Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake


Capítulo 20
O Poder de um Deus


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura~



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***AVISO*** POR FAVOR LEIAM***

***Este capitulo contém assédio/abuso***

 

 

 

— É um "T"? Não, espera! É um "S"?

 

Bear assente, quando Nour finalmente acerta a letra. Ela abre um sorriso enorme de felicidade, ao ver que as últimas duas horas, afinal tinham servido para alguma coisa.

Nour vira o que é estar na pele de alguém que não consegue falar, e que apenas comunica com as mãos, de uma forma ou de outra. Sem língua, apenas consegue dar uso, embora muito pouco, às suas cordas vocais.

— Como é que as coisas estão a correr por aqui?

Nour e Bear olham para o lado. Saaya acabara de chegar e encosta-se no tronco de uma árvore para aproveitar a sombra.

— "Bem! "– gesticula Bear, radiante – "Ela aprende rápido"

Nour apenas dá um sorriso constrangedor. Saaya não descruza os braços e olha para a jovem de vinte anos de cima a baixo.

— Estou a ver – acaba por comentar.

Ela aproxima-se deles os dois e agacha-se. Bear e Nour estão sentados na relva.

— Só vim dizer que o almoço está quase pronto – ela sorri para o ruivo – Ah e Bear..." Eu gosto muito de ti".

Saaya gesticula a frase com as mãos e ele retribui. Ambos sorriem largamente um para o outro, antes de ela os deixar.

Bear cutuca Nour, que vagueava pelo mundo mentalmente, naquele momento. Ela olha para ele e um enorme ponto de interrogação surge por cima da testa, quando o vê a escrever algo num papel solto. Quando o mostra, está escrito "Ela não é má". Nour lê e relê, mas acaba por revirar os olhos em direção ao céu.

— Eu não disse nada – diz.

Bear volta a escrever. "Mas pensaste".



 

****

 

 

Mais tarde, nesse dia, Nour carregava nos braços a roupa lavada no rio, até aos quartos. Ao contrário de Luckyan, Saaya tinha apenas uma cortina a tapar a entrada do mesmo.

Com as mãos e braços ainda a recuperarem do incêndio, Nour tem dificuldade em trabalhar com eles, mas isso não a impede de tentar.

— Saaya, eu tenho a tua r-

Mas Saaya não está. Nour olha em volta. O quarto dela não tem nada a ver com o de Luckyan. É muito mais simples. Apenas um colchão e cobertores serviam de cama e aquecimento.

Nour caminha em direção ao colchão, para pousar a roupa e ir-se embora, mas algo a chama à atenção. Por baixo da almofada, uma folha com algo desenhado está à vista. Ela pega no desenho e passa os dedos no retrato a carvão. É um bebé.

—Nunca te ensinaram a não mexer nas coisas dos outros?

Nour vira-se para trás. Saaya encara-a com cara de poucos amigos e bate com os pés de forma pesada, quando caminha em direção a ela para lhe arrancar o retrato das mãos.

— Desculpa – sussurra Nour – fiquei curiosa...

—A curiosidade matou o cão – riposta Saaya.

—Na verdade, foi o gato – Nour corrige-a. Saaya fuzila-a com os olhos – É teu filho?

— Era… - ela faz enfâse -.. a minha filha.


 

 

De braços cruzados, Luckyan cerrava o maxilar, na esperança de que ela voltasse. Nour tinha saído há horas e o céu já sem cor demonstrava o início da noite.

Algo bate na nuca do Alfa. Luckyan vira-se para trás e vê um avião de papel, caído no chão. Ele pega-o, abre-o e lê a mensagem escrito a carvão.

 

"Ela vai voltar. Para de te preocupar. Consigo ouvir os teus pensamentos a trovejarem daqui"

 

Luckyan olha para trás. Bear sorri, enquanto cozinha um petisco para os dois. O cheiro a carne cozinhada faz Luckyan desviar o olhar da rua por uns minutos.



****

 

 

 

As horas tinham-se passado como minutos. Nour estava longe, muito longe de casa. A "Loba Preta" tinha seguido para norte, e não fazia intenções de voltar para trás tão cedo.

Ela baixa o focinho preto para matar a sede, mas algo lhe diz que não está sozinha. A floresta está silenciosa. Silenciosa demais.

 

"Á procura de alguma coisa?"

 

 

Nour levanta a cabeça imediatamente e olha em volta. Água escorre-lhe pelo focinho. Quem falou?

 

"Estou aqui. Não me consegues ver?"

 

 

Nour rosna. Parece que a voz está a vir de todos os lados da floresta. A "Loba Preta" olha para cima, para os ramos das árvores e vê algo preto. É um corvo.

— "Encontraste-me." diz – "Foste rápida".

Nour olha para o pássaro de queixo caído. Ele acabou mesmo de falar com ela? A "Loba Preta" começa a rir.

 "Eu devo de estar mesmo louca, para achar que o corvo está a falar comigo".

Com uma gargalhada, Nour vira as costas à ave, decidida a continuar o seu caminho. O seu riso não é de graça, mas sim de nervosismo. Ela acha que deve de ter perdido o juízo de vez.

— "Não estás maluca. Eu estou mesmo a falar contigo, Nour"

Nour vira-se para trás, estupefacta.

— "Adeus".

O corvo levanta voo. Nour dá um grito, em ordem para que ele espere, mas ele não o faz. Ela começa a correr. As enormes patas pretas dela galopam no chão, como um cavalo selvagem, enquanto que no ar, a ave preta sobrevoa tudo e todos. Nour tenta não a perder de vista.

— "Espera!"

Ela trava as patas com força, quando vê que não há mais floresta. Diante dela, está o início das cordilheiras rochosas. Uma montanha escura cheia de nada. Não há vida ali.

Nour vê o corvo pousar do outro lado. Um enorme rio que secara há séculos, começava aqui e pararia no oceano. Agora simplesmente existe um pequeno desfiladeiro.

Com cuidado, a jovem loba preta começa a descer. Nem pensar que ela vai deixá-lo fugir. Minutos depois, as mãos dela estão a chegar ao topo de uma zona mais baixa e plana. Há uma racha, que quebra a cordilheira ao meio, o que faz com que dê para passar pelo interior da mesma. O que está do outro lado, é uma incógnita.

— "És determinada" – diz o corvo. - "Tenho que admitir".

Humana, Nour olha para ele, ofegante. Num movimento rápido, ela apanha-o com as duas mãos.

 "Ei, Ei! Cuidado com as penas, cuidado com as penas!"

— Fala – ordena.

 "Liberta-me".

Nour hesita, mas acaba por abrir os dedos. O corvo voa para uma pedra ao lado dela e ambos se encaram por uns segundos.

— "O que farias, se tivesses os poderes de um Deus?"

Nour franze a testa.



 

****

 

 

 

Com o ouvido encostado à porta, Ignis tentava ouvir a conversa entre Gabriel e alguns soldados, no fundo do corredor. Pareciam estar a conversar sobre um Campo de Concentração, mas ela não tinha a certeza.

Ao aperceber-se de que Gabriel vai entrar, Ignis corre em direção à cama e começa a pentear o cabelo, virada de costas. Ele abre a porta e demora para fechá-la. Ignis fica desconfortável.

Através do pequeno espelho em cima da mesa de cabeceira, Ignis consegue vê-lo a tirar a farda e a pousá-la em cima de um pequeno banco. Gabriel olha para trás. Ela desvia o olhar e continua a pentear os enormes cabelos em tons de fogo.

Em passos mansos, ele aproxima-se dela e tira-lhe a escova da mão com calma, antes de perguntar:

— Posso?

Ignis assente, embora hesitante. Gabriel nunca tinha sido tão gentil e, em movimentos calmos, mas assertivos, ele começa a penteá-la com todo o cuidado. Assim que termina, ele pega em duas mechas do cabelo dela e une-as com um gancho.

— Obrigada. – Sussurra Ignis, sem saber bem o que fazer.

— Prepara-me um banho. – Pede. – estou de rastos. Preciso de relaxar.

Ignis levanta-se, mas mantém os olhos sempre colados ao chão e a cabeça baixa, sem o conseguir encarar. Ela deixa o quarto em busca de água quente e volta carregada com dois baldes cheios. Gabriel está completamente nu.

— Desculpa. – Ela vira-se para trás. – Eu deveria de ter batido à porta.

— Não faz mal. – ele responde, ao meter-se na banheira de mármore. – Podes deitar a água.

Ignis assim faz. Gabriel pega numa esponja e sabão e começa a limpar-se, quando de repente, tem outra ideia.

— Lava-me. – ordena. O tom dele começa a ser mais autoritário.

Ela pega na esponja e suspira fundo, antes de passá-la nas costas imensas dele. Gabriel é enorme e coberto de músculos.

As mãos dela passam pelos ombros dele, mas Gabriel, impaciente, pega no braço dela e direciona-o para o peitoral. Ignis cai de joelhos no chão, quando ele a puxa.

A esponja cai na água e Gabriel continua a baixar a mão dela até aos abdominais. Ignis tenta retrair o braço, mas não consegue. Ele está a prendê-la com força.

— O que se passa Ignis? – ele pergunta. Ignis começa a entrar em pânico quando Gabriel começa a apertá-la.

— Gabriel... - ela sussurra, já com lágrimas nos olhos. – Gabriel por favor, solta-me...

— O que foi? Não gostas? – ironiza. Ignis nega, literalmente a massajar o meio das pernas dele, contra a vontade dela.

Gabriel faz movimentos para cima e para baixo, enquanto olha para ela, a implorar para que pare.

— Eu também não gosto que oiçam atrás da porta, Ignis.

— Eu não ouvi nada! – responde Ignis. – Por favor, Gabriel!

— O que é que ouviste, Ignis?!

— Solta-me!

Ignis consegue retirar a mão e afasta-se, com o rosto inundado em lágrimas. Gabriel levanta-se rapidamente da banheira e pega uma toalha.

— Para...- ela implora. – Por favor, eu não ouvi nada...

Gabriel tenta agarrá-la. Ignis debate-se, e, quando tem oportunidade, reúne todas as suas forças e empurra-o.

— Eu disse para parares!

Tudo fica em camara lenta, no momento em que uma rajada de chamas em brasas saem das suas mãos, contra Gabriel. Ele é lançado no ar e bate com o corpo na parede de pedra, caindo depois inconsciente.

Ignis arregala os olhos e encara os palmos ainda a arderem. Fagulhas caem ao redor dela.

— O que é que eu fiz…?



 

****

 

 

 

Acordo quando água fria é atirada a mim. Sobressaltado e sem saber o que está a acontecer, demoro alguns segundos até ter noção. Ainda é de noite. Vários soldados estão à volta da minha cama. Raphael está no meio.

— Hora de acordar – diz o velho. Eu limpo a água do meu rosto com a palma da mão.

— Para que foi isto? – pergunto.

— Onde está a loba? – pergunta ele, cruzando os braços.

— Qual loba?

O punho de um deles acerta-me em cheio no maxilar. Cuspo um pouco de sangue para a palma da mão e olho em volta.

— Eu vou voltar a perguntar: Onde...está...a loba...?

— Foi-se embora. – respondo. – Pensei que fosse isso que quisessem.

Raphael cerra o maxilar. Num movimento rápido, retiro as botas de Nour debaixo da cama e atiro-as para o velho, juntamente com um pedaço de arame ensanguentado.

— Ela deixou isto para trás. – Continuo. – Acabei de imprimir fotos de pegadas, mas ia esperar até amanhecer para lhe mostrar...senhor.

Raphael faz sinal para que as mostre. Ensopado, abro a mesa de cabeceira e entrego-lhe a pasta com fotos lá dentro.

— Quanto tempo? – pergunta.

— Um dia e meio, talvez dois. – Devolvo. – E o Nanuk ainda está na Vila, eu vi-o hoje a vaguear por aí.

— Provavelmente está a tentar chegar à Ignis... - conclui o Raphael.

Eu dou de ombros. Ele olha para mim com uma certa desconfiança e engulo em seco.

— Que seja a última vez que escondes alguma coisa de mim, soldado.

— Sim senhor. Não voltará a acontecer, senhor.

Eles saem, deixando-me finalmente sozinho. Desculpa, Nour.



Falando em Nour, a "Loba Preta" estava a minutos de chegar ao topo da montanha. O céu cinzento e os trovões no cume faziam-na duvidar se deveria de acreditar no que o corvo lhe contara, mas ela decide avançar. Algo a chama.

O chão estremece. Nour sente as vibrações dos trovões subirem pelas suas patas, até ao coração, fazendo-o bater mais depressa. O vento gelado dança por entre o pelo.

Ela chega ao cume exausta e olha em volta. Ela não consegue acreditar no que vê. Duas filas de estátuas de lobos, viradas umas para as outras, formam um caminho para a estátua maior: Um lobo acorrentado em bronze, sentado e a uivar à lua.

Ofertas estão aos seus pés. Ramos de flores, agora mortas, presas que se tornaram carcaças e esqueletos pendurados numas espécies de "caça sonhos". Nour arrepia-se. Parece um cemitério.

Ela dá um passo em frente e olha para as estátuas à medida que caminha. Parece que a encaram, independentemente do ângulo em que olha.

Nour ganha coragem e toca numa delas. Um vento gelado percorre-lhe a espinha. Uma sensação de formigueiro invade-lhe as pontas dos dedos e ela retira imediatamente a mão.

Nour abre e fecha-a, continuamente, e olha para uma placa debaixo do suporta da estátua. Parece ter algo escrito. Ela esfrega a sujidade, até que um nome aparece:

— Alipherus... - ela sussurra de testa franzida.

Rapidamente, ela limpa a placa de outras estátuas. Os nomes Cromus, Lycius, Pallas e Fasso surgem. Nour arregala os olhos e começa a contar as estátuas.

— Vinte e cinco de um lado, vinte e cinco do outro...oh meu... - ela morde a língua, antes de prenunciar o nome "Fenrir". – São os cinquenta filhos de Lycaon!

Ela desvia o olhar e encara a estátua gigante de novo. Também tem uma placa, mas Nour não precisa de a limpar para saber quem ele é. As correntes à volta do corpo e do focinho tornam-no inconfundível. Depois de um suspiro, ela sussurra:

— Fenrir.

O chão começa a tremer. O vento torna-se tão forte que Nour tem que proteger os olhos com os braços e é arrastada, uns passos para trás. A estátua de bronze começa-se a partir, deixando sair uma luz alaranjada que cegaria qualquer um.

Um rosnar ecoa, quando as correntes se partem. O som do metal a quebrar faz a "Loba Preta" espreitar por entre os braços, por um pouco que seja. A estátua acabou de ganhar vida.

O lobo salta do seu pedestal num rosno e o ambiente à volta cessa. Nour teve a sensação de que toda a montanha vibrou quando ele alcançou o solo. Ele aproxima-se e cheira-a. Nour não mexe um milímetro e fecha os olhos. O bafo quente e o som das mandibulas a abrirem para rosnar, arrepiam-na de cima a baixo.

— "Aqueles que aqui vêm, costumam cheirar a medo. Tu cheiras a...esperança." 

 


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