voltar. Enquanto me afundava novamente na dor das minhas lembranças, o homem retornou para a sala. Ele trazia nas mãos uma tigela funda de metal, e o cheiro que saia dela fazia meu estômago voltar a roncar.

— Confiança, ok? — Ele tentava se esforçar para ficar calmo enquanto se preparava, mas estava visivelmente nervoso. Ele colocou a tigela na ponta de uma grande vareta de metal, e empurrou o conteúdo para dentro, por uma pequena portinhola retangular no canto, que eu não tinha percebido até então. Não demorei muito para perceber qual era o propósito daquilo. Ele tinha medo que eu arrancasse um membro se ele se aproximasse muito. O que, talvez, fosse o que eu realmente faria.

Eu não sei o que tinha dentro daquilo, e nem me importei muito. Estava desesperadamente faminto, e comi a refeição em poucos segundos. Era delicioso, mas também era pouco. Em um gesto rápido eu empurrei de volta a tigela pelo mesmo lugar que havia entrado, e fiz um som que eu torcia para que ele entendesse como um pedido.

— Mais? — O homem pareceu se animar. Ele era bom em se comunicar comigo, o que trataria de me repreender depois, já que eu não deveria estar me comunicando com ele. Muito menos demonstrando sinais de inteligência. Mas não me flagelaria agora, eu apenas estava com muita fome para pensar direito. Em contrapartida, o homem não pareceu ligar muito, só por esse ato bobo ele já transbordava felicidade. Era irritante. — Volto em um minuto. — Falou, antes de se retirar novamente pela porta.

Esse processo se repetiu três vezes até que eu tomei consciência que era melhor parar de pedir por comida. Até um animal reconheceria certos limites. Quando voltei a prestar mais atenção ao homem, agora que já estava razoavelmente alimentado, eu pude perceber que ele olhava com um misto de fascínio e excitação para mim. Ele tinha cabelos loiros, quase brancos, e um pouco encaracolados na cabeça. A barba era rala e estava por fazer, e seus olhos, grandes e verdes, como as copas das árvores. Quanto mais eu o encarava, mas ele sorria para mim, e eu duvidei por um segundo se ele não conseguiria ler meus pensamentos, como aquele outro vampiro conseguia fazer. Mas seu cheiro era de humano, então eu tentei me acalmar.

— Então, Joshua, como vai o nosso paciente especial? — Uma outra voz surgiu pela sala. Esse era diferente, muito mais velho. Com o cabelo ruivo faltando no topo da cabeça, e uma barriga que apertava e empurrava o cinto da calça para baixo. Mas foram os olhos, igualmente verdes e claros, que me deram a ideia de que talvez eles fossem parentes. — Ele já… — O homem se calou com a mesma surpresa inicial do mais novo, que me olhava com um sorriso imenso no rosto. Então ele se chamava Joshua. — Minha nossa senhora, ele é maior do que parecia.

— E mais inteligente também! — O garoto se animou ao falar. — Até antes de você chegar, ele estava pedindo comida. — Droga, eu realmente tinha sido descuidado demais.

— Pedindo comida? — O velho perguntou, e coçou o topo da calvice.

— Provavelmente não vai fazer agora, já que ele já comeu todas as nossas provisões. Mas eu juro que ele estava pai. — Então eu estava certo, eles eram realmente aparentes. Um ponto para mim.

— Um lobo adestrado? — E a palavra pareceu me ofender por algum motivo. — Que interessante. — E ele ajeitou os óculos pequenos no rosto, quase cedendo à tentação de se aproximar mais de mim.

— Ainda não tentei mais nada, mas me parece que sim.

— Será que fugiu de algum circo clandestino? Ou alguém o criou para outro fim? — O velho retirou novamente os óculos, e não ousou chegar mais perto.

— Eu não sei, mas se esse for o caso, deve explicar o tamanho. Podem ter dado suplementos para fazê-lo crescer tanto.

— Realmente… — Ele pareceu cansado por um segundo. — Temos que ligar para a central então, saberão o que fazer com ele. — Central? Para quem eles trabalhavam? A minha atenção se voltou novamente para o ambiente, eu não podia esquecer da minha prioridade aqui. Dar um fim para esse segredo.

— Será que precisamos mesmo? Nós podíamos…

— Joshua... — O velho o interrompeu. — Ele... — E apontou diretamente para mim. — Não é uma função nossa, filho. Você tem que se lembrar disso.

— Certo. — O loiro disse a contragosto — Faça o que você quiser.

— Não é sobre o que eu ou você queremos — O outro bufou, exausto com a discussão. — Não são escolhas nossas, e você sabia disso antes de entrar nesse ramo.

Joshua ficou ainda mais incomodado quando o pai colocou a mão em seu ombro, mas não se moveu do lugar. Parecia ser uma discussão antiga e que não me importava. Eu estava quase ficando louco, procurando por mais pistas na sala enquanto os dois conversavam. O primeiro passo era reconhecimento, para só depois eu bolar um plano de fuga. Era assim que fazíamos, e eu tinha que me concentrar mais do que nunca agora. Do jeito que as coisas estavam indo, poderiam ter mais feridos durante a minha fuga. Ou pior, dois cadáveres. Enquanto eu estava preso em meus pensamentos, eu não percebi que os dois haviam deixado a sala. O que, na verdade, era uma coisa ótima, pois agora eu poderia vasculhar mais indiscretamente o local.

No início, nada estava muito fora do comum. Além do que eu já tinha visto antes, agora eu também notei duas linhas vermelhas horizontais, uma grande e outra mais fina, que cruzam a aprender logo em cima das gaiolas. Mas infelizmente não me lembravam nada que eu já tinha visto na minha vida. Parecia algum tipo de sala de confinamento, e as várias gaiolas, de diferentes tamanhos, me diziam que estavam acostumados a lidar com animais. Mas uma peça ainda me faltava. O ambiente era praticamente todo branco, e os homens de jaleco, me diziam algo mais. Então eu percebi, que agora havia um dos jalecos em cima da mesa de plástico, e uma espécie de crachá pendia pendurado nele. Porém, já que nada na minha vida poderia ser fácil, ele estava virado.

Se eu conseguisse me mover um pouco, e mudar de lado dentro da gaiola, provavelmente conseguiria ler o que estava escrito nele. Mas valia realmente a pena? Minhas patas ainda me incomodavam, apesar de não estarem doendo quanto deviam. Provavelmente por causa que eu não as movia de nenhuma maneira. Era insuportável o quanto a vida continuava me testando, como se eu não pudesse ter um dia de paz nessa terra. O meu corpo gritava para que eu ficasse imóvel, eu sentia isso antes mesmo de tentar colocar alguma força sobre minhas patas. Se eu soubesse onde estava, as chances de escapar aumentavam. Já que eu saberia realmente com o que estava lidando. Talvez tivesse que sair imediatamente, o que provavelmente causaria danos às pessoas na outra sala. Eram tantas escolhas e tão pouco tempo. Mas eu tinha que me manter forte. Eu ainda tentava, mesmo que desnecessariamente, não me tornar o monstro que eu jurei não ser. Que eu jurei à Bella que não seria.

Eu apertei forte a mandíbula, para ter certeza que não soltaria qualquer tipo de som pela minha boca, e comecei meu doloroso processo de movimentação dentro da gaiola apertada. No momento que eu coloquei um pouco de força sobre as minhas patas, eu já as senti queimar por conta dos curativos. Meu corpo lutava para se regenerar, mas ele ainda estava fraco demais para conseguir fazer isso de uma maneira satisfatória. Sue tinha me explicado, quando eu acordei do coma, que o meu processo de cura acelerado acaba ficando prejudicado por causa da exaustão, ou se não tenho energia o suficiente para fazer isso. Por isso que eu deveria me manter bem alimentado para continuar estável, o que não era o caso agora. Quanto mais esforço eu fazia, mais meus machucados doíam. Toda vez que eu tentava apoiar parte do meu peso na minha pata esquerda traseira, era como se uma corrente elétrica fosse lançada por ela. Mas depois de alguns minutos de sofrimento silencioso, finalmente eu tinha conseguido uma posição boa para olhar o maldito crachá. E eu amaldiçoaria tudo e a todos, se ele não tivesse qualquer tipo de resposta.

Eu apertei os meus olhos e os fiz focar o máximo que conseguia. Ao lado da foto séria do garoto loiro, e da sua idade - 20 anos? Ele parecia ser muito mais jovem do que isso. - Estava a informação que eu procurava. De baixo da logo que eu já tinha visto brevemente em algumas ocasiões, havia a sigla A. P. A. Essa era uma unidade da Agência de proteção ambiental no final das contas.

Era ruim, mas não tão ruim quanto poderia ser. Meu corpo relaxou instantaneamente com a informação e o cansaço, e eu me deixei novamente na minha cela. Eles não eram um grupo de cientistas loucos no final das contas, o que me dava mais algum tempo para elaborar um plano de fuga mais seguro para eles. - Eu consigo… - Foi o primeiro pensamento promissor que eu tive em dias. Mas quando as palavras ecoaram na minha mente, eu percebi, um pouco tarde demais, que estava perdendo parte da minha consciência. O esforço e a grande quantidade de comida em pouco tempo tinham cobrado o seu preço, e eu estava lentamente cedendo à exaustão. - Eu preciso me manter acordado… -, mas era inútil. Quanto mais eu tentava ficar alerta, mais rápido eu caia do poço negro da inconsciência. Minhas pálpebras pareciam feitas de chumbo, e não havia outra escolha a não ser fechá-las.

— De qualquer maneira. — Eu escutei novamente a voz do velho na outra sala, e eu tentei me concentrar nela antes de apagar completamente. — Eu já precisava ir para a cidade. Principalmente agora que as provisões estão quase no fim. Você vai ficar bem?

— Vou… — O garoto continuava com o mesmo tom desanimado de antes, e por algum motivo, isso me incomodou.

— Não temos como salvar todos eles, filho. — Uma pausa breve se seguiu após o comentário. — Você tem que crescer e encarar a realidade. Volto amanhã, ok? Tome cuidado com o animal. — Eu ouvi alguma espécie de porta se abrindo com um movimento suave. — E também, provavelmente você já sabe disso, mas não se apegue muito a ele. Já passamos por isso antes. — O tom autoritário, e não consolador desse último aviso acendeu um alerta na minha cabeça. Tinha alguma coisa errada, e meus instintos sabiam muito bem disso. Mas eu não tinha mais forças para lutar.

— Certo, pai… — Foi o que o rapaz respondeu. E o tom da voz dele, e não as palavras, que grudaram na minha cabeça até eu apagar de vez.


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Notas finais do capítulo

Duas coisinhas antes de vocês deixarem o texto.
Eu estarei voltando a trabalhar esses dias (sim, ser fanfiqueira não é meu trabalho oficial kkkk), então já estou avisando que vou mudar o dia das postagens, só não sei para quando ainda. (Mas se tudo der certo, eu não vou precisar mudar, mas já fica o aviso prévio).
E também irei rever a relação dos extras na minha história. Eu estou pensando em alguma outra forma de recompensar vocês que sempre me ajudam no engajamento comentando aqui, mas ainda não tenho nada fixo ou tão incrível quanto os extras. Porém, vou continuar na busca.
Enfim, surtos (espero que tenham muitos), teorias ou críticas construtivas, estarei aguardando nos coments como sempre.
Fiquem bem, e até mais ♥



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