Quando os Lobos Cantam escrita por Ladylake


Capítulo 18
Morrer de Forma Simples e Sossegada


Notas iniciais do capítulo

Oie babies! Mais um capitulo ♥ espero que gostem!



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Quase meio dia, marcava o relógio solar. O grupo de batedores tinha terminado a ronda matinal e dirigia-se em direção à Vila. Não só o quente e acolhedor sol de Verão lhes dissera que era hora de ir para casa, como também as barrigas vazias e barulhentas.

O pequeno grupo de lobos, aproxima-se das margens de uma corredeira para matar a sede.

Seth abeira-se da água e bebe-a com gosto. A sua pelagem de variados castanhos claros e escuros, tornam-no quase impossível de reconhecer no Outono.

Algo chama a atenção do jovem lobo. É brilhante e está a ser trazido pela corrente.

Seth entra dentro das águas perigosas e selvagens, com a determinação de saber o que é aquilo. Os outros lobos vêm-se aflitos, ao ver o mais novo do grupo a aventurar-se daquela forma.

Com as mãos humanas, Seth pega e admira o que tanto brilhava: é uma pena de faisão selvagem.

Instantaneamente, o pensamento dele ruma para uma pessoa. Ele acaricia a pena com todo o cuidado e pensa em como ela iria adorar.

 

 

 

(…)

 

 

 

Seth parecia uma criança que tinha recebido aquele presente de aniversário que tanto queria. Nour encarava o jovem de dezassete anos aos pulos e aparentemente a esconder algo atrás das costas.

— Porquê tanta felicidade? – ela pergunta quando se aproxima dele, com um cesto de fruta pendurado no pulso – o que estás a esconder atrás das costas?

— Nada – cora e desvia-se da adolescente de pele clara e cabelo preto – está bem, mas é só porque és tu…

Seth ergue a pena com as ponta dos dedos com um sorriso gigante nos lábios.

— É linda! – elogia Nour.

— É para a Peach – responde – acho que lhe vou contar Nour… e vai ter que ser agora, senão perco a coragem!

Seth sai disparado em direção à casa da amada. Nour nem tem tempo de dizer seja o que for.

O jovem lobo bate à porta e espera pacientemente. A respiração está pesada e as pernas finas, mas rápidas, tremem como ramos durante uma tempestade. Mas ele está preparado!

A porta abre, mas não é quem Seth esperava. Voughan aparece, em tronco nu e com uma expressão de surpresa. Ambos ficam em silêncio por uns segundos.

— Precisas de alguma coisa, Seth? – pergunta.

— A Peach está? – Seth devolve, desanimado.

— Acho que está a trocar de roupa.

Seth aperta a pena com força, atrás das costas, e tenta não se abalar. O seu pomo-de-Adão move-se, pois esta foi bem difícil de engolir.

— Eu…eu depois… -trava – deixa estar, não é nada.

Foi como se o céu lhe tivesse caído em cima. Seth cerra o maxilar e corre para o Lago Moraine, onde pode ficar sozinho.

Voughan fica a vê-lo partir, sem entender nada. Ele apenas acabara de dizer que a Peach precisou de se ir trocar, pois tinha-se sujado com as ervas e pigmentos naturais.

Mas Seth não sabia. Com toda a força que tem, ele atira a pena para o lago e senta-se dentro de água. Ele molha a cara, mas não é suficiente. Ele tem que mergulhá-la.

Com um movimento rápido e agressivo, Seth sacode o cabelo molhado para trás e encolhe-se na água de novo.

Uns segundos depois, a mesma mexe-se. Alguém acaba de se aproximar. O “jovem lobo” desenterra a cabeça dos braços e olha para cima para ver quem é.

— “Eu acho que isto pertence-te a ti” – diz Nour com um rosno, enquanto coloca-lhe a pena na orelha.

A conversa com Raphael tinha corrido tal e qual como Nour esperava, mas mesmo assim, ela não consegue ficar tranquila. Debaixo daquela confiança toda, está uma jovem morta de medo.

O velho não tinha reagido à ameaça, e, como se tudo fosse dela, Nour pegou no máximo de comida do banquete e foi-se embora. Algo não bate mesmo nada bem.

Com uma travessa de comida em cada mão, a jovem de 20 anos percorre as ruínas à procura dos lobos. Talvez com a barriga um pouco mais cheia, eles fossem mais recetíveis a ouvi-la.

Ela pousa as travessas em cima de um muro de cimento e olha em volta, antes de se afastar.

— Se eles não comerem, os pássaros comem… – sussurra.

Ela caminha em direção à casa onde está Nanuk, esperando assim poder ver o irmão mais velho em paz, por um momento que fosse, mas o Husky não está.

Nour adentra mais e aproxima-se da manta deixada no chão, e da fogueira ainda acesa. Onde raio é que ele foi?

— Outra vez aqui?

Nour assusta-se e vira-se imediatamente para trás. É Nanuk.

— Assustaste-me… - ela suspira – onde foste?

— Urinar – ele responde com um pequeno sorriso – porquê?

— Queria ver-te. Quere ver se estavas bem antes de… - Nour trava. Nanuk cerra as sobrancelhas.

— Antes de…?

Nour suspira e desvia o olhar. Os seus olhos verdes encaram as já pequenas chamas, mas ainda vivas, da fogueira.

— Vou tentar sair da Vila, esta noite – diz de peito feito.

— Por favor, diz-me que é uma piada – implora o irmão.

— Não é.

Nour olha para ele. Olhos verdes que querem ir embora e olhos azuis que pedem para que não vão.

— Espera…o quê? Tu vais-te embora? É isso?

— Não! Quer dizer… eu não sei Nanuk…eu preciso de ajuda.

— Tu precisas do Luckyan… - insinua - …não é?

Nour fica sem resposta. A “loba preta” molha e morde o lábio sem saber o que dizer. O que Nanuk acabara de dizer, atingiu-a como um estalo na cara.

— Eu preciso de saber o que se passa comigo – acaba por dizer – e preciso de te tirar daqui o mais rápido possível, antes que te matem! Eu não sei se já reparaste na quantidade de pessoas que querem limpar-te o pelo, Nanuk – ela inspira – e se o Luckyan tem respostas, eu tenho que as ouvir. Por Fenrir, eu deixei o Aslam na beira do rio sem saber se ele se safaria ou não…

Ele suspira. De cara trancada, Nanuk tapa-se com a manta e não diz mais uma palavra. Nour revira os olhos e caminha porta fora.

—Disseste que protegerias a Ignis… - ele começa. Nour trava as botas – parece que também não posso contar contigo. Vai-la ter com o teu estúpido Alfa…

Nanuk não entendia o porquê de ela querer ir-se embora. Sentia que a irmã o estava a abandonar quando ele mais precisava. Ignis estava sozinha, completamente nas mãos de Gabriel e Nour era a única que poderia tomar conta dela. 

As botas dela começam a caminhar novamente, sem dar um único olhar para o irmão. Num instante, Nour desaparece nas sombras e corre em direção á entrada da Vila.

Soldados vigiam os portões de entrada, como leões vigiam as suas presas. Nour está escondida no meio das ervas, que já vão altas, e espera por uma oportunidade. Não dá. São demasiados.

Ela olha em volta. A enorme parede de arame farpado parece ser a única opção. Ou vai ou racha.

Nour começa a trepar, mas é complicado com botas. A “Loba Preta” descalça-se e prepara-se para tentar subir de novo até lá a cima. Ela tem que fechar os olhos e absorver a dor ou então nunca conseguirá. Com os pés e as mãos a sangrarem, ela só pede para que ninguém a veja. Mas tem que ser rápida. Está muito exposta e alguém pode vê-la a qualquer momento.

Nour salta. Um grito interno explode dentro dela, quando um pedaço de arame se envolve no braço e agarra-a, mantendo-a pendurada por uns segundos. Facilmente, ela desprende-se, mas com consequências. Já no chão, Nour olha para o braço, completamente arranhado e em sangue.

A luz de uma lanterna faze-a avançar para a floresta. Num salto, o que era pele, passou a ser pelo. Nour corre, rápida, mas um pouco coxa e mergulha nas sombras da noite, deixando um rasto de sangue para trás.

Mas de repente, o predador virou a presa. Alguém está atrás dela: outro lobo, e está prestes a apanhá-la. Quase a centímetros de distância, ele salta para cima dela e Nour vira-se, para cair de costas no chão.

Com as patas de trás, ela consegue empurrá-lo, para ser ela a ficar por cima. Imobilizado, ela prepara-se para o matar, quando ele grita:

—Nour sou eu!

O punho dela estagna quando vê o Afro-Americano aparecer diante do fumo. Nour relaxa e solta-o, mas a cara de desconfiada e de poucos amigos permanece.

— Estás-me a seguir? – pergunta. Ívar ajeita o colarinho da farda antes de responder.

— Mais ou menos. Onde é que vais a esta hora?

Nour ri.

— Quem raio é que tu pensas que és? O meu pai?

Com um encontrão, Nour deixa-o para trás, mas Ívar não desiste.

— Eu sei o que se está a passar contigo.

Nour para e roda os pés ensanguentados sob o solo florestal.

— Tu não sabes nada, sobre o que me está a acontecer.

Com as costas viradas, a “loba preta” dá mais dois passos.

— Tu sentes-te separada do teu outro “tu” – começa Ívar. Nour para – os pesadelos que mais parecem enigmas são cada vez mais frequentes e acredita, eles vão piorar. Tu sentes que a cada vez que dormes, perdes um bocado de ti, mas o teu lobo ganha mais poder. Há algo… uma palavra ou alguém, que faz ativar uma parte de ti, que não sabes o que é. Mas és tu.

— Isso não faz sentido nenhum.

Nour encerra a conversa de vez. Ívar chateia-se e salta por cima dela, transformando-se no ar. Nour trava, quando vê um enorme lobo preto azulado e de olhos vermelhos e luminosos diante dela.

Ela olha-o de cima a baixo. Um rosno vindo de Ívar faz os pelos acinzentados do peito balançarem de um lado para o outro. Duas manchas cinzentas envolvem os olhos vermelhos vivos, como sangue fresco acabado de cair na neve.

“Vais ouvir-me, ou não?”.

Nour cerra o maxilar.

 

 

****

 

 

Ívar para de caminhar e observa a loba preta a aproximar-se da gruta onde viveu durante 4 meses. Ele vê-a subir para a enorme pedra diante da entrada. Nour percebe que Ívar fica para trás, e vira o corpo lupino para ele.

“Vens?” – pergunta ela, do alto da pedra.

“Isso é seguro?” – devolve.

“Claro que é seguro. Onde raio pensas que vivi? Na toca de um urso?”

Ambos os lobos se aproximam da entrada. Nour cola o focinho no chão e começa a farejar. A gruta está demasiado silenciosa para o normal.

Descalça e em forma humana, ela adentra na gruta. Ívar parece querer ficar do lado de fora, à entrada, de vigia.

Algo debaixo dos pés dela magoam-na, mas não são as feridas. Nour desvia o pé e nota na pulseira de linha e pingentes de madeira, feita por Bear. Ela pega-a do chão e assopra a poeira que se entranhou.

Nour começa a soluçar, em pânico, já pensando no pior. Ívar apercebe-se do pequeno choro e vai ter com ela.

“Hey…não fiques assim. Aposto que estão bem” — ele tenta confortar, encostando a cabeça felpuda no corpo dela.

— Deixa-me sozinha Ívar – pede Nour – eu preciso de ficar sozinha…

Ívar recua, sem insistir.

— Ao menos fica com isto.

O Afro-Americano estende na mão uma caixa de fósforos e parte assim que ele pega. Nour ouve-o transformar-se e as enormes patas galoparem no chão. Assim ela fica sozinha.

Num movimento rápido, ela acende um fósforo e procura pelo candeeiro a óleo de Luckyan, para não ficar às escuras.

Ela pousa o mesmo no chão e abre a enorme porta de betão, que dá acesso ao quarto do Alfa. Está vazio, como seria de esperar.

 

Foi como se eu o meu coração chorasse comigo. Eu vim aqui à procura de respostas, mas ganhei ainda mais perguntas. Onde estão todos? O que aconteceu?

Pouso o candeeiro na mesa de cabeceira e sento-me na cama. Pego na almofada e agarro-me a ela. Agarro-me a um sentimento que não desaparece de forma alguma. As minhas lágrimas caem, molhando assim o tecido esbranquiçado, carregado ainda com o cheiro dele. Um cheiro que me cheira a casa e a paz. Um cheiro que me trazia tranquilidade, por um momento que fosse.

Amor? Ou serei apenas eu a tentar preencher aquele vazio que Soren deixou? Aquele buraco no peito que por mais que eu tape com outra pessoa, nunca deixa de estar aberto.

 

 

(…)

 

Nour acorda com barulhos vindos da entrada. A jovem de 20 anos senta-se na cama e repara que adormeceu. Ela levanta-se e caminha para a porta de betão.

É ele. Luckyan pousa sacos no chão e dá por ela, quando levanta o olhar. Os dois ficam imóveis, quase não acreditando naquilo que vêm à frente.

— Nour?

Mas ela não responde. Ela apenas limita-se a olhar para ele, de lágrimas nos olhos e com um rosto visivelmente cansado.

— Estás viva… - Luckyan sussurra, aliviado.

O Alfa aproxima-se, quando de repente, vê uma mão a voar em direção a ele. Um barulho de estalo ecoa na gruta. Luckyan olha para ela, estático e sem entender o que acaba de acontecer.

— Por me mentires… - ela começa – por me esconderes coisas, quando a única coisa que sempre te pedi foi sinceridade. Parecias diferente… de todos os outros, que fingem o que sentem perto de alguém.

— Nour eu não-

— Cala-te! Não digas nada! Porque tudo o que vai sair da tua boca, não passa de mentiras! – ela chora.

Bear aproxima-se e tenta acalmá-la. Luckyan ainda está com a palma da mão sobre a bochecha vermelha e quente.

— Sim eu menti! – responde o Alfa – eu menti para te proteger! Eu fugi desse assunto várias vezes!  Assim como tu fugiste no dia em que decidiste virar-nos as costas e ir embora sem dizer nada!

— Ambos sabemos que era a única solução! – ela grita – Vocês estavam em perigo por minha causa!

— Teríamos arranjado uma solução! – Luckyan grita ainda mais alto – consegues imaginar o quão preocupado eu fiquei, quando acordei e vi que não estavas ali?

Nour revira os olhos.

— Poupa-me! Alguma vez te preocupaste com alguém de verdade? Ou esse peito feito de Alfa frustrado dá-te mais credibilidade?

Luckyan fica pasmo com a audácia de Nour. Ele olha-a de cima antes de passar por ela. Nour fica furiosa.

“Não te atrevas a virar-me as costas!”

Num piscar de olhos, ela salta para cima dele e abocanha-o. Luckyan tem que meter os braços à frente, para se proteger. Com os pés, o Alfa consegue empurrá-la para longe. O chuto foi tão forte, que Nour voa em direção a uma parede, e tomba no chão, desorientada.

— Eu não queria que as coisas fossem assim – ele começa a despir-se e a estalar os ossos – mas se é por este caminho que queres ir, eu não me importo.

De dentes arreganhados e com uma vontade colossal de se magoarem um ao outro, ambos se embrulham numa feroz luta. Não demora muito até Nour não aguentar mais. Ela já estava ferida.

Banhados em sangue, desde a cara até às pernas, aqueles dois não conhecem limites.

Luckyan pega nela e envolve os fortes bíceps à volta do pescoço dela. Não para a matar, mas sim para a neutralizar. Ele quer que ela pare, ou vão acabar por se matar um ao outro.

Bear está escondido no meio das coisas e observa aqueles dois resolverem as coisas à pancada. Como dois lobos normais fariam.

Nour engasga-se e suplica por um pouco de ar. Luckyan não renuncia.

— Quando é que vais entender que eu não sou o teu inimigo?! – ele larga-a. Nour cai no chão e tosse, ao meter ar nos pulmões.

Ela começa a chorar. Luckyan não amolece, muito pelo contrário.

— Levanta-te – ordena – eu transformei-te numa arma… e armas não choram! Então limpa essas lágrimas e luta! Mas não comigo! Luta com aqueles que te fizeram mal! Com aqueles que te fizeram o funeral, mas que afinal estavas viva! E olha o quão viva tu estás, Nour…

A “loba preta” não diz uma palavra. A única coisa que Luckyan consegue ver sãos os seus lábios, pois o resto está escondido por cabelo e sangue.

Ele vira as costas. Bear olha para eles, com um olhar triste.

— Tu transformaste-me numa arma… e disseste-me para ir à procura de paz - ela sussurra. Luckyan olha para trás – mas que paz é que eu tenho, ao saber que o homem que nos condenou a este inferno é meu irmão? E que o velho que ele trouxe com ele, limpa o sangue do meu povo da sua faca todas as noites antes de se ir deitar?

Luckyan suspira e fecha os olhos por uns segundos, antes de se aproximar dela de novo. Com a mão ferida sobre o ombro dela, ele responde:

— Olha para ti – ele sussurra – olha para a cor que os teus olhos carregam quando o teu outro “tu” vem ao de cima. Tu nasceste uma líder. Nenhum trono ou coroa é preciso. Luta, e todos à tua volta lutarão contigo! Luta! Porque tu não sabes como morrer de forma simples e sossegada.


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Notas finais do capítulo

Caso alguém ainda leia, dê " oi" pelo amor de deus ;-;



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