Tô Nem Aí escrita por Youth


Capítulo 15
015. O Novo Vampiro do Pedaço




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Vivi chegou a tempo de segurar Alexei pelo ombro e o impedir de voar no pescoço de Dominic com a força de todo seu ódio. Seus olhos ardiam em raiva e amargura diante do cinismo explícito do ex. Alex tinha sede de sangue... não literalmente, mas quase.

− VOCÊ VAI O QUE? – Alexei berrou, de olhos arregalados e com a voz estridente. Kol se acolheu para mais próximo do peito de Dominic e riu baixinho. Dominic tinha um sorriso sádico e provocador.

− Isso mesmo que você ouviu – ele respondeu, em tom irônico – Soube que o ramo dos doces está em alta... – afirmou, em um tom zombador. Alexei sentia toda sua raiva se condensar em adrenalina e tentar mover seu corpo para perto do ex e lhe partir em quinhentas partes diferentes de Dominic. Vivi apertava seu ombro e sibilava "calma, por favor" em seu ouvido.

− Você é pior do que eu imaginava, sinceramente – foi tudo que Alexei pôde dizer, depois de tanto querer extravasar seu ódio e sua raiva. Seu tom era mais amargurado que enraivecido. Percebeu que não seria produtivo perder a cabeça, novamente, fazer uma idiotice e depois ficar se machucando com as lembranças. Engoliu seco, pensou, suspirou, acalmou a mente e tentou não explodir. Dominic torceu o nariz, confuso com a exposição de sentimentos do ex – Sério... –Alexei riu em nervosismo – Meu deus... O quão baixo você pode ser... É impressionante – afirmou.

Agora foi Dominic quem se preencheu de uma raiva incólume, sentindo seu coração acelerar e o sangue correr nas veias.

− Do que você tá falando? Estou seguindo em frente... Se você não consegue fazer o mesmo problema seu! – exclamou. Alexei gargalhou... Gargalhou tão alto que sentiu que Ramona poderia ouvir lá de seu apartamento.

− Nem você acredita nisso – respondeu – Você comprou um imóvel, que eu já estava de olho, do lado da Veludo Vermelho, pra abrir uma confeitaria. Dominic, você só gosta de bolos quando estão no seu prato – disse, amargurado – Você odeia pâtisserie, você mal sabe fazer comida comum. Você sempre me disse que fazer doces te deixa irritado – e encarou o ex com um olhar de pena – Meu deus, cara, isso não é superar... Nem aqui e nem na China. Sério. Por que você é obcecado por mim? – deduziu e, no fim, estava certo e Dominic concordava, mas não teria coragem o bastante para assumir.

− Eu posso não gostar, mas o Kol adora – Dominic afirmou, apertando o rapaz mais junto a si. Alexei riu.

− O garoto que você conheceu há quanto tempo? Quatro dias atrás? Cinco? Até outro dia ele tava no grindr procurando uma fast-foda, não sei se você sabe – Alexei disse, com um olhar risonho – Fiquei surpreso que ele quis alguma coisa com você... Algo me diz que ele não gosta de gente, hum, "mais velha" – afirmou, encarando Kol com um olhar provocador. O rapaz engoliu seco e encarou Dominic, confuso.

− Do que ele ta falando? – sussurrou.

− Nada – Dominic respondeu, encarando Alexei com todo seu ódio, seu desamor, sua desesperança e sua vergonha por ter sido deixado – Você fala de mim, mas continua aí... Sozinho, preso naquela confeitaria, sem ter um cara junto de você. Não sei como conseguiu ficar tanto tempo sem ninguém. Você dependia de mim pra tudo – ele disse, tocando na maior das feridas abertas de Alexei. Dominic tinha razão. O ex havia sido algoz de sua desgraça, sua incapacidade e sua prisão pelo próprio amor por incontáveis anos. Anos estes, inclusive, que para Alex, não mais voltariam. Nunca mais. Agora ele conhecia a liberdade, conhecia o amor que libertava, conhecia a vida, conhecia a loucura, a paixão, o tesão, a felicidade, a amizade, o carinho... A eternidade para si e para mais ninguém.

Alexei podia ter se encolhido e chorado como sua versão de outrora, tão marcada pela obsessão e toxidade de Dominic. Mas não esse Alexei: o que acordou para a realidade e, finalmente, percebeu que não seria mais uma vítima dos traumas e das correntes do passado. Então, sorriu, sorriu descomunalmente. Um sorriso verdadeiro, recheado de significados, platônico, misterioso, mítico, ensolarado... Como um Deus maior e mais poderoso que qualquer sorriso canônico que Dominic poderia ter.

Dominic tinha o sorriso de uma relgião. Alexei tinha o sorriso de um Deus.

Dependia— respondeu, com um ar de felicidade e uma aura alegre e desapegada – Exatamente isso. Não dependo mais. Sabe por que? Porque eu percebi que eu só preciso de mim mesmo para me sentir plenamente realizado – afirmou. Dominic engoliu seco e arregalou os olhos – Você me prendeu por tempo demais, mas não fica se achando não! Você não foi o primeiro – lembrou-se, momentaneamente, de Nico – Mas pode ter certeza que vai ser o último. Nossa, cara, demorei cento e cinquenta anos, mas finalmente eu entendi: não preciso ser cativo de ninguém para poder me sentir amado. Amor de verdade liberta – e riu, deixando Dominic descompensado e sem palavras. Vivi teve que segurar seu riso baixinho – Ah, e realmente eu não tenho "um cara"... Eu tenho dois! – não era exatamente verdade, mas também não deixava de ser. Dominic arregalou os olhos, ainda sem saber o que dizer. Alexei ajeitou os cabelos, olhou ao redor, suspirou e fez menção a sair, mas voltou – Ah, meu advogado vai te contatar logo. Não achou que eu ia deixar se safar tão fácil, né? Beijos! – riu por uma última vez, encarando aquela imagem que tanto endeusou, que tanto lhe machucou e que agora parecia tão frágil, descartável e absurdamente desnecessária.

− Cara bonita, coração horroroso— Alexei pensou, antes de mandar mais um beijo e sair, confiante.

O ônibus já estava a caminho da confeitaria quando Alexei recebeu a ligação de Roman. O coração do vampiro continuava a bater, freneticamente, pelo frenesi do momento anterior. Continuava em êxtase profundo pela discussão, admirado pela coragem que teve, feliz por ter conseguido encontrar a própria confiança e conseguir enfrentar seu machucado mais doloroso. Dominic já não era alguém que poderia controlar suas decisões, direta ou indiretamente, nem mesmo alguém com quem Alexei resguardava arrependimento. Era só alguém – muito chato – que, finalmente, ficou no passado. Havia demorado muito para perceber a própria força, mas agora que havia percebido, nunca mais ia querer se encolher na sombra de alguém novamente.

Atendeu a Roman com um sorriso involuntário no rosto.

− Boas notícias – Roman disse, num tom contente – Mandei a petição com o valor que a gente tinha conversado. Juiz não indeferiu – afirmou.

− Nossa, ah, que bom! – Alexei respondeu num tom exageradamente animado. Roman riu baixinho.

− Quanta felicidade só pela celeridade processual – e riu novamente. Alexei chacoalhou a cabeça e pigarreou, envergonhado.

− Não é isso... É que... – engoliu seco – É que eu me livrei de umas coisas que estavam me incomodando faz algum tempo – disse convicto – Mas, e agora? Qual o próximo passo? – questionou, mudando para um tom sério repentino. Ouviu o som de papéis sendo vasculhados do outro lado da linha.

− Bom, vejamos... – Roman murmurou – Agora ele vai ser notificado... Hoje é dia quinze... Até dia trinta ele tem que apresentar contestação, se não pode ser considerado revel... – afirmou. Alexei não entendia nada daquelas burocracias do direito, mas ouviu atentamente – Se ele apresentar contestação, vocês podem marcar uma audiência de conciliação... Mas se ambos não quiserem vamos direto pro tribunal.

Alexei pigarreou.

− Por mim, o quanto antes isso se resolver melhor – afirmou convicto – Não quero mais ter de ver a cara do Dominic – Roman riu baixinho – Não ri não!. Você tem sorte que esse karma não caiu em você.

− É, em vez disso meu karma está dormindo eternamente – afirmou num tom cômico e trágico. Alexei engoliu seco, envergonhado – Você já sabe qual seu próximo passo? – Roman questionou, tentando mudar drasticamente de assunto. Falar de Tori ainda o deixava triste.

Alexei arqueou as sobrancelhas e coçou as barbichas do queixo, confuso. Pensou, relutou e planejou.

− Não faço ideia – respondeu, cruzando as pernas e dando uma leve risadinha. Sentia-se feliz por ter terminado, definitivamente, com tudo que lhe prendia à Dominic e isso por enquanto bastava... Ainda que houvesse mais uma lista de problemas a serem resolvidos. Alex engoliu seco com a simples lembrança da lista que havia feito mentalmente outro dia: havia feito a encomenda de chocolate; havia conseguido resolver as coisas com Roman; havia se livrado de Dominic, mas não tinha conseguido se desculpar por completo com Ignácio, nem descobrir mais sobre o Nimbus e a dívida de transformação de Ramona, e ainda tinha que se preocupar com Dulla Swanna, Ellen Guttenberg e seu grupo religioso ultraconservador. Suspirou profundamente, coçou os olhos e pensou – Pelo menos vou ter chocolate até o fim de ano— e sorriu, otimista.

Assim que pôs os pés na confeitaria, Alexei foi interceptado por Dayana Flores, com uma prancheta e uma caneta em mãos. Os papéis na prancheta estavam absurdamente bem organizados, um gráfico de barras, alguns garranchos ilegíveis, desenhos de flores e borboletas e três listas diferentes, lado a lado.

− São as encomendas da semana – ela afirmou. Alexei suspirou, pegou a prancheta e analisou bem cada pedido.

− Deus nos ajude para não surtar essa semana – Teresa disse, se aproximando de Alexei e observando a prancheta em suas mãos. O vampiro deu uma risadinha e passou a primeira página, olhou a segunda, a terceira, a quarta... Quando menos viu, estava engolindo seco, boquiaberto com a quantidade de pedidos.

− Nesses momentos que expandir a confeitaria seria uma alternativa interessantes – afirmou. Teresa anuiu. – Acredita que o Dominic comprou aquele imóvel que tem aqui perto? Que eu tava de olho faz, tipo, meses? – Teresa estava incrédula, com um olhar de "desapontada, mas não surpresa".

− Ele é doente – sentenciou, não deixando de dizer verdades. Alexei riu.

− Sabe a pior parte? – questionou. A amiga aguardou a resposta – Ele quer abrir uma confeitaria também... – a amiga arregalou os olhos, estupefata, e não teve saída a não ser rir do nervosismo e da ironia do momento.

− Meu deus, é obsessão de mais – ela disse, por fim – Sabe como chama isso? Negação. Ele não consegue aceitar que vocês acabaram e fica se negando, forçando ao máximo pra chamar sua atenção – ela afirmou, Alexei concordou – E o que você vai fazer? Sobre a confeitaria?

− Bom, metade do dinheiro que ele investiu nela é meu, então meu advogado já está tomando providências legais – disse com um ar intelectual, Teresa riu e murmurou algo – Agora, se ele insistir e abrir a confeitaria... Bem, não vamos ter escolha a não ser esmagar eles com nossos bolos que são, obviamente, melhores – disse convicto. Teresa gargalhou, estendeu a mão para um cumprimento e encontrou com a de Alexei. − Se ele quer guerra de boleiros, ele vai ter. Ele e o ninfetinho que ele arrumou. Acredita? Diz ter vinte e um, eu não dou mais que dezenove – afirmou.

− Amado? Desde quando o Dominic tem fetiche em twink? – questionou ela, surpresa. Alexei deu de ombros e caminhou para a cozinha, com a amiga ao lado.

− E eu sei? Isso que você disse dele estar em negação faz sentido por isso – afirmou, vestindo seu avental de gatinhos sujo de farinha – Tenho dó pelo garoto, virando mais um peão no jogo dele.

− Eles que lutem – Teresa afirmou, em tom apático, enquanto analisava os papéis dados por Day Flores à Alexei – Hum... Falei para Dayana não aceitar pedidos tão em cima da hora – exclamou irritada, observando a lista. Alexei, confuso, estendeu o olhar sobre a prancheta, mas não conseguiu encontrar o que a amiga observava.

− O que diz aí? – questionou. Teresa coçou a nuca.

− Um pedido para amanhã, é só uma torta de biscoito, mas mesmo assim... Muito em cima da hora. Pediram hoje – afirmou. Alexei arqueou as sobrancelhas, confuso – E ela nem anotou o nome completo da pessoa... Vou matar essa garota. DAYANA! – a amiga gritou a todo pulmões. Alexei riu baixinho – Quem diabos é Nimbus? – ela se questionou, enquanto aguardava a chegada da jovem. Alexei arregalou os olhos, sentiu todo ar dos pulmões se ir e todo medo que vinha guardado romper pelo peito e contaminar cada pequena célula de seu corpo. Sentiu sua veia arder com a velocidade do sangue atravessando, o estômago doer e embrulhar, os pelos se ouriçarem e os poros abrirem. Engoliu seco, desconcertado, e precisou se sentar para digerir melhor tudo que vinha acontecendo – Que foi? – Teresa questionou, observando que algo estranho acontecia. Alexei engoliu seco, novamente, e pigarreou, engasgado com a própria saliva.

− Nimbus... Esse nome... – ele disse aos gaguejos, enquanto tentava manter sua mente limpa de pensamentos ruins, infrutiferamente – Esse cara... Quando exatamente ele fez esse pedido?

− Hoje, não disse? – ela respondeu com um olhar confuso.

− E deixou endereço? – questionou. Teresa deixou as planilhas de encomendas de lado, cruzou os braços e encarou o amigo.

− Tá bom... Agora você vai me dizer o que tá acontecendo – afirmou. Alexei alisou a nuca, amedrontado, buscou as melhores palavras e explicou tudo, calmamente, à amiga, que encarou toda a história com seu típico olhar julgador, atenuado a pequenas doses de medo – Puta que pariu – foi tudo que ela pôde dizer e era tudo que se esperava ouvir. Teresa estava incrédula, chocada, perplexa – Tô perplexa – disse, coçando os cabelos – E agora o que vocês vão fazer? Transformar um chefão do crime em vampiro? – questionou, num tom de crítica. Alexei revirou os olhos.

− Você falando assim até parece que a gente tem escolha – ele disse irritado. Teresa suspirou e olhou ao redor – Ou é isso... ou sei lá. Ainda não conversei com ele para saber dos detalhes do que ele vai fazer se a gente não cumprir com o combinado. Deve que esse pedido foi pra isso – Alexei se aproximou da amiga, olhando aos arredores, desconfiado – Como ele soube onde eu morava? Ou que eu tinha uma confeitaria?

Teresa riu.

− Não é tão difícil... É só jogar vampiro e confeitaria no google que seu nome é o primeiro que aparece – afirmou convicta. Alexei deu de ombros.

− Só sua sogra não percebeu isso ainda – comentou, em tom cômico. Teresa sorriu forçosamente – Mas o que eu faço, Tê? Vou até esse lugar que ele marcou? – questionou. Teresa encarou o amigo com um olhar irritado.

− Não? – questionou, como se fosse uma resposta óbvia. Alexei engoliu seco – Só se você quiser virar churrasquinho de vampiro... – respondeu. Alex não tinha certeza se ignorar o pedido do Nimbus seria uma coisa boa para si ou para os amigos. Se ele sabia onde ele morava, poderia fazer qualquer coisa consigo, com Ramona, com Edric, Teresa, Sehu, Leia... O simples pensamento de que algum de seus amigos pudesse ser ferido por sua culpa fez seu coração murchar em tristeza, tal qual todas as vezes que abdicou de algo para o bem de Dominic... e ele não queria se sentir impotente. Não mais.

− Esquece isso, então, vou fingir que nunca aconteceu – ele afirmou. Teresa suspirou, aliviada. Era evidente que ele estava mentindo, mas a amiga preferiu acreditar no que o amigo dizia.

− Agora, sobre a Ellen... – Teresa começou, tentando mudar de assunto o mais rápido possível – Acredita que ela mandou te convidar para o Sarau de Jogos da igreja que vai ter sexta? – e riu – "Alexei, como um bom cidadão patriota", ela quis dizer como um bom branco que ela acha que é humano, "vai adorar essa diversão clássica, longe de maldade", ou seja, longe de vampiros, gays, negros, muçulmanos e eleitores do Zaad. Quase quis rir quando imaginei o quão irônico seria te ver entrando lá... Ainda bem que isso não vai acontecer – supôs. Alexei tinha um olhar serelepe e mirabolante. A amiga leu bem o que significava – Alexei? Você não tá pensando em ir??? – questionou. O vampiro desviou o olhar, aos risinhos.

− Quem sabe... Vai que é divertido – respondeu. Teresa deu um leve tapinha na sua nuca.

− Você tá maluco? O que tem de divertido em cinquenta velhos brancos conservadores dizendo que você vai queimar no inferno, enquanto jogam bingo e bebem suco de ameixa? – afirmou. Alexei encarou a amiga, segurando o próprio riso, e deu de ombros. Teresa torceu no nariz – Meu deus, você não vai desistir de ir, não é?

Alexei chacoalhou a cabeça em negação.

− Ainda vou levar um pessoal junto – contou, vasculhando as prateleiras da cozinha e juntando ingredientes para preparar doces – Vai ser divertido ver sua sogra descobrindo que sou um vampiro – afirmou. Teresa revirou os olhos, bufou e saiu da presença de Alexei antes que se irritasse mais. O vampiro esperou até a amiga sumir, olhou para os lados e pegou a planilha com pedidos com as pontas dos dedos e, delicadamente, tentando fazer um tom misterioso como se estivesse cometendo um crime, procurou pelo nome de Nimbus, o número e o endereço.

Coçou a nuca, engoliu seco e sentiu uma pontinha de medo percorrer sua espinha. Já tinha o endereço, agora era saber o que ele queria consigo.

No outro dia Alexei ligou para Ramona e Edric e pediu para que eles lhe esperassem no ponto de ônibus. Havia passado boa parte da noite em claro, pensando em tudo que poderia acontecer de ruim caso fosse ao encontro com Nimbus – contudo, percebeu também que coisas piores aconteceriam caso não fosse. Pensou ininterruptamente na melhor maneira de se defender caso ele quisesse fazer algo ruim, como fugiria dali e criou um plano perfeito... Só restava saber se os amigos, que até agora não sabiam para onde iriam, saberiam como se portar.

Mais cedo foi a confeitaria, escondido de tudo e todos, e preparou uma torta de bolacha com limão, como explicitado no pedido feito por Nimbus, e trouxe consigo para o ponto de ônibus. Ramona usava preto da cabeça aos pés, Edric levava uma espécie de pochete na cintura.

− Onde a gente vai? – Edric questionou, observando Alexei se aproximar com uma torta em mãos – É alguma reunião de igreja ou coisa do tipo? – questionou. Alex suspirou, calado, observando o ônibus que iam pegar chegar no ponto. Subiu, chamou o amigo e a irmã com um olhar, e se sentou no fundo.

− Que cheiro bom – Ramona disse, aproximando o rosto da torta. Alexei afastou a irmã da guloseima com um olhar carregado de raiva – Que foi?

− Essa torta tem um destino especial – afirmou. Edric e Ramona se entreolharam, confusos.

− Alexei, você tá me assustando – Edric afirmou – Onde a gente tá indo?

Alexei suspirou profundamente, fechou os olhos e sorriu forçosamente.

− Arrumar a bagunça de vocês – respondeu irritado – Essa torta foi um pedido especial do próprio Nimbus – Ramona e Edric arregalaram os olhos, assustados. – Então vamos entregar pra ele e saber o que ele tanto quer.

Ramona engoliu seco e sentiu um tremor envolver seus pés. A ansiedade alcançou suas mãos e seus olhos, lhe pregando tiques involuntários e irritantes. Edric estava tão incrédulo que ficou atônito como uma estátua. Alexei estava confiante de que tudo ia dar certo.

Haviam sido recebidos na "mansão" de Nimbus por dois homenzarrões de terno escuro e carrancas de ódio – a mansão, no entanto, não passava de um casarão muito escuro, cheirando a mofo e sálvia, com paredes de pedra e madeira e uma estética extremamente bizarra no maior estilo gótico-romântico do século dezoito. Haviam frascos cheios de liquido viscoso e vermelho por todos os lados, lâmpadas envoltas em castiçais de ferro e estanho, plantas carnívoras decorando o ambiente e fotos de gatinhos pretos extremamente fofos. Alexei, que vivia num apartamento tão brilhante como o sol, cheio de plantas verdes e flores, cheirando a alecrim e camomila, com paredes claras e lisas, sentiu-se, como vampiro humilhado por um humano que tinha mais noção da estética vampiresca clássica que si mesmo. Definitivamente Nimbus queria ser um vampiro... Já tinha até criado seu antro.

− Definitivamente ele quer ser um vampiro – Edric sussurrou à Ramona, que precisou tirar um cigarro do bolso, acender e fumar para poder desestressar. A moça concordou, com um olhar preocupado.

Alexei engoliu seco, caminhando por aqueles corredores gélidos, flanqueado por dois homens que mais pareciam duas pilastras de marfim de tão brancos e altos. Tentou fazer o maior esforço possível para não tremer as mãos e deixar a torta cair.

Os capangas de Nimbus abriram uma porta alta e de madeira negra no fim do corredor, com detalhes encravados à mão com uma gigante delicadeza. A portava dava para um quarto mais iluminado que toda a casa em si, com um longo sofá de veludo vermelho e uma cama com "teto" de tecidos delicados e brancos, como uma cabana. Havia um enorme espelho percorrendo todo o quarto e luz de velas aromáticas azuis. Um homem estava sentado ali, de pernas cruzadas, beliscando o próprio bigode no maior estilo "Salvador Dalí" e lendo um livro de romance de Nicholas Sparks, distraído. Não passava de um rapaz, de vinte à trinta anos, de pele em tom de amêndoa e olhos escuros, usando um terno grande demais para seu corpo, calça social azul escura e... tênis? Edric quase surtou com aquela combinação extremamente brega.

O capanga precisou forçar uma tosse – duas vezes, a segunda mais alta que a anterior – para anunciar a Nimbus que haviam entrado. O homem desviou os olhos, com pupilas negras e de uma imensidão branca e vazia ao redor, e se assustou com a presença inesperada, de olhar arregalado e boquiaberto. Observou cada um dos presentes, engoliu seco, olhou mais uma vez para o livro e o jogou para longe, como se tivesse vergonha de ser pego lendo aquele tipo de leitura. Depois, se recompôs, se colocou de pé e estendeu a mão para Alexei.

− Acho que ainda não nos conhecemos – afirmou, com uma voz estridente e forçosamente grossa. Alexei apertou a mão dele, assustado, com um olhar surpreso e confuso. Sinceramente, o vampiro esperava mais altivez, altura e, principalmente, ferocidade. – Elliot Nimbus.

− Alexei Boaventura – respondeu. Nimbus sorriu, pediu para que os capangas de afastassem e se sentou.

− Boaventura, é? – questionou, num tom simpático – É de alguma casa espanhola? – pediu para que todos se sentassem no sofá de veludo que se estendia por boa parte do quarto.

− Portuguesa... – Alexei respondeu, confuso, se sentando onde foi indicado.

− Portuguesa? Ramona tinha me dito que eram da França – ele afirmou, encontrando seus olhos assustadores com os de Ramona, encolhida na própria angústia.

− Nossos pais moraram na França por muitos anos, nascemos lá, inclusive – Alexei respondeu, observando Ramona pelo canto de olho – Mas meu pai era português e minha mãe era romena – contou. Nimbus cruzou as pernas e sorriu – Mas... Não viemos aqui por isso.

Nimbus voltou a alisar o próprio bigode, com um olhar pensativo.

− Sim, claro, absolutamente – afirmou, se ajeitando no sofá – Viemos tratar de negócios, não? – ele observou a torta nas mãos de Alexei – Oh! Você trouxe mesmo a torta? – e riu. Alexei sorriu e apresentou o embrulho – Era só uma mensagem para que sua irmã viesse até mim... Mas que bom que você levou ao literal! – afirmou. Alexei colocou a torta sobre a mesinha de centro diante do sofá.

− É, eu costumo levar pedidos a sério... – respondeu. A boca de Nimbus salivava diante da cheirosa torta de Alexei, bem como a de seus capangas. Alexei percebeu isso e sentiu-se feliz e aliviado – E tem bastante... Fiz ela num tamanho maior... Vai dar pra vocês e para seus capa... Seus rapazes.

− Houdine – Nimbus disse à um dos homens – Vai buscar pratos e talheres – o homem respondeu "sim, chefe" e se foi antes de Nimbus pedir novamente – Agora, sobre nossa questão... Bem, fiz minha parte. Realizei seu trabalho e, cá entre nós, foi o que mais me trouxe dor de cabeça em todos os anos nesse ramo – de agiotagem e liderança de máfias, Alexei acreditava.

− Você... matou o Oliver? – Ramona questionou. Nimbus riu, um tom demasiado cínico e sádico. Alexei segurou a mão da irmã, tentando lhe passar confiança.

− Você disse que queria que déssemos um jeito nele... – Nimbus respondeu, coçando a própria perna – Também levamos pedido a sério aqui – disse.

− Mas não era isso! – Ramona exclamou, indignada – Ele era um babaca de marca maior, mas não queria que ele morresse, só que me deixasse em paz! – Nimbus forçou um olhar de pena.

− É triste, mas pelo menos agora você tem sua paz – e riu novamente – Só a gente que ele não tem deixado mais... – contou. Edric arqueou as sobrancelhas confuso.

− Como assim? O que você quer dizer? – Nimbus suspirou profundamente, buscando as melhores palavras.

− Desde o dia que, bem, o serviço foi feito... Coisas estranhas têm acontecido aqui, sabe? Fotos e pinturas caindo, objetos sumindo de repente, vozes estranhas pela casa, barulhos de madrugada – um calafrio percorreu Nimbus e o fez tremer repentinamente – Uma dor de cabeça atrás da outra... Mas, enfim, isso agora é problema meu. Já a sua dívida, Ramona... Você sabe o que eu quero.

Ramona encarou o irmão com um olhar entristecido e arrependido.

− E o que acontece se eu não te dar o que você quer? – questionou. Nimbus sorriu maleficamente.

− Bom, digamos que morte e tortura estejam fora de cogitação, pois estou numa vibe mais bondosa... Agradeçam ao meu amorzinho por isso – e riu, levantando-se e caminhando pelo quarto – Mas, bem, digamos também que eu tenha a arma do crime, com as suas digitais, o corpo dele lá em baixo, descansando num caixão cheio de formol, algumas coisinhas suas na posse dele e, claro, testemunhas que dizem ter visto vocês dois brigando – afirmou, com um olhar sádico e calculista. Ramona sentiu seu coração acelerar como uma britadeira. Ir preso numa prisão humana é como assinar contrato de morte para os vampiros.

− E eu não tenho escolha, então? – questionou, observando que Houdine acabava de voltar com pratos de talheres, entregando nas mão de Nimbus.

− Claro que tem! Que tipo de crápula você acha que eu sou? – respondeu – Você pode me transformar em vampiro... ou ir presa por assassinato – e riu, enquanto tirava um pedaço da torta e colocava num prato, com um olhar brilhante e uma boca salivando – Meu deus que coisa mais deliciosa! Se sirvam, rapazes! – afirmou, enquanto os capangas se aproximavam e pegavam da torta. Ramona ficou atônita, estática pelo medo e pela simples ideia de ir presa por algo que não foi, diretamente, sua culpa. Edric fez menção a pegar um pedaço da torta e comer, mas foi parado delicadamente por Alexei, que o segurou no último instante, se maneira implícita.

− Eu preciso de tempo – ela disse – Preciso estar na lua certa... – afirmou. Nimbus, com a boca cheia de torta, anuiu.

− Claro, claro. Leve o tempo que for – respondeu, se deliciando com a torta de biscoito, com um olhar maravilhado e encantado – Meu deus que delicia! – os capangas também comiam com gosto. Alexei queria rir por dentro – Ah, e vou querer do jeito difícil, ok? Decidi que não quero trair minha namorada – contou. Ramona anuiu. – Vou precisar de um pouco do seu sangue, inclusive, o sangue de vampiro que tinha em estoque sumiu naquela última festa que demos.

Alexei encarou Edric, acreditando que o sangue era dele, e depois observou Nimbus e os capangas, se questionando quanto tempo ainda demoraria para o sonífero fazer efeito. Ramona estava trêmula, assustada, e Edric confuso por não poder comer da torta. Alex observou um dos capangas, que estava em pé, precisar se sentar por não mais se aguentar sobre os próprios pés. Viu, então, que os olhos assustadores de Nimbus começavam a ficar pesados, o fazendo fechar por longos instantes e abrir logo em seguida.

− Hum, que estranho – Nimbus afirmou, em tom sonolento, acompanhado de um longo bocejo, enquanto se sentava no sofá – De repente... – e, antes que pudesse terminar, se ajeitou, deitou, fechou os olhos e se entregou aos sonhos. Alexei olhou ao redor e percebeu que os dois capangas também haviam caído no sono.

− Demorou mais do que eu imaginei – ele afirmou, se levantando de imediato com um olhar preocupado e pensativo. Ramona estava confusa.

− O que você fez? – ela questionou.

− Sonífero. Uma dose suficiente para um homem entrar em coma – respondeu, com um sorriso no rosto – Agora venham, temos trabalho a fazer – contou, enquanto deixava o quarto nas pontas dos pés para não fazer barulho e caminhava pelo casarão escuro e gélido, com os amigos atrás de si.

− Meu deus o que você tá planejando? – Edric questionou quando estavam descendo as escadas.

− Encontrar a arma do crime que tem as digitais da Ramona e sumir com ela... – Alexei respondeu, convicto – Assim não tem chantagem... E, consequentemente, ela não vai precisar transformar ninguém! – Edric tinha um olhar surpreso e alegre. Ramona continuava meio atordoada com tudo. – Ele disse que tinha deixado o corpo aqui embaixo, não é? A arma deve estar junto! Vamos! Antes que eles acordem – Alexei ordenou, vasculhando todos os cantos do salão principal e encontrando uma porta que dava para uma escadaria que descia – Mais embaixo, eu acredito... – supôs, indicando aos amigos a escadaria e caminhando por aquela imensidão cheia de escuridão e vazio existencial.

Chegaram a uma espécie de porão, cheio de teias de aranha, móveis quebrados e caixas empilhadas. No centro havia um caixão de metal pesado, bem sob a lâmpada que era a única luz a iluminar aquele cômodo gélido. Alexei engoliu seco, assustado.

− Devem ter deixado junto com o corpo – supôs, se aproximando do caixão à passos lentos e silenciosos, sentindo seu corpo se envolver por um frenesi desenfreado de adrenalina, manchado por altos graus de medo e angústia. Ainda estavam diante de um cadáver, no fim de tudo, e, mesmo já tendo visto uma centena deles, continuava uma sensação estranha e assustadora. Se aproximou, calmamente, e colocou a mão sobre o caixão. Abriu a fechadura que estava do lado, suspirou profundamente e engoliu seco antes de abrir......

....

E quase caiu no chão de surpresa quando viu que ele estava vazio. Franziu o cenho e encarou os amigos, assustado, no mesmo instante a luz apagou e eles ficaram na escuridão máxima.

Uuuuuuuuuuh! Uhhhhhhh! Vão embora!— era uma voz masculina desconhecida, forçando um tom fantasmagórico. Edric deu um gritinho abafado. Alexei, desconfiado, permaneceu estático, tirou o celular do bolso, ligou a lanterna e iluminou o local, encontrando um homem estranho, com roupas rasgadas e manchadas de sangue, uma cicatriz no pescoço e olhar de idiota, de pé, segurando um prato com um pedaço de pernil e purê de batata. Alexei olhou para a irmã, confuso, e se surpreendeu ao perceber seu olhar de ódio, raiva e surpresa.

− OLIVER??????? – ela gritou cheia de raiva. O homem da cicatriz engoliu seco, riu desajeitado e acenou. Ramona se atirou no pescoço dele e o empurrou para trás – TUDO QUE A GENTE TÁ PASSANDO, TODOS OS DIAS EU CHORANDO COM A CONSCIÊNCIA PESADA E NO FIM DE TUDO VOCÊ TÁ VIVO COMENDO PERNIL?????? – ela estava possessa, esmurrando o homem com toda sua raiva. Se ele não morreu outrora, morreria agora. Alexei correu e segurou a irmã para que ela não fizesse uma loucura.

− Oi, Moninha – Oliver disse, num tom envergonhado. Edric se aproximou, incrédulo, olhou o homem de cima a baixo e encarou a amiga.

− Tá. Agora eu quero uma explicação – ele disse, irritado. Oliver coçou a nuca.

− Teoricamente eu morri – ele disse, num tom tímido – Mas, bem, de repente eu acordei com muita fome...

O sangue de vampiro que sumiu das coisas do Nimbus— Edric sussurrou à Ramona e Alexei, que se entreolharam, confusos.

− Você bebeu alguma coisa estranha naquela festa que teve aqui? – Alexei questionou. Oliver arregalou os olhos, surpreso.

− Sim!! Várias coisas, inclusive... Tava bebendo tudo que encontrava nas prateleiras daqui. Bebi até um negócio esquisito, achei que era gummy de morango... Mas tinha gosto de...

− Ferro. Aço. Sangue – Ramona afirmou, irritada, enquanto encarava Oliver – Parabéns. Você é o novo vampiro do pedaço.


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