Ao Tempo escrita por Leticiaeverllark


Capítulo 36
Trato Feito




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POV KATNISS

—Levante devagar e venha comigo.

Obedecer ou atacar?

Eu sei lutar?
Mesmo não lembrando de nada?

Venha, Katniss. Facilite pra mim, não gosto de perder tempo.

Levanto apertando as unhas contra a palma da mão, nervosa com a ameaça disfarçada.

De relance passo o olhar por Rye, o pequeno brinca distraidamente.
Assim como as outras pessoas, estão alheias ao que me ocorre.

Afundo meus sapatos na areia, tentando atrasar seja la o que ele queira fazer.

Sob uma árvore, ao lado do balanço, Tanus esconde a faca na manga da blusa de linho.

Não faz questão de esconder o rosto, ao meu ver parece sentir prazer em se exibir.

—O que você quer?

—Terminar a missão que Snow me concedeu a anos.

"Matar Peeta."

Atraso um passo, tomada pela vontade de atacá-lo. Seja com minhas próprias mãos ou algum galho, mas sua arma branca me impede de proseguir.

—Eu falhei na Capital, mas Snow irá me iluminar e ajudar a finalizar dessa vez.- o sorriso frívolo, grande e recheado de prazer e expectativa, me causa pânico.

Não é uma simples vontade, é algo sólido e meticulosamente planejado.

Tanus está empenhado em matar ou fazer algo pior com meu marido. Algo que, apenas por estar em suas palavras, me causa um profundo mal estar.

—Não irá encostar em Peeta.

—Katniss, eu já fiz isso. Inúmeras vezes, ou já sumiram as cicatrizes que deixei?

Ergo a mão para esbofeteá-lo, mas seu passo unido a trombada que recebo, paralisam meu ato.

—Tente me impedir e você achará o corpo gélido daquele garoto loirinho enterrado nessa areia.

Aperto os lábios contendo um grito, o gosto de vômito sobe a garganta. Meu corpo reagiu seriamente, estou acuada.

—Você é muito inteligente, sabe o que tem que fazer para salvar você e seus filhos.

Nada de Peeta.

—Faça um trato comigo.

No pico do desespero, em pânico, apreensiva, assustada e enjoada, só consigo pensar no óbvio.
E naquilo que meu coração manda.

—Não gosto disso. Eu estabeleço uma meta e tenho que cumpri-la, é isso que faço.- sua fala me lembra alguém com deficiência mental, alguém que foi programado para seguir apenas o que foi ordenado.
Como um robô, e Tanus, é tão mortífero quanto um.

—O que você acha de ter o Tordo em vez de Peeta?- tento jogar as palavras certas, mas baseado em seu olhar, não obtenho sucesso.

—Você não vale mais nada, Katniss. A guerra acabou, você é uma inútil.

—Então Peeta também é, de nada ele serve mais. Por que, Tanus?

—Vou terminar o que comecei e você está me atrasando. - seu dedo indicador esconde a ponta da faca, suas ameaças são pequenas mas gritam. Acordando meu receio.

Recuo novamente, a cabeça fervendo sem qualquer ideia do que fazer.

—Saia do meu caminho, ou vocês também irão sofrer. Estou tentando ser caridoso, mas se você não facilitar...

—Me afastar de Peeta é o que você quer?

—Saia do meu caminho ou todos morrem. Entendido?

Preciso jogar, enrola-lo e rezar para que algum guarda ou pessoa ciente de quem ele é, apareça e me salve dessa situação psicologicamente torturante.

—Rompirei com Peeta e você não fará mal algum a ele.

—Não temos um acordo.

—Temos, ou eu também irei atrás de você.- tomo um fôlego de coragem, acho uma audácia que antes era inexistente, o coloco contra a parede. Mesmo sendo um ato louco, e talvez suicida, não ligo.

Entregar meu padeiro para ele de bandeja, nunca irei fazer.

—Vou te caçar como fiz com Corionalius Snow, e você sabe bem o que aconteceu.

Não há abalo algum em sua expressão, postura ou olhar.

Seja lá o que esse cara viveu ou escolheu ser, foi treinado com maestria e insanidade.

Minha querida, Katniss. Você não tem ideia do inferno que se meteu.

—Eu ficarei longe dele e você também. Quer deixar Peeta infeliz? - sua cabeça acena.- Afastar a mim e os filhos dele, irá destruí-lo. Você sabe disso.— suas íris vagueiam por mim, analisam tudo. -Quer tortura melhor que essa?

Acabo por dar o que ele quer.
E tiro de mim o que eu quero.

—Fique longe dele. É um acordo, quebre e você fará o mesmo com a vida de seu amado.- sua grande mão me toca, os calos passam pela lateral até a ponta central do meu queixo.
—Você é exatamente o que meu chefe falava, brilhante e totalmente chamativa.

Volto a recuar, abominando seu toque. Se não fosse por meu pequeno brincando á alguns metros, iria atacá-lo, sem sombra de dúvida.

Mas meu lado maternal grita, dando todas as advertências para ações impulsivas.

—Se despeça dele, você tem até o pôr do sol. Passe disso e nosso pequeno acordo esta quebrado.- sua boca volta a ficar perto demais de minha orelha.
—Fique esperta, Sra. Mellark. Estou contando que você vai quebrá-lo.

Num piscar de pálpebras o homem não esta mais em minha frente, cambaleio tomando ciência do que acabei de fazer.

Salvei momentâneamente a vida de Peeta, mas consequentemente o afastarei.
Dando assim, espaço suficiente para Delly entrar.

                              

"Pense, Katniss. Ponha sua merda de cabeça para funcionar!"

Aperto o corpo do pequeno adormecido em meus braços, faltam algumas horas até o sol descer no horizonte.

Tanus deve estar monitorando a padaria nesse instante, ansioso por alguma falha minha.

Sinto a sombra de Snow em minhas costas, o peso do medo nos ombros.
Carrego uma família inteira, uma mínima falha e tudo irá desmoronar.

Mordo o lábio, descontando a ansiedade nada boa, em mordidas doloridas.

Como terminar sem magoá-lo?
Como explicar, mesmo sem poder, que é apenas algo falso?

Protege-lo é prioridade, e não destruir seu coração vem logo depois.

Willow deve estar na padaria, tomando um lanche depois de Peeta tê-la buscado na escola.

A mémoria de quando Peeta esteve na Capital por dias volta, cuidarei sozinha deles.

Apoio na parede aposta, longe de olhares curiosos. A bolsa pesa um ombro enquanto Rye deixa o outro dormente.

O que eu vou fazer? Como vou fazer?

Ao longe, sentado em um banco velho feito de tronco de carvalho, está Tanus.

Acena ridiculamente, um sorriso perverso brotando dos lábios finos. Quer ver o espetáculo de camarote, analisar se o sofrimento de Peeta é o suficiente.

Adentro o estabelecimento, quente e aconchegante.
O característico cheiro de infância me catapulta para uma época diferente, onde a inocência dominava minha mente.

Ao fazer companhia pro meu pai, visitas a padaria dos Mellark era constante.
Esquilos eram vendidos com exclusividade para o padeiro. Eu adorava vir e sentir o calor do lugar misturado ao aroma que os pães fresco exalavam.

Agora, muitos anos a frente, sou casada com o padeiro.
Sinto o mesmo cheiro, no mesmo lugar, e estou com o mesmo sorriso que dava toda vez que chegava aqui.

—Senhora Mellark!

Bob sorri ao despejar mais uma fornada de pães de sal dentro do grande cesto.

—Olá, Bob.

Ele apenas deixa a forma grande e quadrada atrás do balcão e me ajuda com as bolsas, puxo os lábios agradecendo.

—Peeta?

—Acabando de entregar uma encomenda de biscoitos para Delly.

Afirmo, ultrapasso a porta de tela. O coração começa a pulsar dolorido, a pré dor de saber que o machucarei.

Essa história de Delly mal acabou e ainda chega isso.

Encosto na porta de seu escritório, longes dos olhares. Eles focam em embalar tudo antes de Delly sair para entregar pra mulher que espera colada ao balcão.

O loiro volta para o meio de vários potes, sobre uma grande mesa revestida de granito, começa a jogar farinha.

Ainda escondida, observo-o tirar a aliança. Planta um beijo antes de guardá-la num caixa pequena longe de toda sujeira.

Reprimo um suspiro recheado de lamento, o peso da decisão não sendo maior que a determinação em vê-lo bem e vivo.

Aos movimentos repetitivos, lembro das vezes que cozinhamos juntos.

Vou pro seu campo de visão, sentindo as mãos rechonchudas de Rye apertarem minha camisa.

—Katniss!- suas mãos liberam a massa, um pano as limpa antes dele se aproximar.

Ele passa a alça do avental pela cabeça, o pendura no gancho e vem em nossa direção.

Planta um casto beijo no filho, sorrindo ao vê-lo sereno em seu breve sono.

—Willow está dormindo no escritório, já dei um bom lanche a ela.- confirmo, aguentando para não soltar um elogio ao seu trabalho de pai perfeito.
—Ainda está brava comigo, não é?

—Podemos conversar?

Não abuso das palavras, sei que tenho a língua grande demais e poderei soltar a verdade.
Não seria nada bom, Peeta iria correr la pra fora acabar com Tanus e o estrago estaria feito.

Sua expressão fecha, consciente que algo grande vem.

—No escritório?

—Perfeito.

Ele pega nosso garoto, o deixa deitado no outro sofá, ao lado da irmã.
Nos afastamos, deixo as bolsas no chão, tomando tempo para pensar nas palavras certas.

Não sou boa nisso. Nem um pouco talentosa para encenar momentos como esse.

Ele quer me abraçar, sei disso pois seus braços não param. Não sabe onde colocá-los enquanto reprime a vontade de me tomar.

—Ainda é sobre o assunto da Delly?
Porque conversei com ela e estipulei limites e...

Agarro sua mão, estava perto demais da minha e não me contive.

—Tenho que me afastar.

—Dela? Eu entendo, querida. De verdade eu queria poder voltar no tempo e...

"Oh Peeta, eu também queria isso!"

—Não é dela. É de você.

Como poucas palavras podem desestabilizar tanto um ser humano?
Como é possível uma frase fazer alguém desmoronar?

—De mim?
Está com tanta raiva assim?

Viro de lado, encostando o quadril na cadeira a frente da escrivaninha. A janela pega bem o banco onde Tanus parece me encarar, precisa ser perfeito aos seus olhos.

Solto a mão dele, mantendo uma distância boa.
Nunca terminei um relacionamento, sequer tive um.

Sigo a linha da dor.
É isso que pessoas sentem quando são separadas das que amam. Dor.

—Estou.- respiro, recuando um passo, tomando distância o suficiente para encarar seu rosto.

É um show que esse maluco quer, então farei para deixar meu marido seguro.

—Estou exausta, Peeta. Cada hora e algo que acontece, Tanus, você maluco para me matar, Delly empurrando a filha pra você... Não suporto mais, Mellark!

Fecho as mãos, empurrando a unha contra a palma. A raiva da situação virando o estopim, deixando as palavras fluírem.

—Podemos resolver.- Peeta está percebendo meu descompensamento, o tanto que tremo e gaguejo.
—Katniss!- suas mãos avançam nas minhas, num impulso recuo pro outro lado, batendo contra a parede.

—Me da um tempo!- fala alto, estipulando um limite mas contendo a voz para não acordar as crianças.

—Dou, o quanto você quiser. Mas não se afaste.

—Eu preciso. Por favor, entenda!- imploro tomando fôlego.

Não gosto de chorar, mas em situações como essas é impossível ser impacível.

—Katniss...- o azul me implora, estou magoando-o.

—No final das contas minha mãe tinha razão...- estou pegando baixo demais, mesmo assim espero seu perdão depois. -Não é seguro ficar perto de você, estou colocando meus filhos em perigo!

Nossos...

—Meus.- reforço, tendo a noção de que Peeta esta caindo. -Nos deixe em paz, por um tempo esqueça-nos.

—Isso não faz sentido algum, Katniss. O que aconteceu?
Delly disse algo? Alguém te ameaçou? Eu vou...

—Você vai ficar longe da gente, ou tomarei medidas drásticas!

—Tipo quais? Fugir com nossos filhos?
Estamos juntos nessa realidade por uma razão, Katniss!

Seu corpo gruda ao meu, pressiona me obrigando a prender o ar e focar em Tanus as costas dele.

—E você acabou com ela.- o empurro, vendo Peeta tomar uma feição jamais vista.
—Destroí sempre que estamos bem, é isso que você faz, sempre me destroindo e ferindo.
Chega!

Me contenho, engulo o medo e o desespero de sentir seu sofrimento.

—Se você realmente me ama, se afaste.

Dor, profunda e torturante, dor.

—Não nos procure. Daqui a alguns dias entrarei em contato.- ele nega compulsivamente, desesperado por minha decisão.
—Não insista, pelo nosso bem.

As lágrimas caem.

Katniss... - seu pedido desesperado é o máximo que consigo aguentar.

Acordo Willow, pego Rye e corro pra fora.
A risada de Tanus em minha nuca, rindo da minha cara, da ideia maluca e imbecil que tive.

Acabei com Peeta, mas garanti sua vida.

 


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