Segredos Ilícitos escrita por lohanacarter, Avalon Ride


Capítulo 9
Capítulo 9 — Indomável




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Eu ainda não tinha comentado com Alyssa que pedira a Derek que nos ajudasse a encontrar um marido para ela. Por algum motivo, senti que ela ficaria aborrecida por recorrer ao príncipe a um assunto que, segundo ela mesma diria, não era digna da atenção de alguém da realeza. Minha amiga era discreta, gostava de estar sempre oculta e não chamar atenção, e pedir a Derek que disponibilizasse de seu tempo apresentando-a  a amigos nobres certamente era algo que lhe deixaria deveras desconfortável.

Estávamos em meus aposentos, eu sentada diante da penteadeira e Alyssa atrás de mim, distraidamente arrumando meus fios castanhos em um penteado elaborado que, ao mesmo tempo que era maduro, ainda era juvenil. Prendia parte do cabelo com grampos de pedras preciosas, um dos grampos de pérola na boca enquanto mantinha a concentração total em apertar o coque para ter certeza que o penteado não se desfaria enquanto eu dançasse no salão.

Pensar em como contar para Alyssa tivera um ponto positivo: eu não tive tempo de pensar em Tracy, Myrella, e todos esses assuntos conflituosos que deixavam meu coração angustiado. Eu não tinha coragem de contar nem mesmo para Aly sobre aquele assunto, então precisava me distrair com outros para não ficar louca pensando na princesa de Savian.

Certo, mas era hora de finalmente dizer a minha amiga o que era esperado para ela naquela noite. Se Derek não tivesse esquecido a promessa, claro, mas ainda assim eu o lembraria. 

— Aly? — chamei, a voz afinando-se um pouco por conta da insegurança.

— Hmmm? — murmurou minha amiga, ainda concentrada em sua minuciosa tarefa.

— Eu quero que você se vista hoje para ir ao baile — eu respondi, e pude ver através do grande espelho ornamentado que ela parou de mexer nos meus cabelos, tirando o grampo da boca e me encarando através do espelho. 

— Sim, claro — ela respondeu, parecendo não entender. Alyssa estava em todos os bailes, mas suas roupas costumavam ser muito discretas e ela estava sempre nos cantos, apenas me observando caso eu precisasse de alguma coisa. Minha dama era muito dedicada, mas isso atrapalhava muito sua busca por um marido.

— Não, quero dizer… — Eu mordi o lábio. — Quero que se vista mesmo para o baile. Para impressionar. Hoje quero que você aproveite o baile e esqueça que é minha dama de companhia, que cumprimente pessoas, aceite pedidos de dança e se distraia conhecendo cavalheiros. 

Eu sabia que a ordem não seria encarada com grandes sorrisos, mas não esperava que ela arregalasse os olhos como se eu tivesse pedido que ela desse um braço a um leão. 

— O quê? Por quê? — ela perguntou, a voz aguda quase ferindo meus ouvidos, como se estivesse temendo que eu não a quisesse ao meu serviço.

— Certo, eu não esperava essa reação — sussurrei, ainda mais insegura. — Escute, Aly, eu sou muito grata por você ser tão dedicada a mim. De verdade, eu me sinto mais mimada do que deveria. Mas você está deixando passar uma grande oportunidade, que é encontrar um marido e conseguir fazer com que a sua família não te perturbe mais com isso. Além disso, você também tem o direito de se divertir! — argumentei, encarando-a através do espelho. — Eu posso me cuidar sozinha por uma noite. Você não pode se esquecer a que motivo veio à Savian.

— A que motivo? — ela perguntou, parecendo ofendida. Seu braço se abaixou, e ela deu a volta para olhar diretamente para mim. — Ti, eu vim por você! Eu vim pra cuidar de você, pra você não se sentir sozinha num lugar onde não conhecia ninguém. Você acha que eu vim em busca de um marido?

Eu me encolhi, me sentindo envergonhada ao me dar conta de como eu acabara falando algo que a ofendera. É claro que não foi minha intenção, eu queria mesmo que ela conseguisse se casar e enfim colocasse um fim nas cobranças da família. Mas nunca tinha pensado pela perspectiva que ela viera por amizade a mim, e não por razões próprias.

— Me desculpe — eu sussurrei, abaixando a cabeça, constrangida demais para encarar mim amiga.

Aly soltou um suspiro e se agachou, segurando meu braços para me fazer encará-la. Me senti aliviada quando encontrei um sorriso amigável em seu rosto, que sugeria que ela não estava com raiva de mim. 

— Não precisa pedir desculpas, eu sei que quer me ajudar — ela respondeu com doçura, e eu coloquei uma das mãos sobre a dela. — Mas a última coisa que pensei ao vir, foi em me casar. Mas você tem razão, acho que não posso adiar isso por mais tempo.

Eu segurei as duas mãos dela, juntando-as carinhosamente diante de mim, sorrindo com a mesma doçura.

— E, mesmo que você não conheça ninguém interessante, eu quero que se divirta! Não quero que você passe todo seu tempo aqui se preocupando se eu preciso de alguma coisa, com o que eu quero vestir ou comer. Quero aproveite enquanto está aqui, tudo bem? — perguntei, fixando os olhos nos dela. Aly mordeu o lábio inferior com dúvida, mas por fim assentiu com a cabeça. — Conheça pessoas novas, faça amizades. Flerte com alguém! — sugeri com uma piscadela, e ela riu envergonhada. — Você é linda, e quero, sim, que você se case, mas com alguém que você queira. Não porque seus pais querem isso, mas para que você seja feliz!

Eu já não tinha mais certeza da minha própria felicidade, sabendo que precisaria conviver com a família de Derek pelo resto da minha vida, o que significava com Tracy, se ela não se casasse também. Cumprir o papel de esposa de Derek enquanto eu só conseguia pensar em sua irmã seria um tormento, mas o que mais eu poderia fazer? O acordo era esse, e não havia sequer a possibilidade de mudança. Em Savian, romances entre o mesmo gênero eram considerados uma aberração. Se tivéssemos nascido em Nibelium, as coisas seriam diferentes.

Mas eu queria ao menos que Alyssa pudesse ter um casamento apaixonado e feliz.

Mas percebi que Alyssa parecia insegura com a ideia, mas eu não conseguia saber ao certo o motivo. Seus olhos se perderam no chão como se ela estivesse pensativa e aflita, de alguma forma era possível notar um traço de tristeza em sua expressão. Me perguntei o motivo; afinal, a perspectiva de casar era assim tão ruim? Eu sabia que ela se sentia incomodada com a cobrança da família, mas nunca a vi tão incerta a respeito do assunto como a via naquele momento.

— Aly? — chamei, atenta aos seus movimentos. — Você está bem?

Ela olhou para mim como se tomasse um susto.

— Ah…? — exclamou, antes de se colocar de pé rapidamente e puxar para trás da orelha uma mecha de cabelo. — Claro... sim… Eu só estava pensando — ela respondeu gaguejando, e eu soube que ela estava mentindo. Mas resolvi não insistir, visto que ela estava cheia de segredinhos ultimamente e não parecia disposta a compartilhar nenhum deles.

— Certo… Mas você vai fazer o que te pedi?

Ela demorou alguns segundos para responder, antes de suspirar e voltar para trás de mim, diante do espelho, para arrumar meus cabelos.

— Sim. Quando terminar de vestir você, irei me arrumar para o baile.

Eu sorri, vitoriosa.

— Ótimo — respondi, empinando o queixo e me observando no espelho. — Pedi a Derek que apresentasse alguns amigos a você hoje — falei casualmente, esperando que ela nem notasse.

O grampo que ela segurava caiu no chão com um estalido suave.

— O quê?!

Ah, era essa a reação que eu temia.

— Aly, ele é o príncipe! — eu argumentei. — E é muito gentil. Jamais recomendaria alguém que não fosse mais que um cavalheiro com as mesmas características amáveis que as dele.

— Você pediu que o príncipe intervisse? — ela perguntou, ainda ser acreditar. — Tianne!

— O que tem de mais? Ele é meu noivo! — fiz bico. — Não tem nada demais pedir um favor ao noivo em prol de uma amiga querida…

Esperei que ela rebatesse meu argumento, mas ela se calou de repente. Através do espelho, pude notar uma expressão em seu rosto que era quase apática, uma espécie de dor passando por seus olhos tão rapidamente que não poderia ter certeza do que vi. Busquei na memória o que poderia ter dito de errado, mas não havia nada ofensivo no que eu havia comentado. Seu olhar caiu ao chão e ela comprimiu os lábios, mas não demorou mais do que poucos segundos para se recompor e voltar a arrumar meus cabelos.

— Certo. Tem razão.

— Aly, eu disse alguma coisa que…?

— Não! — ela se apressou a dizer, quase assustada, mas suspirou e recuperou a calma. — Não. Não se preocupe, você não disse nada demais. Apenas constatei que você está certa, não há problema nenhum em pedir que ele lhe faça um favor. Nenhum mesmo.

Eu não soube o que responder, então apenas concordei com a cabeça.

— Afinal, ele é seu noivo…

Eu poderia jurar que notei uma pontada de tristeza nessa frase. Mas logo Alyssa voltou a se concentrar com tanto esmero no penteado que fazia, que deduzi que estava apenas vendo coisas inexistentes.

~x~

Conhecendo Alyssa como eu conhecia, eu sabia que ela escolheria algum vestido simples, algo de cores discretas e não contasse com tantas pedras, rendas e brocados. Não é nem mesmo que ela não goste desses enfeites no tecido, na verdade sendo minha costureira oficial, ela é a pessoa que mais entende de moda que conheço e sabe exatamente onde aplicar pérolas e renda em um vestido sofisticado para que se destaque. Mesmo que ela mesma não tivesse nada muito requintado, alguns dos vestidos já haviam sido meus, criações dela mesma. Seu salário não permitia que ela ousasse demais e, mesmo que eu sugerisse que ela começasse a costurar para si mesma que eu arcaria com o valor dos tecidos, minha dama não se dava ao luxo de fazer algo para ela. Tudo o que ela fazia era dedicado a mim. Os poucos vestidos que fazia para si mesma eram de uso diário, nada sofisticado.

Mas eu sabia que ela não iria querer se destacar e chamar atenção. Minha mãe havia colocado em sua cabeça que ela nunca deveria se destacar mais do que eu em um baile. Sendo minha dama, minha mãe dizia que era seu dever não usar nada que a evidenciasse mais do que eu e que deixasse claro seu papel de uma mera dama de companhia. E Alyssa, com toda sua simplicidade, respeitava aquelas regras ridículas sem reclamar ou pestanejar.

Eu nunca entendi porque ela não ficava irritada, ou chorava. Era tão injusto! Mas, quando eu dizia que iria resolver isso, Alyssa apenas sorria e pedia para deixar com estava. Ela dizia que estava tudo bem, e que preferia viver à minha sombra do que ser dispensada do trabalho. Isso cortava meu coração, mas eu sabia que se ela começasse a se rebelar, minha mãe não hesitaria em demiti-la. 

Mas minha mãe não estava no palácio. E, quando eu me casasse, deixaria de ter qualquer poder sobre mim e sobre Alyssa.

Então eu fui em direção a ela antes que ela pudesse caminhar até a porta do seu quarto, anexado aos meus aposentos, e disse que deixasse que eu cuidasse da sua aparência pelo menos uma vez. Alyssa abriu a boca para protestar, mas eu ri e não lhe dei atenção, puxando-a pelo braço e levando-a até meu guarda-roupas.

Alguns dos meus vestidos estavam um pouco apertados, devido a época em que ela se atrapalhou e trocou nossas medidas, então não hesitei em tirá-los do armário e colocá-los sobre a cama, escolhendo algum que fosse apropriado para a beleza de minha amiga e a valorizasse. 

Foi um vestido azul claro de renda que chamou minha atenção. A musselina branca se espalhava por baixo, com os detalhes em azul rendado em volta do tecido e também fios no busto para ajustar o tamanho, abrindo-se na saia para exibir o branco puro e drapeado na barra. Era perfeito; delicado como ela, destacaria sua pele alva e perfeita, além dos olhos claros tão cristalinos que, devo dizer, seria impossível não serem notados por algum lorde em busca de uma esposa.

Alyssa desistiu de protestar, mas não deixou que eu a ajudasse a se vestir. Vai desmanchar seu penteado, ela disse, então apenas aguardei com paciência enquanto ela — com muito trabalho — se vestia sozinha. E, como deduzi, ficou linda.

Eu não era tão boa quanto ela em cabelo e maquiagem, mas fiquei satisfeita com o resultado. Alyssa se parecia muito mais uma princesa do que eu mesma — e isso certamente enfureceria minha mãe, mas que culpa Alyssa tem de ter nascido mais bonita e mais requintada do que eu? Sorri triunfante diante do resultado que obtive, batendo palmas duas vezes enquanto a encarava da cabeça aos pés.

Mas ela estava extremamente desconfortável.

— Isso não está certo — ela murmurou, envergonhada. — Ti, eu não deveria…

— Minha mãe não está aqui — lembrei a ela, erguendo o indicador de maneira autoritária — Então, nenhuma de nós está sob seu jugo. Você tem direito de se sentir uma princesa, pelo menos uma vez na vida — eu a encarei, os olhos pedindo para que ela não desmanchasse tudo e se escondesse em vestidos que não a valorizavam como ela merecia.

— Mas eu não sou a princesa aqui. Você é — ela sussurrou.

Eu agitei os braços, dispensando aquele título como se fosse um inconveniente. 

— Não importa. Você é minha amiga, Alyssa. E você é linda — lembrei a ela. colocando as mãos nos seus ombros e a encarando, um sorriso carinhoso nos lábios. — E merece brilhar! Hoje, nesse baile, você será a atração principal.

Aguardei por um sorriso, por mais tímido que fosse. Mas seus olhos começaram a brilhar com lágrimas, e seus lábios se comprimiam como se estivesse se esforçando para não chorar. Pensei que pudesse estar emocionada, mas percebi que não era isso que eu via em sua expressão. Era algo como culpa mesclada com repulsa, e eu não consegui entender o que estava acontecendo. Me afastei, temendo ter dito algo que a magoara.

— Aly, o que foi? — perguntei preocupada.

Ela secou os lágrimas antes que elas viessem, fungando.

— Ti, eu não mereço isso. Não mereço sua amizade, eu não mereço nem mesmo ficar perto de você — ela declarou enfim, a voz carregada de culpa. E fiquei assustada com a maneira que ela se expressou.

— Aly, do que está falando?

Mas batidas soaram na porta, e pedi para que a pessoa entrasse. Era uma das criadas do palácio, que fez uma mesura profunda diante de nós antes de falar.

— A rainha pede para que a princesa desça imediatamente. O baile vai começar em minutos, e ela espera que a noiva do príncipe esteja presente na abertura.

Eu não respondi, mas assenti com a cabeça para que ela soubesse que eu entendi o recado. Voltei a atenção para minha amiga assim que a porta se fechou, e Aly havia conseguido recobrar parte da postura — embora ainda visse tristeza em seus olhos.

— Aly, precisamos descer — eu sussurrei, e ela assentiu de cabeça baixa. — Não sei o que está acontecendo, mas jamais diga essas coisas de novo, ouviu? Não sei que besteiras minha mãe lhe disse enquanto esteve aqui, mas saiba que nada no mundo é mais importante pra mim do que você e nossa amizade. Entendeu?

Alyssa assentiu, ainda de cabeça baixa. Incapaz de olhar para mim, como se estivesse envergonhada. Suspirei, colocando o indicador sob seu queixo e a fazendo olhar para mim, suavemente. 

— Você é minha melhor amiga — sorri. — E esse mérito é totalmente seu. Jamais sinta que é inferior, ouviu bem? Se almas gêmeas existem, você é a minha.

Eu não acreditava que almas gêmeas se limitavam a amantes. Aly era minha melhor amiga, minha confidente, então era minha alma gêmea. Ninguém jamais se compararia a ela.

Um sorriso mínimo brotou em seus lábios. Acho que ela ainda estava triste, e fosse qual fosse o motivo, eu queria que não atrapalhasse nós duas.

— Então vamos brilhar no baile — pisquei, com sorriso travesso.

~x~

Quando chegamos ao salão, percebi que várias pessoas já estavam esperando o início. A família real de Savian aguardava diante da escadaria principal, com o rei no centro, a rainha ao seu lado direito. Ao lado dela estava Tracy, parecendo desinteressada, e Derek do outro lado do pai. Alyssa se despediu de mim, com uma reverência formal, para se juntar aos outros convidados enquanto eu me dirigia a minha futura família.

— Sinto muito — sussurrei para a rainha, com o tom submisso e uma mesura simples com a cabeça. — Perdi a noção do tempo.

Engoli em seco ao notar a expressão dura da rainha, mas quase suspirei aliviada quando ela sorriu e deu um aceno com a cabeça, dispensando aquele assunto.

— Está tudo bem, querida. Apenas não se atrase novamente — ela alertou, e eu concordei imediatamente.

Não deixei de notar Tracy revirar os olhos com as palavras da mãe, e fiz esforço para não rir. Ela detestava aqueles bailes, odiava a necessidade de estar presente na abertura e simplesmente não suportava fingir ser gentil e agradável. Eu já havia notado que ela e a mãe não conseguiam se entender devido seu jeito, que estava totalmente longe de ser o que se espera de uma princesa. Além disso, ainda haviam suas inclinações… Coisa que a rainha ainda não sabia, mas eu sim.

E o que me deixava mais apavorada é que eu também tinha tais inclinações. Mas estava noiva do irmão dela.

O pensamento me deixou gelada e eu apenas sorri para Tracy, caminhando para o lado de Derek, e suspirei tentando esvaziar minha mente.

— Dia difícil? — Derek sussurrou ao meu lado, e eu sorri sem os dentes. Ele era tão agradável, talvez eu acabasse me adaptando ao casamento mesmo que nunca viesse a amá-lo.

— Não exatamente… — sussurrei. — Estava ajudando Alyssa a se vestir. Queria que ela se parecesse com uma princesa tanto quanto eu, mas acho que exagerei — soltei um risinho. — Ela está muito mais bonita.

Olhei na direção da minha amiga e percebi que ela evitava olhar para nós. Estranho.

— Lady Alyssa é belíssima, de fato… — ouvi Derek sussurrar, e olhei em sua direção com a sobrancelha arqueada, sem entender o tom quase sonhador em sua voz. — Mas é claro que não é mais bela do que você, Tianne — ele acrescentou, pigarreando, como se estivesse se dando conta do erro.

Eu dei de ombros, soltando um riso.

— Não se incomode em dizer isso. Eu sei que ela é muito mais bonita. Você mesmo achou isso no dia que chegamos, confesse — eu provoquei, cutucando-o suavemente com o cotovelo. 

Eu pensei que o escutaria rir, mas ele arregalou os olhos.

— Eu… Eu não...

— Estou brincando — sussurrei, o interrompendo de começar a gaguejar. — Não leve tão a sério.

O rei então começou a falar. Disse que estava muito feliz com o noivado do filho, e Derek sorriu ao segurar minha mão, e eu o imitei embora meu sorriso fosse trêmulo e inseguro. Disse que estava radiante pelo casamento que se aproximava, e eu quis derreter e simplesmente me espalhar pelo piso, desaparecer, e lancei um olhar de esguelha para Tracy. Ela parecia rígida, mas sua expressão era indecifrável. Provavelmente se sentia culpada, mas não tanto quanto eu que estava apaixonada por ela sendo noiva de seu irmão.

— Não esqueça do favor que te pedi — sussurrei para Derek, enquanto o rei declarava sua alegria em ver rostos tão queridos já presentes para o futuro casamento, e era este o motivo do baile. 

— Que favor? — ele sussurrou de volta, confuso.

Eu indiquei Alyssa com o queixo, discretamente.

— De apresentá-la a alguns amigos seus. Lembra?

Algo como tensão passou por seus ombros, e ele não respondeu de imediato. Mas antes que eu pudesse questionar, Derek engoliu em seco e assentiu, me dando um sorriso mínimo.

— Claro, eu tinha me esquecido… Me desculpe.

Eu sorri de volta.

— E Philippe? — perguntei. — Ele parece alguém muito gentil, e também é bonito. Acho que se apresentarmos Alyssa a ele, linda como ela está, não tem erro. — Fiquei empolgada, mas logo acrescentei: — A não ser que ele já esteja noivo. Ele não está, certo?

— Bom, não até onde eu sei, mas…

O rei encerrou o discurso, e as pessoas começaram a se espalhar pelo salão. Os músicos começaram a tocar uma música animada, e eu nem dei muita atenção ao que Derek iria dizer antes de eu caminhar animada na direção de Alyssa, já sabendo qual deveria ser minha primeira missão da noite: apresentar minha amiga a Philippe. Se ele não estava mesmo comprometido, o tiro seria certeiro.

— Venha — eu sussurrei, puxando-a pela mão. Derek vinha logo atrás de mim, mas eu estava tão concentrada em minha missão que mal percebi.

Lorde Philippe estava tomando uma taça de vinho enquanto conversava com o pai sobre alguma coisa referente a terras, negócios e um monte de outras coisas que eu não entendia nada. Ao notar nossa presença, eu segurei o passo e caminhei com leveza, soltando a mão de Alyssa e deixando que ela me acompanhasse, posicionando as mãos diante do corpo com classe.

— Lorde Blanckshire. Lorde Philippe — eu fiz uma reverência, os dois também responderam com a mesma cortesia.

— Princesa Tianne. Vejo que sua beleza ainda pode se superar mais do que hoje de manhã — Philippe disse, e eu soltei um risinho de satisfação com o elogio.

Mas eu não era a principal atração. Não aquela noite.

— O senhor é muito gentil, lorde Philippe — agradeci. — Mal tivemos tempo de conversar desde que chegaram, espero que a estadia esteja sendo agradável.

— De fato tem sido. É muito bom retornar, lembro-me de Tracy arrastando Derek e eu numa fuga a cavalo para nos levar ao bosque e nos ensinar a subir em árvores — ele contou o fato, parecendo nostálgico. Antes que eu pudesse responder, ele reparou que eu estava com Derek e com Alyssa. Quase sorri satisfeita quando percebi o brilho nos olhos do rapaz. — E sua bela amiga, tem nome?

— Alyssa Velmon, senhor — minha amiga respondeu com a voz controlada e uma reverência, os olhos obedientes sem nunca encará-lo diretamente. — Sou a dama de companhia de vossa alteza, a princesa Tianne.

— Lady Alyssa — ele disse o nome dela, como se saboreasse seu nome. E olhou em direção a Derek, sorrindo de maneira agradável. — Vejo que está bem cercado de belíssimas senhoritas, meu amigo.

— No dia que chegamos, foi engraçado — contei, com um sorriso descontraído. — Derek pensou que Alyssa fosse eu.

A risada de Philippe ecoou pelo salão, acompanhada pelo meu riso. Eu escutei que Alyssa também riu, embora sem muita vontade, mas não ouvi a voz de Derek. Provavelmente o fato ainda o constrangia.

— Bem, quem pode culpá-lo? — perguntou Philippe, divertido. — Duas lindas damas descem da carruagem e ainda não conheço nenhuma delas, preciso testar minhas chances para descobrir qual delas se trata de minha belíssima noiva. 

Eu ri; Philippe era divertido. Havia uma leveza em seu modo de falar que me agradou, e sabia que não demoraria para que ele conseguisse tirar Alyssa de sua timidez e fazê-la conversar, e aí era certeiro que ele perceberia que, mais que um belo rosto, Alyssa era inteligente, gentil e educada. Além de várias outras qualidades que ela guardava para si que, com o tempo, ele desbravaria.

— A senhorita está acompanhada esta noite, lady Alyssa? — perguntou Philippe, lançando-lhe um sorriso gentil.

Alyssa apertou os lábios timidamente em um sorriso.

— Não, senhor. Meu plano era apenas acompanhar e auxiliar a princesa, mas ela teve planos diferentes para mim esta noite — respondeu Alyssa, com a mesma cortesia na voz, embora seu tom fosse gentil e agradável.

Lorde Philippe se aproximou e segurou a mão de Alyssa com cuidado, depositando ali um beijo cordial e cavalheiro. Eu troquei um olhar com Derek, um sorriso dançando nos meus lábios, mas ele não parecia tão empolgado quanto eu, embora tenha forçado um sorriso. Na verdade, parecia distante… Bom, mas afinal de contas era minha amiga, ele só estava me fazendo um favor. 

— Também vim sem acompanhante. Se for do seu agrado, posso lhe fazer companhia pelo resto da noite. — Alyssa corou e sorriu timidamente, então o rapaz se voltou para mim. — É muita gentileza de vossa alteza que tenha deixado sua dama aproveitar o baile desta noite. Certamente devo-lhe gratidão por permitir que tanta beleza se faça presente neste salão.

Ele falava bem. Lancei um olhar a Alyssa de aprovação, como se dissesse eu gostava dele e que provavelmente ele já estava completamente rendido por ela. Isso só pela sua beleza, quando a conhecesse de fato ficaria apaixonado, sem sombra de dúvidas.

— Imagine, senhor. É um prazer ver minha amiga aproveitando essa noite e se divertindo. Se for do agrado dela, ficarei tranquila ao saber que a deixarei em tão boas mãos.

— Certamente — ele garantiu, voltando sua atenção completamente para Alyssa, os olhos totalmente concentrados e encantados. — Se lady Alyssa estiver disposta a me ceder sua companhia esta noite.

Alyssa mordeu o lábio inferior para conter um sorriso, e eu percebi como esse pequeno gesto provocou uma reação profunda em lorde Philippe, que pareceu ainda mais encantado com a beleza de Alyssa. Com um aceno suave de cabeça, Alyssa disse:

— Eu ficaria honrada, senhor.

— A honra minha, lady Alyssa… — ele sussurrou, e parecia que nenhum de nós estava presente além dela.

Perfeito.

— Deixaremos ela sob seus cuidados. Devolva-a inteira — brinquei, antes de passar o braço pelo de Derek para então nos afastamos dali. Fora do limite da audição de Philippe, eu soltei risinhos satisfeitos e olhei para Derek. — Isso foi ótimo! Ele é tão gentil e cavalheiro, tenho certeza que farão um belo par esta noite.

— Sim, certamente… — Derek respondeu, parecendo distante.

— Você está bem?

Derek parou de andar, e com isso escorreu meus pés no chão quando ele acabou consequentemente me forçando a frear também meus passos, mas mantive o equilíbrio. Ele me encarou, e pareceu finalmente acordar de seus pensamentos distantes.

— O quê? — Ele piscou. — Sim, estou bem, claro… — ele respondeu, meneando a cabeça e soltando um riso constrangido. — Apenas distraído, me desculpe. Você quer dançar? — ele perguntou, assim que começou uma música nova a soar no salão.

Assenti com a cabeça, deixando para lá a estranheza dele. Eu estava com cabeça tão cheia de assuntos relacionados a irmã dele, que seria uma escape bem-vindo dançar aquela noite e ficar ao lado dele. Afinal de contas, era Derek o meu noivo. Era a ele que eu devia minha total atenção e devoção.

Me concentraria em mudar minha afeição. Eu precisava fazer aquilo.

— Eu adoraria.

~x~

Não me encontrei com Tracy no baile com frequência. Mesmo nos poucos vislumbres que tive da princesa, nossa troca de olhares era rápida e tímida, uma fingindo que não havia notado a outra. Os beijos ainda estavam entre nós como uma muralha, cimentada com a minha declaração, e isso tornava muito difícil que tivéssemos alguma conversa sem parecer que existia um segredo entre nós. 

Myrella passou o resto da noite com o marido, rodeada de casais nobres que conversavam com Hasuran de algo extremamente sério, o que deduzi serem negócios. Toda vez que eu a via, a duquesa parecia perdida em seus pensamentos e apenas forçava um sorriso quando o marido solicitava que ela dissesse alguma coisa — o que não era frequente e nunca era algo relevante. Eu a vi diversas vezes com olhares perdidos em Tracy, que fingia duramente que não estava a vendo, mas percebi alguns olhares furtivos em direção à ex-amante. E quando ela notava que eu havia percebido, deixava o salão e demorava a retornar.

Dancei algumas vezes com Derek, mas o tive roubado de mim em algumas danças por Crystal. A jovem filha do casal Blanckshire insistia que Derek tomasse uma dança dela, que não o via há anos e que ele deveria no mínimo compensá-la já que, segundo as palavras dela, “estava traindo-a escolhendo outra noiva”. Eu percebi como ele ficou extremamente perdido, sem saber como se livrar dela sem parecer grosseiro, então eu apenas disse que estava tudo bem. Eu não gostava dela; era desagradável, infantil e dizia abertamente que me odiava. Mesmo assim eu não ia tornar as coisas mais difíceis para Derek, afinal de contas, era apenas uma dança. Ou três.

Philippe parecia realmente entretido com a presença de Alyssa, e o vi dançar poucas vezes com outras damas que não fossem ela, apenas por mera educação e formalidade. Porém era nítido que toda a atenção do rapaz estava direcionada à minha dama que — sorri ao perceber — estava começando a se sentir à vontade, sorrir e conversar com naturalidade. Pelos olhos dele, eu já sabia que ele não se limitaria a encontrar Alyssa apenas aquela noite. Com certeza ele a procuraria mais vezes no castelo e, com sorte, acabaria pedindo-a em casamento.

Eu estava tomando um copo de ponche enquanto Derek havia sido roubado pela terceira vez, com Crystal alegremente dançando em seus braços e, vez ou outra, me lançando olhares maldosos e debochados, que eu ignorei com destreza. Eu tinha outros problemas em minha cabeça, e a paixão platônica dela por Derek era minha última preocupação. Eu já estava atada a ele em compromisso de qualquer forma, então não havia muito o que ela pudesse fazer além de ser desagradável. Mas com meus sentimentos por Tracy, a barreira entre nós e Myrella, ela não me parecia um problema.

— Que irritante. — Arregalei os olhos quando escutei a voz ao meu lado, e me deparei com Tracy levando uma taça de vinho aos lábios enquanto encarava o irmão e jovem nobre girando pelo salão. — Você deveria arrancar os cabelos dela, fio por fio. Posso fazer isso por você — a princesa se ofereceu, com um sorriso hesitante nos lábios, embora tentasse soar divertida.

Ela estava tentando puxar conversa. Derrubar o muro entre nós e fazer tudo voltar a ser como era antes. Eu também sentia falta de sua amizade, mas não sabia como voltar a tê-la sabendo que eu a via muito além de uma amiga, e que jamais a veria como uma irmã. Mas acabei sorrindo, dando de ombros e voltando a encarar o casal.

— Não importa. Ela é irritante, mas só isso. Tenho mais pena de Derek do que de mim — falei com a voz risonha, indicando o irmão dela com o queixo. Derek parecia desconfortável, mas era educado e gentil demais para simplesmente dizer para ela deixá-lo em paz.

Tracy jogou a cabeça para trás, gargalhando tão alto como se não se importasse com quem ouvisse ou o que pensariam da sua falta de decoro. E provavelmente não se importava mesmo.

— Isso é um fato. Derek sempre precisou de mim pra defendê-lo dessa bruxinha, é gentil demais para conseguir gritar com ela. — Tracy agitou a taça em círculos, observando o irmão. — Mas adoraria vê-lo fazendo isso.

— Acho que ela está mais ousada porque você não está sempre no salão… — deixei escapar, e senti que Tracy se enrijeceu ao meu lado. — Desculpe…

A princesa mordeu o lábio inferior antes de responder.

— Não, tudo bem. É verdade, sempre que posso eu fujo daqui — ela sussurrou e seus olhos haviam mudado de alvo.

Myrella.

Meu coração se contraiu e eu apertei os lábios.

— Eu entendo. Deve ser difícil para você…

Acho que ela percebeu meu tom de voz ressentido, embora eu tivesse tentado ao máximo injetar neutralidade nele. Seu rosto logo se virou em minha direção, e eu quis me encolher com o peso de seu olhar, embora o que eu visse naqueles lindos olhos fosse uma preocupação genuína comigo. Eu me sentia péssima por ser mais um problema para ela.

— Me desculpe, Ti.

— Não é culpa sua.

— Sim, é minha culpa — ela afirmou. — Eu não devia… — Ela parou de falar, apertando os lábios. — Não devia ter bebido tanto. — Foi a forma que ela encontrou de não colocar em palavras que me beijou. Se para não tornar isso ainda mais real ou por medo de alguém ouvir, eu não sabia. — Sinto falta da sua amizade. Me desculpe por ter estragado tudo.

— Tudo bem, isso não importa mais — eu respondi, forçando um sorriso sem dentes. — Não vamos mais falar sobre isso, tudo bem? Se eu vou me casar com o seu irmão e… — Eu engoli em seco, sentindo a garganta arder com as palavras seguintes. — E como seremos irmãs… É melhor que esse assunto seja esquecido de uma vez por todas.

Eu a vi abrir a boca para responder, mas ela fechou no mesmo momento em que vimos a rainha Selyne se aproximar, e ela não estava sozinha. Havia ao seu lado um rapaz alto, que provavelmente já tinha por volta de vinte e cinco anos. Era bonito; de cabelos castanho-avermelhado nos ombros e olhos de verde claríssimo, era notável que ele era um homem muito disputado, além de ser elegante e robusto; seu porte físico não deixava dúvidas de que aquele homem conhecia todos os tipos de luta possíveis e estava sempre em dia com o treinamento.

A carranca que surgiu no rosto de Tracy foi instantânea. Ela endureceu sua expressão, os lábios ligeiramente curvados para baixo nos cantos, os dentes mordendo a parte interior da bochecha, e os braços se cruzaram numa espécie de defesa natural.

— Lorde James, quero apresentar-lhe as princesas Astracyane, minha filha, e Tianne de Grimlee. Em breve será tão minha filha quanto minha querida Astracyane. Ela está noiva do meu filho — a rainha disse ao se aproximar, a leveza em sua voz e amabilidade treinadas que eu certamente aprenderia quando a sucedesse. 

— É um prazer, senhoritas — o lorde abriu o sorriso agradável. Ofereci minha mão, como era de costume, quando ele se curvou e a pegou com delicadeza, depositando um beijo casto nas costas. Eu devolvi o sorriso, treinada para ser bela e agradável, embora não estivesse muito feliz que nossa conversa tivesse sido interrompida.

Tracy notoriamente também não havia gostado, e não teve problemas em demonstrar isso. Deixou o lorde esperando por sua mão, permanecendo de braços cruzados, mas a rainha lhe lançou um olhar de aviso que a fez bufar pelo nariz e conceder-lhe a mão, que ele beijou da mesma maneira. Embora Tracy não devolveu com um sorriso, mas um olhar hostil e quase assassino, os lábios comprimidos como se ela estivesse fazendo esforço para não gritar na cara dele.

— Lorde James estava ansioso para conhecê-la, Tracy — a rainha Selyne disse e, embora eu ainda visse o olhar de aviso ainda presente em seus olhos brilhantes, sua voz ainda era suave como seda. 

Se lorde James percebeu que Tracy não tinha a mesma ansiedade, não demonstrou. Assumiu uma postura austera, porém tranquila, observando Tracy como se a avaliasse secretamente. Havia uma malícia em seus olhos, um sorriso conquistador, e eu soube imediatamente qual era o problema daquela conversa e porque Tracy estava tão aborrecida.

Era um candidato em potencial.

— As histórias sobre vossa alteza são muitas — ele disse, o sorriso de canto galante presente em suas feições belas. — Sinto que já a conheço. Mas ainda assim vejo que as histórias nem de longe fazem jus à sua beleza peculiar.

Tracy apertou os lábios por alguns segundos vi eles tremerem, logo a expressão tomando feições risonhas que forçaram para não surgir, e um riso escapando pelo nariz, os ombros se erguendo como se Tracy estivesse rindo. A rainha ficou tensa.

— É mesmo? — ela acabou perguntando, e não fez questão de mascarar o riso em sua voz. — Interessante. Já ouvi falar que comentam muitas coisas a meu respeito, mas nunca sobre minha beleza.

Para seu mérito, lorde James não se deixou abater. Acabou soltando um riso agradável, e eu quase pude ouvir a rainha suspirar de alívio.

— Vossa alteza é modesta. Amigos meus que a conheceram disseram que é uma jovem belíssima, com uma personalidade indomável e perspicaz. Uma dama muito interessante.

Tracy inclinou a cabeça para o lado, o sorriso debochado desenhando seus lábios, e os olhos brincalhões também denotavam uma raiva mascarada.

— Indomável e perspicaz — ela repetiu. — Que adjetivos interessantes o senhor encontrou para me descrever, quando sei que seus amigos com certeza não devem ser tão gentis e encantadores quando falam a meu respeito.

O sorriso de lorde James se fechou e seu rosto se endureceu. Mas Tracy não se intimidou.

— Indomável como um cavalo selvagem, lorde James? — ela perguntou, a voz com uma suavidade venenosa que quase me fez tremer. — Eu sei o que vocês falam a meu respeito, e são extremamente vulgares e desrespeitosos quando dizem que a princesa de Savian só poderá ser montada pelo cavaleiro mais habilidoso. Aquele cuja virilidade se sobrepuja sua personalidade estranhamente independente, sua acidez, seus modos nada femininos. — Tracy mordeu os lábios, e o sorriso se desfez quando ela continuou. — E ainda dizem que foder a princesa de Savian deve ser como foder uma égua rebelde e indomável. — Ela repetiu a palavra com ironia. — Apenas um homem de verdade poderá montá-la, é o que dizem.

A rainha Selyne ficou pálida.

— Astracyane!

A princesa ignorou a mãe. Seus olhos permaneciam sobre lorde James, as chamas acesas em seus olhos com o ódio crescente dentro de si. O rapaz trincou o maxilar, irritado.

— Não é verdade, lorde James? Não é isso que vocês dizem sobre mim? — Dessa vez ela não teve o cuidado de usar um tom de voz baixo; pelo contrário, foi quase histérica. Percebi que a música parou, o salão inteiro parou de dançar e estavam concentrados em nós. Se Tracy percebeu, ela não se incomodou. — É uma droga de uma aposta entre vocês, não é?! Quem vai ser o primeiro a domar a princesa e transformá-la numa égua dócil e contente em servir a espécie masculina? 

— Tracy, cale-se! — a rainha tornou a avisar. — Eu juro que…

Mas Tracy a interrompeu.

— Não é por isso que você veio, lorde James? — ela perguntou cruelmente, a voz ressoando pelo salão silencioso. — Para provar que é o cavaleiro apropriado a me montar e me tornar a droga de uma mulher submissa debaixo dos seus pés?! Imagine que prestígio seria casar com a princesa de Savian que, além de ser princesa de um grande reino, é o maior desafio do continente! Me pergunto quantas moedas de ouro o senhor iria ganhar nessa maldita aposta que fazem em todo lugar sobre mim.

Os lábios de lorde James tremeram de ódio. Minha respiração estava pesada e eu senti que estava tremendo; a mão dele cerrou-se como se pretendesse bater nela, mas Tracy não parecia incomodada com a possibilidade daquele homem acertar-lhe. Ele controlou a raiva, respirando fundo antes de recobrar o controle e dar a ela um sorriso igualmente cruel.

— Aparentemente estavam certos. O que falta na vida de vossa alteza é um homem que saiba controlá-la.

A mão de Tracy estalou contra o rosto do lorde.

Eu arregalei os olhos, assustada. Tracy fervia de ódio por inteiro, seu corpo parecia tremer de tanta raiva, mas lorde James deu um sorriso como se sentisse prazer naquilo, levando a mão à face e lançando-lhe um sorriso libidinoso ao encará-la da cabeça aos pés de uma maneira inapropriada — que eu apenas percebi por estar perto — e se afastou, se curvando profundamente com o ar debochado.

— Foi um prazer, vossa alteza.

Tracy trincou os dentes e o maxilar tremeu de ódio.

— Homem desprezível — resmungou. Era notável que, além de irritada, estava abalada. Os olhos dela estavam marejados, mas mesmo assim, as lágrimas não vieram.

Mais um estalo no salão.

Todos abriram a boca, chocados.

A rainha Selyne acabara de bater em Tracy, a mão chocando-se com força no rosto da filha, a ponto de tirar sangue dos lábios da princesa.

— Sua filha ingrata, cretina! — vociferou a rainha, perdendo o controle, como se tivesse se esquecido que não estavam sozinhas. — Tudo o que você faz é nos envergonhar, Astracyane! Quando chegará o dia que você finalmente vai perceber que a maneira que age vai nos destruir?!

Tracy segurou o rosto, passando um dedo pelo sangue que escorrera, como se não acreditasse que a rainha, sua mãe, tivesse tido coragem de fazer aquilo. Demorou alguns segundos para finalmente encarar a rainha, os olhos flamejantes de raiva e rancor.

Eu não sou um cavalo premiado! — ela vociferou de volta, completamente alterada. — Não sou moeda de troca, não sou um objeto, eu sou a sua maldita filha! — ela gritou, parecendo segurar a vontade de chorar. — Quando você vai se lembrar que eu sou uma pessoa, e não uma porcaria qualquer sem vontade própria? — A última frase em um sussurro, a voz trêmula, como se ela controlasse a vontade de chorar.

Tracy não deu a chance de resposta, caminhando dura e rapidamente pelo salão. A rainha ficou atônita, como se não acreditasse que tivesse acabado de perder o controle e brigado com a filha no meio do salão. O silêncio pairava sobre nós, pesado, e eu estava congelada demais até perceber que Derek já estava ao meu lado, e Alyssa me amparava como se tivesse medo que eu fosse perder o equilíbrio das pernas.

— Mãe — sussurrou Derek, olhando-a como se implorasse. — Mãe, chega!

A rainha suspirou, e percebi a tensão nos seus ombros. Ela lançou um olhar de puro ódio aos músicos, e eles tremeram.

— Por que pararam? A festa continua, toquem! — ela vociferou, e logo o salão foi preenchido por música novamente. A rainha se afastou, caminhando para a escadaria. Provavelmente a festa estava acabada para ela.

— Meu Deus… — Derek suspirou trêmulo. — Eu preciso procurar minha irmã.

Eu coloquei a mão sobre seu peito, impedindo-o.

— Não. Fique — pedi, finalmente voltando a respirar e me acalmar. — Sua mãe não poderá conduzir o baile, e seu pai irá precisar de sua ajuda aqui. Aly, por favor — eu pedi, segurando sua mão. — Faça companhia ao príncipe enquanto eu não estiver, você pode? — Sorri com culpa. — Sei que dei folga a você hoje, mas encare como um pedido de uma amiga. 

Eu respirei fundo.

— Vou procurar e falar com a princesa.


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