Artemis escrita por Camélia Bardon


Capítulo 23
020. O manifesto


Notas iniciais do capítulo

Oie! Tudo bem com vocês? Espero que sim!
Trago a vocês a continuação da treta majestosa. Confesso que escrevi tudo numa tacada só, então não tenho certeza se ficou aceitável.



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Costumava achar que o meu amor era a luz do sol. Mas não importava o quanto eu me esforçasse para me adaptar a ele – o sol continuaria a queimar minha alma outonal.

───── 20 ─────

Como Sariyah é a que tem mais conhecimento técnico sobre fotografia por ser a bolsista de design, ela é a encarregada das filmagens do vídeo. Vendo todos tão arrumados ali, meu coração se enche de emoção. Nora é a pessoa que se voluntaria para segurar os cartazes com as falas de apoio atrás da câmera, como uma assistente de televisão muitíssimo animada dos anos 50. A cada dois minutos ela olha para mim só para confirmar se estou bem.

Eu estou respirando. É um começo, não é?

Meus joelhos estão bambos e tenho quase certeza de que vou ter outro desmaio nada cinematográfico. Por sorte, não tem nenhum carrinho de limpeza no caminho para fazer o estrago da última vez. Ao invés disso, Elio está ao meu lado e suportando a tarefa de me sustentar com bravura. Meu cavaleiro da armadura prateada... Com um sorriso só, eu posso me derreter mais, então não sei bem qual é a sua utilidade real para o momento.

Meu Deus. O amor deixa a gente besta, mesmo.

Eu nem sabia que amor podia ser fácil assim. Para mim tudo tinha que ter drama e tragédia envolvidos. Que bando de mentirosos.

— Se tremer mais um pouquinho, Lady Di, vai provocar um terremoto — ele provoca, me arrancando um sorriso. — Fique calma.

Está me pedindo o impossível... Mais um pouquinho e eu passo mal.

— Veja só — Elio inclina a cabeça para me indicar onde quer que eu olhe. Acompanho seu olhar com curiosidade. — Mabel é tímida, mas está fazendo o seu melhor para estar aqui e dizer tudo com clareza. Até mesmo Prince que achávamos que era um chato de galochas completo está fazendo sua parte.

Bem, isso era realmente algo a se admirar.

— E o verdadeiro milagre foi Reid não ter acrescentado nenhuma linha poética — Elio caçoa com aquele sorriso maroto de quem deixa explícito que está apenas fazendo piada. — Ele é um cara muito gente boa.

Ah, Elio. Se você soubesse que sei disso há alguns anos... Ao invés disso, confirmo com a cabeça e apoio meu cabelo em seu peito. Ele cheira a sabonete de limão e exala o frescor de um banho bem tomado. Posso ficar abraçada com ele por horas e, na verdade, eu nem gosto tanto assim de limão, mas essa combinação nele poderia me render umas belas duas páginas de declarações apaixonadas.

— Vai dar tudo certo — sinto-o sorrir com o queixo apoiado nos meus cachos. — Vamos lá? Você é a última, então vai ter um tempinho de sobra pra se aquecer. Estarei bem aqui.

Tomo meu lugar no telhado e acompanho Kiera com o olhar. Como a pessoa mais desinibida daqui, ela se voluntaria para começar as linhas que de tanto pensar até decorei o que dizem. Fecho os olhos e presto atenção nos sons. É um exercício que gosto de praticar quando me sinto nervosa a ponto de colapsar.

Sariyah troca algumas palavras com Nora. O farfalhar de seu hijab me indica que ela está poucos passos à minha esquerda. Elio se senta ao meu lado, o limão exalando à minha direita. Ele segura minha mão e passa o polegar pelas costas. Respiro bem fundo e espero pela voz de trovão de Kiera se manifestar. Os outros a seguiram com seus próprios trechos depois.

 

“Por toda a minha vida, me acostumei a me enxergar como um problema, e não como uma pessoa. Isso não era exatamente um agravante, até que começaram a me tratar como uma pessoa. Então, eu comecei a me incomodar com o meu próprio silêncio.

‘Para tudo há um tempo determinado; tempo para ficar calado e tempo para falar’. Após passar a vida em silêncio, eu decidi que queria me pronunciar. Eu não queria ser mais um problema, e sim uma pessoa. Por isso, comecei a escrever. Era a forma de me arranjar uma voz. Porém, toda voz precisa de um rosto. Senão, a voz ocasionalmente se torna um eco. Acredito que eu e você já conhecemos a história de Narciso o suficiente para saber como termina Eco.

Para tudo, é preciso equilíbrio. Não é porque você tem uma voz que você pode dizer tudo que vem à cabeça. É preciso dosar a quantidade e a qualidade. E para isso, eu precisei aprender. Letra por letra. Enquanto isso, eu precisava de alguém para me arranjar um rosto. Para a minha voz, surgiu a Artemis. O meu alter ego corajoso.

Artemis nunca teve medo de dizer o que pensava. Mas Artemis sempre usou metáforas para se expressar. Isso acontecia porque eu queria que as pessoas interpretassem conforme suas próprias necessidades. Artemis, como parte de mim, era sonhadora. Idealista. Romântica. E também se escondia atrás de uma máscara.

Estou finalmente pronta para me apresentar a vocês como minha verdadeira face. Isso porque, ao aceitar que Nora fosse o meu rosto, eu menti. Menti porque ainda sentia vergonha. Menti porque achei que, ainda que me expusesse não me aceitariam. E esse foi o pior erro de todos. Para pessoas como eu, o primeiro passo para que os outros te aceitarem é se aceitar primeiro. E isso ultrapassa todos os clichês que as pessoas na mídia te vendem.

Se aceitar vai além do amor próprio. Se aceitar não significa conformar-se. Significa entender que cada um de nós é único e tem defeitos e qualidades distintas. Não é preciso amar os defeitos – quem faz isso? –, mas reconhecer que eles existem e consertá-los dentro do possível. Portanto, se comparar com outra pessoa é mais um processo da autosabotagem.  Eu só passei a me aceitar quando vi que eu era, sim, imperfeita. Ignorar os traços que eu desgostava em mim mesma e criar outra versão minha para combatê-la não me levaria a lugar nenhum. Como eu podia fugir de outras pessoas e me refugiar num eu que não tinha paz de espírito?

Minha covardia quase colocou o mundo de outras pessoas de cabeça para baixo. E eu quero que Nora viva em paz. Com sua própria vida. E quero que pessoas como eu também encontrem suas próprias vozes sem o medo que eu tive. Porque, agora, após passar por ele, eu vi que o mundo pode ser sim muito cruel. Mas, enquanto houver pessoas boas que estão dispostas a amar e aceitar os defeitos – ainda que só existam apenas nas nossas cabeças – e qualidades, o mundo pode ser um lugar suportável. É claro que sei que existem pessoas que vão me classificar como A e como B. Mas... O que é que eles têm com as minhas motivações e esperanças?

Por isso, desfeita do medo das opiniões alheias e agora contando com todos esses que conheci aqui em Florença, eu entendi que eu sou importante. Minha condição não me diminui. Pelo contrário, ela me eleva. Minhas inseguranças ainda existem, mas são bem mais infundadas agora que não estou sozinha.”

 

Logo chega a minha vez de me pronunciar. Melhor dizendo, de me gesticular. Sei que me sento trêmula sobre o telhado de nossa pequena hospedagem em Florença. O dia está lindo e meus amigos estão aqui para mim. Vai ficar tudo bem.

Eu poderia ser qualquer um desses que acabou de se apresentar. Porém, essa sou eu. Desfeita do silêncio, Artemis. Sua equivalente romana é Diana. Desmistificada. Não sou nenhuma figura a se venerar. Sou mais uma que facilmente se perderia na multidão. Minha voz são minhas mãos, e minhas mãos escrevem por coincidência uma série de letras que juntas formam assuntos com os quais as pessoas inseguras se identificam. Mas eu sou mais do que isso.

Sariyah sorri para mim atrás da câmera. Sinto minhas mãos ficando pegajosas.

Sou uma pessoa comum. E é assim que prefiro que me vejam. Não como alguém perfeita. Um dos meus maiores defeitos é me esconder diante dos problemas. Mas já passou a hora de agir assim. Peço perdão a todos aqueles que compraram a imagem de Nora Fox ser na verdade Diana Davies. Ela jamais quis roubar o meu holofote. Só quis ajudar uma amiga. E eu jamais quis machucar alguém com as minhas ações. Fui egoísta e só pensei nos meus próprios medos. E peço desculpas por todo o transtorno que estou prestes a causar.

Nora parece querer vibrar. Ela ama uma boa confusão, apesar da tragédia.

Por ela e por outros que amo, a face de todas essas pessoas comuns que viram no vídeo, eu rejeito os holofotes. Sou apenas uma garota comum. Se ainda estiverem dispostos a escutar o que tenho a dizer... Sabem onde me encontrar.

Olho para Reid antes da última frase. Ela é o que posso chamar de “boa frase de efeito”.

Afinal, a lua só pode estar de um lado do planeta de cada vez.

Finalmente, aquilo terá um fim. Respiro fundo e desmonto a postura com tanta rapidez que parece que minha espinha vai se derreter.

— Mandou bem, dona Lua — Reid é o primeiro a parabenizar. — Agora é hora de muitos limoncellos.

A gargalhada que se seguiu foi contagiante. E, apesar de eu concordar que o banheiro seria uma melhor opção, concordei que encher a cara era mesmo uma bela sedução. Então, concordei.

Era isso ou me atirar do telhado.


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Notas finais do capítulo

temos discurso de aceitação??????? Temos sim!



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