Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake


Capítulo 23
Corre!


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem ♥



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Detroit Michigan E.U.A 1977



(...2 anos depois...)

 

 

As pequenas visitas tinham-se tornado constantes, e, mais tarde, um hábito. Quase todos os dias, Malika observava Ívar, a jogar de uma certa distância. O jogo acaba e ela dirige-se para a entrada do campo. Malika passa com a ponta dos dedos nas grades e o tilintar das unhas causam arrepios ao afro-americano.

Um amigo de Ívar olha para ela e cutuca—o, para lhe perguntar:

—Ainda te dás com a "branquela"?

Ívar para de atar os ténis e levanta a cabeça para encarar o amigo, de sobrancelha arqueada. De seguida, ele olha para a entrada, onde Malika espera por ele pacientemente encostada nas grades.

— Claro. É uma amiga. – responde com alguma insolência no tom.

—Não é má, para uma branquela.

Ívar fica sério, mas antes de poder dizer ou fazer algo, um sotaque britânico ecoa na quadra.

—Está tudo bem? – Malika pergunta.

O amigo de Ívar arregala os olhos e franze a testa, perguntando-se como raio ela chegou ali tão rapidamente.

Ele aproxima-se dela, sem perder a postura e encara-a de cima a baixo, antes de ir embora.

— Desculpa... eu sei que estavas a ouvir tudo – começa Ívar. – Ele é boa pessoa, mas ninguém está habituado a ver "brancos" por aqui.

— Eu sei. – Ela sorri, não parecendo afetada. – Ás vezes tenho que me lembrar de que já não estou em Inglaterra.

Ívar pega na mala de desporto. O caminho era sempre o mesmo, embora por vezes, houvesse alguns desvios para fazer uma visita às Vending Machines.

— O que vais querer desta vez? – pergunta Malika ao clicar nos botões entusiasmada.

— Eu fui aceite no exército.

Apenas o barulho do refrigerante a cair ouvia-se naquele espaço. Malika está de costas para ele e não se mexe quando a máquina apita para ela pegar na lata.

— Mali? – pergunta Ívar de forma carinhosa. – Mali, o que foi?

— Isso era a sério?

Faz-se uns segundos de silêncio. Malika vira-se de frente e encara-o com uma expressão triste. Ele cerra o maxilar e olha em volta como pretexto para não encarar a namorada.

— Eu pensei que... - ele suspira. – Eu pensei que tivesses entendido. Ando a falar nisto no último ano.

— Mas... - Malika começa a lacrimejar. – Então e eu? Então e nós?

— Eu vou continuar a vir a casa. Que conversa é essa?

— Ívar eu não consigo sobreviver aqui sozinha, sem ti! - ela trava. – Os teus amigos vão-me perseguir.

— Malika, olha para a cor dos teus olhos quando a lua aparece. – Ele resmunga. O luar torna os olhos dela vermelhos por uns segundos. – Não és tu que devias de ter medo, eram eles.

— E queres que faça o quê? Que me transforme à frente de toda a gente?

Ela prepara-se para caminhar, mas Ívar agarra-a.

— Eu quero que esperes. Aqui, por mim...







Bear andava às voltas pela gruta, nervoso e preocupado com o tempo que Luckyan já estava a demorar. Ele gesticulava, ao falar com ele próprio e a perguntar-se: "Porque é que ele não me ouviu? Porque é que é tão teimoso?". A panela velha e gasta com arroz ainda estava quente, mas não por muito mais tempo.

De repente, o ruivo ouve passos lá fora e fixa os olhos na entrada. Uma pata negra surge e depois um corpo preto e peludo com algo carregado às costas, diante dos olhos dele. É Nour! Bear vai a correr.

— Cuidado, está ferido. — Avisa a loba preta, ao agachar-se em quatro patas, para que Luckyan saia do dorso dela.

— Não estou assim tão mal. – resmunga o Alfa.

Pois não, estás péssimo.

Bear e Luckyan encaram-na e depois trocam olhares entre si. O tom dela mudou. O fumo preto trás de volta a humana e Nour dirige-se para o quarto. Luckyan mesmo coxo, vai atrás.

— O que te aconteceu? -pergunta o Alfa. Nour está de costas.

— Han? Nada. – Ela começa a despir-se.

Luckyan não se dá por contente e força-a a encara-lo. Ele olha para os olhos dela e nota algo de diferente. Não a cor, mas a forma como ela olha e as expressões que os mesmos fazem. Os olhos também falam e neles, está a resposta para tudo.

— O que tu fizeste? -olha desconfiado.

— Larga-me. – Nour sacode-se. – Eu não fiz nada.

Ela afasta-se. Luckyan pega numa faca sem que ela veja e lança-a com força. Nour vira-se de costas e apanha-a, numa velocidade incrível. Pingas de sangue começam a escorrer da mão fechada e terminam no chão de pedra da gruta. Luckyan arregala os olhos. Era impossível ela ter conseguido apanhar.

Nour abre a mão. A faca pintada de sangue desprende-se da carne e cai. Ela apressa-se a pegar num pano e cobre rapidamente a palma da mão, mas Luckyan insiste em saber a verdade.

— Mostra-me a mão. -ordena. Nour não obedece. – Não há nenhuma ferida, pois não?

— Tu viste o sangue. – Ela riposta.

— Eu vi um lobo a ter reflexos que não pode ter.

Ela cerra o maxilar e desvia o olhar para o pano com algumas manchas de sangue. Luckyan pega-lhe no pulso e arranca o pedaço de tecido, no momento em que Nour tenta travá-lo. O Alfa abre-lhe a mão e, como ele esperava, está lisa. Não há corte nenhum.

— Isto é impossível... - sussurra. Nour retira a mão. – O que raio é que tu fizeste?

— Não acreditarias, se eu te contasse.

— Experimenta.

O tom dele é rude. Nour molha os lábios e caminha para se apoiar na mesa de cabeceira.

— Eu... - ela começa. – Eu fiz um pacto... - sussurra. – Luckyan franze a sobrancelha. – Eu encontrei-me com o Fenrir.

Luckyan começa a sorrir. Aquele sorriso de quem quase caiu numa brincadeira, mas quando Nour se volta de frente e a expressão séria e triste se mantém, o Alfa vê que ela não está a brincar.

— Se fizeste um pacto... - Luckyan trava. – Tiveste que dar algo em troca. O que foi?

Nour começa a soluçar. Lágrimas e mais lágrimas começam a escorre-lhe pelo queixo.

— Eu dei a minha Aura. – Ela funga. – Assim que eu tiver morto o Raphael e o Gabriel, eu tenho que lha dar. Era o que ele queria, foi o que eu tive que apostar.

Nour limpa as lágrimas de forma rápida e recompõe-se. Os olhos verdes dela mal mantêm contacto com os azuis de Luckyan, que parece com uma expressão triste e desiludida.

— Em toda a minha vida, apenas ouvi rumores de lobos que se tinham encontrado pessoalmente com Fenrir. Nunca pensei que fosse realmente possível. – Ele suspira. – Mas sabes o que todos tinham em comum nas suas histórias? – Nour encara-o. – Todos tinham sido enganados. Sinceramente, como pudeste ser tão burra?

— Eu estava a tentar salvar toda a gente! -ela grita. – E tu? O que raio é que tens feito?! – ela aproxima-se. Luckyan cerra o maxilar. – Para além de te esconderes numa gruta com o rabo entre as pernas e dizeres aos outros o que é melhor para a vida deles?

O Alfa faz uma cara de desdenho, mas não diz uma palavra. Luckyan vira as costas e caminha em direção à porta.

— Isso, foge. Não fizeste a mesma coisa quando mataste os meus pais?

Luckyan soca a porta de betão e aproxima-se dela num segundo, para sussurrar algo, mas Nour adianta-se.

— Se te aproximas mais um centímetro que for... - ela ameaça. – arranco-te o lábio.

— Arranca então. – Ele aproxima-se mais ainda. – Vá! Arranca! Estou-te a mandar arrancar, Nour! Arranca!

Eles estão tão próximos..., uma lágrima desprende dos olhos avermelhados dela e escorre cara a baixo. Luckyan não quebra.

— Desculpa, eu não queria... - ela sussurra, mas é cortada.

— Sim, tu querias.





*****

 

 

Ívan!

 

 

Levanto os olhos e encaro um soldado a fitar-me. Paro de comer e olho em volta, pois todos estão com atenção em mim.

— O Raphael quer falar contigo.

Termino de mastigar e engulo, embora com dificuldade. Levanto-me da mesa e sigo o soldado pelos corredores, até ao escritório.

—Eu não preciso de babysitter, eu sei onde é. – Resmungo. Ele olha para mim e volta a encarar o caminho, sem nunca dizer nada.

— Ele disse para esperares.

O soldado abre-me a porta e eu entro na divisão. Está vazia. Olho para a mesa cheia de papéis, pastas e documentos e aproximo-me. A maioria é sobre armas e droga, mas há algo que faz-me correr o risco de ser apanhado a mexer no que não devo: CONFIDENCIAL- Ignis.

Abro a pastas bege e começo a ler. Os meus olhos arregalam—se ao passar os olhos pelo primeiro parágrafo. O quê? Não é possível.

Oiço passos lá fora e apresso-me para colocar a pasta debaixo da farda. A porta abre-se no segundo a seguir e Raphael olha para mim de cima a baixo, analisando a minha postura.

—Fui informado de que me queria ver. – digo firme.

—Sim, é verdade. Perdoa a minha demora. – Ele senta-se antes de continuar. – Parece que o meu filho já acordou.

— Espero que ele se encontre bem.

— Ele está, mas não a 100%. É justamente sobre isso que quero conversar contigo.

Eu levanto uma sobrancelha. Raphael faz sinal para que me sente e pega em dois copos e Whisky.

— Como sabes, esta semana iria ser importante para a Organização. – Começa ele, enquanto despeja o líquido alaranjado e entrega-mo. – Mas fica sabendo que os nossos planos ainda vão acontecer, mas contigo.

— Receio que não esteja a entender. – Devolvo.

O velhote dá um gole e molha os lábios, antes de explicar.

— Era o Gabriel que iria liderar a transição das armas e gerenciar o "Campo de Concentração", mas depois do pequeno incidente da semana passada, ele não está em condições de ir, mas tu estás.

A minha boca abre instantaneamente. Um pequeno sorriso aparece no canto da minha boca.

— Deixe-me ver se entendi..., na semana passada, o Senhor achava que eu andava a traí-lo e a ajudar o inimigo, mas hoje está a propor-me o trabalho que era para o seu filho...?

Raphael assente. Eu pego no copo de whisky e dou um valente gole.

— O Senhor ou é estupidamente ingénuo ou perigosamente inteligente. Qual dos dois você é? Raphael...

Eu esperava por uma arma apontada a mim; uma cara feia ou até mesmo uma ameaça. Mas nada me preparou para o que ele fez. O velho começa a rir loucamente, como se por segundos encarnasse um dos vilões da série de heróis.

— Tu... - ele aponta o dedo para mim, enquanto segura no copo. – Tu tens tomates para fazer certas coisas, não tens? Ívan...

— Posso ao menos pensar na proposta? – pergunto, apressando o assunto. É desconfortável estar sozinho no mesmo espaço que ele.

— Antes da minha morte, de preferência.

— Não se preocupe, não irá demorar muito. – Sorrio antes de terminar a bebida e pousar o copo na mesa.

Viro-me de costas para sair, mas Raphael ainda pergunta:

— A resposta? Ou a minha morte?

Eu limito a olhar para ele e a sorrir. O velhote no cadeirão de couro e de Whisky na mão encara-me bastante sério.

—A resposta, claro. – Minto com um sorriso, antes de sair.

A porta fecha-se e imediatamente o Walkie Talkie de Raphael começa a trabalhar.



— "Ele mordeu o isco?"

— Sim, creio que ele mordeu o isco.

 

 

*****

 

 

 

Nour encarava as bolhas da água a ferver da panela, como se estivesse em transe. Bear, ao lado, tirava a pele ao coelho de um jeito suave. Fazia parecer fácil. Ele sorri, ao olhar para a "Loba Preta", que encara agora de forma discreta o Alfa na entrada da gruta, a sonhar com o horizonte em tons de fim de dia.

— "Vocês deveriam apenas de se acalmar e foder, às vezes" – Gesticula Bear com as mãos. Nour tenta esconder um sorriso envergonhado e revira os olhos. – "Vai falar com ele. Vocês não trocaram mais uma palavra, desde a discussão de manhã".

— Ele não quer falar comigo. – Ela sussurra.

Bear aponta-lhe o punhal como ameaça. Nour ri.

—Está bem...estou a ir.

Ela levanta-se e sacode o pó das calças. Luckyan está de braços cruzados nos limites da pedra enquanto encara o pôr do sol canadiense. Os tons alaranjados fazem sobressair o azul cinza, que dá vida aos olhos dele.

Nour caminha calmamente, com as mãos nos bolsos das calças e a vergonha estampada na cara. Ela para ao lado dele e diz:

—Lindo, não?

Luckyan não diz nada. O Alfa apenas dá um breve olhar e volta a encarar o horizonte. Nour baixa o olhar e molha os lábios antes de voltar a falar:

— Vou buscar o Nanuk hoje. – Ela sorri fraco, tentando animá-lo. – queria salvar a minha mãe e a minha irmã também e... - ela trava. – Queria te perguntar se poderia trazê-los para aqui...? -Luckyan olha para ela. – Só por esta noite...prometo que amanhã de manhã partiremos e que nunca mais ouves falar de mim...

Luckyan engole em seco. Dá para notar o quão quebrado ele acabou de ficar por dentro, com as palavras dela. Nour espera que ele diga alguma coisa, mas ele não o faz.

— Vou matar o Raphael e o Gabriel também. – diz firme, implorando indiretamente para que ele diga alguma coisa. – Esperava poder fazê-lo, contigo ao meu lado, mas... - ela trava. Os dois ficam em silêncio durante uns bons segundos. – Desculpa...

Calmamente ela vira as costas e caminha para à gruta, deixando-o assim, sozinho outra vez. Ela trava os pés e olha por cima do ombro. Luckyan não se mexeu um milímetro.

Mas o Alfa está quebrado. Com os olhos enterrados em desespero e tristeza, ele chora, mas em baixo tom, para que ninguém oiça. Ele coloca a mão no coração e aperta o peito. Dói. Dói como se estivessem a queimá-lo.



*****

 

 

 

Em Seatle, Saaya andava de um lado para o outro, em busca de Aslam. A "loba castanha escura" desce as escadas à pressa e de forma brusca para procurar por ele na sala, mas só encontra Miroslav. O antigo médico da 2º Guerra Mundial baixa o jornal e encara-a com um ponto de interrogação no meio da testa.

— Onde está o Aslam? – pergunta Saaya, olhando em volta.

— Pelo que eu percebi, foi dar uma volta. – responde Miro.

— Às oito da noite?

Miroslav afasta a manga da camisa, olha para o relógio de pulso e ergue as sobrancelhas ao perceber que perdeu um pouco a noção do tempo.

Aslam estava no parque, no mesmo local onde estava situado o mercado, uns dias antes. Mas desta vez, ele não veio às compras. Os seus olhos bicolores estão focados numa pessoa: A rapariga loira do outro dia.

Ela está a fazer jogging e é rápida. Aslam tenta acompanhá-la, tentando ao máximo manter uma distância segura e discreta, mas ela volta a acelerar e, por surpresa, sai dos trilhos para ir em direção a uma zona com bastantes árvores. O "Lobo Branco" segue-a, sem hesitar.

Aslam trava. Ela desapareceu, mas, no entanto, ela estava a poucos metros dele. Ele olha em volta, quase sem fôlego, perguntando-se como raio ele a perdeu de vista.



— Porque é que é que me estás a seguir?

 

 

Um sotaque inglês ecoa. Aslam vira-se e tomba de rabo no chão quando a vê de braços cruzados e de sorriso brincalhão no rosto.

— Eu não te estou a seguir. – Responde ele num riso de forma firme.

— É proibido vir para aqui. Todos aqui na zona sabem. Há uma placa à entrada. – Ela sorri. Aslam cerra a sobrancelha.

— Então porque viraste para aqui? – ele riposta.

— Para ver se viravas também. E fizeste-o.

Ela está a adorar o momento, mas decide terminar-lhe com o sofrimento e estende-lhe a mão, para ajudá-lo a levantar-se. Aslam é demasiado orgulhoso e acaba por se levantar sozinho. Aquele silêncio estranho surge, ao fim de segundos sem ambos dizerem algo.

— Está bem, talvez estivesse a seguir-te. – Admite. – Mas não fiques convencida. Era apenas curiosidade.

— Sobre o quê?

Aslam não tem tempo de responder, ao ouvir o barulho de uma seta ser disparada em direção a eles.

— Cuidado!

Ele salta para cima dela e os dois aterram com força no chão. Algo explode. A seta tinha um explosivo.

— Corre!


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Notas finais do capítulo

u.u e agora? o que aconteceu? Quem é que disparou a seta?

Até ao próximo!



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