Os segredos de Sakura escrita por NinjadePapel


Capítulo 23
Efêmera


Notas iniciais do capítulo

Oiiiii, voltei a essa hora em plena terça feira só de ansiedade em postar logo. Na verdade eu queria ter postado no sábado, massss, não deu. Enfim, boa leitura, vejo vcs nas notas finais!



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A primeira vez que ele sentiu o coração dela foi naquela ponte. 

Haviam senbon perfurando sua carne, a dor era um ruído incômodo próximo. Ele estava naquele lugar entre o sono e a vigília, sua última lembrança era de se jogar em frente ao Dobe, um impulso tão cru que ele nem foi capaz de se impedir. Ele caiu nos braços da inconsciência rapidamente, a dor longe, os sons ao seu redor eram murmúrios do vento. 

A primeira coisa que ouviu de verdade foi o choro dela, em seguida sentiu a umidade das lágrimas encharcar sua camisa. Era Sakura, ele sabia, o cheiro dela era muito único, mesmo naquela época. Ela se jogou sobre seu corpo ferido e Sasuke só queria gritar como ela estava sendo irritante, será que ela não tinha noção de que ele estava ferido?

Mas ele não gritou. Ele sentiu o abraço, o corpo pousado em cima do seu, e um pulsar diferente do de suas feridas, como o bater de asas de uma borboleta, suave e ritmado. Demorou alguns segundos mas, enquanto ela citava o livro de regras, ele descobriu que era o pulsar do coração de Sakura, pressionado em seu corpo. Foi estranhamente calmante, como uma canção de ninar.

Ele não quis mais gritar com ela, mas ela era realmente pesada e por mais que ele gostasse, mesmo que negando até a morte, de sentir o coração dela bater tão próximo, tudo estava doendo.

— Sakura! - dessa vez ele gritou.

A cena era invertida agora, Sasuke estava com ela em seu colo, distante da cratera de onde ele correu em meio a névoa dolorosa para aparar seu corpo. Agora, ajoelhado no chão com Sakura em seus braços, o coração dela batia tão fracamente, como a despedida solene de uma canção melancólica. 

— Precisamos levá-la para Konoha - Jung dizia desesperado em algum lugar atrás.

O ruivo e Kakashi estavam perambulando por seu ombro, Sasuke não conseguia tirar os olhos de Sakura, da pele tão pálida, do sangue vermelho que escorria lentamente de seu nariz. Sim, eles tinham que levá-la até Konoha, se havia alguma chance, e ele a agarraria com unhas e dentes, estava lá. Na última vez que ela precisou eles estavam a apenas algumas horas da vila, agora quase dois dias de viagem os separavam.

Era pior do que ser esfaqueado com uma lâmina cega, mas ele tinha que admitir, ela não ia resistir. 

Havia uma outra alternativa, no entanto.

A única outra vez que ele o fizera foi no dia em que descobriu sua suposta morte. Teletransportar-se da costa de Kiri para a costa do continente tinha sido um grande risco, um que além de consumir muito chakra não era certeza de sucesso e ainda podia levá-lo a uma morte dolorosa. Ele precisava visualizar seu destino, naquela época ainda pouco entendia seu doujutsu, agora sabia disso. Mas se ele pôde antes, mesmo que na ignorância, ele poderia tentar outra vez.

Ele faria qualquer coisa para perpetuar a canção do coração dela.

O risco era imenso mas a alternativa era inaceitável. 

Atrás dele, Jung e Kakashi falavam alguma coisa mas ele não prestou atenção. Levou a mão a lateral do rosto dela, a pele fria e suave, os lábios partidos e ressecados, as pálpebras cerradas escondendo os olhos que ele tanto amava. Ele não ia permitir que eles se fechassem para sempre.

Sasuke concentrou o chakra em seu doujutsu, a imagem de Konoha enchendo sua mente, a sensação estranha, o frio na barriga de ser puxado por entre as dimensões. Seu estômago revirando a cabeça girando. Ele agarrou Sakura como sua tábua de salvação, ele não se importou com os gritos dos companheiros, Kakashi saberia que deveria voltar a Konoha.

Em um momento ele estava lá, então tudo era vazio, seu mundo resumido a Sakura, ainda desacordada em seus braços, e no outro ele estava em frente ao hospital. Foi como ser cuspido de uma tempestade revolta, a visão perfeita dada a ele pelos olhos poderosos embaçada. De repente até respirar era difícil, sua cabeça girando como um furacão.

Ele continuou olhando para Sakura, mesmo quando seus olhos pesaram e suas forças se foram, mesmo quando ele ouviu os gritos do que ele pensou ser Tsunade.

A inconsciência se jogou sobre ele com uma força nunca antes sentida, mas seu último pensamento foi um pedido ao coração dela: Por favor, não pare.

 

&

 

À primeira vista, Sarada não era nada parecida com Sakura, se lhe dissessem ao acaso e com um passada rápida de olhos sobre a menina, Tsunade jamais diria que a pequena era de sua discípula. Mas, se olhasse bem, ela estava lá, nos pequenos traços, no formato dos olhos, no pequeno nariz arrebitado.

Sakura sempre se referiu a Sasuke como arrogante, e de fato, o pirralho Uchiha era um chute no ego de qualquer um, e por mais que Sarada tivesse parte dessa arrogância, ela era irritadiça como a mãe. Curiosamente, os ingredientes para uma personalidade nada amigável deram origem a uma criança no mínimo interessante.

Ela era, inegavelmente e ridiculamente inteligente, como a mãe absorvia rápido o que lhe era dito, teimosa mas no fundo, gentil, como o pai era taciturna, direta e objetiva. Obviamente o cabelo e os olhos eram mais favoráveis para indicar sua linhagem Uchiha, mas agora, de olhos fechados envolta no mais profundo sono, era quase como ver a pequena Sakura que a anos implorou por sua orientação.

Depois de semanas naquele sono de morte que parecia nunca ter fim, ver a menina acordar foi um alívio sem igual para Tsunade. Apesar do pouco tempo de convivência, Sarada era filha de Sakura, a filha que ela nunca teve, sua herdeira. Se isso não bastasse, a Godaime era absolutamente feliz com a personalidade arisca e objetiva da menina, um bálsamo para quem costumava lidar com os sorrisos ensaiados.

Não foi fácil, no entanto, fazer a menina dormir. Kakashi iria lhe pagar por dizer tão abertamente a criança a situação de sua mãe, principalmente depois de ela sair de um estado de inanição tão prolongado. Ela entendia, é claro, sua motivação, a loira não tinha a intenção de prolongar a mentira, como se fosse funcionar com a pequena espertinha. Ela se recusou a dormir por horas, mesmo ainda estando frágil ela foi firme, birrando em querer sair em busca de sua mãe.

Tsunade não podia culpá-la, se não fosse tão necessária ali também teria ido para dar o apoio médico que Sakura certamente precisaria 

Para alguém que em termos de idade poderia ser considerada uma anciã, Tsunade ainda tinha a paciência de uma criança.

As horas que seguiram a partida da equipe de resgate para Sakura pareciam se arrastar. A ex-Hokage colocou cada um dos funcionários do hospital em alerta, o centro cirúrgico estava inteiro pronto, bolsas de sangue e todo o suporte necessário ao alcance. Ninguém sabia em que situação Sakura retornaria, e ela retornaria com certeza.

Ela tinha passado as últimas horas no laboratório junto a Shizune que seria quem lhe auxiliaria no procedimento de Sakura. Os testes que por semanas elas realizaram com tecidos colhidos da própria Sakura foram promissores, mas havia um mundo de diferenças entre o que se fazia in vitro e in vivo. As condições teriam que ser muito controladas e muito específicas, que o sábio permitisse que Sakura estivesse ao menos em condições de se manter consciente, além disso, a dor seria indescritível.

Mas era a única alternativa que tinham.

Lá fora, o sol começava a descer a linha do horizonte, os tons quentes do outono colorindo o céu. Sentada em frente a cama da menina teimosa, Tsunade só conseguia ver uma criança com saudades de sua mãe, ela também sentia saudade de Sakura. Depois de tanto tempo convivendo com mais uma perda, convivendo com mais um arrependimento, Sakura ressurgiu como uma segunda chance, ela não aceitaria perder mais ninguém a essa altura de sua vida.

Tantas guerras, tanta morte, tanto sangue, nunca mais.

A perturbação foi assustadora. Tsunade saltou de sua poltrona ao sentir a distorção, uma sensação de ver a realidade ser torcida, uma onda de poder que gritava. Ela correu para a janela a tempo de ver a fenda entre as dimensões se fechar e Sasuke ser cuspido com Sakura no colo, desacordada e mole. Que o Sábio lhe ajudasse.

As escadas e corredores do hospital passaram como borrões e quando ela irrompeu pelas portas do prédio alguns dos enfermeiros a seguiram, ela berrou comandos para dispersar os curiosos que já se aglomeravam em torno dos dois corpos no chão. Ela correu para amparar o já desacordado Uchiha que permanecia agarrado ao corpo inerte de Sakura.

Tsunade tomou o corpo frágil de Sakura para si enquanto um enfermeiro deslocava Sasuke para a maca e para dentro do hospital. Todo o corpo da Senju ficou tenso ao tomar a figura de Sakura em seus braços, fria, pesada, com sangue escorrendo por nariz, canto da boca e ouvido. Isso definitivamente não era bom. 

Os momentos seguintes foram muito rápidos e embaçados para a loira, entre levar Sakura para dentro do prédio e a equipe de cirurgia começar a prepará-la, poderia muito bem ter durado um segundo. Ela viu a menina pálida no traje cirúrgico entrar ainda inconsciente na sala de cirurgia, ela lavou as mãos com Shizune a seu lado passando os últimos detalhes do procedimento. Ela jamais deixou o rosto sereno da menina de cabelos róseos que parecia tão tentada a morrer a qualquer momento.

Não se ela pudesse evitar.

Dentro da sala de operações um batalhão de enfermeiros e médicos auxiliares estavam a postos, Tsunade se aproximou da maca de um lado, Shizune do outro, Ino chegaria em breve para integrar a equipe assim que terminasse o procedimento que ela mesma chefiava na sala ao lado - Qual a situação da paciente?

— A pressão está muito baixa e continua caindo. A avaliação preliminar indica falência múltipla dos órgãos iminente, o miocárdio está seriamente comprometido, os pulmões e rins estão falhando, o fígado está trabalhando em 10% da capacidade. Além disso, um quadro de coagulação intravascular disseminada e hemorragia interna severa está evoluindo - respondeu a enfermeira chefe.

Um silêncio sepulcral caiu sobre a sala, o quadro era intenso, difícil mas não impossível para Iryonin, isso é claro, se a equipe médica fosse experiente e eficiente e o paciente se encontrasse em condições de recuperação. Ela não tinha dúvidas do primeiro, tinha escolhido todos a dedo, mas o segundo seria seu maior problema, principalmente porque a circulação de chakra desgovernada de Sakura dificultaria o processo de cura.

Bom, ao que parece eles fariam história hoje.

Tsunade olhou no fundo dos olhos de Shizune, ela tinha total confiança na médica para chefiar a parte convencional da cirurgia, era sua própria parte que a preocupava - Certo, me ouçam bem todos. A pessoa nessa mesa é não apenas uma das melhores médicas do mundo shinobi mas também uma pessoa importante para mim, para alguns nesta sala e para Konoha. Ela está nesse estado por que se sacrificou pela paz na vila - cada um dos presentes sustentou o olhar da Godaime, ela quase podia sentir a adrenalina pulsando na sala - Nas próximas horas todos vamos trabalhar para mantê-la viva, para devolver a ela a vida que abriu mão pela nossa paz. Vai ser longo, doloroso e cansativo e se não achar que pode suportar a pressão saia desta sala agora pois eu não quero bebês chorões atrapalhando.

Ninguém se moveu, nem quando ela parou de falar ou encarou cada um dos rostos presentes, e isso encheu a médica de orgulho  - Ótimo, vamos começar.

Os outros três médicos se posicionaram cada um em um importante sítio anatômico, Shizune para o tórax, outro para abdomem e um terceiro para o crânio. A morena olhou para a Godaime em busca de confirmação - Posso Tsunade-sama?

— Faça - ela ordenou.

Ambas as mãos da médica morena pousaram sobre o coração de Sakura, completamente alheia a tudo o que lhe rodeava, o acesso venoso conectado à bolsa de sangue que já substituia o que ela continuava perdendo. O chakra verde explodiu nas mãos de Shizune em uma rajada que se espalhou pelo corpo inteiro de sua paciente, como uma corrente elétrica amplificada estimulando cada uma das células.

O corpo de Sakura pulou na mesa, os olhos verdes se abriram, sangue estourado dos microvasos de sua esclera tingiam o branco de vermelho. Arregalados e confusos os olhos rolaram por toda a órbita desesperados e assustados, os enfermeiros já seguravam os braços e pernas trêmulos. Lágrimas gordas e gemidos dolorosos foram exprimidos do fundo de seu corpo machucado. No monitor cardíaco os batimentos de seu sofrido coração iam a loucura.

— Sakura - Tsunade chamou, firme mas cuidadosa. Os olhos confusos rolaram até encontrarem a origem da voz. Era como olhar para uma criança assustada, sem noção do que realmente estava acontecendo mas sentindo tudo em seu frágil coração - Querida, sou eu, Tsunade.

Ela abriu a boca e engasgou com as palavras, seu corpo tremeu conforme ela tentava com todo o esforço produzir algum som - Shhh-shhhi-shu-shou.

— O coração dela não vai aguentar Tsunade-sama - exclamou a enfermeira que monitorava seus batimentos.

— Um momento - ela olhou no fundo dos olhos verdes tão cheios de dor e respirou fundo para dizer o que tinha que ser dito - Você está morrendo querida. Precisamos realizar o procedimento agora ou você não vai resistir.

Mais lágrimas jorraram dos olhos dela, tão perdida, tão sensível em meio a dor que era de partir o coração da médica mais velha - Preciso que você fique acordada, vamos usar anestesia local onde está sendo operada mas você ainda vai sentir dor, sabe que ninguém pode fazer isso além de você, são seus canais de chakra, tem que ser o seu chakra.

Um espasmo violento sacudiu seu corpo debilitado e o monitor cardíaco apitou ruidosamente. A própria Godaime podia sentir o seu palpitando contra a caixa toráxica - Fique calma Sakura, você consegue, vou estar aqui com você.

Ela soluçou e assentiu, chorando pela dor disseminada - Preciso verificar como estão os canais de chakra restantes, assim que tiver um resultado vou destruí-los para que a neogênese se inicie.

— Como assim destruir os canais de chakra Tsunade-sama? - Questionou o médico a frente da Godaime completamente alarmado.

Fechando os olhos a Senju se concentrou em moldar o chakra para executar a técnica que era ainda tão recente - Os canais de chakra de Sakura estão mutados para permitir a entrada de chakra natural e por isso o fluxo natural é errático, eles foram danificados. Vou destruí-los para que Sakura possa estimular o crescimento de novos canais.

— Mas, é impossível curar canais de chakra - outro exclamou.

O chakra verde banhou as mãos de Tsunade, a luz diferente do normal, um feixe direcionado e poderoso que lhe indicaria a localização e a situação do interior do corpo de Sakura  - Eu disse criar novos, não curar.

— Tsunade-sama vou iniciar a cura nos demais órgãos - Shizune já se concentrava em fortalecer o músculo cardíaco danificado e os pulmões frágeis. Os outros dois foram impulsionados a entrarem em seus respectivos trabalhos.

Sakura gemeu com a dor, ter seus órgãos reconstruídos enquanto estava consciente era aterrorizante. As terminações nervosas sensíveis foram sendo restabelecidas, e ela sentia tudo. Mas ainda ia piorar muito antes de melhorar e o coração de Tsunade sangrou por sua menina.

A mão da Senju flutuou sobre o corpo da perdida Sakura que se remexia em meio ao choro e a dor. Felizmente para eles, grande parte da circulação original de Sakura já era nada além de cicatrizes onde um dia houve um canal de chakra, mas como o esperado os mais importantes resistiram para continuar a viabilizar sua vida, estes só poderiam ser destruídos simultaneamente a reconstrução então a loira os preservou.

Os selos de mão passaram rápidos pelos dedos experientes e ela desceu a mão sobre o primeiro sítio onde a destruição se iniciaria para dar lugar ao novo. Era agora ou nunca.

O grito desesperado que irrompeu da garganta de Sakura perturbou a todos. A cacofonia errática do monitor cardíaco confundia os pensamentos de todos e houve grande comoção - Fique calma querida, vai passar logo.

— Tsunade-sama ela não vai resistir - implorou o médico que cuidava de seu crânio, mantendo o sistema nervoso no melhor estado possível.

A mulher mais velha negou com a cabeça enquanto via as lágrimas descerem pela lateral do rosto de Sakura. Ela era firmemente imobilizada por quatro dos enfermeiros na sala e tremia com espasmos de dor. Ainda assim, e contra todas as possibilidades ela se manteve consciente enquanto mordia o lábio até o sangue tingir a pele ainda mais - Vai sim, ela é forte.

Sim, se havia algo que Tsunade aprendeu sobre Sakura depois de todos esses anos era que nada podia driblar seu espírito de guerreira, sua vontade e teimosia e seu coração indomável. Ela era forte, e por tudo o que Tsunade acreditava ela pediu que a menina permanecesse forte, apenas mais um pouco.

Aguente mais um pouco Sakura, não perca essa força agora.


 

&


 

Sarada abriu os olhos no momento que sentiu aquilo.

Foi algo como ela jamais tinha sentido, um torcer em seu estômago, uma ondulação no próprio tempo e espaço ao seu redor que fez sua cabeça doer e seus olhos coçarem. Ela não era alguém velho o suficiente para dizer que aquilo era algo como nunca tinha experimentado em sua vida e ter o peso esperado nas palavras, mas mesmo em sua pouca idade ela sabia que o que sentiu ali não era normal.

A certeza veio quando Tsunade-sama, que havia teimosamente sentado na poltrona de seu quarto até que ela pegasse no sono, se alarmou com o ocorrido e partiu do cômodo com tanta pressa que não viu a moreninha acordar. Sem perder tempo e já indignada com sua própria fraqueza em pegar no sono, ela alcançou seus óculos na mesinha ao lado da cama e tropeçando nos próprios pés, ainda moles por todo o tempo que ela dormiu, saltou da cama para a janela.

Por toda sua vida, desde que ela se lembrava, Sarada sabia que sua mãe apesar de muito forte, nunca foi completamente saudável. Ela era diferente das outras pessoas na taverna, mais magra que as outras meninas e parecendo sempre ficar mais fininha, o cabelo naquele tom que era só dela parecia mais opaco com o passar dos anos e às vezes depois daquelas noites em que ela chorava e gritava haviam alguns buracos no meio dos fios rosados, como se tivessem sido arrancados.

Sua mãe nunca havia deixado de estar com ela, sempre a seu lado em cada momento, mesmo quando parecia que o vento do inverno poderia levar ela pra longe. Sarada viu, com o tempo passando os lábios ficarem mais pálidos, as bochechas mais ossudas e ela se cansar com mais facilidade. Ela já não podia se embrenhar por horas nas matas para treinar e brincar de se esconder, nem atender muitos pacientes de uma só vez como fazia quando a moreninha era bem jovem.

Isso era algo que sempre intrigou muito a menina, afinal, se sua mãe era uma das melhores médicas do mundo, como o padrinho gostava de se gabar, por que ela não podia se curar? Por que tinha noites que ela se trancava no quarto mais longe do seu junto com o padrinho e Shizuka-sama e gritava como se tivesse se cortado com a kunai durante o treino? Aconteceu uma vez com Sarada durante o treino e foi terrível, mas como a menina corajosa que ela era não chorou.

Mamãe era tão intolerante assim a dor?

Uma noite, depois de mais uma de suas escapadas Sarada estava curiosa demais e intrigada demais para apenas guardar suas observações para si. Ela pensou primeiramente em questionar sua mãe diretamente, mas desistiu em seguida, se ela se escondia nesses momentos era por que não queria que a menina soubesse de algo, certo? Privada de sua fonte primária de respostas ela questionou outra tão confiável quanto, Shizuka-sama nunca decepcionava e apreciava o suficiente as capacidades observadoras e dedutivas de Sarada para deixar escapar uma informação ou outra.

Naquele dia, no entanto, foi completamente diferente. Ela não foi repreendida, longe disso, Shizuka jamais diria para ela não buscar informações ou para não ir atrás de respostas para suas perguntas, mas dessa vez não houve felicitações ou oferta de novos fatos. A velha espiã disse a Sarada palavras que ela jamais se esqueceria.

“Algumas coisas são melhores ocultas, a luz pode machucar os olhos de quem direto para o sol olhar”

Na época ela não entendeu, mas sabia qualquer que fosse o segredo doloroso de sua mãe, a doença que aos poucos deixava a pele mais branca e a mulher mais frágil, deveria permanecer em segredo. Tudo bem, ela pensou, desde que isso jamais levasse mamãe embora ela ficaria forte para cuidar dela quando crescesse, para que nunca se machucasse ou ficasse doente.

Claro que tudo mudou depois que elas se separaram, depois que vieram a Konoha e Sarada conheceu seu pai. Ela nunca tinha sentido a falta de um particularmente, mamãe e Jung estavam lá pra ela e eles eram tudo o que ela precisava, mas conhecer ele foi interessante. Eles tinham um tipo de ligação estranha que ela só tinha com sua mãe, era algo que a menina ainda não entendia mas gostava. Estar com papai era certo e seguro, e ela sabia que ele ajudaria a proteger e cuidar da mamãe.

Mas por que mamãe parecia ficar ainda mais doente?

Primeiro no dia em que ela foi sequestrada, depois de uma luta tão incrível ela ficou tanto tempo doente em coma, quase à beira da morte. Foi o pior dia da vida de Sarada, ainda pior do que o que ela acordou sozinha na raiz daquela árvore, mamãe era a pessoa mais importante do mundo inteiro pra ela.

Tudo ficaria bem, ela pensou, se mamãe era uma médica incrível e Tsunade também elas poderiam juntas fazer ela ficar saudável, certo? 

Sarada não se lembrava de ter dormido por tanto tempo quanto disseram a ela, a última coisa de que se lembrava era de ir tirar um cochilo depois de mais uma sessão de vômito pelos doces horríveis que o baka do Boruto a desafiou a comer. Ainda assim, por que sua mãe não estava lá para ela quando acordou?

Eles continuaram tentando mentir pra ela, mas ela sabia mais. Ela conhecia sua mãe por toda a vida e sabia que ela jamais lhe deixaria por vontade própria ou por algo que não fosse salvar sua vida. Sarada lembrava de uma das únicas poucas vezes que ficou doente, lembrava da figura pálida e fraca de sua mãe velando seu sono mesmo sob os protestos do padrinho, mesmo estando ela também doente.

Mamãe jamais a deixaria.

Pra piorar seu pai também não estava em lugar nenhum, e o padrinho a muitos dias estava longe da aldeia. Sarada nunca se sentiu tão sozinha.

Sua mãe outra vez tinha lhe deixado pelo único motivo que a faria lhe deixar, salvar sua vida.

Mas agora Sarada tinha seu pai que era um ninja poderoso, tinha o padrinho que também era forte e até o Rokudaime que às vezes gostava de bagunçar seu cabelo, todos eles que iriam e trariam sua mãe de volta pra ela.

Mas não era assim que ela pensou que ela voltaria.

Na ponta dos dedos e apoiada no parapeito da janela, Sarada viu sua mãe e pai aparecerem do nada, ambos feridos e desabando como os pássaros que cairam do céu quando ela lhes acertou com a kunai certa vez, cadáveres, foi disso que sua mãe chamou, e ela nunca mais acertou nenhum.

O pequeno coração disparou contra o peito, seus pais não podiam ser cadáveres podiam?

Ela correu, a visão embaçada pelas lágrimas que ela já sentia se acumularem nos olhos, dessa vez ela não se repreendeu por chorar, ela só queria sua mãe, ninguém podia chamá-la de fraca por isso. Ela correu por corredores infinitos com portas incontáveis e seus pés estavam doendo e seus joelhos fracos, por que o hospital era tão grande?

Ela virou uma esquina já soluçando com o choro, parecia que a cada passo que ela dava mais longe estava de sua mãe, e o medo de não chegar até ela era esmagador contra seu pequeno coração. Ela encontrou um obstáculo duro e ao se chocar contra ele caiu sentada no chão.

— Onde pensa que vai pequena guerreira? 

Ainda com os olhos embaçados pelas lágrimas que ela não se importou em derramar, Sarada olhou para a figura gigantesca a sua frente e o alívio lhe inundou - Kito-nii!

O homem se abaixou e a pegou no colo, curiosamente a presença reconfortante desatou um nó em seu peito e ela chorou ainda mais. Ela sentiu eles andarem mas com olhos pressionados e afogados em lágrimas não soube pra onde - Mamãe e papai, onde eles estão? Me leve até eles por favor!

Ele afagou suas costas trêmulas pelo choro - Eles estão sendo cuidados pelos médicos pequena, não fique preocupada.

— Não minta pra mim Kito-nii, eu vi eles chegando, eu vi eles caindo no chão e eles não pareciam bem - ela soluçou, o choro fazendo sua garganta doer.

— Ele não está mentindo querida - a voz de Shizuka entrou por seus ouvidos e Sarada abriu os olhos para ver onde estava. A menina já tinha estado tempo suficiente naquele hospital para saber que estava na ala da emergência, tudo parecia calmo por lá no entanto, e logo a frente a pequena figura da mulher mais velha se destacou - sua mãe está sob cuidado da própria Tsunade e de todos os melhores médicos de Konoha, e seu pai está bem alí.

Sarada seguiu o olhar da anciã e pôde ver a figura desacordada do pai sob uma maca, um médico se curvou sobre ele, as mãos brilhando verde como sua mãe fazia. Ela rapidamente se agitou no colo de Kito e ao ser colocada no chão correu para o pai. Para a sua infelicidade ele estava dormindo, mas ao menos ela não enxergou nenhum machucado nele, nem uma gota de sangue sequer. Ela viu aliviada o peito subir e descer, calmo e fraco, mas ela sabia que cadáveres não respiravam.

— O que ela faz aqui? - Questionou o médico assim que a notou - Você não pode ficar aqui mocinha.

— Tudo bem doutor, ela é filha dele e sinceramente tentar esconder ou afastar ela é inútil - interviu Shizuka.

Como se alguém fosse tirar ela de perto de seu pai - Doutor, como ele está? Ele não está doente, certo? Não vai morrer, certo?

O médico sorriu para ela, gentil em seu ofício ele notou a ansiedade que fazia o coraçãozinho dela pular - Não se preocupe, ele se esforçou demais e está apenas descansando, logo vai acordar.

— Obrigado - respondeu, educada como a mãe lhe ensinou.

Um peso enorme foi tirado das costas de Sarada e ela logo reivindicou um lugar ao lado da maca onde Sasuke permanecia desacordado mesmo depois de o médico ir. Ela enxugou as lágrimas o melhor que pode com sua camisola de hospital, envergonhada de seu choro infantil. O grandalhão permaneceu por perto enquanto Shizuka desapareceu em busca de notícias de sua mãe. Ela agarrou a mão enfaixada e grande demais do pai, a menina não aceitaria perder seu pai depois de tão pouco tempo com ele, ainda tinham muito o que fazer, eles três.

Seu coração ainda se apertava em pensar em sua mãe, mas ela tinha fé que ficaria bem, afinal era Tsunade quem a estava tratando, ela ficaria bem, tinha que ficar, não deixaria Sarada, certo? 

— Você deveria descansar pequena.

Sarada voltou os olhos para Kito sentado em uma cadeira muito pequena para sua grande forma. Para o resto do mundo ele era assustador, para ela era difícil imaginar que mesmo seu grande tamanho era suficiente para caber seu enorme coração - Eu descansei por tempo demais nii-chan.

— Você nos deu um grande susto, pequeno floco de neve - ele sorriu melancólico e foi uma expressão que a menina nunca viu em seu rosto, ela não gostava dela - não faça isso outra vez.

Ele estendeu a mão para ela e ofereceu o dedo mindinho, Sarada se esticou e entrelaçou o próprio mindinho ao dele - Prometo.

Ele se afastou com um sorriso e isso foi um alívio para Sarada, ela não gostava de ver as pessoas ao seu redor tristes. Olhando para o rosto sereno de Sasuke ela podia ver o vinco permanente que a tempos notou entre as sobrancelhas, seu pai havia sido triste por muito tempo, de alguma forma ela sabia, da mesma forma que sabia que quando tudo isso acabasse eles poderiam ser felizes.

— Kito-nii - ela olhou nos olhos dele, e com o medo apertando o peito perguntou - mamãe vai ficar bem?

A expressão melancólica voltou para o rosto dele e outra vez Sarada não gostou, ela sabia que isso não era bom sinal, mesmo com as palavras dele contradizendo seu rosto - Sakura é forte pequena, tenha fé nela.

Sim, ela pensou enquanto apertou ainda mais a mão de seu pai, sua mãe era forte, e além disso, ela jamais a deixaria, certo?


 

&


 

Lavar as mãos nunca foi algo tão demorado em toda a sua vida.

Era procedimento de segurança, ela sabia, mas tudo o que Ino queria depois de terminar de remendar seu paciente, era correr para onde ela foi informada que Sakura começou a ser operada, cinco horas atrás. Entre sair de uma cirurgia, tomar banho, colocar todo o aparato cirúrgico de novo e lavar as mãos minuciosamente, um ano poderia ter passado, foi desesperador.

Com as mãos erguidas e depois de finalmente terminar a preparação ela entrou na sala indicada, e foi o timing perfeito. Tudo parecia uma confusão, diversos profissionais enchiam a sala, as bolsas de sangue eram trocadas, parâmetros e sinais vitais observados, oito pares de mãos se debruçaram sobre o corpo trêmulo de Sakura.

— Merda! - ela ouviu Shizune gritar e correu para o centro da sala. Assim que a morena lhe avistou Ino sabia que estava em jogo - Ino, troque com Naka-san, preciso de ajuda aqui o rim direito acabou de parar!

— Certo senpai! - ela viu o homem que se concentrava com ambas as mãos sobre a cabeça de Sakura dar lugar a ela e logo a loira estava com uma mão em cada lateral do rosto da amiga de infância, o chakra fluindo para proteger o sistema nervoso e curar as microlesões.

O selo em formato de diamante não ocupava o centro da testa, provavelmente a reserva havia sido perdida durante a batalha. A Yamanaka não pode negar o susto ao perceber os olhos verdes abertos de Sakura, ela estava consciente? Mais que raios de cirurgia generalizada podia ser feita com paciente consciente? - Por que ela está acordada?

— Para o procedimento nos canais de chakra - Tsunade-sama respondeu, ela mal tinha reparado na Godaime se movendo fluida sobre o corpo trêmulo de Sakura, uma luz estranha emanava de suas mãos e Ino viu ela pousar a palma de uma logo abaixo do plexo solar da amiga. Foi só nesse momento que ela entendeu os quatro enfermeiros posicionados para conter os espasmos de Sakura.

Ela sentiu outra coisa também, além de seu próprio horror em ver a amiga sofrer tanto, ela sentiu a sobrecarga do cérebro tentando lidar com a dor sem perder a consciência. Era uma mecanismo simples e primário para o sistema nervoso central “desligar” quando sobrecarregado com o estímulo exacerbado, uma síncope para preservar o todo e tentar colocar tudo em ordem. Mas ela estava lutando contra isso, lutando contra o cansaço e a inconsciência.

— Ela está tendo uma sobrecarga dos sinais neurais Tsunade-sama, o estresse pode levar ela a um AVE a qualquer momento - Ino exclamou.

— Dorga! - a mais velha exclamou, provavelmente Naka-san não pode detectar o problema mas ele não era de um clã cuja a mente era o território - Você pode fazer alguma coisa para evitar isso?

A Senju mal tirava os olhos de seu trabalho e cada vez que ela tocava Sakura, Ino sentia os espasmos e a sobrecarga no cérebro - Posso tentar mas o ideal seria colocar ela pra dormir.

— Isso está fora de cogitação, ela precisa estar acordada, em instantes ela vai começar sua parte na cirurgia.

Todo o barulho ao redor foi silenciado para a loira pelas palavras de sua antiga mestra, isso não podia ser verdade - A senhora não está dizendo que Sakura vai fazer qualquer coisa em si mesma nesse estado, está?

Pela primeira vez os olhos ardentes cor de mel de Tsunade se dirigiram a ela, o fogo aqueceu o caramelo da íris, ela quase podia sentir a energia vibrando dela - É exatamente o que estou dizendo. Shizune como estamos ai?

— Consegui restituir o miocárdio mas os pulmões estão dando trabalho - a morena exclamou, Ino viu com o estômago girando, a mão da mulher se infiltrar na caixa torácica aberta de Sakura.

Aquilo parecia um pesadelo, Ino ainda se lembrava da última vez que esteve em uma cirurgia com Sakura, que quase não sobreviveu. Dessa vez era ainda pior, ela sabia que Tsunade e a rosada estavam trabalhando em uma forma de curar seu problema definitivamente, mas fazer isso agora era loucura, ela não ia suportar.

Olhando outra vez para os olhos verdes meio arregalados de Sakura, Ino teve que se controlar para não entrar em desespero. Sua expressão tão dolorida e sofrida, olhos banhados em lágrimas mas em meio a tudo isso ela também podia ver sua teimosia.

Você vai aguentar não vai testa?

Ela manteve os olhos fixos no verde primaveril de Sakura, enviando seus pensamentos pra ela, como fizeram tantas vezes usando sua técnica de família para fofocar. Os olhos manchados de lágrimas e sangue piscaram para ela.

Um botão não pode morrer sem florescer.

Dessa vez Ino não foi capaz de segurar as lágrimas, quando a resposta mental de Sakura veio levou tudo dela. É claro que ela tentaria, claro que resistiria, era Sakura, teimosa e forte como só ela, sua melhor amiga que contra todas as possibilidades continuou lutando e seguindo em frente. Ela faria o que fosse preciso para tornar isso realidade.

A Yamanaka respirou fundo e enviou uma onda calmante de chakra para as redes neurais de Sakura, nada muito relaxante para não induzir ao sono. Não, ela precisava estar acordada, consciente e forte. Ino revestiu cada célula do cérebro da rosada com chakra protetor, nutrindo e dando força, aliviando o estresse. Ela aproveitou a técnica de família e enviou outros pensamentos para Sakura.

As tardes nas colinas em Konoha, os dias divertidos treinando e brincando, os longos dias enfurnadas na biblioteca sob o escrutínio de Tsunade em seu treinamento médico para lembrar ela dos bons tempos. Ela enviou a imagem mais memorável que tinha da amiga, lutando feroz na guerra lado a lado de Sasuke e Naruto, forte e poderosa, um botão que floresceu em uma linda flor.

Eu tenho muito orgulho de ser sua amiga Sakura.

Foi no momento certo, outra onda de espasmos causados pela destruição dos canais sacudiu seu corpo e Ino sentiu a rosada se agarrar às lembranças e tirar força delas. A loira expandiu sua própria mente e se curvou sobre Sakura para agarrá-la, fique firme, fique firme!

Ela se fez forte para poder ser a força de Sakura, para poder ser seu porto seguro naquele momento tão delicado. Não havia rivalidade infantil, não havia a disputa adolescente por uma paixão, havia apenas as duas meninas que se encontraram na infância e como terra e água floresceram em uma linda amizade, havia apenas Ino e Sakura.

Ela viu, depois que a onda de dor se foi, os olhos pressionados se abrirem chorosos, ela sentiu as próprias lágrimas descerem por seu rosto. Ino não perderia sua amiga. O momento chegou ao fim quando a Godaime se aproximou delas, Ino podia enxergar agradecimento nos olhos cor de mel e quase não reconheceu a voz quando ela se dirigiu a Sakura.

— Sakura - ela chamou e logo atraiu os olhos da rosada - eu destrui o que podia, o que ficou pra tráz não pode ser destruído de antemão e terá que ser feito quando você estiver construindo, como tínhamos planejado - ela pausou esperando encontrar a consciência de suas palavras nos olhos da discípula - agora é sua vez.

A cabeça de Sakura tremulou em um aceno desajeitado. Rapidamente a ex Hokage tomou as mãos de Sakura, trêmulas e frágeis pareciam prestes a cair do braço, e depositou sobre o ventre - Sabe o que tem que fazer? - ela questionou apenas em confirmação e outra vez recebeu o mínimo aceno da rosada - Shizune, ela já está estável o suficiente?

— Só mais um pouco Tsunade-sama - a morena respondeu.

— Certo, Ino - a loira mais jovem buscou o olhar da mais velha ao seu chamado - quando Shizune terminar todos os outros médicos vão parar o que estão fazendo, não pode haver mais nenhum chakra trabalhando no corpo dela enquanto Sakura estiver estimulando o crescimento dos canais novos, seria muito arriscado mistura-los. Mas você vai permanecer até que lhe diga para parar, entendido?

— Sim senhora!

Ino olhou para o rosto frágil em expectativa. Outros três médicos derramavam chakra em suas lesões na pressa de poder concluir a cura o mais rápido possível. Quantas horas tinham se passado desde que tudo se iniciou, a exaustão marcava a expressão de cada um ali, agora tudo dependia de Sakura.

Você vai conseguir.

Ino quase podia dizer que um sorriso tremulou nos lábios da amiga com o pensamento enviado.

— Pronto aqui - Shizune exclamou depois de um tempo, os dois outros médicos se distanciaram do corpo, ambos assentindo em concordância com a morena. Um longo momento de silêncio inundou a sala antes de com sua voz de trovão Tsunade-sama falasse.

— Comece.


 

&


 

Havia um véu de entorpecimento sobre os seus sentidos.

Ele tinha a noção da luz forte sobre as pálpebras, do cheiro forte que fazia seu nariz coçar, do burburinho que se espalhava ao redor, do aperto quente e macio em sua mão. Mas tudo isso parecia tão longe, tão irreal e inalcançável, escorrendo para longe. Sasuke estava cansado, e como quando era uma criança inocente e desimpedida ele só queria se enrolar e dormir um pouco mais.

Sasuke-kun…

A voz era suave, longe e frágil.

Sakura.

Ele abriu os olhos de repente, a luz artificial das lâmpadas os machucando. Ele piscou vertiginosamente ainda confuso sobre onde estava, sua única certeza era que Sakura precisava dele, ele tinha que correr até ela. O Uchiha se remexeu sobre a cama onde estava e sentiu outra vez o calor e o aperto na mão. Sua visão clareou um pouco mais e aos poucos seu cérebro conseguiu associar onde estava.

O hospital, de novo.

Ele lançou um olhar para o lado onde sua mão era espremida e se deparou com um par de olhos negros pequenos. Eles piscaram solenes e curiosos e então a imagem de sua filha entrou em foco. Sarada estava sentada em uma cadeira alta bem ao lado de sua cama, sua pequena mão agarrava a sua com uma força que faria Sakura orgulhosa.

— Acho que agora sei como deve ter sido esperar eu acordar - ela disse em sua voz diminuta.

Sasuke piscou e se divertiu com o tom intrigado da menina - Por quanto tempo eu estive fora?

— Oito horas - foi a voz da velha espiã que lhe trouxe a resposta. Ele olhou para onde ela se encontrava sentada, outra poltrona aos pés da cama. Uma cortina separava o leito dos demais e ele percebeu que estava na ala da emergência, por oito horas.

Com todo o cuidado para não machucar Sarada no processo, Sasuke se pôs de pé, tirou o  acesso do soro e agradeceu por ainda estar com suas próprias roupas - Onde está Sakura?

O aperto em sua mão se intensificou e ele olhou da filha mordendo os lábios e ainda com o pijama, para a idosa, ambas com expressões duvidosas e inconclusivas. Seu coração martelou contra as costelas, a ansiedade se alastrando em uma nova onda por seu corpo.

— Ainda está em cirurgia - algo entre o alívio e o desespero se apoderou dele, por um lado ela ainda estava viva, lutando para sobreviver, por outro a situação não deveria ser simples se depois de tanto tempo ela ainda não tinha sido liberada - Venha, vamos para a sala de espera.

Sasuke não precisou de um segundo pedido, ele lançou um olhar acolhedor para Sarada ainda enlaçada em sua mão, o aperto contínuo nunca deixando seus dedos. Ela estava assustada. O moreno mais velho se abaixou para ficar a altura da filha, seu rosto fino ainda sofrendo por tantos dias em coma, seus olhos pareciam cansados mas alertas, ela provavelmente tinha se recusado a dormir outra vez.

— Você parece cansada, o que acha de ir dormir um pouco?

O pequeno biquinho se enrolou nos lábios da menina e ele quase riu da cena - Todo mundo fica me mandando ir dormir, pensei que tinha passado mais de um mês dormindo, não foi o suficiente?

Sasuke suspirou fundo, tudo tinha acontecido tão rápido entre Sarada finalmente despertar e Sakura ser levada, ele mal tinha tido tempo de sentir o alívio de ver a filha de olhos abertos. Ele moveu a franja escura dela para trás da orelha, grato por sua teimosia, ao menos ela estava consciente agora.

— Você precisa estar descansada para quando sua mãe acordar, ela não vai ficar feliz em te ver caindo de sono.

— Eu não estou caindo de sono e - ela parou, e torceu a barra da manga de sua camisa - eu não quero ir dormir, não enquanto…

Ele esperou a filha completar a frase e quando os segundos passaram e ela não concluiu ele se viu obrigado a encoraja-la - Não enquanto o que?

—  Mamãe, ela vai ficar bem, não vai? - a angustia marcava a voz infantil e ela fungou tentando afastar as lágrimas - ninguém me fala nada, eu tenho medo de ir dormir e não estar acordada quando ela sair de lá. Ela vai ficar bem, certo?

Uma pedra de gelo se alojou no estômago de Sasuke, ele odiava tudo o que Sarada teve que passar tão jovem, odiava que Sakura estivesse passando por isso, odiava não poder fazer nada mais para garantir que ela ficasse bem. Não pela primeira vez ele invejou os médicos e sua capacidade de lutar contra a morte que parecia tão teimosa em levar Sakura deles.

Tudo o que podia fazer agora era esperar e confiar, em Tsunade e toda a equipe médica, mas principalmente em Sakura., que tinha uma força que ia muito além dos punhos pesados que podiam colocar montanhas de joelhos. Não, Sasuke sabia que a força dela vinha de seu coração inabalável, e ele amava tanto isso nela. Ele sabia que aquele coração não deixaria de bater, não enquanto ela pudesse lutar por isso.

E ela lutaria.

Ele levou os dedos aos olhos que já carregavam lágrimas prestes a serem derramadas, uma menina marrenta e cheia de teimosia, mas ainda uma criança, sua menina - Você se esqueceu Sarada?

Ela piscou os olhinhos de onix pra ele brilhando chorosos - Do que?

— Sua mãe é forte, ela vai voltar pra nós.

A esperança floresceu em seu peito com o sorriso no rosto de Sarada. Sim, Sakura estava entre a vida e a morte, debilitada e todas as coisas conspiravam para que ela não resistisse, mas aquele sorriso, o sorriso que rompeu as lágrimas de Sarada, o sorriso que Sasuke sabia que Sakura amava também, aquele sorriso lhe disse que ela jamais desistiria.

Ela resistiria para ver aquele sorriso outra vez.

Sasuke se levantou, de mãos dadas com Sarada eles caminharam para esperar por Sakura, porque ela era forte, e voltaria para eles.


 

&



 

Uma coisa que ninguém sabia era que Sakura odiava seu nome.

Ela odiava como carregava as características da flor, e como se não fosse suficiente a aparência, ela odiava o fato dos pais terem lhe dado aquele nome. 

Veja bem, ela era uma menina frágil, sem muito talento aparente para a vida shinobi e vinda de um clã sem grandes feitos, seu pai se tornou um gennin de carreira, pelo sábio! Até onde ela podia ver eles eram pouco mais do que civis.

Seu cabelo era completamente ultrajante, ela simplesmente não podia passar despercebida, o que em sua linha de trabalho era crucial. Ela era muito pequena, tinha uma séria dificuldade em ganhar peso e massa, depois que largou as dietas e se concentrou no treinamento ninja. Ela foi humilhada, ignorada ou subestimada por que não apenas era a encarnação de uma flor como também carregava o nome da dita cuja.

Mas é claro, isso tinha um motivo mais profundo além de sua aparência.

Ela não era a representação viva de qualquer flor, não, ela era Sakura, a flor cujo maior significado e representatividade era a efemeridade. Em outras palavras, ela nasceu para morrer jovem.

O que havia na cabeça de seus pais para lhe dar um nome como aquele?

Ela não queria morrer jovem, ela não queria ser uma flor frágil que representa o quão rápido a vida passa, ela não queria que a vida passasse rápido. Ela queria ser Ume, florescendo ainda no inverno e resistindo a sua violência, ela queria ser uma coroa-imperial, poderosa e nobre, ela queria ser um bambu afortunado e trazer prosperidade para si e os que estavam a seu redor, inferno, ela queria ser qualquer uma das flores e seus significados mas não linda por ser efêmera.

Não foi até ela se tornar mãe que entendeu e aceitou o verdadeiro significado de seu nome, e da flor que ela tanto lembrava. A transitoriedade e a fugacidade da flor de sakura, a beleza que era contida mesmo no menor espaço de tempo, uma flor de vida tão curta que era capaz de marcar toda uma vida em seus pequenos suspiros de beleza.

Quando Sakura deu a luz a Sarada, aquele foi o momento mais precioso de sua vida, o primeiro choro, o primeiro toque. A partir de então, ela se orgulhou de seu nome, de lembrar a flor efêmera, afinal o universo tinha tanto tempo que sua curta existência podia ser comparável a da flor para o infinito.

Ela se chamava Sakura, mas ela não morreria jovem. Sua juventude seria brilhante e tenaz, ela faria tudo a seu alcance para conservar multiplicar os momentos fugazes repletos de beleza e significado, e ela lutaria com unhas e dentes por mais momentos assim.

Ela se agarrou a isso e então se lançou em sua própria luta pela vida.

Como uma árvore que luta contra a gravidade desde que era uma semente até alcançar os céus com seus galhos, ela lançou seu chakra para o lugar onde um dia Sarada cresceu em seu ventre. Como as raízes e ramos sinuosos que se torcem e se alongam para se moldar ao meio ela viu e sentiu, com a dor agonizante de gerar vida, os caminhos por onde o chakra percorreria por seu corpo.

Ela lançou o chakra tirado de suas células e de sua própria essência para restaurar a ordem de seu organismo, para crescer os seus canais por onde a energia que regia a própria vida correria. Ela abraçou a dor quando os últimos remanescentes de sua antiga circulação danificada eram destruídos  e ela modulava o chakra em yang, para gerar matéria nova onde a velha deixava de existir.

Sakura sentiu os novos caminhos se organizando em seu corpo, cada tecido e órgão, sistema e o organismo em nível celular. Ela sentiu em partes iguais a dor e o prazer de ser destruída para renascer, a força que fazia ela viver cada dia se estendendo para além de seu espírito, para seu corpo.

Como uma flor crescendo entre espinhos ela se esticou e agarrou com unhas e dentes o sol que lhe chamava. Sarada, Sasuke, sua família. Ela sonhou com eles, sonhos repletos de possibilidades, de lugares que gostaria de mostrar, de conhecer com eles. Da grandiosidade da batalha, a simplicidade de uma tarde sob uma árvore em um dia quente de verão. Sakura se agarrou a fé que todos eles depositaram nela, na mão que cada um estendeu, Tsunade, Ino, Naruto, Jung, Kakashi, Shizuka, Kito, cada dos que acreditaram nela, que lhe ajudaram a seguir em frente.

Havia muita vida além do desprender do galho de sua árvore, um horizonte infinito de possibilidades. 

Quando ela abriu os olhos com a luz da aurora banhando seu corpo, ela soube que ainda haviam muitos momentos fugazes e memoráveis pela frente.

Efêmeros como sakura, eternos como lembranças.

 


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Notas finais do capítulo

Pense nun capitulozinho complicado de escrever! Muitos pontos de vistas diferentes, e inusitados, e alé disso o procedimento que é completamente original então deu trabalho, me valorizem.
Então, proximo capítulo é o último oficial da história e depois só um epílogo curtinho, sim isso mesmo, ta acabando. Mas, se vc realmente gosta do que essa doida aqui escreve, fique ligado prq junto ao próximo capítulo eu vou postar o primeiro da nova história, que ta maaaaaaaaaaaaravilhosa, mas eu sou suspeita pra falar. Bjocas amores, já sinto saudade de vcs, deixem um comentário pra mim saber que vcs gostam tanto quanto eu!



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