Pokémon - Unbroken Bonds escrita por Benihime


Capítulo 11
Armadilha




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— Vai, Inari! — Calista ordenou. — Clarão Deslumbrante agora!

— Não tão rápido, fadinha. — Malva abriu um de seus infames sorrisos irônicos, gesto espelhado à perfeição por sua Mega Houndoom. — Houndoom, Lança Chamas.

Um estrondo ecoou pela Câmara Ardente quando as chamas de Houndoom se chocaram com a muralha de luz ao redor de Inari. A Rainha de Kalos abriu um largo sorriso. Já havia antecipado aquele contra ataque.

— Perfeito! — A morena exclamou. — Agora pegue ela!

— Houndoom, use Mastigada!

— Rápido, Raio de Gelo no chão. — Calista ordenou. — Não a deixe se aproximar!

A Pokemon tipo Sombrio/Fogo investiu a plena carga, presas à mostra. Inari, porém, foi mais rápida e conseguiu congelar o chão, fazendo com que a oponente sofresse uma queda espetacular, deslizando de barriga pelo gelo. A cena foi tão cômica que nenhuma das duas treinadoras conteve o riso.

— Só mesmo você, Caly. — Malva disse, balançando a cabeça em um gesto de reprovação jocosa. — Muito bem, garota, a batalha acabou. Pode descansar agora.

Com um flash de luz, Houndoom voltou à sua forma normal e foi sentar-se ao lado de sua treinadora, arfando pesadamente devido ao cansaço da batalha.

— Obrigada pela ajuda, Mal. — Calista disse. — Você é o máximo.

— É claro que sou. — A repórter rebateu sem o menor traço de modéstia. — E considere-se uma mulher de sorte. Não costumo pegar tão leve.

— E eu não sei disso? — A morena respondeu, rindo. — Falando sério, você poderia se tornar campeã se quisesse. Já pensou em tentar a sorte?

— Até parece. — Malva bufou ironicamente. — Não conte a ela que eu disse isso, mas aposto que não seríamos páreo para Diantha.

— Como se eu fosse contar isso a ela. — Calista riu alto. — A última coisa de que Din precisa é de um motivo para aumentar o ego.

— É mesmo, Calista?

A voz de Diantha fez Calista girar nos calcanhares para ver a atriz parada no corredor de acesso, encarando-a de braços cruzados. Diantha estava vestida casualmente, jeans e suéter cor de creme com os cabelos castanhos presos em um simples rabo de cavalo. A expressão em seus olhos azuis, porém, era tudo menos casual.

— Din! — A Rainha de Kalos sorriu com sincero prazer. — Que surpresa boa! Pensei que você estaria trabalhando hoje.

— Minha parte no filme já está concluída. — A atriz explicou friamente. — Estou livre até a estreia.

— Isso é ótimo! — Calista exclamou. — Por que não vem treinar conosco? Podemos fazer uma batalha tripla.

— Não, obrigada. — Foi a resposta. — Lamento, mas já tenho um compromisso.

Calista e Malva trocaram um rápido olhar, ambas achando graça na tentativa de Diantha de evitar a repórter.

— E eu preciso trabalhar. — A mulher de cabelos cor de rosa disse, quebrando o breve silêncio. — Calys, obrigada pela batalha. Mesma hora amanhã?

— Se estiver tudo bem por você.

— Está combinado, então. — Malva abriu um sorriso malvado, aproximou-se e deu um beijo estalado na bochecha de Calista, deixando uma marca de batom cor de rosa. — Nos vemos amanhã, fadinha.

Após terminar de falar, a especialista em pokemons tipo Fogo retirou-se, deixando as duas amigas a sós. Por um longo momento nenhuma delas disse nada.

— O que foi isso?! — Diantha exclamou por fim. — Vocês duas ... ?

— Malva estava me ajudando a treinar, só isso. — Calista respondeu. — Depois do ataque daquele Kyurem, percebi que preciso ser mais forte. Não posso me esconder atrás dos outros para sempre. Não posso deixar ninguém correr riscos por mim.

— Podia ter me dito alguma coisa. — A campeã protestou. — Sabe que eu a teria ajudado com prazer.

— Eu sei, Din. Mas eu precisava de alguém forte que ...

— Está dizendo que eu não sou boa o bastante?! — Diantha esbravejou, claramente ofendida. — Ora, francamente, Calista!

— Não é nada disso, sua bobinha. — Calista respondeu afetuosamente. — Você é fenomenal. Só estou dizendo que eu precisava de alguém forte que não fosse pegar leve comigo. E nem venha dizer que não. Eu sei que você me ama, não conseguiria me machucar nem que quisesse.

— Mesmo assim ... — A atriz disse, ainda zangada. — Pedir a ela para ajudá-la a treinar é o mesmo que ver um Caterpie pedindo ajuda a um Pidgeotto.

— Está dizendo que acha que não consigo lidar com a Mal? Caramba, Diantha, não sou assim tão idiota!

— Mal?! — Diantha repetiu quase num rosnado. — Ah, que ótimo! Isso era exatamente o que faltava.

— Não aja como se isso fosse uma surpresa. — A Rainha de Kalos rebateu, agora perdendo a paciência. — Malva e eu somos amigas, Din, e eu nunca lhe escondi isso.

— Estou lhe avisando, Caly, ela não é sua amiga. — Diantha declarou teimosamente. — Malva só se importa consigo mesma. Ela nem sabe o que a palavra "amizade" significa.

— Já chega. — Calista ordenou. — Pare com isso, Diantha. Você nem sequer a conhece.

— E você conhece?

— Sim. — A morena respondeu sem hesitar. — Conheço. Confio na Mal com a minha vida.

Malva, parada fora de vista no corredor que levava para fora da sala, riu baixinho consigo mesma, divertindo-se ao imaginar o quanto Diantha devia ter detestado ouvir aquilo. Seu Holomissor bipou logo em seguida, distraindo a repórter da doçura daquele pequeno momento de vingança.

Com dois rápidos comandos a tela do dispositivo se acendeu, projetando uma imagem holográfica genérica de um avatar sem feições. Sob ele, letras de um branco fantasmagórico pareciam flutuar em pleno ar, formando um endereço e um horário.

Na hora combinada Malva esperava na frente do local indicado, uma antiga instalação de pesquisa desativada pertencente aos Laboratórios Lysandre. Haviam alguns prédios como aquele espalhados pela região de Kalos, braços agora inúteis de uma grande empresa, abandonados por motivos diversos. Aquele, porém, era o mais remoto e já há algum tempo era o ponto de encontro de escolha quando Lysandre precisava tratar de assuntos sigilosos com sua subcomandante.

Malva seguiu a passos firmes pelo prédio deserto, indo para a antiga sala de reuniões. Ao contrário do que esperava, o lugar estava vazio e completamente às escuras.

— Lysandre? — A repórter chamou em voz baixa. Algo naquele silêncio parecia pesar na própria atmosfera, como se fosse uma coisa viva, que a observasse. Como se não devesse ser rompido.

Não houve resposta. Malva, porém, sabia que havia um outro lugar no prédio onde o famoso magnata poderia estar. Com um suspiro resignado, a mulher kalosiana foi até o outro lado da sala de reuniões.

Poucos sabiam que aquele cômodo tinha, na verdade, duas saídas - uma delas engenhosamente disfarçada. A porta era quase da mesma cor da parede, com talvez um ou dois tons de diferença. Imperceptível. Não havia maçaneta, também, apenas um simples mecanismo de pressão.

Encontrando o ponto certo, Malva pressionou a palma da mão contra a parede, que se abriu para revelar um segundo corredor que descia na direção de uma porta do tipo corta-fogo. Confirmando suas suspeitas, as pesadas folhas estavam entreabertas, revelando uma escada que se perdia nas sombras abaixo.

Enquanto ela descia, um rangido suave quebrou o silêncio. A repórter virou-se, mas não viu nada além de escuridão atrás de si. Ao atingir o último degrau, seus olhos escanearam o espaço ao redor, tomando nota de cada canto e possível esconderijo antes de prosseguir.

— Mas que droga, Lysandre! — Malva resmungou baixinho, cada vez mais intrigada com aquela situação.

Seus pensamentos foram interrompidos por um baque atrás de si. A mulher de cabelos cor de rosa se virou de um pulo para ver um par de olhos vermelhos brilhando na escuridão. Foi uma questão de segundos para que os tentáculos negros do pokemon a pegassem e ela perdesse a consciência.

Quando acordou novamente todo o seu corpo doía e sua visão estava embaçada. Com algum esforço a repórter conseguiu erguer a cabeça e olhar ao redor. Estava no antigo laboratório subterrâneo da instalação e imediatamente se deu conta de que era observada.

Num primeiro instante, pensou tratar-se do mesmo pokemon que a capturara, mas logo percebeu seu engano. Era um homem. A penumbra não permitia que visse suas feições claramente, mas o único olho vermelho que a encarava tinha uma expressão de sadismo malicioso que fez Malva sentir um arrepio.

— Ora, ora. — O homem disse zombeteiramente. — Veja só quem finalmente acordou.

— Quem ... — A repórter tentou perguntar, encolhendo-se ligeiramente ante a dor lancinante em sua cabeça. — Quem diabos é você?

— Diabo? — Ele pareceu divertir-se com a expressão. — Muito lisonjeiro, mas não. Pode me chamar de Ghetsis.

Malva simplesmente se manteve em silêncio, encarando-o por um longo momento. Vendo-a enfim desviar o olhar e desistir do confronto, Ghetsis sorriu. Quando ele se aproximou um pouco mais, ela notou que se tratava de um homem de meia idade com longos cabelos grisalhos e feições cruéis.

— O que você quer? — A mulher de cabelos cor de rosa inquiriu em voz baixa.

— Algo muito simples. — Foi a resposta. — Informações ... Sobre um certo conjunto de passagens secretas na sede da Liga de Kalos.

— Isso é só uma lenda. — Malva rebateu. — Pura especulação. Nunca foi provado ...

— Talvez não. — Ghetsis a interrompeu suavemente. — Mas você as descobriu, não foi?

Os olhos ambarinos da repórter se arregalaram em choque. Só uma pessoa conhecia aquele seu segredo, e seria a última pessoa de quem ela esperaria uma traição. Era impossível ...

— Como ... — Malva se odiou pela hesitação em sua voz, mas ignorou o sentimento e foi em frente. — Como você ...?

— Ora, Malva. — Na escuridão, mais uma vez o sorriso de Ghetsis reluziu, frio como gelo. — Você não pensou que Lysandre manteria o seu segredo, pensou? Quanta tolice.

A repórter sentiu seu coração disparar e em seguida se partir em mil pedaços em seu peito ao ouvir suas suspeitas serem confirmadas.

— Eu não acredito em você. — Ela blefou. — E, mesmo que soubesse qualquer coisa, não lhe diria. Prefiro morrer.

— Cuidado com o que deseja. — Ghetsis advertiu, girando casualmente uma pokebola nas mãos. — E, a propósito, eu olharia para baixo se fosse você.

Malva obedeceu automaticamente e de imediato soltou um arquejo de surpresa. Cordas prendiam suas mãos mas, entre elas, era possível ver um pingente azul-celeste na forma de um laço. Sem precisar ver mais nada, Malva soube que o pingente ao lado daquele era de prata e brilhantes, uma réplica em miniatura perfeita da coroa de Rainha de Kalos. É claro que reconhecia aquela joia. O pingente de turmalina azul fora um presente que escolhera pessoalmente, e levara semanas para encontrar.

— Você está blefando. — A repórter rosnou, embora não tenha conseguido disfarçar o alarme em sua voz. — É uma réplica. Você nunca conseguiria chegar até ela.

— Será mesmo? — As cordas ao redor do pulso esquerdo de Malva, onde a pulseira se encontrava, subitamente se soltaram por conta própria. — Olhe melhor.

Malva ergueu o pulso e seu sangue gelou ao reconhecer a inscrição na base do pingente em forma de coroa, que dizia "sempre" em graciosas letras cursivas. Ninguém além dela mesma, Calista e Diantha sabia sobre aquilo. A busca por aqueles pingentes, a coroa e o laço, havia sido o único ponto em comum que ela e a campeã de Kalos haviam tido em anos.

Perceber que a joia era verdadeira fez uma torrente de puro ódio fluir por suas veias. Subitamente, só conseguia pensar nela, em destroçar qualquer coisa que a ameaçasse.

— Onde ela está? — A repórter inquiriu. — Eu juro, se encostar sequer um dedo nela, seu desgraçado ...

— Farei muito mais do que isso. — Ghetsis assegurou calmamente, inabalado ante sua raiva. — Mas não há motivo algum para sua querida Calista se ferir, caso você me diga o que eu quero. Como pode ver, a segurança dela está em suas mãos.

Malva suspirou, furiosa com sua própria impotência. Não havia muitas pessoas com quem se importasse e, dessas, menos ainda pelas quais se arriscaria. Calista era uma dessas. A jovem que jamais conseguira intimidar, que via nela algo de bom que a própria Malva não conseguia ver.

— Está bem. — A mulher de cabelos cor de rosa cedeu. — Você tem razão, as passagens existem. Não acho que mais ninguém saiba sobre elas, apenas eu.

Ghetsis assentiu para si mesmo, parecendo satisfeito, e libertou o pokemon contido na pokebola que trazia nas mãos. Era um Cofagrigus. O Pokemon Ataúde se aproximou, emitindo luz de seus olhos vermelhos enquanto seu treinador desdobrava um mapa da região de Kalos.

— Me mostre. — Ele ordenou simplesmente.

— Primeiro quero vê-la. — Foi a resposta. — Se ela estiver bem, lhe mostrarei o que quer. Caso contrário ...

— Ah, Malva. — Ghetsis balançou a cabeça num gesto de reprovação. — Você não está em posição para negociar, muito menos para me fazer qualquer ameaça.

Ao longe, um grito de dor muito familiar soou. Malva esqueceu toda e qualquer cautela, berrando de puro ódio enquanto se lançava sobre Ghetsis. As cordas em seus pulsos se ataram por conta própria com tanta força que ela imediatamente começou a sangrar ao ser lançada para trás. Sentiu-se como um animal acorrentado, impotente.

— Seu ... — Sua voz tremia de dor, mas seus olhos queimavam como tochas, cheios de raiva. — Seu desgraçado demente!

— Responda o que quero saber e não precisarei mais feri-la. — O homem respondeu simplesmente. — As duas podem sair daqui.

— Aqui. — Malva apontou, a corda ao redor de sua mão esquerda novamente libertando-a por conta própria. — Aqui. E aqui. Estas são as três entradas.

— E uma delas ... — Ghetsis continuou. — Leva ao coração da sede da Liga, próximo aos aposentos da campeã, não é verdade?

— Eu não sei. — A repórter mentiu sem hesitar. — Conheço as passagens, mas jamais as usei. Não sei onde cada uma vai dar.

— Você está mentindo. — O homem declarou, parecendo sombriamente satisfeito com o fato. — Realmente não devia ter feito isso, minha cara.

O grito de Calista soou novamente, ainda mais desesperado e cheio de dor do que antes. Malva cerrou os dentes, tentando conter sua fúria enquanto Ghetsis a encarava com um sorriso.

— Esta aqui. — A mulher de cabelos cor de rosa, vendo que tinha novamente a mão esquerda livre, bateu-a com toda a força sobre um ponto específico no mapa. — É esta que você quer.

— Pronto, pronto. — O homem grisalho afastou uma mecha de cabelo rebelde que caíra sobre os olhos da repórter. — Cooperar não é muito mais fácil?

— Vá para o inferno, seu louco maldito!

— Talvez um dia. — Foi a resposta, enquanto as cordas se soltavam ao redor da repórter. — Por enquanto ... Eu cumpro minha palavra. Vá.

— E Calista?

— Ela também está livre para ir. — Ghetsis assegurou. — Depois que eu me certificar de que você me disse a verdade.

Mais uma vez os gritos soaram, terríveis berros de dor que fizeram o sangue de Malva ferver. Dessa vez, ela não hesitou.  Sem se importar com as consequências, a repórter se lançou contra Ghetsis, determinada a fazê-lo pagar por cada um daqueles gritos de dor com as próprias mãos.

As garras de Cofagrigus, porém, a pegaram pela cintura em um aperto de ferro, lançando-a no ar como uma boneca de trapos.

O baque ao atingir o chão foi doloroso, mas Malva o ignorou e se pôs de pé novamente. As garras sombrias avançaram novamente, dessa vez se enterrando em seu abdômen, fazendo-a gritar involuntariamente de dor.

 — Não se atreva a encostar nela!

A voz feminina soou alta, clara e poderosa, seguida pelo rugir muito familiar de um pokemon e o som de enormes asas batendo. Malva caiu de joelhos, mas manteve o rosto erguido, certa de que estava delirando. Devia estar, era a única explicação, pois viu Calista entrar correndo no antigo laboratório acompanhada por Yveltal.

O Pokemon Destruição imediatamente avançou contra Ghetsis e Cofagrigus com suas garras afiadíssimas, mantendo-os longe enquanto Calista corria para Malva e a amparava.

— Mal! — A morena exclamou. — Ah, que droga! Mal, fique acordada só mais um pouco, ok? Não feche os olhos.

Malva assentiu minimante, observando por sobre o ombro de Calista enquanto seu novo parceiro forçava Ghetsis a fugir. Um sentimento de sombrio triunfo explodiu em seu peito quando ela viu que ele estava obviamente ferido. Distraindo-a, algo comprimiu o ferimento deixado pelas garras de Cofagrigus, fazendo-a gritar de dor novamente.

— Desculpe! — Calista exclamou quase histericamente. — Desculpe, Mal, desculpe! Eu preciso fazer esse sangramento parar.

Mas Malva já nem estava se importando mais com a dor. Olhava apenas para a mulher morena à sua frente.

— Ca ... Ly. — A repórter conseguiu balbuciar em meio à dor. — Você ... Ele ... A machucou?

— Não, Mal. — A voz da Rainha de Kalos tremia. Mesmo sem vê-la claramente, Malva sabia que ela estava chorando. — Não. Ghetsis nunca encostou em mim, foi tudo mentira.

Embora exausta demais para dizer mais uma palavra que fosse, Malva se permitiu sorrir ao ouvir aquilo. A dor agora atingira o ponto além do insuportável, quando começava a parecer diminuir, e suas pálpebras pesavam cada vez mais. Não conseguiria mantê-las abertas mesmo que quisesse.

— Mal! — Calista exclamou. — Mal, não se atreva a fechar os olhos. Fique comigo. Anda, Mal, você é mais forte do que isso!

Malva quis responder, mas ondas de escuridão a engolfavam, arrastando-a cada vez mais para baixo. A última coisa que sentiu foi algo frio e afiado tocar seu rosto.

Quando voltou a abrir os olhos, tudo ao seu redor era branco, e todo o seu corpo doía como se tivesse sido largado em um moedor de carne e mergulhado em ácido ao mesmo tempo. Bipes constantes e agudos soavam, o que a fez erguer uma das mãos na direção de sua cabeça latejante.

— Não. — Uma voz baixa disse enquanto alguém segurava seu pulso. — Não pode. Fique parada, ou vai acabar se machucando ainda mais.

Ao se virar na direção da dona daquela voz, Malva abriu um sorriso de puro deleite. Sem se importar com os fios que agora via conectados a seu braço, nem mesmo com a dor que sentiu, conseguiu sentar-se e jogou o braço livre ao redor de Calista num abraço desajeitado.

 — Você está bem! — A mulher de cabelos cor de rosa exclamou ao se afastar.

— É claro que estou. — Calista disse, ainda surpresa com o gesto inesperado de sua amiga. — Era tudo uma mentira. Ghetsis roubou minha pulseira. Ele nunca chegou a encostar sequer um dedo em mim.

— Que bom. — Foi a reposta. — O que aconteceu? Aquele Cofagrigus ...

— Agradeça a Yveltal. — A morena declarou. — Aquele Cofagrigus não existe mais. Sabe como Yveltal tem o poder de roubar a energia de qualquer coisa ao seu alcance? Acontece que, se desejar, ele também pode partilhá-la. Foi assim que seu parceiro salvou você.

— Ótimo. — A mulher de cabelos cor de rosa declarou selvagemente. — E Ghetsis?

— Fugiu. Ainda não sabemos mais nada sobre ele.

— Então ainda vou poder fazê-lo pagar.

— Mal, você quase morreu. — Calista protestou. — Não acha que precisa pensar em melhorar primeiro?

— Talvez, mas não seria tão prazeroso.

— Você não tem jeito. Sua ... — A morena deixou escapar um soluço baixo de quem contém o choro. — É sério, Mal, nunca mais. Nunca mais faça isso comigo, está bem? 

A repórter kalosiana viu as lágrimas naqueles olhos verdes, mas sabia que Calista não iria chorar. Ela era orgulhosa demais para isso. Antes que pudesse pensar no que dizer, porém, uma batida na porta a interrompeu.

— Mas o que ... 

— Pode deixar. Eu aposto que sei quem é.

Calista se pôs de pé e abriu a porta, vendo o já esperado par de olhos azuis a encará-la com preocupação.

— Calista! — Diantha exclamou, jogando os braços ao seu redor num abraço apertado. — Ainda bem! Você devia ter pelo menos me dito, eu teria ajudado!

— Pensei que a odiasse.

— Talvez. — A campeã respondeu com seriedade. — Mas jamais me perdoaria se você se ferisse. Faz alguma ideia do quanto Ghetsis é perigoso?

— É, eu sei. — Calista assentiu. — Ash me contou o que aquele homem fez em Unova.

— E você o enfrentou sozinha. — Diantha balançou a cabeça em reprovação. — Eu juro, Calista ...

— Eu não estava sozinha. — A morena interrompeu. — Tive ajuda.

— É mesmo? — Calista foi encarada com descrença, vendo sua amiga erguer uma sobrancelha bem feita em sinal de dúvida. — De quem?

— Isso realmente importa agora?

— Tem razão, não importa. — A atriz kalosiana concordou. — E Malva, como está?

A jovem kantoniana olhou por sobre o ombro, para a mulher de cabelos cor de rosa que agora fingia dormir. Na certa tomara a decisão assim que a porta se abriu. Diantha seguiu seu olhar, seu rosto anuviando-se de tristeza.

— Ela está bem. — Calista garantiu. — A Mal é durona. Agora pare de protelar, Din, nós duas sabemos que não foi a mim que você veio ver.

— Mas ela ...

— Vai gostar de saber que você veio. — A jovem interrompeu. — De uma forma ou de outra.

— Isso define bem as coisas. — Malva declarou, fazendo Diantha pular de susto mesmo que seu tom fosse quase suave. — Diantha. Eu não esperava vê-la.

— Vou deixar vocês duas a sós. — Calista disse. — Din, aquela doceria do outro lado da rua tem um bolo de laranja espetacular. Me encontre lá depois, se quiser.

Assim que Calista saiu, Diantha aproximou-se e ocupou o lugar da jovem morena na poltrona ao lado da cama.

— Que bom que você veio. — Malva declarou. — Tem uma coisa que preciso lhe perguntar.

As palavras e a aparência doentia da repórter kalosiana fizeram Diantha sentir algo que jamais imaginara sentir por ela: simpatia. Pela primeira vez desde a conhecera Malva parecia pequena, vulnerável e muito jovem, aparentando ter seus 23 anos.

— Não precisa. — A atriz interrompeu gentilmente. — Calista me contou quase tudo, eu já sei o que você quer me perguntar.  a resposta é não. Nenhum de nós sabia do plano de Ghetsis.

A mulher de cabelos cor de rosa relaxou ao ouvir aquilo, satisfeita com aquela resposta. Por um longo tempo, nenhuma das duas rivais falou.

— Diantha, eu ... — A especialista em pokemons tipo Fogo rompeu o silêncio em voz baixa, quase hesitantemente. — Eu lhe devo desculpas. O fato de você estar aqui prova que eu estava errada sobre você.

Apesar da situação, aquelas palavras trouxeram um sorriso aos lábios da campeã de Kalos.

— Talvez nem tanto assim. — Ela admitiu. — Mas confesso que estou surpresa. Pensei que a "grande Malva" jamais se desculpasse.

— Agradeça Calista por isso. — Foi a resposta, seguida por uma risada baixinha. — Só mesmo ela.

O modo afetuoso como Malva pronunciou aquele nome, assim como a expressão em seus olhos cor de âmbar, entregou imediatamente a verdade.

— Você gosta dela! — Diantha exclamou, sem conseguir conter sua surpresa.

— E? — A mulher de cabelos cor de rosa a encarou com indiferença, sua expressão agora completamente ilegível. — Você também.

— Não se faça de boba, você sabe do que estou falando. — A campeã rebateu. — Caly sabe?

— Não. — Malva respondeu, rendendo-se com um suspiro. Ela conhecia Diantha bem o bastante para saber que a atriz nunca desistia até conseguir o que queria. Era mais fácil ceder e confessar logo a verdade. Além do mais, estava cansada demais para mentir. — E ela não pode saber. Nunca.

— Mas ...

— Me escute, Diantha. — A mulher de cabelos cor de rosa interrompeu autoritariamente. — Tem uma coisa que você precisa saber.

O mais brevemente que conseguiu, a repórter resumiu o que se passara naquela unidade de pesquisa abandonada, revelando seu pequeno truque, como convencera Ghetsis de sua mentira. Quando terminou de falar, foi recompensada com o sorriso de dez mil volts que já rendera tantas pessoas com seu charme.

— Parece que eu estava errada sobre você. — Diantha declarou num tom caloroso que a surpreendeu. — Não se preocupe, eu assumo daqui.

Malva simplesmente assentiu, recostando-se nos travesseiros e fechando os olhos. Os remédios e tudo o que passara naquele dia a deixavam exausta. Pôde ouvir os saltos altos de Diantha estalarem no piso enquanto a atriz se dirigia para a porta, então os cliques pararam e ela chamou seu nome. O máximo que a repórter pôde emitir em resposta foi um murmúrio sonolento.

— Obrigada.

Aquela palavra foi como um jato de água fria, a surpresa deixando-a alerta por um momento. Diantha, porém, já havia saído.


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