Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake
Notas iniciais do capítulo
Espero que gostem ♥
Detroit Michigan E.U.A 1977
(...2 anos depois...)
As pequenas visitas tinham-se tornado constantes, e, mais tarde, um hábito. Quase todos os dias, Malika observava Ívar, a jogar de uma certa distância. O jogo acaba e ela dirige-se para a entrada do campo. Malika passa com a ponta dos dedos nas grades e o tilintar das unhas causam arrepios ao afro-americano.
Um amigo de Ívar olha para ela e cutuca—o, para lhe perguntar:
—Ainda te dás com a "branquela"?
Ívar para de atar os ténis e levanta a cabeça para encarar o amigo, de sobrancelha arqueada. De seguida, ele olha para a entrada, onde Malika espera por ele pacientemente encostada nas grades.
— Claro. É uma amiga. – responde com alguma insolência no tom.
—Não é má, para uma branquela.
Ívar fica sério, mas antes de poder dizer ou fazer algo, um sotaque britânico ecoa na quadra.
—Está tudo bem? – Malika pergunta.
O amigo de Ívar arregala os olhos e franze a testa, perguntando-se como raio ela chegou ali tão rapidamente.
Ele aproxima-se dela, sem perder a postura e encara-a de cima a baixo, antes de ir embora.
— Desculpa... eu sei que estavas a ouvir tudo – começa Ívar. – Ele é boa pessoa, mas ninguém está habituado a ver "brancos" por aqui.
— Eu sei. – Ela sorri, não parecendo afetada. – Ás vezes tenho que me lembrar de que já não estou em Inglaterra.
Ívar pega na mala de desporto. O caminho era sempre o mesmo, embora por vezes, houvesse alguns desvios para fazer uma visita às Vending Machines.
— O que vais querer desta vez? – pergunta Malika ao clicar nos botões entusiasmada.
— Eu fui aceite no exército.
Apenas o barulho do refrigerante a cair ouvia-se naquele espaço. Malika está de costas para ele e não se mexe quando a máquina apita para ela pegar na lata.
— Mali? – pergunta Ívar de forma carinhosa. – Mali, o que foi?
— Isso era a sério?
Faz-se uns segundos de silêncio. Malika vira-se de frente e encara-o com uma expressão triste. Ele cerra o maxilar e olha em volta como pretexto para não encarar a namorada.
— Eu pensei que... - ele suspira. – Eu pensei que tivesses entendido. Ando a falar nisto no último ano.
— Mas... - Malika começa a lacrimejar. – Então e eu? Então e nós?
— Eu vou continuar a vir a casa. Que conversa é essa?
— Ívar eu não consigo sobreviver aqui sozinha, sem ti! - ela trava. – Os teus amigos vão-me perseguir.
— Malika, olha para a cor dos teus olhos quando a lua aparece. – Ele resmunga. O luar torna os olhos dela vermelhos por uns segundos. – Não és tu que devias de ter medo, eram eles.
— E queres que faça o quê? Que me transforme à frente de toda a gente?
Ela prepara-se para caminhar, mas Ívar agarra-a.
— Eu quero que esperes. Aqui, por mim...
Bear andava às voltas pela gruta, nervoso e preocupado com o tempo que Luckyan já estava a demorar. Ele gesticulava, ao falar com ele próprio e a perguntar-se: "Porque é que ele não me ouviu? Porque é que é tão teimoso?". A panela velha e gasta com arroz ainda estava quente, mas não por muito mais tempo.
De repente, o ruivo ouve passos lá fora e fixa os olhos na entrada. Uma pata negra surge e depois um corpo preto e peludo com algo carregado às costas, diante dos olhos dele. É Nour! Bear vai a correr.
— Cuidado, está ferido. — Avisa a loba preta, ao agachar-se em quatro patas, para que Luckyan saia do dorso dela.
— Não estou assim tão mal. – resmunga o Alfa.
—Pois não, estás péssimo.
Bear e Luckyan encaram-na e depois trocam olhares entre si. O tom dela mudou. O fumo preto trás de volta a humana e Nour dirige-se para o quarto. Luckyan mesmo coxo, vai atrás.
— O que te aconteceu? -pergunta o Alfa. Nour está de costas.
— Han? Nada. – Ela começa a despir-se.
Luckyan não se dá por contente e força-a a encara-lo. Ele olha para os olhos dela e nota algo de diferente. Não a cor, mas a forma como ela olha e as expressões que os mesmos fazem. Os olhos também falam e neles, está a resposta para tudo.
— O que tu fizeste? -olha desconfiado.
— Larga-me. – Nour sacode-se. – Eu não fiz nada.
Ela afasta-se. Luckyan pega numa faca sem que ela veja e lança-a com força. Nour vira-se de costas e apanha-a, numa velocidade incrível. Pingas de sangue começam a escorrer da mão fechada e terminam no chão de pedra da gruta. Luckyan arregala os olhos. Era impossível ela ter conseguido apanhar.
Nour abre a mão. A faca pintada de sangue desprende-se da carne e cai. Ela apressa-se a pegar num pano e cobre rapidamente a palma da mão, mas Luckyan insiste em saber a verdade.
— Mostra-me a mão. -ordena. Nour não obedece. – Não há nenhuma ferida, pois não?
— Tu viste o sangue. – Ela riposta.
— Eu vi um lobo a ter reflexos que não pode ter.
Ela cerra o maxilar e desvia o olhar para o pano com algumas manchas de sangue. Luckyan pega-lhe no pulso e arranca o pedaço de tecido, no momento em que Nour tenta travá-lo. O Alfa abre-lhe a mão e, como ele esperava, está lisa. Não há corte nenhum.
— Isto é impossível... - sussurra. Nour retira a mão. – O que raio é que tu fizeste?
— Não acreditarias, se eu te contasse.
— Experimenta.
O tom dele é rude. Nour molha os lábios e caminha para se apoiar na mesa de cabeceira.
— Eu... - ela começa. – Eu fiz um pacto... - sussurra. – Luckyan franze a sobrancelha. – Eu encontrei-me com o Fenrir.
Luckyan começa a sorrir. Aquele sorriso de quem quase caiu numa brincadeira, mas quando Nour se volta de frente e a expressão séria e triste se mantém, o Alfa vê que ela não está a brincar.
— Se fizeste um pacto... - Luckyan trava. – Tiveste que dar algo em troca. O que foi?
Nour começa a soluçar. Lágrimas e mais lágrimas começam a escorre-lhe pelo queixo.
— Eu dei a minha Aura. – Ela funga. – Assim que eu tiver morto o Raphael e o Gabriel, eu tenho que lha dar. Era o que ele queria, foi o que eu tive que apostar.
Nour limpa as lágrimas de forma rápida e recompõe-se. Os olhos verdes dela mal mantêm contacto com os azuis de Luckyan, que parece com uma expressão triste e desiludida.
— Em toda a minha vida, apenas ouvi rumores de lobos que se tinham encontrado pessoalmente com Fenrir. Nunca pensei que fosse realmente possível. – Ele suspira. – Mas sabes o que todos tinham em comum nas suas histórias? – Nour encara-o. – Todos tinham sido enganados. Sinceramente, como pudeste ser tão burra?
— Eu estava a tentar salvar toda a gente! -ela grita. – E tu? O que raio é que tens feito?! – ela aproxima-se. Luckyan cerra o maxilar. – Para além de te esconderes numa gruta com o rabo entre as pernas e dizeres aos outros o que é melhor para a vida deles?
O Alfa faz uma cara de desdenho, mas não diz uma palavra. Luckyan vira as costas e caminha em direção à porta.
— Isso, foge. Não fizeste a mesma coisa quando mataste os meus pais?
Luckyan soca a porta de betão e aproxima-se dela num segundo, para sussurrar algo, mas Nour adianta-se.
— Se te aproximas mais um centímetro que for... - ela ameaça. – arranco-te o lábio.
— Arranca então. – Ele aproxima-se mais ainda. – Vá! Arranca! Estou-te a mandar arrancar, Nour! Arranca!
Eles estão tão próximos..., uma lágrima desprende dos olhos avermelhados dela e escorre cara a baixo. Luckyan não quebra.
— Desculpa, eu não queria... - ela sussurra, mas é cortada.
— Sim, tu querias.
*****
—Ívan!
Levanto os olhos e encaro um soldado a fitar-me. Paro de comer e olho em volta, pois todos estão com atenção em mim.
— O Raphael quer falar contigo.
Termino de mastigar e engulo, embora com dificuldade. Levanto-me da mesa e sigo o soldado pelos corredores, até ao escritório.
—Eu não preciso de babysitter, eu sei onde é. – Resmungo. Ele olha para mim e volta a encarar o caminho, sem nunca dizer nada.
— Ele disse para esperares.
O soldado abre-me a porta e eu entro na divisão. Está vazia. Olho para a mesa cheia de papéis, pastas e documentos e aproximo-me. A maioria é sobre armas e droga, mas há algo que faz-me correr o risco de ser apanhado a mexer no que não devo: CONFIDENCIAL- Ignis.
Abro a pastas bege e começo a ler. Os meus olhos arregalam—se ao passar os olhos pelo primeiro parágrafo. O quê? Não é possível.
Oiço passos lá fora e apresso-me para colocar a pasta debaixo da farda. A porta abre-se no segundo a seguir e Raphael olha para mim de cima a baixo, analisando a minha postura.
—Fui informado de que me queria ver. – digo firme.
—Sim, é verdade. Perdoa a minha demora. – Ele senta-se antes de continuar. – Parece que o meu filho já acordou.
— Espero que ele se encontre bem.
— Ele está, mas não a 100%. É justamente sobre isso que quero conversar contigo.
Eu levanto uma sobrancelha. Raphael faz sinal para que me sente e pega em dois copos e Whisky.
— Como sabes, esta semana iria ser importante para a Organização. – Começa ele, enquanto despeja o líquido alaranjado e entrega-mo. – Mas fica sabendo que os nossos planos ainda vão acontecer, mas contigo.
— Receio que não esteja a entender. – Devolvo.
O velhote dá um gole e molha os lábios, antes de explicar.
— Era o Gabriel que iria liderar a transição das armas e gerenciar o "Campo de Concentração", mas depois do pequeno incidente da semana passada, ele não está em condições de ir, mas tu estás.
A minha boca abre instantaneamente. Um pequeno sorriso aparece no canto da minha boca.
— Deixe-me ver se entendi..., na semana passada, o Senhor achava que eu andava a traí-lo e a ajudar o inimigo, mas hoje está a propor-me o trabalho que era para o seu filho...?
Raphael assente. Eu pego no copo de whisky e dou um valente gole.
— O Senhor ou é estupidamente ingénuo ou perigosamente inteligente. Qual dos dois você é? Raphael...
Eu esperava por uma arma apontada a mim; uma cara feia ou até mesmo uma ameaça. Mas nada me preparou para o que ele fez. O velho começa a rir loucamente, como se por segundos encarnasse um dos vilões da série de heróis.
— Tu... - ele aponta o dedo para mim, enquanto segura no copo. – Tu tens tomates para fazer certas coisas, não tens? Ívan...
— Posso ao menos pensar na proposta? – pergunto, apressando o assunto. É desconfortável estar sozinho no mesmo espaço que ele.
— Antes da minha morte, de preferência.
— Não se preocupe, não irá demorar muito. – Sorrio antes de terminar a bebida e pousar o copo na mesa.
Viro-me de costas para sair, mas Raphael ainda pergunta:
— A resposta? Ou a minha morte?
Eu limito a olhar para ele e a sorrir. O velhote no cadeirão de couro e de Whisky na mão encara-me bastante sério.
—A resposta, claro. – Minto com um sorriso, antes de sair.
A porta fecha-se e imediatamente o Walkie Talkie de Raphael começa a trabalhar.
— "Ele mordeu o isco?"
— Sim, creio que ele mordeu o isco.
*****
Nour encarava as bolhas da água a ferver da panela, como se estivesse em transe. Bear, ao lado, tirava a pele ao coelho de um jeito suave. Fazia parecer fácil. Ele sorri, ao olhar para a "Loba Preta", que encara agora de forma discreta o Alfa na entrada da gruta, a sonhar com o horizonte em tons de fim de dia.
— "Vocês deveriam apenas de se acalmar e foder, às vezes" – Gesticula Bear com as mãos. Nour tenta esconder um sorriso envergonhado e revira os olhos. – "Vai falar com ele. Vocês não trocaram mais uma palavra, desde a discussão de manhã".
— Ele não quer falar comigo. – Ela sussurra.
Bear aponta-lhe o punhal como ameaça. Nour ri.
—Está bem...estou a ir.
Ela levanta-se e sacode o pó das calças. Luckyan está de braços cruzados nos limites da pedra enquanto encara o pôr do sol canadiense. Os tons alaranjados fazem sobressair o azul cinza, que dá vida aos olhos dele.
Nour caminha calmamente, com as mãos nos bolsos das calças e a vergonha estampada na cara. Ela para ao lado dele e diz:
—Lindo, não?
Luckyan não diz nada. O Alfa apenas dá um breve olhar e volta a encarar o horizonte. Nour baixa o olhar e molha os lábios antes de voltar a falar:
— Vou buscar o Nanuk hoje. – Ela sorri fraco, tentando animá-lo. – queria salvar a minha mãe e a minha irmã também e... - ela trava. – Queria te perguntar se poderia trazê-los para aqui...? -Luckyan olha para ela. – Só por esta noite...prometo que amanhã de manhã partiremos e que nunca mais ouves falar de mim...
Luckyan engole em seco. Dá para notar o quão quebrado ele acabou de ficar por dentro, com as palavras dela. Nour espera que ele diga alguma coisa, mas ele não o faz.
— Vou matar o Raphael e o Gabriel também. – diz firme, implorando indiretamente para que ele diga alguma coisa. – Esperava poder fazê-lo, contigo ao meu lado, mas... - ela trava. Os dois ficam em silêncio durante uns bons segundos. – Desculpa...
Calmamente ela vira as costas e caminha para à gruta, deixando-o assim, sozinho outra vez. Ela trava os pés e olha por cima do ombro. Luckyan não se mexeu um milímetro.
Mas o Alfa está quebrado. Com os olhos enterrados em desespero e tristeza, ele chora, mas em baixo tom, para que ninguém oiça. Ele coloca a mão no coração e aperta o peito. Dói. Dói como se estivessem a queimá-lo.
*****
Em Seatle, Saaya andava de um lado para o outro, em busca de Aslam. A "loba castanha escura" desce as escadas à pressa e de forma brusca para procurar por ele na sala, mas só encontra Miroslav. O antigo médico da 2º Guerra Mundial baixa o jornal e encara-a com um ponto de interrogação no meio da testa.
— Onde está o Aslam? – pergunta Saaya, olhando em volta.
— Pelo que eu percebi, foi dar uma volta. – responde Miro.
— Às oito da noite?
Miroslav afasta a manga da camisa, olha para o relógio de pulso e ergue as sobrancelhas ao perceber que perdeu um pouco a noção do tempo.
Aslam estava no parque, no mesmo local onde estava situado o mercado, uns dias antes. Mas desta vez, ele não veio às compras. Os seus olhos bicolores estão focados numa pessoa: A rapariga loira do outro dia.
Ela está a fazer jogging e é rápida. Aslam tenta acompanhá-la, tentando ao máximo manter uma distância segura e discreta, mas ela volta a acelerar e, por surpresa, sai dos trilhos para ir em direção a uma zona com bastantes árvores. O "Lobo Branco" segue-a, sem hesitar.
Aslam trava. Ela desapareceu, mas, no entanto, ela estava a poucos metros dele. Ele olha em volta, quase sem fôlego, perguntando-se como raio ele a perdeu de vista.
— Porque é que é que me estás a seguir?
Um sotaque inglês ecoa. Aslam vira-se e tomba de rabo no chão quando a vê de braços cruzados e de sorriso brincalhão no rosto.
— Eu não te estou a seguir. – Responde ele num riso de forma firme.
— É proibido vir para aqui. Todos aqui na zona sabem. Há uma placa à entrada. – Ela sorri. Aslam cerra a sobrancelha.
— Então porque viraste para aqui? – ele riposta.
— Para ver se viravas também. E fizeste-o.
Ela está a adorar o momento, mas decide terminar-lhe com o sofrimento e estende-lhe a mão, para ajudá-lo a levantar-se. Aslam é demasiado orgulhoso e acaba por se levantar sozinho. Aquele silêncio estranho surge, ao fim de segundos sem ambos dizerem algo.
— Está bem, talvez estivesse a seguir-te. – Admite. – Mas não fiques convencida. Era apenas curiosidade.
— Sobre o quê?
Aslam não tem tempo de responder, ao ouvir o barulho de uma seta ser disparada em direção a eles.
— Cuidado!
Ele salta para cima dela e os dois aterram com força no chão. Algo explode. A seta tinha um explosivo.
— Corre!
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Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
u.u e agora? o que aconteceu? Quem é que disparou a seta?
Até ao próximo!