Naruto mantinha sua atenção totalmente voltada ao padre no altar. Sasuke se mantinha ao seu lado, também sentado na banqueta, em igual situação. Aparentemente eram fiéis como quaisquer outros, exceto pelo bloco de notas que substituía a Bíblia. Ambos usavam-no para anotar as falas mais importantes do sermão. Estavam sempre atentos à palavras relevantes, e não somente as do padre, como também dos cristãos que ali estavam. 

— Portanto, sigam o exemplo supremo do Senhor, e amem o próximo como a ti mesmo - encerrou o padre com serenidade. 

   Naruto e Sasuke trocaram um olhar debochado e sorriram discretamente um para o outro. Soava cômico pensar que o padre que proferia aquelas palavras era o mesmo que os olhara com asco antes da missa começar, o mesmo que soltara a frase: "o mundo está mesmo corrompido" perto do casal enquanto os encarava. 

  Quando tudo havia terminado, os dois jovens saíram de mãos dadas da igreja, andando tranquilamente, ignorando os olhares acusadores ao redor. Era mesmo engraçado - ou desgraçado, já que não havia graça nenhuma naquilo - como agiam pessoas que acabavam de ouvir sobre amor e respeito ao próximo acima de tudo. 

  Tolos! Eram todos tolos e hipócritas. Naruto se envergonhava ao pensar que já fizera parte daquilo, mas pelo menos havia evoluído e agora podia agradecer por ter deixado aquela parte de si para trás; isso tudo enquanto planejava seus próximos passos para frente – sempre junto de Sasuke, claro. 

— Acho que conseguimos um bom material para o próximo texto. – comentou o Uchiha enquanto se dirigia para uma praça próxima dali. 

— Você acha? Pois eu tenho certeza! - exclamou o jovem Uzumaki, com sua típica animação.

   A praça para onde se dirigiam estava vazia no momento, e o motivo se devia ao frio que fazia: o sol não aparecia e a manhã estava cinzenta. Porém o tempo não abalava nem um pouco Naruto, que exibia seu característico bom humor – humor esse que se ampliava muito quando conseguia tão bons materiais para o trabalho, como havia conseguido aquele dia. 

  Desde que se assumira para Sasuke – há exatos três meses – e começaram a namorar, ambos procuravam uma luz para os guiar. O Uzumaki continuava firme na sua fé em Deus, ao passo que Sasuke se dava a chance de considerar a existência de um. Isso não por influência de Naruto, mas sim graças aos estudos que ambos vinham fazendo juntos. 

  Enquanto o loiro procurava algo para seguir em meio ao mar de mentiras que era a religião cristã, Sasuke o ajudava por curiosidade e para ampliar seus próprios conhecimentos. Juntos haviam descobrido uma filosofia que explicava o Criador e seus desígnios para a humanidade, algo muito interessante de se estudar. 

  No começo tinha sido difícil, pois eram muitas verdades difíceis de serem engolidas. Mas com o tempo o casal se tinha se acostumado e aberto a mente para os novos ensinamentos. Tinha sido uma evolução significativa para ambos. 

  Nesse meio tempo, entre estudos e mais estudos, o casal decidiu criar um blog para exposição da hipocrisia existente nas Igrejas - tanto católicas como evangélicas. Frequentá-las e anotar as palavras chaves de cada sermão, comparando-as com as atitudes dos fiéis e pregadores fazia parte do processo de criação de textos para exposição. 

  Finalmente aconchegados em um banco da praça vazia, ambos começaram a averiguar o material obtido. Tinham anotado as palavras chaves do sermão (amor ao próximo, respeito, união, Deus, Jesus, sacrifício, salvamento por amor ao próximo, etc) bem como alguns comentários dos fiéis ("Sim, Deus é amor", "Ainda bem que amo o próximo", "Só o amor salva", etc). Não deixaram de anotar as atitudes deles em relação ao casal e sua relação homoafetiva – que estava nítida, já que eles não queriam mesmo disfarçar. Tais atitudes contradiziam bastante com suas palavras, pois eram bem visíveis os revirares de olhos para o casal, bem como os murmúrios e caretas de nojo, além das indiretas "cristãs" que sempre tinham que existir. 

  Com aquele material poderiam produzir um excelente texto crítico. Em meio a esses pensamentos, Naruto se exaltou, sentindo a inspiração bater de repente. O namorado ao seu lado percebeu sua agitação e tratou de posicionar o bloco e caneta em suas mãos, pronto para começar a escrever. 

— Anota aí, Sas, o título vai ser "hipócristãos pregando o amor"... – ditou e parou, pensando em como poderia prosseguir. Depois de não obter nada, encarou Sasuke e passou a bola pra ele. 

— ... "E disseminando o ódio." – completou o Uchiha, sorrindo discreto ao notar a satisfação do loiro ao seu lado. 

— Perfeito! Porra Sas, somos muito foda juntos! – exclamou animado, abraçando o parceiro de lado, dando-lhe um beijo molhado e estalado na bochecha. 

— Tá, tá, eu concordo e tal, mas não precisa me babar não. – resmungou o moreno com uma falsa expressão de nojo. 

— Eu sei que você me ama! – provocou o Uzumaki, fazendo questão de babar mais um pouco só para irritar seu parceiro. 

— Foca no trabalho Naru, se quer me babar deixa pra fazer isso em casa, e daquele jeito que nós dois gostamos. – sussurrou Sasuke, empurrando o namorado sem muita força, apenas para afastá-lo um pouco. 

— Como você é depravado Sas, nem parece que acabou de sair da igreja. – rindo do próprio deboche, o Uzumaki acabou desistindo de atentar seu par e começou a ajeitar-se no banco, apossando-se de um outro caderno que ambos sempre carregavam consigo. Finalmente preparado com caderno e caneta em mãos, Naruto pôs-se a escrever, sob o olhar atento do outro. 

"HIPÓCRISTÃOS PREGANDO O AMOR E DISSEMINANDO O ÓDIO:
É engraçado como os hipócristãos pregam sobre o amor ao mesmo tempo que disseminam o ódio com suas atitudes. 
Engraçado como o próximo deles se limita ao hétero, religioso, trabalhador e contribuidor do dízimo – isso em todas as empresas religiosas cristãs, não só os católicos, claro. 
Pode te parecer errado a generalizar, mas como gay sei bem o que vivo e vejo. Não precisa ser explícito, o preconceito está nos mínimos detalhes, em pequenos gestos ou palavras, embora alguns insistam em dizer que "não é bem assim".
Aliás, com empresas religiosas, quis dizer que ultimamente várias igrejas estão surgindo, e muitos pregadores ganhando com isso. É mais do que normal ver discursos de "dê o seu melhor" em igrejas pentecostais. 
Ultimamente estão mais parecendo coaching "abençoado" do que servos de Deus. 
Nas católicas a coisa é mais discreta, tenho  que reconhecer. Mas ainda assim, eu vejo o olhar de desgosto direcionado aos fiéis que nada doam - vulgo eu e mais alguns. 
Pregar sobre Deus agora é uma coisa normal com a qual se ganha dinheiro; brincar com a fé das pessoas agora é tão comum quanto vender balinha no farol. 
E em meio a tudo isso, disseminar o ódio e preconceito também começou a ser comum. Inúmeros hipócristãos por aí enchem a boca para esculachar os pecadores, sendo que dentre todos, eles são os piores. E hipócristãos sim senhor e sim senhora! Hipócritas cristãos que julgam os outros e não seguem nem um terço do que pregam. 
Falam que amam ao próximo; mas se o próximo é gay como eu e meu parceiro, olham torto, fazem comentários desagradáveis e até mesmo o padre tem 
atitudes contrárias a sua pregação. 
Mas ah!, Se eles soubessem que estão mais condenados do que qualquer 'depravado' como eu e meu namorado. Se soubessem que Deus não está no céu privilegiando cada um deles, mas está é no próximo que tanto rejeitam. Se soubessem que Jesus era o próprio Deus em carne de homem vindo para derrubar o sistema hipócristão. Se soubessem que a bíblia que eles chamam de escudo será no final o punhal que  rasgará suas costas e alma! 
Mas não sabem, e enquanto não abrirem os olhos para a verdade, continuarão assim mesmo, sem saber. Eu espero do fundo do coração que esses olhos abram e saíam da cegueira antes que seja tarde demais.
Naruto Uzumaki"

  Depois de terminar e dar uma rápida lida, o jovem escritor passou o caderno para o parceiro e aguardou pela avaliação dele. 

— Tá ótimo! – Sasuke exclamou com satisfação ao terminar a leitura. – Só precisa fazer os ajustes básicos de sempre para então ser postado no site. – concluiu, satisfeito. 

   Naruto estava prestes a responder quando a inspiração bateu em sua porta novamente. Rapidamente o garoto pegou o bloco de notas e o lápis do colo do namorado e começou a escrever outro texto. 

"CRISTÃO
Se diz cristão,
Mas na verdade
Nem tem Deus no coração
Sabe que não deve julgar
Porém é sempre o primeiro a apontar
Gosta de dizer o que os outros devem fazer
Mas não aceita que o mesmo vale para você
Hipócrita! Não tem vergonha na cara
Usando sempre o nome de Deus
Para justificar sua conduta errada..."

  O Uzumaki escreveu o máximo que pôde, e ao terminar, encarou Sasuke. 
— Finaliza. – pediu ao Uchiha, e este último apenas assentiu ao pegar o bloco e lápis da mão do parceiro. Leu rapidamente o conteúdo escrito, sorrindo ao terminar. Com o instrumento de trabalho em posição, apenas deixou-se levar pela inspiração que o abateu naquele momento. 

"... Sua Bíblia virou realmente sua espada
E você vive usando-a
Para fazer alguma alma se sentir culpada
Mas é com muito prazer que lhe digo;
Tudo que por ti foi dito
Irá virar-se contra ti, não contra teu inimigo
Deus está no seu próximo
E enquanto a verdade não puderes ver
Todas tuas acusações voltarão-se contra você
Até que possa finalmente entender 
Que Deus não quer nem precisa de palavras bonitas
Mas sim de um mundo com mais empatia, de pessoas mais unidas."

   Sasuke sorriu satisfeito ao finalizar o poema. Não precisava pensar muito; as palavras simplesmente fluíam de sua mente,  assim como a água que flui livre e natural das nascentes. 

   Naruto sorria também, pensando em como os dois se completavam tão perfeitamente. Sasuke era o Yin e ele o Yang; ambos se encaixavam e se equilibravam de modo único. Apesar das diferenças, possuíam muitas semelhanças – embora estas se manisfetassem de maneiras diferentes em cada um. 

   A escrita apenas comprovava o quão compatíveis eram, o quão bem atuavam unidos. Sem dúvida, o abandono da religião lhe rendera mais maravilhas do que Naruto um dia sonhara possuir. 

— Ficou perfeito! – exclamou o loiro ao terminar de ler o poema pela terceira vez. – Vai ser um ótimo acréscimo no texto do blog. 

— Verdade. – concordou Sasuke, arrumando as coisas na pequena mochila que levava consigo nas costas. Fez menção de se levantar ao terminar, mas sentiu a mão do parceiro segurar a sua. Permaneceu no lugar e encarou os olhos azuis com certa curiosidade. 

— Já tá tudo pronto, é só passar pro computador e revisar depois, então pra que a pressa? Vamos ficar aqui um pouco contemplando a paisagem. 

   Sasuke concordou com um aceno de cabeça, e então ambos voltaram seus olhares para o céu, admirando-o. Para muitos nada havia de belo numa manhã tão cinzenta e fria, mas o casal via além. Eles conseguiam enxergar beleza nas nuvens escuras passeando vagarosamente pelo céu, no balançar dos galhos das árvores ao vento e no farfalhar de cada folha. 

  Eles sabiam apreciar o sabor de cada manhã sem reclamar do frio – como a maioria dos humanos ingratos fazem! Sabiam apreciar a beleza de cada momento, especialmente se este contasse com ambos juntos de mãos dadas e sorrisos bobos e apaixonados rostos. 

   Levado pela delícia de estar ali com Sasuke, Naruto apertou mais a mão dele e encarou-o com um sorriso doce. 

— Sabe Sas, evoluímos muito nesses últimos meses, mas ainda temos muito a evoluir. Apesar disso, acredito que minha maior evolução foi descobrir que não preciso me culpar por amar você. 

   O Uchiha sorriu com a declaração e selou seus lábios no do parceiro rapidamente, como uma forma de dizer "eu também te amo". Sasuke não era de dizer que amava em voz alta, o fazia em ações e Naruto entendia cada declaração por trás de simples atitudes. Era uma relação simples – até porque sempre sabe-se quando ama e há reciprocidade.

   Sim, eram dois garotos e se amavam, mas religião nenhuma no mundo poderia julgá-los, pois ao contrário dos hipócristãos, ambos pregavam o amor e o vivenciavam. Só por isso já eram mais privilegiados do que qualquer "salvo"; pois dentre tantos, eles eram dos poucos usufruíam do sentimento que o Mestre dos Mestre pregara por 33 anos, o qual quase nenhum dos que se diziam seus seguidores aprenderam a sentir.