Point of No Return escrita por Kallisti


Capítulo 2
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Preciso, primeiramente, agradecer ao Kyran (/u/3275/) pelo apoio - não só betando, como apontando coisas boas e ruins no plot.

Agradeço à todos que estão acompanhando e espero que gostem desse capítulo!



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Pelo amor de Deus, senhorita Kikyou! Onde é que a senhorita estava? O senhor Sesshoumaru não gosta quando não atende o telefone. — Jaken disparou, assim que abriu a porta do escritório para a moça — tendo a visto se aproximar de longe, pelo vãozinho das persianas.

A voz trêmula do secretário tornava-se ainda mais esganiçada, quando o diretor punha sobre ele alguma pressão; e, não somente isso, como o pequeno homem tremia, da cabeça aos pés, sempre quando as ordens do chefe não eram atendidas imediatamente. Fosse por ele, fosse pelos demais funcionários. 

Kikyou cedeu sua bolsa e o casaco, conforme passava pela porta e postava-se diante dele, já dentro da pequena recepção. Não estava tão atrasada assim, estava? A última vez que consultara o relógio, já no estacionamento do hospital, não havia passado sequer vinte minutos desde a última ligação de Sesshoumaru. 

 

As coisas não estavam indo bem, pelo visto.

 

—  Eu vou falar com ele. — disse, suave, recebendo um balançar de cabeça efusivo e um “por favor” bem baixinho em resposta. — Não se preocupe.

 

Mas era inútil pedir; o pobre homem já se sentava arrasado em sua mesa, adjacente à porta do escritório — tendo se esquecido até de colocar no cabideiro as coisas da psicóloga. A alça da bolsa indo parar em seu ombro e o casaco ficando apertadinho entre os dedos pequenos e ansiosos de Jaken.

 

Sesshoumaru devia estar uma fera.

 

Merda.

 

Aquilo, definitivamente, não era um bom sinal.

 

Kikyou pensou em respirar fundo antes de bater à porta, meditar por uns cinco segundos e engessar qualquer músculo facial que pudesse — de algum jeito — traí-la e, assim, denunciar ao diretor que estava começando (começando?) a ficar tão ansiosa quanto Jaken, diante de toda aquela cerimônia. 

 

Mas… 

 

A porta se abriu primeiro e, ali, do outro lado… Sesshoumaru. O diretor tinha ao menos um palmo, talvez dois, de diferença de altura, o que o obrigava a descer os olhos para que pudesse encará-la e, em contrapartida, ela precisava erguer o rosto para retribuir-lhe o olhar. Normalmente, lidar com Taisho não era uma tarefa difícil, o homem — apesar de muito quieto — era polido, quase galante, não tinha um sorriso fácil, mas de alguma forma, sempre esboçava um em sua presença; os dois tinham uma forma muito parecida de pensar e agir, um humor compatível. 

Contudo, quando se tratava de trabalho e, principalmente, quando se tratava dos detentos, Sesshoumaru era extremamente ortodoxo. “Caxias”, como Kagome gostava de desdenhar quando tinha a oportunidade.

Ele levava tudo aquilo muito à sério. E hoje, em especial, parecia ainda mais atrelado aos livros do que nunca. Kikyou percebia isso só pela forma seca com a qual fora recepcionada para dentro da sala; sem um bom dia ou um “por que não atendeu o telefone?”. Apenas um profundo e intragável silêncio, ao que ele abria passagem para ela e fechava a porta em seguida.

 

— A Koanchosa-Cho¹ não pára de ligar. — Ele diz, por fim. Atravessando a própria sala, para ir se acomodar do seu lado da mesa.

 

Kikyou não precisava de um convite para sentar, ainda assim a mulher se manteve parada e em silêncio, atrás da cadeira. Ambas as mãos apoiadas no encosto, pressionando nãotão sutilmente o estofado.

 

— Querem que mandemos logo o primeiro laudo sobre o paciente e você sabe que eles...

 

À medida que Sesshoumaru falava, explicando todos os pormenores daquela situação, mexendo nos papéis em sua mesa e separando-os para que Kikyou pudesse ler, sua voz ia ficando cada vez mais distante.

Como se, de repente, o diretor fosse sendo afastado de si — letárgica, mas ininterruptamente — através de um corredor extenso. Kikyou não conseguia mais ouvi-lo, sequer compreendia o que estava dizendo. Via seus lábios se movendo, mas o som de sua voz era abafado por um apito.

Um apito que preenchia todo o ambiente, como uma televisão fora do ar. Agudo, irritante, contínuo… E, conforme corriam os segundos, aquele apito parecia não só tomar conta de toda a sala, como também do interior de sua cabeça.

A mulher levou a mão à testa, pressionando a têmpora com os dedos. Era como se estivesse prestes a dissociar. Sua cabeça estava ficando leve… Leve… E a única âncora que tinha, naquele momento, era o próprio estômago que, revoltoso, girava e pesava dentro de sua barriga, mantendo-a desconfortável o suficiente para não quebrar o contato com a realidade.

Kikyou.

 

Kikyou…

 

— Kikyou, você está me ouvindo? Isso é importan—

 

Por que ele está aqui, Sesshoumaru? — A forma abrupta com a qual aquelas palavras foram jogadas de seus lábios surpreenderam não só o próprio diretor, que recuou de levinho na cadeira, como também a própria psicóloga, que finalmente se viu de volta onde estava.

 

A mão desceu devagarinho para se acomodar junto à outra, sobre o encosto. Suas palmas estavam molhadas.

 

— Por que ele está aqui? — Repetiu, agora de uma maneira mais branda, quase cansada. Dando tempo a Sesshoumaru de se restabelecer.

 

Porque ele quis.

 

Kikyou deu a volta na cadeira e se acomodou ali. Suas pernas não pareciam mais capazes de sustentar a si. — Depois de tudo, Sesshoumaru, como você permi—

 

— Eu não tive escolha! — O homem deixou um suspiro pesado escapar, igualmente cansado. A mão indo afrouxar a gravata de leve. — Nós não temos condições, não temos estrutura para manter alguém como ele aqui. Mas a Koanchosa-Cho não me deu escolha.

 

A mulher estalou a língua no céu da boca, desacreditando de tudo aquilo. O que deixou o diretor bastante incomodado — ainda assim, Sesshoumaru era polido o suficiente para não responder àquela grosseria.

 

— Eu estava lá, Kikyou. Eu vi o que aconteceu, ouvi as gravações uma dezena de vezes.

 

E mesmo assim cedeu ao capricho dele. — Replicou.

 

— Cedi à intimação da polícia! — A voz de Sesshoumaru se tornou mais firme aqui. Não por muito tempo, contudo. Logo, o tom sutil retornava e, com ele, uma expressão mais branda. — Eles precisam de um laudo seu, precisam que o faça falar. 

 

— Qualquer outra pessoa pode fazer, não precisa ser eu. Existem centenas de outros psicólogos, muito mais qualificados, que poderiam lidar melhor com o Onigumo.

 

Mas ele quer você.

 

E aquela frase, sozinha, fez com que todas aquelas sensações horripilantes, nauseantes, de instantes atrás retornassem de uma só vez; o que conduziu seu corpo a um breve (brevíssimo) e quase imperceptível espasmo — como se um arrepio percorresse sua coluna de repente, obrigando-a a enrijecê-la outra vez.

 

— Ele tem informações sobre um dos braços da Yakuza, — Continuou ele. —  algo grande, internacional. O relatórios vão te dar um panorama geral de tudo o que precisa saber. Mas ele disse que só abre a boca se estiver com você.

 

— Então, não é uma consulta... — À contragosto, Kikyou se forçou a buscar a pasta deixada do seu lado da mesa, puxando-a para o colo e abrindo. — Eu só preciso… estar lá.

 

Logo na primeira página do grosso calhamaço, a ficha técnica de Onigumo; seu nome, sobrenome, alias — e uma foto, fixada no alto da página, com um clipe. 

Kikyou puxou lentamente o pequeno pedaço de papel, desprendendo-o da pecinha metálica.

Onigumo era um homem jovem. Bonito. No auge de seus 30 anos. Não fosse por aqueles números presos à seu peito ou pelo uniforme verde e horroroso da prisão, ninguém jamais diria que era um criminoso. Um assassino

Pelo contrário, com aquela aparência e aquela inteligência (porque, além de tudo, o desgraçado ainda era esperto!), até mesmo com seus cabelos compridos e ondulados — coisas consideradas tão abjetas pelo lado conservador japonês — ele poderia ter o cargo que quisesse, em qualquer empresa que quisesse.

Não obstante, ainda era dono de uma fortuna obscena, parte herdada pelos pais, parte feita pelo mercado de ações. 

 

Tsc. 

 

Podia ter uma vida feliz, estável. Podia viver confortavelmente e até ter uma namorada.

Uma pena que era um filho da puta doentio.

 

— Ele quer se consultar com você. Fazer sessões semanais. — Sesshoumaru ajeitou-se no lugar. O ranger cadeira trazendo de volta a atenção da psicóloga.

 

…Céus…

 

Eu sei... Em parte a Koanchosa-Cho está muito contente que ele queira se tratar. Acreditam que isso possa ajudar ele a sentir algum tipo de remorso e… — O diretor faz um gesto vago com a mão. — “Abrir mais o bico”, como eles dizem. 

 

— Ele é um psicopata, Sesshoumaru. Não um sociopata. — Kikyou retorna o olhar às folhas, a foto é devolvida ao clipe, para que não caísse do arquivo. — Ele não sente remorso. Está no laudo que eu apresentei para o júri, inclusive.

 

— Eu falei isso, apresentei o laudo, mas eles não se importam. Onigumo é um bastardo manipulador, ele fala o que sabe que as pessoas querem ouvir. Faz isso para conseguir o que quer.

 

— E cá estamos… — A psicóloga fecha o arquivo e olha na direção do chefe, os ombros pesam. — Fazendo exatamente o que ele quer.

***

 

Ao final daquela reunião, que se prolongaria por mais algum tempo, Kikyou e Sesshoumaru deixariam o escritório. Jaken, contornando sua mesinha, diria que tratou de levar os pertences da mulher ao seu respectivo consultório e, de uma forma um tanto mais reticente, alçaria o olhar ao chefe.

 

— Ele já chegou, senhor Sesshoumaru. Está na sala de interrogatório como me pediu para colocá-lo.

 

— Certo. Obrigado, Jaken! — Sesshoumaru se voltou à Kikyou. — Precisa que eu vá com você?

 

A moça negou com a cabeça.

 

— Tudo bem. Jaken, por favor, acompanhe a senhorita Kikyou e peça para que um dos senhores que trouxeram Onigumo para vir falar comigo, sim? Se ele vai ficar aqui, creio que teremos que fazer algumas mudanças.

 

O pequeno secretário, engolindo o ar pela boca em um “gasp” mudo, balançou a cabeça para concordar e, buscando seu bloquinho de notas e uma caneta sobre a mesa, ele segurou até a porta, abrindo-a para que a mulher passasse primeiro.

 

— Vamos, então, senhorita Kikyou!

 

Assim, ambos seguiriam lado a lado pelo extenso corredor do hospital — deviam atravessar um bloco inteiro para chegar à ala dos presos. A sala de interrogatório e o consultório de Kikyou ficavam ainda depois.

 

Teriam um longo caminho a percorrer até lá.

 

Não longo o suficiente para prepará-la para aquele encontro, contudo.

 


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Notas finais do capítulo

¹ Koanchosa-Cho é a Agência de Inteligência de Segurança Pública do Japão, maaaais ou meeeeenos como o FBI dos EUA. O nome oficial em inglês é PSIA (Public Secutiry Intelligence Agency) - tem logo e tudo - e eu até pensei em usar só as siglas para ficar mais similar com o FBI, mas depois de pesquisar um pouquinho e perguntar para um amigo que mora no Japão, vi que dificilmente eles têm o hábito de usar palavras/siglas em inglês nesse contexto.



Se fosse uma conversa entre um japonês e um nikkei (descendente de japonês nascido fora do Japão), até poderia ser usado, mas como tanto a Kikyou quanto o Sesshoumaru são japoneses (e é uma conversa mais formal), achei melhor usar Koanchosa-Cho mesmo. :B Me desculpem pelos possíveis atravancamentos na leitura, eu também acho o nome complicado.



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